domingo, 1 de abril de 2018

Davi Livingstone. - Célebre missionário e explorador (1813-1873)


Certo comerciante, ao visitar a abadia de Westminster, em Londres, onde se acham sepultados os reis e vultos eminentes da Inglaterra, inquiriu qual o túmulo, excluindo o do "soldado desconhecido", que é mais visitado. O porteiro respondeu que era o de Davi Livingstone. São poucos os humildes e fiéis servos de Deus que o mundo distingue e honra assim.

Conta-se que, em Glasgow, depois de passar dezesseis anos na África, Livingstone foi convidado a fazer um discurso perante o corpo discente da universidade. Os alunos resolveram vaiar esse "camarada missionário'', fazendo o maior barulho possível. Certa testemunha do acontecimento disse: "Contudo, desde o momento em que Livingstone compareceu perante eles, magro e delgado, depois de cair trinta e uma vezes de febre nas matas da África, e com um braço descansando numa tipóia, depois do encontro com um leão, os alunos guardaram grande silêncio. Ouviram, com o maior respeito, tudo que o orador relatou e amaneira como Jesus cumprira a sua promessa: "Eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos".

Davi Livingstone nasceu na Escócia. Seu pai, Neil Livingstone, contava aos filhos as proezas de seus antepassados, por oito gerações. Um dos bisavôs de Davi, com a família, fugira dos cruéis pactuários, para os pantanais e montes escabrosos, onde podia adorar a Deus em espírito e em verdade. Mas mesmo esses cultos, que se realizavam entre os espinhos e, às vezes, no gelo, eram interrompidos, de vez em quando, pela cavalaria que chegava galopando para matar ou levar presos, tanto homens como mulheres.

Os pais de Davi criaram seus filhos no temor do Senhor. O lar era sempre alegre e servia como notável modelo de todas as virtudes domésticas. Não se perdia uma hora durante os sete dias da semana e o domingo era esperado e honrado como o dia de descanso. Com a idade de nove anos, Davi ganhou um Novo Testamento, prêmio oferecido ao repetir de cor o capítulo mais comprido da Bíblia, o Salmo 119.

"Entre as recordações mais sagradas da minha infância", escreveu Livingstone, "estão as da economia da minha mãe para que os poucos recursos fossem suficientes para todos os membros da família. Quando completei dez anos de idade, meus pais me colocaram em uma tecelagem para que eu ajudasse a sustentar a família. Com parte do salário da primeira semana, comprei uma gramática de latim".
Davi iniciava o dia na tecelagem, às seis horas da manhã e, com intervalos para o café e o almoço, trabalhava até oito da noite. Segurava a sua gramática aberta na máquina de fiar algodão e, enquanto trabalhava, estudava-a linha por linha. Às oito horas da noite, dirigia-se, sem perder tempo, à escola noturna. Depois das aulas, estudava as lições para o dia seguinte, às vezes, até a meia-noite, quando a mãe tinha de obrigá-lo a apagar a luz e dormir.

A inscrição no túmulo dos pais de Davi Livingstone indica as privações no lar paterno:

Para marcar o lugar onde descansa :
Neil Livingstone, e Agnes Hunter, sua esposa,

e para exprimir a gratidão a Deus dos seus filhos:
João, Davi, Janet, Carlos e Agnes, por pais pobres e piedosos.

Os amigos insistiam em que ele mudasse as últimas palavras para "pais pobres, mas piedosos". Contudo, Davi recusou porque, para ele, tanto a pobreza, como a piedade eram motivos de gratidão. Sempre considerou o fato de aprender a trabalhar longos dias, mês após mês, ano atrás ano, na fábrica de algodão, uma das maiores felicidades da sua vida.

Nos dias feriados, Davi gostava de pescar e fazer longas excursões pelos campos e às margens dos rios. Esses passeios extensos lhe serviam tanto de instrução como de recreio; saía para verificar na própria natureza o que estudara nos livros sobre botânica e geologia. Sem o saber, ele assim se preparava em corpo e mente para as explorações científicas e para o que escreveria com exatidão acerca da natureza na África.

Aos vinte anos, houve grande mudança espiritual em Davi Livingstone, que determinou o rumo de todo o resto da sua vida. "A bênção divina inundou-lhe o ser como inundara o coração do apóstolo Paulo ou de Agostinho, e outros do mesmo tipo, dominando os desejos carnais... Atos de abnegação, muito difíceis de executar sob a lei férrea da consciência, tornaram-se em serviços de vontade livre sob o brilho do amor divino... É evidente que fora movido por uma força calma, mas tremenda, dentro do próprio coração, até o fim da vida. O amor que começou a comovê-lo, na casa paterna, continuou a inspirá-lo durante todas as longas e enfadonhas viagens pela África, e o levou a ajoelhar-se, à meia-noite, no rancho em Ilala, de onde seu espírito, enquanto ainda orava, voltou ao seu Deus e Salvador.

Davi, desde a infância, ouvia falar de um missionário valente na China, cujo nome era Gutzlaff. Nas suas orações, à noite, ao lado de sua mãe, orava por ele. Com a idade de dezesseis anos, Davi começou a sentir desejo profundo de fazer conhecido o amor e a graça de Cristo àqueles que jaziam em densas trevas, e resolveu firmemente no coração dar, também sua vida, como médico e missionário, ao mesmo país, a China.

Ao mesmo tempo, o professor da sua classe na Escola Dominical, Davi Hogg, o aconselhava: "Ora, moço, faça da religião o motivo principal da sua vida cotidiana e não uma coisa inconstante, se quer vencer as tentações e outras coisas que o querem derribar". E Davi assentou no seu coração dirigir sua vida por essa norma.
Ao completar nove anos de serviços na fábrica, foi promovido a um trabalho mais lucrativo. Conseguiu completar seus estudos, recebendo o diploma de licenciado da Faculdade de Médicos e Cirurgiões de Glasgow, sem ter recebido um tostão de auxílio de alguém.

Se os crentes não o tivessem aconselhado a que falasse à Sociedade Missionária de Londres acerca de enviá-lo como missionário, ele depois declarou que teria ido por seus próprios esforços.
Durante todos os anos de estudos para ser médico e missionário, sentia-se dirigido para ir a China. Certa vez, numa reunião, ouviu o discurso de um homem, de barba comprida e branca, alto, robusto e de olhos bondosos e penetrantes, chamado Roberto Moffat. Esse missionário voltara da África, um país misterioso, cujo interior era então desconhecido. Os mapas desse continente tinham no centro enormes espaços em branco, sem rios e sem serras. Falando da África, Moffat disse a Davi Livingstone: "Há uma vasta planície ao norte, onde tenho visto, nas manhãs ensolaradas, a fumaça de milhares de aldeias, onde nenhum missionário ainda chegou".

Comovido, ao ouvir falar em tantas aldeias sem o Evangelho e sabendo que não podia mais ir à China por causa de guerra que havia naquele país, Livingstone respondeu: "Irei imediatamente para a África".
Com isso os irmãos da missão concordaram e Davi voltou ao humilde lar em Blantire para se despedir dos pais e irmãos. Às cinco horas da manhã, do dia 17 de novembro de 1840, a família se levantou. Davi leu os salmos 121 e 135com eles. As seguintes palavras ficaram gravadas no seu coração, para o fortalecerem no calor e perigos durante os longos anos que passou depois, na África: "O sol não te molestará de dia e nem a lua de noite... O Senhor guardará a tua entrada e a tua saída, desde agora e para sempre". Depois de orarem, despediu-se da sua mãe e irmãs e andou a pé, com seu pai que o acompanhou até Glasgow. Depois de se despedirem um do outro, Davi embarcou no navio para não mais ver, aqui na terra, o rosto nobre de Neil Livingstone.

A viagem de Glasgow ao Rio de Janeiro e, por fim, à cidade do Cabo, na África, durou três meses. Mas Davi não desperdiçou o tempo. O comandante se tornou seu amigo íntimo e ajudou-o a preparar os cultos, nos quais Davi pregava aos tripulantes do navio. O novo missionário aproveitou, também, a oportunidade a bordo para aprender a usar o sextante e saber exatamente a posição do navio, observando a lua e as estrelas. Essa ciência lhe foi mais tarde de incalculável valor para orientar-se nas viagens de evangelização e exploração no imenso interior desconhecido do qual "subia a fumaça de mil vilas sem missionário".
Da cidade do Cabo, a viagem de 190 léguas foi feita aos solavancos, num carro de boi, através de campos incultos. A viagem durou dois meses, até chegar em Curumã, onde devia esperar o regresso de Roberto Moffatt. Desejava estabelecer-se em um lugar cinqüenta a sessenta léguas mais para o norte de qualquer outro em que houvesse obra missionária.

Para aprender a língua e os costumes do povo, nosso pioneiro passava o tempo viajando e vivendo entre os indígenas. O seu boi de sela passava a noite amarrado, enquanto ele assentava-se com os africanos ao redor do fogo, ouvindo as lendas dos seus heróis. Livingstone, por sua vez, contava-lhes as preciosas e verdadeiras histórias de Belém, da Galiléia e da Cruz. Continuou sempre os seus estudos enquanto viajava, fazendo mapas dos rios e serras do território percorrido. Em uma carta a um amigo escreveu que descobrira trinta e duas qualidades de raízes comestíveis e quarenta e três espécies de fruteiras que davam no deserto sem serem cultivadas. De um ponto que alcançou, faltavam-lhe apenas dez dias de viagem para chegar ao grande lago Ngami, que descobriu sete anos depois.
De Curumã, o missionário, licenciado da Faculdade de Médicos e Cirurgiões de Glasgow, escreveu a seu pai: "Tenho uma clientela grande. Há pacientes aqui que andaram mais de sessenta léguas para receberem tratamento médico. Esses, ao regressarem, enviarão outros para o mesmo fim".

Estabeleceu a sua primeira missão no lindo vale de Mabotsa, na terra de Bacarla. Em uma carta, escrita de Curumã, Livingstone assim descreveu o local que escolhera para centro de evangelização: "Está situado em um anfiteatro de serras que se intitula 'Mabotsa', isto é, 'Ceia de Bodas'. Que Deus nos ilumine com a sua presença, para que, por intermédio de servos tão fracos, muito povo ache entrada para a Ceia das Bodas do Cordeiro!"
Foi em Mabotsa que teve o histórico encontro com um leão. Acerca disso escreveu Davi: "Ele saltou e me alcançou o ombro; ambos fomos ao chão. Rosnando horrivelmente perto do meu ouvido, sacudiu-me como um cão faz a um gato. Os abalos que me deu o animal produziram-me um entorpecimento igual ao que deve sentir um rato, depois da primeira sacudidela que lhe dá o gato. Atacou-me uma espécie de adormecimento, em que não senti dor nem sensação de temor".
Contudo, antes de a fera ter tempo de o matar, deixou-o para atacar outro homem que, de lança na mão, entrara na luta. O ombro dilacerado de Livingstone nunca sarou completamente: ele nunca mais pôde apontar um rifle ou levar a mão à cabeça sem sentir dores.

Foi na casa de Roberto Moffatt, em Curumã, que chegou a conhecer Maria, a filha mais velha desse missionário. Depois de abrir a missão em Mabotsa os dois se casaram. Seis filhos foram o fruto desse enlace.
Depois de Livingstone se casar, a Escola Dominical em Mabotsa transformou-se em escola diária, tendo sua esposa como professora. Schele, o chefe da tribo, tornou-se grande estudante da Bíblia, mas queria "converter" todo o seu povo à força de "litupa", isto é, chicote de couro de rinoceronte. Schele iniciou culto doméstico em casa e o próprio Livingstone se admirou da sua maneira, simples e nata, de orar. Era o costume de Livingstone começar o dia com culto doméstico e não é de admirar que o chefe o adotasse também.

Livingstone foi obrigado a mudar-se para Chonuane, dez léguas distante e, mais tarde, por falta de água, ele e todo o povo mudaram-se para Colobeng. Foi nesse último lugar que o chefe da tribo construiu uma casa para os cultos e Livingstone construiu com grande sacrifício de dinheiro e labor, a sua terceira casa de residência. Nessa casa morou cinco anos para nunca mais conseguir fixar residência em qualquer lugar na terra.

Acerca do trabalho nesse lugar, assim se expressou: "Aqui temos um campo muitíssimo difícil de cultivar... Se não confiássemos que o Espírito Santo opera em nós, desistiríamos em desespero".
Através do deserto de Calari, chegavam boatos de um grande lago
e de um lugar chamado ''Fumaça Barulhenta", o que ele julgava ser uma grande cachoeira. As secas o oprimiam tanto em Colobeng que Livingstone resolveu fazer uma viagem de exploração e achar um lugar mais ideal para estabelecer a sua missão. Assim, em 1º de junho de 1849, com o chefe da tribo, seus "guerreiros", três brancos e sua família, saíram para atravessar o grande deserto de Calari. O guia do grupo, Romotobi, conhecia o segredo de subsistir no deserto, cavando com as mãos e chupando a água debaixo da areia por meio dum canudo.
Depois de viajarem muitos dias, chegaram ao rio Zouga. Ao inquirir os indígenas, estes o informaram de que o rio tinha nascente em uma terra de rios e florestas. Livingstone ficou convicto de que o interior da África não era um grande deserto como o mundo de então supunha, e o seu coração ardia com o desejo de achar uma via fluvial, para outros missionários irem para o interior do continente, com a mensagem de Cristo.

"A perspectiva", escreveu ele, "de achar um rio que dê entrada a uma vasta, populosa e desconhecida região, aumentou constantemente desde então; aumentou tanto que, quando, por fim chegamos ao grande lago, esse importante descobrimento, em si mesmo, parecia de pouca monta".
Foi em 1º de agosto de 1849 que o grupo atingiu o lago Ngami, tão grande é esse lago que, de uma margem, não se avista a margem oposta. Sofreram longos dias de cruciante sede sem obter uma gota dágua, mas venceram todas as dificuldades e descobriram esse lago enquanto outros exploradores mais bem equipados, mas menos persistentes, falharam.

As notícias do descobrimento foram comunicadas à Royal Geographical Society, o que lhe votou uma bela recompensa de vinte e cinco guinéus, "por ter descoberto uma importante terra, um importante rio e um grande lago".
O grupo teve de voltar a Colobeng. Depois de alguns meses, porém, iniciou novamente viagem para o lago Ngami. Não queria separar-se da sua família e levou-a em um carro de boi. Mas, ao alcançar o rio Zouga, os filhos foram atacados pela febre e ele teve de voltar com a família. Nasceu-lhe uma filha, que morreu logo de febre. Livingstone, contudo, ficou mais firme do que nunca, na sua resolução de achar um caminho para levar o Evangelho ao interior da África.
Depois de descansar alguns meses com a família, na casa de seu sogro, em Curumã, saíram com o propósito de achar um lugar saudável onde pudesse estabelecer uma missão mais para o interior. Foi nessa viagem, em junho de 1851, que descobriu o maior rio da África Oriental, o Zambeze, rio do qual o mundo de então nunca ouvira falar.

No seguinte trecho que Livingstone escreveu, descobre-se algo do que tinham de sofrer nessas viagens: "Um dos assistentes desperdiçou a água que levávamos no carro e, à tarde, tínhamos apenas um restinho para as crianças. Passamos a noite angustiados e na manhã seguinte, quanto menos havia de água, tanto mais aumentava a sede das crianças. O pensamento de elas perecerem diante de nossos olhos, nos perturbava. Na tarde do quinto dia, sentimos grande alívio, quando um dos homens voltou trazendo tanto desse líquido como jamais antes havíamos pensado."

Livingstone, convicto de que era a vontade de Deus que saísse para estabelecer outro centro de evangelização, e com indômita fé de que o Senhor supriria todo o necessário para cumprir a sua vontade, avançava sem vacilar.
Depois de descobrir o rio Zambeze, Livingstone veio a saber que os lugares saudáveis eram sujeitos a serem saqueados em qualquer tempo por outras tribos. Só nos lugares infestados de doença e febre é que se achavam tribos específicas.
Resolveu, portanto, enviar a esposa para descansar na Inglaterra enquanto ele continuava as suas explorações a fim de estabelecer um centro para a obra de evangelização. Via-se forçado a estabelecer tal centro, porque os boêres holandeses invadiam o território, roubando as terras e o gado dos indígenas, pondo em prática um regime da mais vil escravatura. Livingstone enviou crentes fiéis para evangelizar os povos em redor, mas os boêres acabaram com essa obra, matando muitos dos indígenas e destruindo todos os bens que o missionário possuía em Colobeng.

Livingstone levou sua família para a cidade do Cabo, de onde seus queridos embarcaram em um navio para a Inglaterra.
Foi nesse tempo, quando Deus suprira todo o necessário para a família voltar à Inglaterra, que disse: "Oh! Amor divino, eu não te amo com a força, a profundidade e o ardor que convém!"

A separação da família causou-lhe profunda mágoa, mas dirigiu o rosto heroicamente de novo para socorrer as infelizes tribos do interior da África.
Havia três motivos que o aconselhavam a fazer uma viagem de exploração: Primeiro, queria achar um lugar para residir com a família entre os "barotses" e evangelizá-los. Segundo, a comunicação entre o território dos "barotses" e a cidade do Cabo era muito demorada e difícil e queria descobrir um caminho para um porto mais próximo. Terceiro, queria fazer todo o possível para influenciar as autoridades contra o horrendo tráfico de escravos.
Foi nessa época da sua vida que Livingstone, por suas proezas, tornou-se conhecido no mundo inteiro.

No seu ardor, desejando que Deus lhe poupasse a vida e o usasse em abrir o continente para a entrada do Evangelho, orou assim: "Ó Jesus, rogo que me enchas agora com oteu amor e me aceites e me uses um pouco para a tua glória. Até agora não fiz nada para ti, mas quero fazer algo. Oh! eu te imploro que me aceites e me uses e que seja tua toda a glória". Escreveu mais ainda: "Não valeria coisa alguma o que possuo ou o que possuirei, a não ser em relação ao reino de Cristo. Se alguma coisa que tenho pode servir para o seu reino, dar-lhe-ei a Ele, a quem devo tudo neste inundo e durante a eternidade".

Livingstone atravessou, ida e volta, o continente africano, desde a foz do Zambeze a São Paulo de Luanda, façanha essa realizada pela primeira vez por um branco. Nas suas memórias que escrevia diariamente, nota-se como admirava as lindas paisagens de um continente que o mundo julgava ser um vasto deserto.
Chegou a Luanda, magro e doente. Apesar da insistência do cônsul britânico para que regressasse à Inglaterra, a fim de recuperar a saúde abalada, ele voltou novamente, por outro caminho, para levar seus fiéis companheiros até em casa, conforme lhes prometera antes de iniciarem a viagem.

Nessa viagem, Livingstone descobriu as magníficas cataratas de Vitória, nome que ele deu às grandes quedas em honra da rainha da Inglaterra. Nesse lugar, o rio Zambeze tem a largura de mais de um quilômetro; ali as águas desse grande rio se precipitam espetacularmente de uma altura de cem metros.
Levingstone continuou a pregar o Evangelho constantemente, às vezes ha auditórios de mais de mil indígenas. Antes de tudo, esforçava-se para ganhar a estima das tribos hostis, por onde passava, por sua conduta cristã, em grande contraste com a dos mercadores de escravos.
Sozinho, com os seus fiéis macololos, caiu trinta e uma vezes de febre nos matagais, durante um período de sete meses. Mas não era tanto o sofrimento físico. Suas cartas revelam a sua angústia de espírito ao ver os horrores do povo africano massacrado e arrebatado dos seus lares, conduzido como gado para ser vendido no mercado. De um lugar alto onde subiu, contou dezessete aldeias em chamas, incendiadas por esses nefandos mercadores de seres humanos. Prometera à sua esposa reunir-se com a família depois de dois anos, mas passaram-se quatro anos e meio antes que ela recebesse qualquer notícia dele!
Por fim, após uma ausência de dezessete anos da pátria, regressou à Inglaterra. Voltou à civilização e à sua família como quem volta da morte. Antes de desembarcar, soube que seu querido pai falecera. Em toda a história de Livingstone, não se conta um acontecimento mais comovente do que o seu encontro com a esposa e filhos. Na Inglaterra, foi aclamado e honrado como heroico descobridor e grande benfeitor da humanidade. Os diários publicavam os seus atos de bravura. As multidões afluíam para ouvi-lo contar a sua história. "O doutor Livingstone era muito humilde... Temia passear nas ruas, receando ser atropelado pelas massas. Certo dia, na Regent Street, em Londres, foi apertado por tão grande multidão, que só com grande dificuldade conseguiu refugiar-se num táxi. Pela mesma razão evitava ir aos cultos. Certa vez, desejoso de assistir ao culto, meu pai persuadiu-o a ocupar um assento debaixo da galeria, em um lugar não visível ao auditório. Mas foi descoberto e o povo passou por cima dos bancos para cercá-lo e apertar-lhe a mão".

Uma das muitas coisas que levou a efeito, enquanto na Inglaterra, foi a de escrever seu livro: Viagens Missionárias, obra que alcançou enorme circulação e produziu mais interesse na questão africana do que qualquer movimento anterior.
Em março de 1858, com a idade de 46 anos, Livingstone, acompanhado de sua esposa e filho mais novo, Osvaldo, embarcou novamente para a África. Deixando os dois na casa do sogro, o missionário Moffatt, Livingstone continuou as suas viagens. No ano seguinte, descobriu o lago Niassa. Recebeu, também, uma carta da esposa, da casa de seus pais em Curumã, informando-o do nascimento de mais uma filha. A menina já estava há quase um ano no mundo quando o pai soube do seu nascimento.

As explorações dos rios Zambeze, Tete e Shire e do lago Niassa, foram feitas com o propósito de saber quais os pontos mais estratégicos para a evangelização, e missionários foram enviados da Inglaterra para ocuparem esses lugares.Em 1862 a esposa reuniu-se a ele novamente, e acompanhava-o nas viagens, mas três meses depois faleceu, vítima da febre e foi enterrada em uma encosta verdejante na margem do rio Zambeze. Np seu diário, Livingstone assim escreveu: "Chorei-a porque merece as minhas lágrimas. Amei-a ao nos casarmos, e quanto mais tempo vivíamos juntos, tanto mais a amava. Que Deus tenha piedade dos filhos..."
Um dos maiores obstáculos que Livingstone enfrentou na obra missionária foi o terror dos indígenas ao verem um rosto de homem branco. Aldeias inteiras em ruínas; fugitivos escondendo-se nos campos de alto capim, sem nada terem para comer; centenas de esqueletos e cadáveres insepultos; comboios de homens e mulheres algemados aos troncos, seguros pelo pescoço, eram conduzidos aos portos - É difícil concebermos a magnitude da desolação criada por homens cruéis que participavam do tráfico de escravos.

Esses homens tentavam, também, com ódio cruel e arte diabólica, terminar com a obra de Livingstone. Finalmente conseguiram, por meio da política do seu país, induzir a Inglaterra a chamá-lo de volta à sua terra. Foi assim que Livingstone chegou de novo à sua pátria depois de uma ausência de cerca de oito anos.
Os crentes e amigos na Inglaterra, animados pela visão de Livingstone, começaram a orar e enviar-lhe dinheiro para continuar sua obra no continente negro. O nosso herói desembarcou pela terceira e última vez na África, em Zanzibar.

Na expedição que iniciou em Zanzibar, descobriu os lagos Tanganyka (1867), Moero (1867) e Bangueolo (1868). Passou cinco longos anos explorando as bacias desses lagos. A oração e a Palavra de Deus foram o seu sustento espiritual durante esses anos de provações, que sofria por parte dos negociantes de escravos.
Resolveu, então, fazer o possível para descobrir as nascentes do rio Nilo e solver um problema que durante milhares de anos havia zombado dos geógrafos. Sabia que se descobrisse as nascentes do famoso Nilo, o mundo todo lhe daria ouvidos acerca da chaga aberta da África, com o comércio de escravos. É interessante conhecer o que ele escreveu: "O mundo acha que busco fama, porém eu tenho uma regra, isto é, não leio coisa alguma sobre os elogios que me fazem". Ele sabia que, ao findar a escravatura, o continente se abriria para deixar entrar o Evangelho.
Durante os longos intervalos entre os períodos em que suas cartas eram recebidas na Inglaterra, vindas do coração da África, circularam boatos de que Livingstone morrera. Não só os homens que traficavam com escravos queriam matá-lo, mas também muitos dos próprios indígenas, por não acreditarem existir um homem branco que fosse amigo de coração. Ele mesmo contou muitos fatos relacionados com as ciladas na terra do Maniuema para o matarem. Nesse lugar, ele escreveu no seu diário: "Li toda a Bíblia quatro vezes, enquanto estive em Maniuema". Na solidão achou grande conforto nas Escrituras.

Reconhecia sempre a possibilidade de perecer nas mãos dos inimigos, mas sempre respondia à insistência dos amigos com esta pergunta: - "Não pode o amor de Cristo constranger o missionário a ir onde a traficância leva o mercador de escravos?"

Pela primeira vez, nos milhares de léguas que caminhou, os pés do pioneiro falharam. Obrigado a ficar algum tempo em uma cabana, todos os seus companheiros o abandonaram, à exceção de três que ficaram com ele.
Por fim, chegou a Ujiji, reduzido a pele e ossos, por causa da grave doença que sofrera em Maniuema. Não tinha recebido cartas havia dois anos e esperava receber também as provisões que enviara para lá. Contudo, as cartas não haviam chegado. Com o corpo enfraquecido, e destituído de roupas e alimentos, veio a saber que lhe tinham roubado tudo. Nessa situação, ele escreveu: "Na minha pobreza senti-me como o homem que, descendo de Jerusalém a Jericó, caiu nas mãos de ladrões. Não tinha esperança de que sacerdotes, levitas ou o bom samaritano viesse em meu socorro. Entretanto, quando minha alma se achava mais abatida, o bom samaritano já estava bem perto de mim!"
O "bom samaritano" era Henrique Stanley, enviado pelo New York Herald, à insistência de muitos milhares de leitores desse jornal, para saber ao certo se Livingstone ainda vivia, ou, no caso de ter morrido, para razer seu corpo.
Stanley passou o inverno com Livingstone. Mas este se recusou a ceder à insistência daquele de voltar à Inglaterra. Livingstone podia voltar e descansar entre amigos, com todo o conforto, mas preferiu ficar e realizar seu anelo de abrir o continente africano ao Evangelho.

A sua última viagem foi feita para explorar o Luapula, a fim de verificar se esse rio era a nascente do Nilo ou do Congo. Nessa região chovia incessantemente. Livingstone sofria dores atrozes; dia após dia tornava-se-lhe mais e mais difícil caminhar. Foi então carregado, pela primeira vez, pelos fiéis companheiros: Susi, Chuman e Jacó Wainwright, todos indígenas.
No seu diário, as últimas notas que escreveu dizem: "Cansadíssimo, fico... Recuperada a saúde... Estamos nas margens do Mililamo".

Chegaram à aldeia de Chitambo, em Ilala onde Susi fez uma cabana para ele. Nessa cabana, a 1º de maio de 1873, fiel Susi achou seu bondoso mestre de joelhos, ao lado da cama - morto. Orou enquanto viveu e partiu deste mundo orando!
Os dois fiéis companheiros, Susi e Chuman, enterraram o coração de Livingstone abaixo de uma árvore em Chitambo, secaram e embalsamaram o corpo, e o levaram até a costa - viagem que durou alguns meses, pelo território de várias tribos hostis. O sacrifício desses valentes filhos da África, sem terem qualquer propósito de remuneração, não será esquecido por Deus, nem pelo mundo.
O corpo, depois de chegar em Zanzibar, foi transportado para a Inglaterra, onde foi sepultado na Abadia de Westminster, entre os monumentos dos reis e heróis daquela nação. Não havia dúvida quanto ao corpo de Livingstone; era fácil de identificar: o osso de cima do braço esquerdo tinha distintamente as marcas dos dentes do leão que o atacara.

Entre os que assistiram ao enterro, estavam seus filhos e o velho missionário Roberto Moffatt, pai da sua querida esposa. A multidão consistia de povo humilde, que o amava e dos grandes, que o honravam e respeitavam.Conta-se que havia, entre as multidões que permaneciam nas calçadas das ruas de Londres no dia em que o cortejo, com o corpo de Davi Livingstone, passava, um velho chorando amargamente. Ao lhe perguntarem por que chorava, respondeu: - "É porque Davizinho e eu nascemos na mesma aldeia, cursamos o mesmo colégio e assistimos a mesma Escola Dominical, trabalhávamos na mesma máquina de fiar. Mas Davizinho foi por aquele caminho, eu por este.  Agora ele é honrado pela nação, enquanto eu sou desprezado, desconhecido e desonrado. O único futuro para mim é o enterro de beberrão".

Não é somente o ambiente, mas a escolha na mocidade é que determina o destino, não só aqui no mundo, mas para toda a eternidade.
Quando Livingstone falou aos alunos da Universidade de Cambridge, em 1857, disse: "Por minha parte, nunca cesso de me regozijar por Deus ter-me apontado para tal ofício. O povo fala do sacrifício de eu passar tão grande parte da vida na África. - Será sacrifício pagar uma pequena parte da dívida, dessa dívida que nunca poderemos liquidar, do que devemos ao nosso Deus? É sacrifício aquilo que traz a bendita recompensa de saúde, o conhecimento de praticar o bem, a paz de espírito e a viva esperança de um glorioso destino? Longe esteja tal idéia! Digo com ênfase: Não é sacrifício... Nunca fiz sacrifício. Não devemos falar dos nossos sacrifícios, ao nos lembrarmos do grande sacrifício que fez Aquele que desceu do trono de seu Pai, nas alturas, para se entregar por nós".

Se Livingstone não tivesse adoecido, teria descoberto as nascentes do Nilo. Durante os trinta anos que passou na África, nunca se esqueceu do seu alvo principal que era levar Cristo aos povos desse escuro continente. Todas as viagens que realizou foram viagens missionárias.
Gravadas no seu túmulo podem ser lidas estas palavras: "O coração de Livingstone jaz na África, seu corpo descansa na Inglaterra, mas sua influência continua".
Gravados para sempre na história da Igreja de Cristo estão os grandes êxitos na África durante um período demais de 75 anos depois de sua morte, êxitos inspirados, em grande parte, pelas orações e persistência desse eminente servo de Deus, que foi fiel até a morte.


 Retirado do livro:  Heróis da Fé
Vinte homens extraordinários que incendiaram o mundo.
Orlando S. Boyer.




domingo, 25 de março de 2018

CLASSE DE ADULTO - L 01 - O QUE É ÉTICA CRISTÃ.



 Historicamente, o conceito de ética surgiu na Grécia antiga, período que coincide com o século IV a.C. Na prática, a ética sempre fez parte do dia a dia da humanidade. Quando os códigos ainda não estavam escritos e positivados, a própria consciência estabelecia a ética a ser observada (Rm 2.14,15). As Sagradas Escrituras contêm os funda- mentos da ética para a sociedade humana. No Antigo Testamento, Deus revelou instruções éticas específicas. Nos Evangelhos, encontramos os ensinamentos éticos de Jesus. Nas epístolas neotestamentárias, o tema está amplamente registrado.

1.     O CONCEITO DE ÉTICA CRISTÃ
O filósofo e educador Cortella (1954-) apresenta uma definição para ética que em muito se assemelha com os textos bíblicos:
Ética é o conjunto de valores e princípios que usamos para responder a três grandes questões da vida: 1. quero? 2. devo? e 3. posso? Nem tudo que eu quero eu posso; nem tudo que eu posso eu devo; e nem tudo que eu devo eu quero. Você tem paz de espírito quando aquilo que você quer é ao mesmo tempo o que você pode e o que você deve. (CORTELLA, 2014)
De fato, de maneira simples e genérica, a ética cristã está relacionada às respostas de tais questões. O apóstolo Paulo, de certo modo, ensina a prática da ética, sob esses aspectos: o que quero, devo e posso. Ele afirma que tudo é lícito, mas que nem tudo convêm e nem tudo edifica, portanto, o cristão não pode e nem deve se deixar dominar por aquilo que foge da ética cristã (1 Co 6.12).
1.     Definição Geral
A palavra “ética” possui origem no vocábulo grego ethos, que literalmente significa “costumes” ou “hábitos”. No latim, é usado o termo correspondente mos (moral) com o sentido de “normas” ou “regras”. Assim, “ética e moral referem-se ao conjunto de costumes tradicionais de uma sociedade e que, como tais, são considerados valores e obrigações para a conduta de seus membros” (CHAUÍ, 1995, p. 340). Como esses termos, “ética” e “moral”, são muito próximos, eles são muitas vezes confundidos e usados como sinônimos. No entanto, para fins didáticos e acadêmicos, é possível defini-los separadamente.
2.     Ética e Moral
A ética enquanto ciência pode ser entendida como a parte da filosofia que investiga os fundamentos da moral adotados por uma cultura. Foram os filósofos gregos que começaram a estudar esses fundamentos para então “identificar” uma pessoa como sendo boa ou má e também um ato como sendo bom ou mau. A partir desses fundamentos, alguém pode ser classificado como “ético” ou “antiético”.
Pode-se afirmar, por exemplo, que a ética de Platão (427-347 a.C.) era “transcendente”e “deontológica”. Essa teoria acredita que a noção do correto é algo moralmente bom em si mesmo. Nesse caso, a fundamentação do certo e do errado está ligada ao bem-estar da alma, um estado inerente ao ser humano e procedente de um mundo superior. Aqui o homem obedece ao dever, independentemente das consequências que a obediência pode resultar para si ou para os outros (PALLISTER, 2005, p. 20).
Em contrapartida, com Aristóteles (384-322 a.C.) surgiu a ética “imanente” e “teleológica” ou “utilitária. Essa teoria argumenta que o correto só pode ser definido a partir das consequências que um ato ou uma ação possa produzir. Aqui a fundamentação do certo e o errado procedem do mundo dos homens e depende apenas da utilidade e do bem-estar que as ações do indivíduo podem resultar para si ou para os outros.
A moral, por sua vez, refere-se ao comportamento das pessoas e às reações dos indivíduos que compõem uma sociedade em relação às regras estabelecidas pela ética. Como observado, essas regras podem ser diferentes de uma cultura para outra e ainda podem ser modificadas de acordo com as transformações vividas pelos grupos sociais. Tudo depende da fonte de autoridade que lhes serve de fundamento para os padrões de conduta.
Quando se analisa as teorias éticas acima discutidas, percebe-se que na “deontológica” é o princípio da ação moral que é bom ou mau independentemente do seu resultado. Já na teoria “teleológica”, o princípio moral é substituído pela previsão racional das vantagens e desvantagens que determinada ação pode produzir. No primeiro caso, os atos morais, mesmo corretos, podem prejudicar a si e ao outro. No segundo caso, a moral se relativiza, busca não se prejudicar evitando o sofrimento, e assim pode servir para legitimar a máxima que diz “os fins justificam os meios”.
3.     Ética Cristã
A ética cristã tem como objetivo indicar a conduta ideal para a retidão do comportamento humano. O fundamento moral da ética cristã são as Escrituras Sagradas. Portanto, a ética cristã não se modifica e nem se relativiza. Desse modo, a ética cristã não pode ser desassociada da moral e dos bons costumes preconizados nas doutrinas bíblicas.
Sob esta concepção, os pais da Igreja adotaram a ética “transcendente” e “deontológica”. Isso significa que a vida ética cristã procede de um Deus transcendente e pessoal que concede ao ser humano a capacidade de viver a verdadeira moral. Agostinho de Hipona, na obra Cidade de Deus (escrita entre 413-426 d.C.), reconhece que a graça de Deus é indispensável para transformar o caráter humano e fazê-lo viver de acordo com os padrões morais divinamente estabelecidos. Para Agostinho, a educação, a meditação, os códigos e as leis, por si mesmas, não conseguem levar o homem a agir de modo ético.
Na perspectiva de Agostinho, a ética cristã só poderia ser vivida quando o cristão experimentasse a verdadeira regeneração. O mero esforço humano servia unicamente para disfarçar a natureza caída. A eventual virtude demonstrada por alguém era algo temporário, falso e aparente. Somente a genuína regeneração faria o homem verdadeiramente virtuoso. Tomás de Aquino discordou e propôs algumas modificações nessa visão agostiniana. Aquino considerava que as leis humanas não somente inibiam a prática do mal, mas também podiam moldar pessoas de boa índole. O ensino de Aquino não deixou de “ser transcendente e deontológico”, contudo, permitiu flexibilizar a ética.
Com o advento da Reforma Protestante (1517), os reformadores restauraram a ética de Agostinho, defenderam a revelação bíblica como única infalível e inerrante regra de fé e conduta (Sola Scriptura)
e a estenderam a todos os homens. Assim, a ética protestante reafirma a doutrina bíblica de que todos serão julgados à luz do conhecimento que tiveram de Deus. E, de acordo com o apóstolo Paulo, quando esse conhecimento for parcial, os homens serão julgados pela lei escrita em seus corações (Rm 2.14-16).
4.     Princípios da Ética Cristã
A principal fundamentação para a ética cristã encontra-se na revelação divina. Desse modo, os princípios adotados pela ética cristã são bíblicos, e, portanto, imutáveis. Em consequência, os princípios bíblicos têm aplicação hoje, assim como o tiveram antigamente. Aquilo que a revelação bíblica considera como pecado, permanece sendo pecado. A lei divina não pode ser revogada e ajustada aos interesses humanos. Esses princípios são universais e por isso não se admite uma ética cristã diferente de uma cultura para outra cultura. Os padrões da ética e da moral cristã não sofrem mutações. A verdade bíblica não pode ser relativizada ou flexibilizada para atender o egoísmo e o hedonismo da raça humana. O texto bíblico permanece inalterado e imexível. Por isso, os valores cristãos são permanentes, pois a fonte de autoridade é permanente. Quanto a esta realidade, Cristo afirmou: “o céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão de passar” (Mt 24.35).
2.     FUNDAMENTOS DA ÉTICA CRISTÃ
Como já afirmamos no tópico anterior, a ética cristã tem como principal fundamento o texto inspirado das Sagradas Escrituras. É verdade que não se pode desprezar a tradição da Igreja, as leis civis e criminais, as variadas literaturas e nem tampouco os bons costumes adotados pela sociedade; entretanto, para o cristão, toda e qualquer prática e conduta precisa passar pelo crivo e pelo aval da Palavra de Deus (Hb 4.12). Nesse sentido, a Bíblia Sagrada foi reafirmada na Reforma Protestante como sendo o principal fundamento da fé cristã. Lutero e outros reformadores combateram “a elevação católica da tradição a um status igual ou até mesmo superior das Escrituras” (COMFORT, 1998, p. 68).
Tendo a inspiração divina como pressuposto, a Bíblia Sagrada difere de outros livros pela sua inerrância e infalibilidade. Esses conceitos teológicos apontam que as Escrituras não contêm erro algum, que seus ensinos são fidedignos e confiáveis, e, por isso, não podem falhar. Por conseguinte, aquele que crê na inspiração das Escrituras também deve crer que a Bíblia é inerrante e infalível.
1.     O Decálogo
A partir do século V, a Igreja Católica começou a ensinar os fiéis a prática do confessionário. Com o propósito de julgar as confissões, os sacerdotes católicos eram orientados a proferir penitências por meio de “manuais penitenciais ou confessionais”. As penas eram elaboradas conforme os sete pecados capitais: soberba, inveja, cobiça, ira, preguiça, avareza, gula e luxúriaNo século XV, o teólogo francês Jean de Gerson (1363-1429) discordou dessa forma de tratar os pecados e voltou-se para os Dez Mandamentos, que chamou de “a rocha da Ética Cristã” (KEENA, 1999, p.13).
No século seguinte, por ocasião da Reforma Protestante, os Dez Mandamentos passaram a ser a principal base de instrução moral e ética para a Igreja protestante. O uso do Decálogo era uma resposta à teologia católica e uma rejeição à supremacia, por mais de dez séculos, dos sete pecados capitais. A justificativa era de que o Decálogo constava das Escrituras e não de um compêndio de penitências. Enquanto os sete pecados capitais tratavam prioritariamente das ações ofensivas à vida humana, os Dez Mandamentos expressavam a vontade divina, primariamente por meio da nossa relação com Deus e depois com os nossos irmãos.
Os Dez Mandamentos ou “dez palavras” estão revelados em Êxodo 20.1-17 e Deuteronômio 5.6-21. O Decálogo contém prescrições e proibições com três claras expressões positivas: a) A relação do homem com Deus — “Eu sou o Senhor teu Deus” (Êx 20.2); b) A relação do homem na adoração — “Lembra-te do sábado” (Êx 20.8); e c) A relação do homem com o próximo — “Honra a teu pai e a tua mãe” (Êx 20.12). As outras sete declarações negativas estão diretamente subordinadas a essas três esferas da vontade de Deus. Em vista disso, os Dez Mandamentos são preceitos éticos que fazem parte da lei moral de Deus e devem ser obedecidos.
Os quatro primeiros Mandamentos tratam da relação do homem e sua adoração para com Deus: o Senhor requer culto exclusivo, condena a idolatria, alerta sobre o mal-uso do seu nome e lembra que tem direito ao tempo do homem (Êx 20.1-11). Os seis últimos referem-se à relação para com o próximo: o Senhor exige honra aos genitores, zela pela integridade da vida, repudia o adultério, proíbe o furto, a mentira e a cobiça (Êx 20.12-17). Essas ordenanças se caracterizam como atos morais que o homem pode escolher praticar ou recusar. Por isso, o cumprimento do Decálogo pode ser resumido na prática do amor. Esse foi o ensino do legislador e Moisés (Dt 4.6-8) e de Paulo, o apóstolo dos gentios (Rm 13.10; 1 Tm 1.5). O próprio Cristo enfatizou essa verdade e ratificou que o amor a Deus e ao próximo é a expressão máxima dos Dez Mandamentos (Mt 22.37-39). Como o Decálogo faz parte da lei moral de Deus e está baseado na natureza divina, os Dez Mandamentos permanecem válidos para todos os cristãos desempenhando a função de “rocha da Ética Cristã”.
2.     Os Evangelhos e Atos
Os Evangelhos são mais do que simples biografias de Jesus, e o livro de Atos mais do que simples história da Igreja. A narrativa desses livros serve a um propósito teológico: o de apresentar os ensinos de Jesus, diretamente ou por meio dos apóstolos, como parte da “boa vontade de Deus para com os homens” (Lc. 2.14). Isto posto, o evangelho refere-se às boas novas de Cristo (Mt 9.35). A mensagem registrada pelos evangelistas contém apelo ao arrependimento, renúncia ao pecado, oferta de perdão, esperança de salvação e santidade de vida (Mt 3.2, Lc 1.77, 9.62). Os seguidores de Cristo são convocados a viver as doutrinas do evangelho e adotaram a ética e a moral do Reino de Deus (Mt 16.24; Mc 10.42-45). Por meio do evangelho, o homem pode compartilhar a natureza moral de Deus (Mt 5.48). O genuíno evangelho produz mudanças no caráter do cristão (Tt 2.11-14), e quem pauta sua vida pelo evangelho recebe o dom do Espírito Santo (At 2.38,39).
3.     O Sermão do Monte
Reconhecidamente, o Sermão do Monte reúne princípios do mais alto idealismo moral e “tem sido entendido como a aplicação maior da ética de amor ao próximo e da Lei Áurea que ele contém” (HENRY, 2007, p. 548). No Sermão são reveladas a ética e a moral do Reino de Deus em questões como: a ira, adultério, divórcio, juramento, vingança e o amor. Cristo ensina que quando uma pessoa não consegue controlar a sua ira, ela pode perder o controle e matar alguém (Mt 5.21,22). O Comentário Bíblico Pentecostal do Novo Testamento salienta que “o assassinato começa com a raiva; a pessoa tem de lidar com a raiva a fim de evitar o assassinato” (2003, p. 45). Essa proposição adverte que o pecado da ira precede o pecado de assassinato, que é a violação do sexto mandamento do Decálogo (Êx 20.13).
Após abordar a questão da ira, Cristo passa a ensinar acerca da violação de outro mandamento do Decálogo — o adultério (Êx 20.14). O Senhor apresenta uma moral muita acima daquela convencionada entre os judeus. Para os rabinos o adultério só era caracterizado por meio do ato sexual. Para Cristo, o adultério está no pensamento, na intenção do coração que enche os olhos de luxúria (Mt 5.27,28). O Senhor também ensina sobre a santidade e indissolubilidade do casamento (Mt 5.31,32). Quanto à prática de juramentos permitidos na lei mosaica (Mt 5.33- 37), Cristo aponta para uma nova conduta:
No comentário sobre a antiga lei Jesus faz um ajuste importante. [...] O emprego do advérbio holos (“de maneira nenhuma”, Mt 5.34) indica que Jesus esperava que esta atividade cessasse completamente. Os juramentos que aludem indiretamente a Deus, pela referência a céu, terra e até a própria pessoa, eram proibidos [...] A pessoa honesta não tem necessidade de fazer juramento; um simples sim ou não é suficiente. (STRONSTAD, 2003, p. 46)
Em relação ao sentimento de vingança, Cristo ensina não revidar as ofensas sofridas (Mt 5.38-41). Ao contrário, Ele nos ensina a ser caridosos e beneficentes (Mt 5.42). No que diz respeito ao amor — o resumo da lei e dos profetas — em especial o “amor ao próximo”, a moral e a ética cristã requerem do cristão o dever de amar seus inimigos: falando bem deles, fazendo o bem a eles e orando por eles (Mt 5.44). Quem não o fizer é considerado hipócrita e indigno de receber galardão (Mt 5.46-48).
O sermão também aborda questões como a esmola, a oração e os jejuns. Aqui, somos advertidos contra a hipocrisia e o sentimento de vanglória. A esmola, a oração e o jejum devem ser praticados a partir de um coração sincero, e não para sermos aplaudidos ou reconhecidos pelos homens (Mt 6.1,5,16). Na sequência, Cristo trata do problema do pré-julgamento — uma advertência contra a mania precipitada, arrogante e orgulhosa em julgar os outros (Mt 7.1,2). Cristo ainda trata do livre-arbítrio e apresenta ao homem dois caminhos: o largo e
o estreito (Mt 7.13,14). Ato contínuo, o Senhor faz um grande alerta contra os falsos profetas e ensina que o ministério de alguém deve ser provado pelos seus frutos (Mt 7.15-23). Por fim, o Senhor adverte sobre a necessidade de o cristão ouvir e praticar as palavras proferidas no sermão (Mt 5.24-35). Ressalta-se então que o sermão chama os homens para uma vida ética de perfeição em Cristo (Mt 5.48) e os concita a priorizar o Reino de Deus e sua justiça (Mt 6.33).
3.     FOMOS CHAMADOS A VIVER ETICAMENTE
As Escrituras alertam sobre o perigo de não vivermos de modo ético. Os israelitas no deserto foram abençoados e sustentados pelo maná (Êx 16.4) e pela água potável (Êx 17.6) que Deus lhes concedia de modo sobrenatural, mas a maior parte deles foi reprovada por não viver a lei moral outorgada por Deus (1 Co 10.5). Somente dois israelitas daquela geração, Josué e Calebe, puderam herdar a Terra Prometida (Nm 14.30). No capítulo 10, versículos 1 a 10, da Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios, o apóstolo seleciona cinco pecados cometidos pelos israelitas que ficaram registrados, em forma de negação, para nossa advertência: “Porque tudo o que dantes foi escrito, para nosso ensino foi escrito” (Rm 15.4a).
1.     Não Cobicemos as Coisas Más
Paulo adverte a Igreja a não incorrer no pecado da cobiça uma vez que as experiências dos israelitas no deserto “foram-nos feitas em figura, para que não cobicemos as coisas más, como eles cobiçaram” (1 Co 10.6). No deserto, os israelitas cobiçavam prazeres proibidos e sentiam saudades do Egito. A multidão que saiu do Egito era composta por uma “mistura de gente” que aproveitou a ocasião para fugir de Faraó. Essa gente deu início à murmuração que contaminou os israelitas e gerou um descontentamento generalizado (Nm 11.4-6).
Ainda hoje, pseudocristãos cobiçam os prazeres do mundo. Muitos desses são negativamente influenciados pela “mistura” do joio na Igreja (Mt 13.25). Por isso, o apóstolo dos gentios ensina que “as más conversações corrompem os bons costumes” (1 Co 15.33). A convivência com o joio pode corromper e incitar a rebelião. Os que se contaminam passam a rejeitar o maná celeste que é Cristo ( Jo 6.35,48,51) e decidem viver sob o jugo do hedonismo (excessiva busca pelo prazer) e sob a escravidão do pecado, isso porque se negam em observar a lei moral do Decálogo que diz: “Não cobiçarás” (Êx 20.17).
2.     Não vos Torneis Idólatras
O apóstolo também alertou a Igreja acerca do perigo da idolatria (1 Co 10.7). Enquanto Moisés recebia a Lei permanecendo afastado do povo por 40 dias e 40 noites (Êx 24.18; 31.18), os israelitas se corrompiam adorando um bezerro fundido (Êx 32.4). Longe de seu líder, Israel falhou vergonhosamente. Arão, o vice-líder, cedeu às pressões do povo e ordenou que trouxessem contribuição para promover a idolatria e foi prontamente atendido (Êx 32.1-4). Chegou ao ridículo de erigir um altar e se tornou sacerdote de um falso culto (Êx 32.5,6). Infelizmente, em nossos dias essas cenas se repetem. Muitos são hipócritas e fora das vistas da liderança vivem em pecado. Outros são falsos líderes que ensinam o erro e promovem falsa espiritualidade estando fadados ao juízo (Mt 23.15; Rm 1.32). Constatamos estarrecido como os falsos profetas conseguem atrair dinheiro para os seus falsos cultos. A idolatria tem sido sustentada por “ofertas de amor” e “ofertas de sacrifício” pelo povo alienado e mal instruído. O Dicionário Wycliffe define idolatria como:
Uma transliteração da palavra gr. eidololatria, cujo significado entendemos ser “a adoração a ídolos; a adoração a imagens como divinas e sagradas” [...] Com base nesse termo foi formada a palavra eidolon, “imagem”, que veio a significar especificamente uma imagem de um deus como um objeto de adoração, ou um símbolo material do sobrenatural como tal objeto. O segundo termo é latreia, significando “culto ou adoração aos deuses”. Idolatria, então, é prestar honras divinas a qualquer produto de fabricação humana, ou atribuir poderes divinos a operações puramente naturais. (PFEIFFER, 2008, p. 944)
Observa-se nesse conceito que a idolatria consiste em adorar, venerar ou prestar culto a algo ou alguém em lugar de Deus. É importante ressaltar que o ato de idolatria não consiste apenas na adoração de uma imagem, mas também “a qualquer produto de fabricação humana”. Assim sendo, atualmente, falsos cristãos e falsos líderes desprovidos de temor adoram o dinheiro e os bens materiais, e os utilizam para promover o falso culto atraindo sobre si à ira divina (Êx 32.35). O mal da idolatria desvirtua a moral cristã e mantém o povo afastado do verdadeiro culto ( Jo 4.23).
3.     Não nos Prostituamos
O terceiro pecado relacionado por Paulo adverte a Igreja a respeito da maldição provocada pela imoralidade sexual (1 Co 10.8). A história tem início quando Israel deteve-se em Sitim, uma região nas campinas de Moabe (Nm 22.1-30). A presença dos israelitas aterrorizou a Balaque, rei dos moabitas. Balaque então contratou o profeta pagão Balaão para amaldiçoar a Israel. Como Balaão foi divinamente impedido de amaldiçoar o povo da promessa (Nm 23.8), ensinou a Balaque como fazer para moral- mente corromper os israelitas (Nm 31.16). Essa conduta ficou conhecida nas Escrituras de maneira negativa e pejorativamente como “doutrina de Balaão” (2 Pe 2.15; Jd 1.11; Ap 2.14). A motivação em corromper Israel era fazê-los pecar e assim causar a queda da nação. Lamentavelmente, os israelitas foram presa fácil. As mulheres moabitas convidaram o povo para participar de seu culto a Baal-Peor. A prática cultual dos moabitas era tomada por glutonarias, orgias sexuais, fornicação e adultério, o que levou os israelitas a prostituírem-se com as filhas dos moabitas.
Não demorou muito e a ira de Deus se acendeu contra os pecadores. Moisés foi instruído a enforcar a luz do dia e publicamente todos os chefes do povo que se envolveram com a orgia e o culto a Baal-Peor. Em seguida, os juízes foram orientados a matar cada um os seus homens que se junta- ram a Baal-Peor. Enquanto Israel chorava essas mortes, uma praga assolava todo o povo. Em meio à ira divina, um rebelde príncipe israelita apresentou no arraial uma princesa midianita que ele trouxera consigo o que vendo o sacerdote Fineias indignado os atravessou a ambos com uma lança e a praga cessou (Nm 25.1-15). Ciente do grande mal e das graves consequências da imoralidade sexual, Paulo exorta a Igreja a vigiar constantemente. Ao analisar esse assunto o Comentário do Novo Testamento — Aplicação Pessoal, afirma que a intenção paulina era mostrar que “Deus não teria complacência para com aqueles que afirmassem pertencer a Ele, mas que ainda participassem de cultos pagãos e da imoralidade sexual” (2009, v. 2, p. 148). Aliás, a imoralidade encabeça a lista de Paulo das obras da carne: “adultério, fornicação, impureza e lascívia” (Gl 5.19). Nesse quesito, o apóstolo ordena ao cristão viver eticamente e conservar o corpo irrepreensível (1 Co 6.18; 1 Ts 5.23).
4.     Não Tentemos ao Senhor
Neste ponto, o apóstolo previne a Igreja quanto ao perigo da maldição em se provocar a Deus (1 Co 10.9). Os israelitas tentaram o Senhor com suas rebeldias, queixas, incredulidade e irreverência. Paulo lembra o protesto dos israelitas contra Deus por terem sido conduzidos para o deserto: “E o povo falou contra Deus e contra Moisés: Por que nos fizestes subir do Egito para que morrêssemos neste deserto? Pois aqui nem pão nem água há; e a nossa alma tem fastio deste pão tão vil” (Nm 21.5). Esse questionamento foi extremamente ofensivo aos olhos do Senhor. Ele os tirara do Egito com mão forte e poderosa, e estava provendo-lhes todo o sustento. Mas o povo demonstrava ingratidão e falta de confiança. Eles estavam testando e colocando à prova a paciência do Todo-Poderoso. “Tentar o Senhor é experimentar até que ponto se pode abusar da paciência de Deus antes de incorrer em seu julgamento” (Dt 6.16) (STRONSTAD, 2008, p. 995).
Como resultado de “tentarem ao Senhor”, o juízo divino foi instantâneo sobre o povo. O Senhor mandou serpentes ardentes e a natureza incurável das picadas matou muita gente em Israel (Nm 21.6). Ao reconhecerem o pecado, os queixosos suplicaram a Moisés que intercedesse diante de Deus (Nm 21.7). O arrependimento ces- sou a praga e possibilitou a cura para os que iam sendo picados (Nm 21.8,9). O apóstolo trouxe esse fato à memória da Igreja em Corinto, pois alguns dos irmãos também estavam “tentando ao Senhor” com os seus recorrentes pecados e afrontas à santidade do Altíssimo. Por conseguinte, os que de forma proposital rebelam-se contra a vontade do Senhor, ignoram a ética cristã e violam a lei moral de Deus, ficam sujeitos à ira divina (Rm 2.8,9).
5.     Não Murmureis
Por fim, o apóstolo alerta acerca do pecado da murmuração (1 Co 10.10). Infelizmente, esse fato aconteceu várias vezes na peregrinação dos israelitas. É possível que na citação paulina esteja incluída a murmuração ocorrida em Cades quando o povo se recusou entrar na Terra Prometida recebendo o castigo por meio de uma praga (Nm 14.2,36,37). Mas o incidente na contradição de Coré parece servir melhor ao propósito do apóstolo. A rebelião liderada por Coré era uma murmuração não apenas contra Moisés e Arão, mas também contra o próprio Deus (Nm 16.1-35). Coré e duzentos e cinquenta aliados questionaram a escolha divina de confiar à liderança do povo e o ministério a Moisés e Arão. Diante dessa murmuração, eles foram submetidos a um teste de santidade. No dia seguinte, Arão, Coré e os 250 revoltosos ofereceram incenso em seus incensários. Coré trouxe o povo todo para assistir ao ritual e colocá-los contra Moisés e Arão. Todavia, enquanto o cerimonial acontecia, a terra se abriu e engoliu as tendas, os bens e as famílias dos líderes da rebelião. E, enquanto o povo corria com medo de ser tragado pela terra, “saiu fogo do Senhor, e consumiu os duzentos e cinquenta homens que ofereciam o incenso”.
Apesar de o juízo divino ter aberto a terra e enviado fogo contra os murmuradores rebelados, o coração do povo era extremamente obstinado. No dia seguinte, tornaram a afrontar Moisés e Arão e lançaram sobre eles a culpa pela morte de Coré, Datã, Abirão e suas famílias, bem como dos 250 príncipes que ofereciam incenso (Nm 16.41,42). Diante dessa teimosia e insensatez, Deus enviou uma praga que consumiu quatorze mil e setecentos israelitas (Nm 16.49). Lamentavelmente, a murmuração foi frequente e permanece em nossos dias: “murmurar contra Deus, ou contra os líderes que Ele designou, resulta no castigo divino [...] Esse era outro problema que a Igreja de Corinto estava enfrentando” (RIBAS, 2009, v. 2, p. 148). O significado aqui se refere à falta de ética que provoca maledicência, inveja e calúnias contra o próximo, e ainda provoca a ira de Deus.
No epílogo dessas advertências, Paulo reitera que as experiências de Israel servem de exemplo para os cristãos não cometerem os mesmos erros, pois “estão escritas para aviso nosso” (1 Co 10.11). O apóstolo ainda admoesta os cristãos que cuidam estar em pé que tomem muito cuidado para não cair (1 Co 10.12). Ao encerrar essas admoestações, Paulo apresenta uma palavra de esperança. Ele afirma que as tentações são comuns a todos, mas que não devemos desanimar, pois não estamos sozinhos em nossas fraquezas. Deus não nos deixará ser tentados além de nossa capacidade de resistir. A fidelidade do Senhor provê a cada um o meio de escape (1 Co 10.13). Portanto, devemos entregar nosso caminho ao Senhor e depositar nEle toda a nossa confiança (Sl 37.5).

  
RETIRADO DO LIVRO - VALORES CRISTÃOS -
Enfrentando as questões morais do nosso tempo.
      Douglas  Baptista.