domingo, 30 de abril de 2017

"ARTIGO JOVENS" A Igreja de Jesus Sua origem, doutrina, ordenanças e destino eterno


     Neste trimestre de 2017, estaremos tratando, na revista de Jovens de Escola Dominical da CPAD, sobre "A Igreja de Jesus Cristo: sua origem, doutrina, ordenanças, missão e destino eterno". O tema é bastante pertinente, uma vez que estamos vivendo em nossos dias o fenômeno dos "evangélicos desigrejados".

     Segundo os dados do IBGE de 2010, esse grupo já é o segundo maior do país. Muita gente diz crer em Deus, em Jesus Cristo, mas não quer mais saber da igreja como instituição. Os motivos são os mais variados, porém a igreja não é uma instituição qualquer. Ela não é uma invenção humana, não tendo sido fundada por nenhum pastor, embora homens escolhidos por Deus venham dirigi-la. Deus é o seu único dono e Senhor.

     Nesse prisma, falaremos, nos primeiros 13 domingos deste ano, sobre a origem e desenvolvimento da Igreja, o real propósito da Igreja, a organização da Igreja, o Ministério da Igreja, as Ordenanças da Igreja, o sustento da Igreja, a Igreja na Reforma Protestante, a Igreja e os dons espirituais, a missão ensinadora da Igreja, a missão social da Igreja, a Igreja e a política, a Igreja e a salvação dos perdidos, e o que posso fazer por minha igreja.

     O grande motivo pelo qual devemos estudar sobre a Igreja é que ela foi fundada pelo Senhor Jesus Cristo para expandir o Reino de Deus na Terra. Todo o Novo Testa- mento destaca a Igreja: os quatro evangelhos mostram o fundador da Igreja, Jesus Cristo; Atos mostra como a Igreja nasceu e como foi se desenvolvendo; as Cartas Paulinas foram escritas a igrejas locais e as pastorais, a pastores de igrejas; as Cartas i Gerais também foram escritas às igrejas; e o Apocalipse apresenta igrejas recebendo orientações de Jesus. Temos, portanto, um excelente e farto material bíblico escrito a respeito da Igreja de Jesus Cristo. Isso deve chamar a nossa atenção para a importância da Eclesiologia (Doutrina da Igreja), pois a Bíblia confere muito valor a ela. Além do mais, fazemos parte da Igreja. Logo, estudar a doutrina da Igreja é tão importante quanto estudar e conhecer as demais doutrinas bíblicas, pois nós participamos fisicamente dessa doutrina e dessa instituição.

     Jesus é o fundamento da Igreja (At 4.11; Ef 2.20; 1Co 3.11; 10.4). Sem uma base sólida, nenhuma instituição ou construção consegue se manter de pé. Por isso, o fundamento é tão importante. Outro ponto importante é o propósito. Toda instituição precisa ter propósitos bem definidos. A Igreja, como instituição fundada por Deus, tem como seus desígnios a adoração, a edificação dos crentes e a evangelização.

     Toda instituição precisa também ser organizada, e o mesmo ocorre com a igreja local. Uma igreja deve ser organizada para receber bem seus membros e visitantes, e ter pessoas responsáveis atuando nos diversos ministérios e departamentos. Uma igreja desorganizada não reflete a perfeição do Evangelho. A Igreja do Senhor precisa ter dirigentes que a conduzam e apascentem, pessoas que entendam que a Igreja de Cristo foi fruto do amor de Cristo, demonstrado no alto preço que pagou por todos nós que o recebemos como Salvador (At 20.28).
     Quando falamos de Igreja, estamos falando também de ministério ou serviço, porque ministrar, no contexto bíblico, é servir. Aquele que ministra o faz porque é servo de Deus em primeiro lugar, e servo de seus irmãos, pois assim foi comissionado por Deus. Outro tema importante relacionado à Igreja são as ordenanças. A expressão "ordenanças" traz a ideia de um grupo de mandamentos específicos, que devem ser repetidos reiteradas vezes. No caso das ordenanças de Jesus, as quais são o Batismo e a Santa Ceia, estas devem ser repetidas sempre, para que o povo de Deus, a Igreja, se lembre não apenas do sacrifício de Cristo, mas igualmente do seu efeito dele para conosco. Ordenanças, no caso do batismo e da Santa Ceia, são rituais que exemplificam para a Igreja os últimos momentos de Jesus com seus discípulos e a ressurreição de nosso Senhor. Jesus deixou claro que seus discípulos deveriam ensinar, batizar e celebrar a Ceia do Senhor (Mt 22.29; 28.18).

     O sustento da igreja também é importante. Dinheiro é um assunto espiritual. Saber lidar com ele exige sabedoria, e não são poucos os filhos de Deus que tem dificuldades na área financeira. Contribuição financeira na igreja , seja dízimo, sejam ofertas, sempre trazem questionamentos, ainda mais em nossos dias, quando vemos algumas igrejas fazendo apelos quase que extorsivos para que as pessoas entreguem tudo o que têm a fim de serem abençoadas por Deus. Entretanto, devemos olhar para o que a Bíblia diz sobre o assunto. Segundo as Escrituras, dinheiro e finanças são assuntos espirituais, pois mostram a quem realmente servimos: se a Deus, ou a Mamom. Devemos contribuir movidos pela gratidão a Deus e a generosidade para com sua casa, e sabendo que nossa contribuição ajudará no sustento da igreja local e na expansão do Reino de Deus.

     Nos primeiros três séculos da era cristã, enquanto a igreja não tinha vínculos com o Estado e mantinha sua independência, foi perseguida, rechaçada e alvo de muitas críticas. Nessa época, ela lutou internamente contra diversas heresias e sistematizou uma série de doutrinas. Porém, na medida em que Estado e Igreja foram se aproximando, houve mudanças que fizeram com que a igreja abandonasse a doutrina dos apóstolos. Os ensinos de Jesus e a fé genuína em Deus e no Salvador foram, em muitos pontos, deixados de lado. Tivemos avanços nesse período, como a inicial bonança, pois a igreja não era mais perseguida e seus verdadeiros membros não eram mais mal vistos pela sociedade; com Jerônimo completando a tradução da Bíblia para o latim; e com muitas pessoas passando a professar a fé cristã. Mas, a aproximação entre igreja e Estado cobrou seu preço.

     Foi notório que a igreja daqueles dias precisava de mudanças drásticas, pois não representava mais o verdadeiro Evangelho. A igreja estava realmente distante de sua vocação de agência do Reino de Deus. Era necessário que passasse por um movimento de transformação que resgatasse os princípios da Igreja Primitiva, que valorizasse as Escrituras em detrimento da tradição, e que se abstivesse da busca pelo poder terreno. A Reforma Protestante ocorre com essa intenção.
Outro tema de destaque sobre a vida da igreja são os dons espirituais. Esse assunto tem sido alvo de debates principalmente nos últimos 100 anos, por ocasião do surgimento do Movimento Pentecostal Moderno.

     Dons espirituais são poderes ou capacitações sobrenaturais dados pelo Espírito Santo a pessoas em sua Igreja. Não são talentos naturais, aprendidos ou aperfeiçoados pelo uso de técnicas humanas. Essas dotações são divididas entre o povo de Deus pela escolha do Espírito Santo, que age "repartindo particularmente a cada um como quer" (1Co 12.11). Eles não são um sinal de superioridade espiritual. Os dons dados por Deus'não se baseiam em um grau d« santidade adquirido por um crente, e sim na própria vontade de Deus em fazer daquela pessoa alguém que vai ser usada para determinada atuação dentro do Corpo de Cristo, na igreja local.

     A missão da igreja envolve também o social, mas ela é principalmente espiritual, com foco na salvação do perdido. A salvação dos perdidos é obra do Espírito Santo. É Ele que convence o homem de seus pecados e do perdão oferecido por meio do sacrifício de Jesus. A igreja colabora com o Reino de Deus apresentando a mensagem da salvação a todas as pessoas, para que tenham chance de ouvir o evangelho e decidir entre aceitar ou rejeitar a salvação oferecida, fazendo-os entender também as consequências dessa aceitação ou rejeição. Essa é uma missão urgente para o povo de Deus, pois ninguém é salvo sozinho. A ordem de Jesus é que transmitamos a todos, indistintamente, a mensagem a salvação.

     Há pessoas que por terem passado por alguma experiência negativa na igreja local estão a denegrir a imagem e a concepção da Igreja. Muitos dizem que amam a Jesus, mas não gostam da igreja. Essa é uma frase que vem sendo constantemente pronunciada por muitos que estão feridos e magoados com algum crente ou líderes. Só que se amarmos o Noivo, não podemos deixar de amar a sua Noiva. Deus vê a Igreja como a Noiva de Cristo. Não é possível dizer que amo a Jesus e não tolerar a Igreja, pois o destino final da Igreja é estar com Jesus na eternidade.

     Eu e você somos parte de um corpo, a igreja local. E por que ela é tão importante para o nosso crescimento e comunhão? Porque cada igreja local é uma pequena representação do Reino de Deus. Sejamos, cada um de nós, agentes desse Reino, vivendo em unidade e comunhão com Cristo e uns com os outros.

Fonte do Arquivo: Ensinador Cristão nº 69
Por: Alexandre Coelho

sexta-feira, 28 de abril de 2017

(Subsídio Teológico Lição 5/ 2º Trim 2017) JACÓ: UM EXEMPLO DE UM CARÁTER RESTAURADO



         A família de Abraão destaca-se na Bíblia desde que o patriarca foi chamado por Deus para uma grande missão. Ele vivia em Ur, na Caldeia, juntamente com seu pai, Tera. Dali, saiu de Ur, na Caldeia, e foi para Harã, já na terra de Canaã com sua família (Gn 11.31). Em Harã, Abrão ouviu o chamado de Deus para sua vida para que deixasse sua parentela e fosse para uma terra que ele não conhecia (Gn 12.1-3). Aos 75 anos, Abrão saiu com Sarai, sua esposa, e também com Ló, seu sobrinho, atendendo ao chamado de Deus, e foi estabelecer-se em Canaã. Como vimos no capítulo anterior, Abraão, quando tinha 100 anos de idade, foi pai de Isaque, e Sara, a esposa de Abraão, tinha 90 anos. Isaque seguiu os passos do pai e habitou em Gerar, na terra dos filisteus. Seus filhos nasceram gêmeos. Esaú, o primogênito, tinha índole e caráter completamente diferentes de Jacó, o mais novo. Não se sabe quase nada sobre a infância do primogênito de Isaque.
Esaú tinha uma inclinação para o campo, para a vida pastoril e também para a caça. Ele gostava de viver nas planícies, nos montes e nos vales que havia na sua terra. Jacó, ao contrário, pelo seu temperamento e também por sua personalidade, voltou-se para a vida doméstica. Ele já gostava mais de estar ao lado dos seus pais, ajudando nos afazeres do lar e apreciando a confecção de alimentos e refeições.

         Um episódio que marcou para sempre a vida dos dois irmãos ocorreu quando, em um determinado dia, Esaú chegou da sua jornada, cansado e faminto, e encontrou Jacó, seu irmão, que preparara uma sopa de lentilhas que exalava um cheiro agradável, despertando ainda mais a fome de Esaú. Naquela ocasião, Esaú fez um pedido a Jacó, dizendo: “Dá-me da tua sopa, pois estou com muita fome”.

         Jacó não perdeu tempo. Usando de esperteza e astúcia, disse para o seu irmão: “Eu lhe dou a minha sopa se você me vender o seu direito de primogenitura. Naquele momento, Esaú disse: “De que me serve o direito de primogenitura se, no momento, estou com fome”. E ele trocou seu precioso direito por um prato de lentilhas. Aí, podemos ver duas atitudes que demonstram o caráter respectivo dos dois irmãos. De um lado, vemos Jacó usando de esperteza e ambição. De outro, vemos Esaú desprezando o precioso direito de primogenitura.

         Jacó poderia ter compartilhado da sua sopa com seu irmão, que estava faminto e cansado, mas não fez isso. Ele aproveitou-se da ocasião para obter um direito que, pela Lei, não era dele, querendo, de fato, usurpar o direito de primogenitura do seu irmão. Por outro lado, vemos Esaú, um homem que não dava valor à bênção de ser o filho mais velho. Ele nem ao menos considerou o valor de ser o primogênito diante de Deus, da família e do seu povo. De uma maneira muito irresponsável, ele trocou seu direito de primogenitura por um prato de lentilhas, e isso acabou custando muito caro.

         Dessa forma, os dois irmãos tinham temperamentos e personalidades bem diferentes. Noutra ocasião, Isaque, já bastante idoso, resolveu determinar uma benção de Deus sobre a vida de Esaú, o seu primogênito. Fazia parte da história e da tradição do povo hebreu do Antigo testamento o primogênito ter seus direitos dobrados com relação à partilha da herança. E Isaque quis, além desse direito natural, ministrar, pela fé em Deus, uma benção especial sobre seu filho primogênito. Ele, porém, foi surpreendido pela astúcia da própria esposa, que induzira seu filho a enganar seu pai e apropriar-se da bênção de Isaque. As consequências nãoforam nada desejáveis. Sentindo-se traído, Esaú quis matar Jacó, que teve que fugir do seu irmão. Diante de todos esses fatos, Jacó demonstrava que tinha um caráter prejudicado por falhas de sua personalidade. Ele precisava ser restaurado.

I - JACÓ: QUEM ERA ELE?
         O caráter de Jacó foi moldado pela direção de Deus como parte da bênção divina sobre Abraão, seu avô, e sobre Isaque, seu pai. Ele, no entanto, também teve marcante influência de sua criação familiar, especialmente por parte de sua mãe.

1. O Filho mais Novo de Isaque
         Ele integra a lista dos três patriarcas hebreus que marcaram a história de Israel: Abraão, Isaque e Jacó. Sua história foi pontilhada de episódios dramáticos desde o seu nascimento. Isaque e Rebeca oraram a Deus para que pudessem ter filhos, pois ela era estéril, e Deus ouviu suas orações (Gn 25.20,21). Quando Isaque tinha 60 anos, o casal teve dois filhos gêmeos como resposta de Deus. O texto diz que havia, no ventre, uma luta entre os bebês (Gn 25.22). Em oração, Deus revelou que, no ventre da mãe, havia duas nações (v. 23). Um fato profético que se cumpriu plenamente. A nação de Jacó sempre viveu em confronto com a nação descendente de Esaú.

         Se os meninos lutavam no ventre ao nascer, houve disputa para ver quem sairia primeiro. Esaú nasceu primeiro, peludo e ruivo. Essa é a razão do seu nome, que tem o significado de vermelho, ou Edom (v. 25). O segundo recebeu o nome de Jacó, que, em hebraico, é YaaKov, que significa “Deus protege”, o sentido primeiro e original do nome. Esaú foi o primogênito por uma questão de poucos minutos ou de segundos na hora do parto. Segundo o relato bíblico de Gênesis 25.26, Jacó nasceu agarrado ao calcanhar do seu irmão. Por causa disso, o seu nome passou a ter o significado de “aquele que segura pelo calcanhar” ou “suplantador”.

2. O Preferido de sua Mãe
         Isaque tinha preferência por Esaú porque gostava da caça, e Rebeca amava mais a Jacó por ser “varão simples, habitando em tendas” (v. 27). Essa preferência dividida entre os pais por causa dos filhos não resultou em benefício algum para a família. Busic diz a respeito dessa preferência:

         “Como resultado do flagrante favoritismo de seus pais, a devastação emocional é desencadeada nos dois irmãos, e os seus caracteres são destruídos pelo tratamento preferencial. Esaú cresceu obstinado e orgulhoso, sem autocontrole. Jacó tornou-se mentiroso e conspirador, sem autoestima, querendo, desesperadamente, ser amado e aceito por seu pai, estando disposto a fazer qualquer coisa para ganhar a aprovação de Isaque, mesmo que isso significasse enganar”.1

1) Abençoado por engano. Quando Isaque quis dar a bênção a Esaú, seu primogênito, ele chamou-o, determinando que fosse ao campo, apanhasse “alguma caça” e fizesse um “guisado saboroso” como ele apreciava, para que, depois de comer, viesse a dar sua bênção (Gn 27.1-5). Rebeca, numa demonstração clara do seu caráter astucioso, chamou Jacó e, usando a autoridade materna, induziu-o a trazer uma caça para preparar um guisado saboroso como o patriarca gostava. Tudo isso para Isaque abençoar Jacó antes de morrer. Diante de tal proposta indecente, Jacó fez objeção, dizendo: “[...] Eis que Esaú, meu irmão, é varão cabeludo, e eu, varão liso. Porventura, me apalpará o meu pai, e serei, a seus olhos, enganador; assim, trarei eu sobre mim maldição e não bênção” (Gn 27.11,12). Ou seja: Jacó percebeu a malícia de sua mãe, questionou sua intenção carnal, mas não tomou posição ética com firmeza.

Rebeca provou que era obstinada em suas intenções. Além de induzir o filho ao pecado, requereu para si a maldição decorrente do engano e da mentira. Sem força moral para enfrentar a mãe, Jacó
mostrou o lado fraco de seu caráter. Ele cedeu, foi buscar a caça, e sua mãe apressou-se em fazer a comida que o pai gostava. Pior ainda: fez um arranjo mentiroso no filho, enfeitando-o com pelos de carneiros para que parecesse a seu pai que era Esaú. Quando toda a trama astuciosa estava completa. Jacó foi à presença de Isaque e apresentou-se, passando-se por Esaú, com o guisado que o pai pedira. O velho Isaque estranhou o filho trazendo o que ele pedira tão rápido. Jacó, porém, seguindo o mau exemplo da mãe, enganou seu pai, dizendo que Deus o tinha abençoado e mandado a caça a seu encontro. Ele mentiu, enganou e usou o nome de Deus em vão (Gn 27.14-25).

Isaque desconfiou de tudo, mas, pelo fato de não mais ver com nitidez, deixou-se levar pelo filho enganador. O patriarca chamou o filho para beijá-lo e dar a bênção a ele. A exemplo de Judas, que traiu Jesus com um beijo (Lc 22.48). E, por engano, com base numa trama mentirosa, ministrou uma linda bênção sobre Jacó, imaginando estar abençoando Esaú. “E chegou-se e beijou-o. Então, cheirou o cheiro das suas vestes, e abençoou-o, e disse: Eis que o cheiro do meu filho é como o cheiro do campo, que o Senhor abençoou. Assim, pois, te dê Deus do orvalho dos céus, e das gorduras da terra, e abundância de trigo e de mosto. Sirvam-te povos, e nações se encurvem a ti; sê senhor de teus irmãos, e os filhos da tua mãe se encurvem a ti; malditos sejam os que te amaldiçoarem, e benditos sejam os que te abençoarem” (Gn 27.27-29).

2) Consequências do engano. Há quem ensine que o plano astucioso de Rebeca somado à leniência de Jacó foi da vontade de Deus — para justificar a doutrina da predestinação absoluta. Não compartilhamos dessa interpretação. Deus não aprova a mentira. Podemos dizer que Deus permitiu que tudo acontecesse. Rebeca usou Jacó para mentir e enganar Isaque, seu pai, para apropriar-se da bênção que seria de Esaú, e as consequências logo foram sentidas.

a) A mentira descoberta. Quando Jacó saiu da presença de Isaque com a bênção pelo engano, Esaú apresentou-se com o guisado que preparara, a fim de receber a bênção do pai.
Ao ouvir a voz inconfundível de Esaú, Isaque estremeceu e indagou sobre quem seria aquele que o enganara e tomara a bênção de Esaú, concluindo que fora Jacó. Exasperado, Esaú levantou a voz e chorou, acusando o irmão de ser usurpador, pois este já o tinha enganado duas vezes: tomando a sua primogenitura e, depois, a bênção do seu pai.

b) Uma bênção secundária. O que aconteceu depois foi terrível. Isaque, estremecido, dominado pelo desespero e num clima emocional carregado de tensão, deu a Esaú uma bênção significativa, porém subordinando Esaú a Jacó, pelo menos até que saísse do jugo de seu irmão: “Então, respondeu Isaque, seu pai, e disse-lhe: Eis que a tua habitação será longe das gorduras da terra e sem orvalho dos céus. E pela tua espada viverás e ao teu irmão servirás. Acontecerá, porém, que, quando te libertares, então, sacudirás o seu jugo do teu pescoço” (Gn 27.39,40). Apesar de ter dado uma bênção a Jacó por ter sido enganado, ela não podia mais ser revogada. Isaque fez isso pela fé, e Deus honrou o que seus lábios proferiram com sinceridade na vida do filho mais novo, tendo em vista seus propósitos para com a nação israelita. Ainda assim, houve mudança no teor da bênção. Na primeira, dada a Jacó por engano, Isaque diz que Deus daria “o orvalho dos céus” a ele e, também, “das gorduras da terra, e abundância de trigo e de mosto” (Gn 26.28).

c) O ódio domina o coração de Esaú. Usando de astúcia, Jacó tomou mais uma vez o lugar do seu irmão, apropriando-se da bênção de seu pai. “E aborreceu Esaú a Jacó por causa daquela bênção, com que seu pai o tinha abençoado; e Esaú disse no seu coração: Chegar-se-ão os dias de luto de meu pai; então, matarei a Jacó, meu irmão” (Gn 27.41).

d) A benção consciente. O velho Isaque, percebendo que Deus tinha um plano na vida de Jacó, despediu-o com exortação paternal, debaixo de sua bênção de caráter profético: “E Isaque chamou a Jacó, e abençoou-o, e ordenou-lhe, e disse-lhe: Não tomes mulher de entre as filhas de Canaã.
Levanta-te, vai a Padã-Arã, à casa de Betuel, pai de tua mãe, e toma de lá uma mulher das filhas de Labão, irmão de tua mãe. E Deus Todo-poderoso te abençoe, e te faça frutificar, e te multiplique, para que sejas uma multidão de povos; e te dê a bênção de Abraão, a ti e à tua semente contigo, para que em-herança possuas a terra de tuas peregrinações, que Deus deu a Abraão” (Gn 28.1-4). Muito mais por causa das promessas feitas a Abraão do que por Jacó, Deus reiterou a bênção de Abraão sobre ele, como já o fizera com Isaque. “[...] peregrina nesta terra, e serei contigo e te abençoarei; porque a ti e à tua semente darei todas estas terras e confirmarei o juramento que tenho jurado a Abraão, teu pai. E multiplicarei a tua semente como as estrelas dos céus e darei à tua semente todas estas terras. E em tua semente serão benditas todas as nações da terra, porquanto Abraão obedeceu à minha voz e guardou o meu mandado, os meus preceitos, os meus estatutos e as minhas leis” (Gn 26.3-5).

e) Jacó foge como um homem culpado. Seguindo a orientação dos pais, Jacó saiu de Berseba e fugiu para Harã (Gn 28.10). Ele caminhou solitário durante o dia, e a noite alcançou-o num lugar deserto. Foi uma noite de tristeza e solidão para o filho de Jacó. Em lugar de uma cama confortável, ele fez de uma pedra o seu travesseiro (Gn 28.10,11).

II - ASPECTOS DO CARÁTER DE JACÓ
1. Antes do seu Encontro com Deus
Só conhecemos Jacó a partir de sua juventude. Àquela altura, seu caráter já se construía, com experiências desde a sua infância. Até o encontro com Deus em Betei, ele era apenas um “homem natural”, ou carnal (1 Co 2.14). Naquela fase de sua vida, podemos ver alguns aspectos negativos de seu caráter.

1) Oportunista e egoísta. Quando seu irmão chegou com fome e pediu-lhe para comer do seu guisado, ele poderia ter-lhe oferecido de sua comida, compartilhando sua refeição. No entanto, numa prova de oportunismo e ambição, disse logo: “Vende-me, hoje, a tua primogenitura” (Gn 25.31). Imagine se, hoje em dia, um irmão cobrasse do outro um carro novo por um prato de sopa! Seria notícia nos noticiários da televisão. Nas redes sociais, seria “viralizado” com algum título absurdo, do tipo: “Crente de uma igreja troca um prato de sopa por um carro zero quilômetro”. Jacó fez pior que isso. Em seu oportunismo e ambição, pediu a seu irmão o que ele tinha de mais precioso em troca de um prato de lentilhas, que foi o direito de primogenitura, que lhe garantia privilégios quando da partilha da herança do seu pai. O primogênito era santificado ou consagrado a Deus (Ex 13.2, Nm 3.13; Lc 2.23); era tão importante ser o primogênito que Deus deu os levitas em lugar deles (Nm 3.12); a herança do primogênito era o dobro do que os demais filhos receberiam, mesmo que fosse filho de esposa “aborrecida” pelo marido (Dt 21.17); o primogênito tinha o direito de assumir a liderança do pai sobre o grupo, o clã, a tribo ou o reino (2 Rs 3.27).
Esse defeito ocorre ainda hoje quando há cristãos que dão lugar à sua velha natureza e barganham coisas com seus irmãos, explorando-os por suas necessidades. Se um pastor diz para a igreja que os crentes devem dar “tudo o que têm”, “todo o seu salário”, “o seu carro” ou “sua casa” para que seja abençoado, ele, então, está agindo como Jacó, pois está trocando até o que não lhe pertence por coisas que são valiosas para os necessitados.

2) Interesseiro e calculista. Enquanto Esaú era imediatista e agia por impulso, Jacó era frio e calculista. Conhecedor do comportamento leviano do irmão, Jacó não apenas propôs trocar algo tão insignificante, como um prato de sopa de lentilhas, por algo tão valioso, como também exigiu que Esaú fizesse um juramento que garantisse que sua troca seria respeitada por toda a vida. “Então, disse Jacó: Jura-me hoje. E jurou-lhe e vendeu a sua primogenitura a Jacó” (Gn 25.33; Hb 12.16). Só depois do juramento, ele “[...] deu pão a Esaú e o guisado das lentilhas” (Gn 25.34). Jacó era inteligente, provavelmente de temperamento fleumático, o que lhe dava condição de raciocinar com calma para alcançar o que  queria. Ele só esquecia uma coisa: da lei da semeadura e da sega. O que ele estava plantando em sua juventude haveria de colher mais tarde (Gl 6.7) em proporção muito maior.

3) Um caráter fraco e leniente. Jacó já não era mais um adolescente; porém, quando foi induzido por sua mãe a mentir e enganar seu pai? Ele sabia que tal proposta era errada (Gn 27.11,12). Sua mãe insistiu na prática do erro, chamando para si a maldição daquele engano, daquele arranjo fraudulento. Jacó, por sua vez, não teve força moral para ficar firme e, mesmo contrariado, fez tudo o que sua mãe lhe obrigara: levou os cabritos para ela fazer o guisado, vestiu as roupas de Esaú, deixou sua mãe cobrir suas mãos com pelos de cabrito e levou o guisado para seu pai (Gn 27.6-17). Um filho deve honrar seus pais, pois é mandamento de Deus, mas não tem obrigação de compactuar com a mentira e a trapaça.

4) Mentiroso e enganador. Ao chegar à presença de Isaque, este perguntou: “Quem és tu, meu filho?” (Gn 27.18). Era a hora da verdade. Ainda assim, Jacó preferiu continuar na mentira: “Eu sou Esaú, teu primogênito. Tenho feito como me disseste [...]” (v. 19). Eis a primeira mentira. Onde estava o temor de Deus na vida de Jacó? Responder ao pai que era o irmão?! Isaque ficou admirado, pensando ser Esaú, e também como teria retornado tão rápido com a caça. Mais uma vez, Jacó mentiu: “Porque o Senhor, teu Deus, a mandou ao meu encontro” (v. 20). Aí está a segunda mentira. Ao abraçar Jacó, Isaque disse: “A voz é a voz de Jacó, porém as mãos são as mãos de Esaú” (v. 22). Confuso, Isaque perguntou: “Es tu meu filho Esaú mesmo? E ele disse: Eu sou” (v. 24). E assim Jacó mentiu pela terceira vez. Mesmo em dúvida, Isaque abençoou Jacó, pensando que era Esaú (w. 24-29).

2. Depois do seu Encontro com Deus.

1) Um caráter agradecido. Surpreendentemente, Jacó passou a ver as coisas numa perspectiva espiritual de um novo relacionamento com Deus e fez-lhe um voto, dizendo: “[...] Se Deus for comigo, e me guardar nesta viagem que faço, e me der pão para comer e vestes para vestir, e eu em paz tornar à casa de meu pai, o Senhor será o meu Deus; e esta pedra, que tenho posto por coluna, será Casa de Deus; e, de tudo quanto me deres, certamente te darei o dízimo” (Gn 28.20-22). Nesse fato, vemos que Jacó tinha consciência do valor do dízimo como expressão sincera de gratidão a Deus, a exemplo do que fizera Abraão, seu avô, perante Melquisedeque (Gn 14.18-20). A atitude de Jacó em relação ao dízimo responde a uma questão que muitos crentes fazem: se o dízimo é sobre o bruto da renda ou sobre a renda líquida. Em seu voto, ele prometeu dar “de tudo” quanto Deus desse a ele, e não do que lhe sobrasse. Abraão também deu “o dízimo de tudo” (Hb 7.2). Isso mostra que o cristão grato a Deus entrega o dízimo da sua renda bruta e não do que lhe sobra. A atitude de Jacó demonstra sua gratidão a Deus de forma antecipada. E o Senhor honrou a sua fé.

2) Um caráter esforçado e sofredor. Ao chegar à casa de Labão, seu tio, Jacó revelou-se um homem trabalhador. Em lugar de receber um salário em dinheiro, preferiu trabalhar sete anos por Raquel, a quem amava. Mas, na noite de núpcias, ele experimentou, em termos de engano, o resultado daquilo que plantara. Jacó foi enganado pelo sogro e, em lugar de casar-se com Raquel, acabou casando-se com Léia. Só depois que terminou a semana de festas de casamentos, Jacó casou-se com Raquel, sua amada, e ficou trabalhando para Labão “outros sete anos” (Gn 29.21-30).
Não foi apenas esse o preço que Jacó teve que pagar por sua vida de enganos e mentiras. Labão mudou o seu salário dez vezes durante 20 anos (Gn 31.7). Em sonho, Deus mostrou como suplantar a ambição e a injustiça de Labão. O “anjo de Deus” mostrou-lhe como fazer para que o seu rebanho ficasse forte e o rebanho do sogro enfraquecesse (Gn 31.10-12). Alguém escreveu que ele enganou o sogro. Mas, se foi o anjo de Deus que lhe orientou, não é considerado engano.

3) Um homem na direção de Deus. Após ser enganado pelo sogro, Jacó reuniu sua família e fugiu de Harã. Mas ele não o fez apenas pelo medo do sogro. Sua saída de Harã foi por direção de Deus, com quem ele aprendeu a relacionar-se. “E disse o Senhor a Jacó: Torna à terra dos teus pais e à tua parentela, e eu serei contigo. (Gn 31.3). Ao explicar o plano de fuga à família, Jacó repetiu o que ouvira da parte de Deus: “Eu sou o Deus de Betei, onde tens ungido uma coluna, onde me tens feito o voto; levanta-te agora, sai-te desta terra e torna-te à terra da tua parentela” (Gn 31.13). Desse modo, Jacó empreendeu a fuga com a família, sendo imediatamente perseguido pelo sogro. Este não pôde fazer-lhe mal algum porque Deus entrou em ação e determinou que ele não falasse “nem bem nem mal” (Gn 31.24).

3. O Reencontro com Esaú
Aproximando-se de Seir, na terra de Canaã, onde seu irmão vivia, Jacó enviou mensageiros a Esaú e anunciou o seu retorno. Os mensageiros voltaram e disseram que Esaú vinha ao seu encontro com 400 homens.

1) Um homem quebrantado e temente a Deus. Jacó lembrou-se do passado e de sua desavença com o irmão e, temeroso, dividiu a família em dois bandos para que um pudesse escapar em caso de ataque. Sua angústia era grande, porém sua oração revela seu temor (Gn 32.9-12). Ele enviou três grupos de servos, cada um levando presentes para aplacar uma suposta agressão por parte de Esaú (Gn 32.13-21).

2) Um homem que lutou com Deus. Após tomar as precauções que julgava necessárias, Jacó passou o vau de Jaboque e travou uma luta com um varão até pela manhã. O “varão” era um ser celestial — provavelmente um anjo — que não prevaleceu contra Jacó. Não pode ter sido o próprio Deus, pois um homem jamais podería vencer Deus. Além disso, o “varão” perguntou pelo seu nome, e ele respondeu: “Jacó”. E o anjo lhe disse: “Então, disse: Não se chamará mais o teu nome Jacó, mas Israel, pois, como príncipe, lutaste com Deus e com os homens e prevaleceste. E Jacó lhe perguntou e disse: Dá-me, peço-te, a saber o teu nome. E disse: Por que perguntas pelo meu nome? E abençoou-o ali. E chamou Jacó o nome daquele lugar Peniel, porque dizia: Tenho visto a Deus face a face, e a minha alma foi salva” (Gn 32.28-30).
A experiência do encontro de Jacó com Esaú mostra que, quando Deus age na vida das pessoas, seus caracteres são transformados. Jacó passou a ser humilde, sofredor, paciente, longânimo, altruísta. Esaú passou a ser manso, perdoador e maduro. Em ambos os casos, vemos a graça de Deus superabundando onde, antes, abundou o pecado na vida desses irmãos (Rm 5.20). Foi pela sua incomensurável graça que Deus escolheu Jacó em lugar de Esaú, mesmo com seu caráter deficiente. Esaú e Jacó passaram a viver o que diz o salmo: “Oh! Quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união!” (Sl 133.1).

CONCLUSÃO
A escolha de Jacó para ser o patriarca que tomou o nome de Israel, sendo ele o líder das 12 tribos da nação israelita, não atende aos pressupostos da lógica racional, sob o ponto de vista humano. Mesmo assim, representa uma das insondáveis decisões divinas que atende aos propósitos de Deus, especialmente em cumprimento às promessas feitas a Abraão, de que ele seria pai de uma grande nação, quando de sua extrema velhice e também esterilidade de sua esposa. Deus não escreve certo por linhas tortas, como diz o dito popular, mas escreve certo pelos seus retos propósitos e insondáveis pensamentos.



Almir Batista
 

Fonte :

Livro o Caráterdo Cristão
Moldado pela Palavra de Deus e provado como ouro


Elinaldo Renovato de Lima

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Jacó, um Exemplo de Caráter Restaurado

O desvio de caráter é algo sério. Significa violar valores fundamentais que, uma vez não respeitados, põem em xeque o bem estar do outro. Essa afirmativa pode ser exemplificada a partir de dois exemplos.
         Primeiramente, digamos que você entrega um valor monetário para uma pessoa, em tese de sua confiança, para depositá-lo numa conta mencionada por você. A pessoa diz que o depositou conforme solicitado. Mas passam os dias e o beneficiário informa que não o recebeu. Ora, por certo houve um problema eletrônico ou algo do tipo − pode-se pensar. Entretanto, a pessoa que você pediu para depositar o valor sabe que não houve problema algum, pois simplesmente ela o tomou para si.
    Segundo, imagine um partido político uma vez no poder, que outrora pregava contra a corrupção, deliberadamente não obedece as leis fiscais, não se faz transparente, maquia a contabilidade no ano de eleições a fim de os adversários políticos e a sociedade não terem acesso às informações verdadeiras. Tudo em nome de uma causa que poucos conhecem a quem interessa. Desobedecer deliberadamente as leis a fim de esconder o próprio crime é a prova cabal do desvio de caráter. Portanto, algo muito sério!
    Os casos mencionados, ambos exemplos da vida real, prejudicaram pessoas. O primeiro lesou duas: a que solicitou o depósito e a que teria de recebê-lo. Imagine o transtorno com atrasos, necessidades não atendidas e outras mais! O segundo caso lesou a nação inteira, pois trabalhadores perderam seus empregos, empresas faliram e a Economia quebrou. É impossível calcular as décadas de perda para essa nação. Demorará muito para ela se recuperar. Na presente lição acerca do caráter de Jacó, tanto do ponto de vista individual quanto do coletivo, não podemos tratar o desvio de caráter como se fosse algo distante de nós. Invariavelmente, é possível o cristão comum se vê num contexto em que essa luta travada com a natureza humana se manifeste. Entretanto, devemos dar ênfase ao aspecto restaurador do caráter de Jacó, pois a história do patriarca mostra o quanto a natureza humana pode ser alterada a partir de um verdadeiro encontro com Deus. Um processo de metanoia se instala, isto é, há uma transformação radical no caráter, carregada de uma convicção profunda de arrependimento. Ora, em Cristo Jesus, todo ser humano pode ter esse encontro com o nosso eterno Senhor. Em Cristo, o caráter pode ser restaurado!