quarta-feira, 18 de abril de 2018

CLASSE ADULTO - L 04 - ÉTICA CRISTÃ E ABORTO

RETIRADO DO LIVRO - VALORES CRISTÃOS -
Enfrentando as questões morais do nosso tempo.
Douglas Baptista.

O tema do aborto implica diretamente a dignidade humana e na inviolabilidade do direito à vida. Posições contrárias e favoráveis ao aborto sempre estiveram presentes na história da humanidade. As civilizações dos sumérios, os babilônios, os assírios, os hititas e os israelitas consideravam o aborto como um crime de maior gravidade. Em contrapartida, a cultura espartana (séculos V e IV a.C.), que era centrada na formação do “hoplita” — o soldado perfeito — os recém-nascidos que apresentassem alguma doença, má formação ou sinais de debilidade eram jogados do precipício a fim de serem descartados (GARCIA, 2011, p. 25). Os filósofos Platão e Aristóteles também consideravam o aborto e o infanticídio como instrumento de eliminação dos fracos e inválidos, que, segundo eles, eram um estorvo e nada podiam acrescentar ao bem comum. Em seu livro A República, Platão também defendeu a interrupção da gestação em todas as mulheres que engravidassem após os 40 anos (PLATÃO, 2000). Andrade registra que, em certa ocasião, Aristóteles aconselhou desabridamente: “Quanto a saber quais os filhos que se devem abandonar, ou educar, deve haver uma lei que proíba alimentar toda a criança disforme” (2015, p. 60).

ABORTO: CONCEITO GERAL E BÍBLICO
Em termos gerais, a prática do aborto é a interrupção da gravidez. Tal procedimento continua sendo um polêmico debate. Uma parcela da sociedade contemporânea o considera como um direito da mulher. As opiniões divergem em duas vertentes: os “Pró-Vida”, que são contrários ao aborto, e os militantes “Pró-Escolha”, que são favoráveis. Diante da problematização ética e moral que envolve esses grupos, apresentamos o conceito geral e bíblico do aborto.

Conceito Geral de Aborto
Conceitualmente, o aborto é a interrupção do nascimento por meio da morte do embrião ou do feto. Algumas literaturas identificam o aborto como feticídio cujo significado é a “morte do feto”. A palavra latina fetus significa “pequenino” e representa o ser que se presume vivo.
Sob essa perspectiva, o ato de “abortar” é caracterizado pela descontinuidade do processo natural de gestação do ser vivo. O termo gestação é originário da palavra em latim gestacione, que faz referência ao tempo em que o embrião fica no útero, desde a concepção até o nascimento.
Portanto, esse termo pode ser aplicado a todos os animais que possuem um útero, que é parte integrante e mais importante do aparelho reprodutor feminino, nesse caso, dos mamíferos. Contudo, a aplicação do termo “descontinuidade da gestação” quando relacionado com a ética e a moral cristã refere-se à interrupção da gravidez da mulher. A essa interrupção dá-se o nome de aborto, que pode ser involuntário ou provocado com ou sem a expulsão do feto, resultando na morte do nascituro.

O Aborto no Contexto Legal
Considerado um dos mais antigos diplomas jurídicos, o código do rei Hamurabi (1810-1750 a.C.) apresentava severas punições contra o aborto. O código foi criado na Mesopotâmia por ocasião da primeira dinastia babilônica. Trata-se de um conjunto de 218 leis escritas em caracteres cuneiformes em uma coluna de basalto negro. O código previa indenizações à mulher no caso de aborto provocado. Os valores sofriam variações a depender se a mulher era livre ou escrava. No caso de a mulher vir a morrer como consequência do aborto provocado, o culpado era punido com a pena de morte.
No Código Criminal do Império no Brasil (1830), o aborto e o infanticídio eram punidos com prisão e trabalho forçado. Se a mãe matasse o filho recém nascido, a pena era de um a três anos de prisão e trabalho forçado (Art. 198).
Mas no caso de aborto com o consentimento da mãe, a pena era ainda maior, de um a cinco anos de trabalhos forçados no sistema prisional da época (Art. 199).
Também no célebre juramento de Hipócrates, do século V a.C., que influenciou toda a história da medicina ocidental, estava incluso um voto específico em que o médico se comprometia a não realizar nem a eutanásia nem o aborto (PALLISTER, 2005, p. 141). O juramento era recitado pelos médicos no dia da formatura nos seguintes termos: “Não darei a nenhuma mulher um pessário1 para provocar um aborto” (KAISER JR, 2016, p. 138).
Em 1949, a Declaração de Genebra ratificou esse compromisso, mas não como juramento. Na década de 1960, a Associação Médica Mundial reformulou a declaração e deixou margem para a prática do aborto em algumas circunstâncias.
Na legislação brasileira atual, o aborto é permitido nos casos de risco de morte à mulher e estupro (Art. 128, CP). Também é permitido a prática do aborto nos casos de anencefalia, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal
— ADPF n. 54. Nos demais casos o aborto ainda é crime (Art. 124, CP). Contudo, em novembro de 2016, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que aborto até os três meses não é crime, abrindo um precedente para a descriminalização. Eles julgaram uma ação movida pelo Ministério Público envolvendo pessoas de Duque de Caxias (RJ) com a prática do crime de aborto consentido pela mãe. Durante a leitura de seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso esboçou com clareza que está alinhado e concorde com a ideologia de que “a mulher tem direito sobre o próprio corpo” e, portanto, tem o direito de interromper a gravidez indesejada:
A criminalização antes do terceiro mês de gestação viola a autonomia da mulher, o direito à integridade física e psíquica, os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, a igualdade de gênero, além de provocar discriminação social e um impacto desproporcional desta criminalização sobre as mulheres pobres.
Embora essa decisão teve efeito inter partes, ou seja, exclusivamente para o caso de Duque de Caxias, no dia 7 de março de 2017, o Partido Socialismo e Liberdade (Psol) protocolou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 442, questionando os artigos 124 e 126 do Código Penal Brasileiro, que pune com até três anos de detenção a mulher que praticar aborto e até com quatro anos de prisão ao profissional que realizar o procedimento. Nessa ADPF, o pedido é de que o aborto deixe de ser crime até a 12a semana de gestação. O PSOL argumenta que o embrião não tem status de pessoa constitucional, baseado em decisões do próprio STF, que já arbitrou sobre a morte de embriões para as pesquisas com células troncoembrionárias e já autorizou o aborto de anencéfalos.

Conceito Bíblico de Aborto
Na lei mosaica, provocar a interrupção da gravidez de uma mulher era tratado como ato criminoso. A legislação prescrevia o pagamento de multa a quem provocasse a descontinuidade da gestação em alguma mulher. O valor dessa multa deveria ser estipulado pelo pai da criança com a aquiescência dos magistrados (Êx 21.22-25). No sexto mandamento, o homem foi proibido de matar (Êx 20.13), o que significa literalmente “não assassinar”. Os intérpretes do Decálogo concordam que o aborto está incluso nesse mandamento. Assim, quem mata um embrião ou feto peca contra Deus e contra o próximo. Os preceitos divinos consideram injustificada e digna de punição a morte de inocentes (Êx 23.7). Todavia, os defensores da posição Pró-Escolha apelam que o texto de Êxodo 21.22-25 acima referenciado não considera o aborto como sendo a morte de uma pessoa. O preceito bíblico diz textualmente:
Se alguns homens pelejarem, e um ferir uma mulher grávida, e for causa de que aborte, porém não havendo outro dano, certamente será multado, conforme o que lhe impuser o marido da mulher, e julgarem os juízes. Mas se houver morte, então darás vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe. (Êx 21.22-25)

O argumento considera que a legislação estipula a Lex Talionis “lei de talião ou lei da retribuição” (vida por vida) no caso de morte como resultado de luta corporal entre homens envolvendo mulher grávida. Os militantes Pró- Escolha disputam que a frase “não havendo outro dano” — apenas o aborto — significa dizer que a única penalidade deve ser uma multa. Isso implica afirmar que o aborto não é considerado morte; por isso, requer-se somente a multa, e não a “vida por vida”. Arrazoam também que a expressão “se houver morte” refere-se à morte da mulher que sofreu o aborto, e não a morte do feto. E, nesse caso, na morte da mulher, a lei de talião é requerida. A respeito desse questionamento, a falácia está na tradução do verbo “abortar” da versão de João Ferreira de Almeida. O verbo hebraico shakal, que normalmente tem o sentido de “abortar”, não aparece aqui, ao contrário, o verbo utilizado pelo autor bíblico é yasa, que se refere ao nascimento de uma criança viva. Desse modo, a tradução da Nova Versão Internacional (NVI) está mais explicativa, onde se pode ler: “Se homens brigarem e ferirem uma mulher grávida, e ela der à luz prematuramente, não havendo, porém, nenhum dano sério, o ofensor pagará a indenização”. Assim, no caso de uma mulher grávida ferida em uma briga antecipar o parto, e a criança viver, os causadores do parto prematuro pagam somente a indenização pelos danos causados, mas se a criança não sobreviver e ainda até a mãe morrer, paga-se “vida por vida”. Portanto, o uso desse texto para justificar a prática do aborto não se sustenta por ser um argumento inválido.

O Aborto na História da Igreja “O ensino dos dez apóstolos” chamado de Didaquê (século I d.C.) condena o aborto e o infanticídio. Esse documento cristão foi escrito entre 60 e 90 d.C., provavelmente na região da Palestina ou na Síria. Dividido em quatro partes, contendo dezesseis capítulos, é a mais antiga fonte de legislação eclesiástica extrabíblica disponível aos cristãos do período pós-apostólico. Retrata a tradição das primeiras comunidades cristãs e a sua mensagem permanece válida para os dias de hoje. Entre outros preceitos, o documento estabelece:

“Não mate, não cometa adultério, não corrompa os jovens, não fornique, não roube, não pratique a magia nem a feitiçaria. Não mate a criança no seio de sua mãe e nem depois que ela tenha nascido” (Didaquê II,2).
O apologista da igreja Tertuliano (viveu por volta de 150 a 220 d.C.), nascido em Cartago de família pagã abastada, ensinou que a morte de um embrião tem a mesma gravidade do assassinato de uma pessoa já nascida e que impedir o nascimento é um homicídio antecipado. Entre os anos de 197 e 220 d.C., Tertuliano, considerado o pai da teologia latina, dedicou-se a carreira de escrever e produzir obras em defesa do cristianismo. Sua escrita era vívida, satírica e fácil de ler. Seu método assemelha-se ao de um advogado expondo seus argumentos em um tribunal. Ao se dirigir aos omanos acerca da interrupção da gravidez, explicou assim:
Em nosso caso, já que proibimos o homicídio em qualquer forma, não podemos destruir nem sequer ao menino na matriz […] Impedir que nasça um menino é somente uma forma de matar. Não há diferença em se matar a vida do que já nasceu, ou se matar a vida do que não nasceu ainda. (BERCOT, 2012, p. 31, 32)

O polemista
Agostinho de Hipona e os teólogos Jerônimo de Estridão e Tomás de Aquino consideravam pecado grave interromper a gestação e o desenvolvimento da vida humana. Embora a compreensão de Agostinho, quanto ao início da vida, divergisse de Tertuliano, o bispo africano “chegou a chamar de prostitutas as mulheres que, para escapar às consequências de sua vida imoral […] matavam o filho que traziam no ventre” (ANDRADE, 2015, p. 58). Jerônimo, autor da vulgata latina, considerou as mulheres que escondiam a infidelidade conjugal com o aborto como culpadas de triplo crime: adultério, suicídio e assassinato dos filhos. Aquino, autor da Suma Teológica, afirmava que a vida e o ser humano são inseparáveis, e, portanto, ambos são também invioláveis. Percebe- se, desse modo, que a valorização da dignidade humana, o direito à vida e o cuidado à pessoa vulnerável são princípios e doutrinas imutáveis da igreja cristã.

O EMBRIÃO E O FETO SÃO UM SER HUMANO
Fecundação, embrião e feto são os nomes das três etapas da gestação. O período gestacional é composto de 40 semanas que são fundamentais para a formação do bebê. Após o ato sexual, o espermatozoide sobrevive, em média, 72 horas (ou seja, cerca de 3 dias) dentro do corpo da mulher à espera que um óvulo seja liberado pelo ovário. O óvulo, depois de liberado, está disponível para ser fecundado apenas entre 12 e no máximo 24 horas.
A fecundação ocorre na união entre o óvulo e o espermatozoide — que dá origem ao zigoto e que se instala no útero após uma série de divisões celulares. O termo embrião é usado para definir um organismo que está nos primeiros estágios de desenvolvimento. Ele é formado 24 horas após a fecundação. O período de desenvolvimento do feto decorre desde a 8ª semana até ao nascimento, e é um tempo de crescimento e desenvolvimento. Neste tópico, analisaremos em qual dessas três fases se dá o início da vida.

Quando Começa a Vida
No IV século a.C., o filósofo Aristóteles ensinava que a vida iniciava com o primeiro movimento do feto no útero materno. Segundo sua teoria, no caso do feto masculino, essa manifestação aconteceria no 40º dia de gestação, e no feto feminino, apenas no 90º dia. Aristóteles inferiorizava as mulheres, e por isso acreditava que o feto feminino se desenvolvia mais lentamente.
Obviamente que essas suposições do filósofo eram descabidas e arbitrárias, e foram cientificamente descartadas. Quanto aos cientistas, muitos concordam que a vida tem início na fecundação, quando o espermatozoide (gâmeta masculino) e o óvulo (gâmeta feminino) se fundem gerando a nova célula chamada “zigoto”. Essa nova célula possui uma identidade genética própria, diferente da que pertence aos que lhe transmitiram a vida, e a capacidade de regular o seu próprio desenvolvimento.
Outros pesquisadores defendem que a vida inicia com a fixação do óvulo fecundado no útero, onde recebe o nome de embrião — o que ocorre entre o 7º e o 10º dia de gestação. Outras correntes estabelecem que a vida humana se origina na gastrulação — estágio que ocorre no início da 3ª semana de gravidez. Nesse ponto, o embrião, que é menor que uma cabeça de alfinete, é um indivíduo único e a partir desse momento ele seria um ser humano.
Outros apontam o começo da vida por volta do 14º dia, quando ocorre a formação do sistema nervoso. E isso pelo fato de que países como o Brasil e os Estados Unidos definem a morte como a ausência de ondas cerebrais.3 A vida começaria, portanto, com o aparecimento dos primeiros sinais de atividade cerebral. Tem ainda aqueles que indicam o começo da vida quando o feto tem condições de viver fora do útero, por volta da 25ª semana de gestação. E também os que defendem que a vida só tem início por ocasião do nascimento do bebê.

O que Diz a Bíblia?
Para a polêmica que envolve o aborto, definir quando o embrião ou o feto se torna humano, se na fecundação (concepção), no nascimento ou em um ponto intermediário, é uma questão de suprema importância. Como as respostas humanas têm sido controversas, o cristão deve buscar a verdade na revelação divina. A Palavra de Deus é incisiva ao ensinar que a vida tem início na fecundação. Acerca disso, registrou o profeta Jeremias: “Antes que te formasse no ventre te conheci, e antes que saísses da madre, te santifiquei; as nações te dei por profeta” (Jr 1.5).
Esse texto indica que, antes de qualquer desenvolvimento do embrião, ou seja, na concepção e ainda antes do nascimento do feto, Deus já considerava o profeta como um ser humano.
Nessa mesma sequência interpretativa, o rei Davi descreve sua existência como ser vivo desde o início da concepção: “Os teus olhos viram o meu corpo ainda informe, e no teu livro todas estas coisas foram escritas, as quais iam sendo dia a dia formadas, quando nem ainda uma delas havia” (Sl 139.16). Por conseguinte, de acordo com as Escrituras, a vida começa quando ocorre a união do gameta masculino ao feminino. Essa nova célula é um ser humano e possui identidade própria e, portanto, o seu direito de nascer não pode ser interrompido por vontade, desejos ou caprichos do homem.
A presença das virtudes divinas pode ser observada em cada uma das etapas de formação do ser vivo. Os versos do Salmo 139 focalizam as virtudes da onisciência, onipresença e onipotência divina. O salmo reconhece que é Deus quem cria o íntimo de nosso ser. As pessoas são conhecidas e cuidadas pelo Senhor desde a concepção (Sl 139.13a). Deus é quem forma o ser dentro do ventre da mãe. O ser vivo é formado de modo “assombroso” e “maravilhoso” (Sl 139.13b-14). O salmista afirma que Deus vê o embrião ainda informe, e o ama em todos os processos formativos, desde a fecundação, nascimento e por toda a sua vida (Sl 139.15- 16). Para Deus, o embrião não é “só um punhado de tecidos”; ao contrário, Deus já sentia afeto e amor por nós quando estávamos sendo tecidos dentro do ventre de nossa mãe (KAISER JR, 2005, p. 146).

Qual a Posição da Igreja?
Na igreja protestante, por meio da reforma efetivada por Lutero e apoiada nas Escrituras, os cristãos que mantêm os princípios teológicos e a ortodoxia defendem a dignidade humana desde a sua concepção, ou seja, que o começo da vida acontece na fecundação. Ratificam o ensino de que a vida humana é sagrada em todas as etapas do desenvolvimento do ser vivo e que não pode ser violada pelo homem (1 Sm 2.6). Divulgam que toda ideologia que seculariza os princípios bíblicos deve ser combatida (2 Tm 3.8). Nesse aspecto, a posição oficial das Assembleias de Deus no Brasil foi assim exarada: “A CGADB é contrária a essa medida [aborto], por resultar numa licença ao direito de matar seres humanos indefesos, na sacralidade do útero materno, em qualquer fase da gestação, por ser um atentado contra o direito natural à vida” (Carta de Brasília, 41ª AGO, 2013).

TIPOS DE ABORTOS E SUAS IMPLICAÇÕES ÉTICAS
Como já mencionado acima, a legislação brasileira autoriza a interrupção da gravidez em duas situações: aborto em caso de estupro e aborto terapêutico.
Assim como nos casos de anencefalia do feto, estabelecida pela Suprema Corte brasileira. Já foi dito também que tramita no STF uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) para que o aborto deixe de ser crime até a 12a semana de gestação.
Neste tópico, apresentamos as principais implicações éticas para esses tipos de aborto, os que já estão legalizados e aqueles que poderão ser descriminalizados. Quando a Igreja se posiciona eticamente contrária a essas decisões legais, não significa dizer que somos retrógrados ou que somos insensíveis às dificuldades e à complexidade de uma gravidez indesejada: Qualquer escolha nesta área da vida compreende muito mais do que apenas cálculos humanos definíveis [...] Mas indica, sim, que Deus ainda é Senhor da história e que ele pode transtornar os cálculos humanos, e muitas vezes o faz. Portanto, maior peso deve ser colocado sobre o respeito pelos princípios teológicos básicos apresentados na revelação bíblica. (HENRY, 2007, p. 22)
A despeito das decisões humanas, a verdade bíblica quanto ao aborto não pode ser relativizada. O princípio de defesa da vida humana não pode conter exceções. Em uma sociedade secularizada, o cristão precisa tomar cuidado com o relativismo, não fazer concessões e estar alerta quanto às ações de manipulação de sua consciência e o desrespeito à vida humana (1 Tm 4.1,2).

Aborto de Anencéfalo
Em abril de 2012, o STF permitiu a interrupção da gravidez de feto anencéfalo (sem cérebro ou com má formação cerebral), bastando para isso o diagnóstico médico que ateste anencefalia. A principal implicação ética dessa decisão está no descarte de um ser humano por apresentar uma má formação.
Trata-se de uma ideologia racista chamada “eugenia”, que defende a sobrevivência apenas dos seres saudáveis e fortes. A eugenia alcançou níveis extremos com o nazismo e o holocausto. Hitler e seus seguidores almejavam atingir a pureza racial e, para isso, eliminaram os inválidos, velhos, doentes e os considerados fracos.
Aborto em Caso de Estupro
Segundo o Código Penal, em vigor desde 1940, somente as situações previstas nas alíneas do Art. 128 autorizam a eliminação da vida intrauterina, ou seja, a prática do aborto. O artigo preconiza textualmente:
Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico (Vide ADPF 54)

Aborto necessário
- se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro.
- se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Diante do previsto do artigo acima referenciado, analisaremos neste tópico, o inciso II, que trata da gravidez resultante de estupro. Precisamente, no que tange às questões éticas e seus desdobramentos. Conforme preconiza a Norma Técnica do Ministério da Saúde sobre Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes, não se exige qualquer documento que comprove o abuso sexual, basta a versão da vítima e o consentimento da mulher para que o aborto seja realizado. Ou seja, a mulher vítima de violência sexual não tem o dever legal de notificar o fato à polícia. A palavra da mulher que buscar o aborto sob a alegação de ter sofrido estupro deve ser entendida como presunção de veracidade. Como não é necessária a comprovação do crime de estupro e nem autorização judicial para o aborto, a lei é permissiva e complacente com a interrupção da gravidez mesmo que o estupro não tenha ocorrido. Os que fazem objeção a essas questões éticas argumentam que vítima já sofreu o suficiente e que não deve ser submetida a outros constrangimentos.
A Bíblia Sagrada, porém nos adverte: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?” (Jr 17.9). E acrescenta: “Porque do interior do coração dos homens saem os maus pensamentos, os adultérios, as prostituições, os homicídios, os furtos, a avareza, as maldades, o engano, a dissolução, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura” (Mc 7.21,22).
Outra questão a se discutir refere-se ao Código de Ética Médica (CEM). O Código assegura ao médico:
Exercer sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente. (Código de Ética, Inciso VII, Cap. I) De acordo com essa redação, o direito de recusa por causa da consciência é algo utópico, pois o Código, de modo conflitante, veda ao médico “descumprir legislação específica nos casos de transplante de órgãos ou tecidos, esterilização, fecundação artificial e abortamento” (Art. 15, Cap. III).
Assim, ao mesmo tempo que se garante ao médico a objeção de consciência, o profissional está obrigado a realizar o abortamento, juridicamente permitido, na ausência de outro médico que o faça (Código de Ética Médica, 2010).
De outro lado, discute-se também a inviolabilidade do direito à vida do nascituro. A Constituição Federal promulgada em 1988 assegura que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (Art. 5º, Caput). O Código Civil, em vigor desde 2002, ao tratar da “personalidade e da capacidade”, protege a vida desde a concepção ao legislar que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro” (Art. 2º do CC). Esse dispositivo é interpretado por diversos civilistas do seguinte modo: “Embora a vida se inicie com a fecundação, e a vida viável com a gravidez, que se dá com a nidação, entendemos que na verdade o início legal da consideração jurídica da personalidade é o momento da penetração do espermatozoide no óvulo” (DINIZ, 2012, p. 102). Pode-se, então, com esse dispositivo legal, considerar o início da vida na concepção e assim caracterizar o aborto como atentado à vida.
Outra questão ética a ser levantada relaciona-se ao fato de que um crime não pode justificar outro crime. O crime de estupro não pode ser justiçado com a morte do feto que não tem culpa alguma da violência praticada. A lei de talião foi abolida e reinterpretada por Cristo: “Ouvistes o que foi dito: Olho por olho, dente por dente? Eu, porém, vos digo: não resistais ao homem mau; antes, àquele que te fere na face direita oferece-lhe também à esquerda” (Mt 5.38,39). Apesar de reconhecer o trauma, a dor, os problemas psicológicos e sociais que podem resultar da gravidez indesejada, a ética cristã não pode ser relativizada. Outras soluções podem ser encontradas a fim de ajudar a mãe sem que seja necessária a morte de um ser vivo.

Aborto Terapêutico
Como está redigida a legislação brasileira, explicitada no Código Penal, não se considera crime ou não aplica pena no aborto praticado para salvar a vida da gestante (Inciso I, Art. 128). Esse dispositivo, motivo de exclusão da punição, está previsto no código vigente com o nome de “aborto necessário”, situação em que está enquadrada a interrupção voluntária da gravidez. No entanto, o preceito legal não explica em que situações o aborto é necessário, apenas enuncia “se não há outro meio de salvar a vida da gestante”. Diante dessa brecha legal, juristas e penalistas consideram a vida da mãe superior à vida da criança.

Desse modo, o problema ético se sobressai e coloca em conflito o “direito à vida da mãe” e o “direito à vida de seu filho”. Assim, por meio do diagnóstico médico, que se pressupõe ser apto para julgar a qualidade da vida humana, pode-se decidir entre “ter os filhos que se quer e não ter os que não se quer”. Quanto a essa imprecisão legal, renomados médicos se posicionaram contra o “aborto necessário”.
Sob outra ótica, como efeito colateral no tratamento da saúde, uma gestante pode correr o risco de abortar, porém, nesse caso, não existe intenção de provocar o aborto, e sim de tratar a doença. No entanto, a situação é diferente quando o médico age intencionalmente para matar a criança a fim de preservar a mãe. Essa ação é justificada, como vimos, com a alegação de que a vida de um adulto tem maior valor que a vida de um ser em gestação. Daí surgem questões éticas quanto à valoração da vida humana. Uma pessoa merece viver e outra não? Outra questão é acerca do poder sobre a vida.
Podemos decidir quem deve viver ou morrer? Não afirmam as Escrituras que a vida e a morte são, unicamente, da alçada divina? (1 Sm 2.6; Fp 1.21-24)

Classe Jovens – L 04 -Conservando uma Vida Frutífera.


O evangelho frutificou e consolidou-se em Tessalônica, apesar de tudo cooperar para o contrário: fuga de Paulo, multiculturalismo local, fortes  perseguições sociais, introdução de falsos pregadores. Como se pode explicar tal fato? Pela simples resposta: foi a maravilhosa graça de Deus. A jovem comunidade cristã tessalonicense, apesar de sua fragilidade doutrinária, conseguiu acessar o cerne da mensagem evangélica: o amor. Eles não apenas compreenderam o cristianismo como vivência pura e profunda do amor, como também experimentaram comunitariamente os efeitos de tal verdade divina. Reflitamos sobre como crescer em comunhão intensa com Deus de modo rápido, porém absolutamente sadio.

O “Fracasso” de Atenas, as Boas Notícias de Tessalônica
O que Paulo podia esperar depois da surra e cadeia em Filipos e da fuga repentina de Tessalônica?  Bem, se Paulo fosse um de nós, talvez a confirmação de que a vocação para a Macedônia era um propósito divinamente inspirado e não apenas um empreendimento humanamente falido. A missão em Beréia serviria perfeitamente a essas expectativas; afinal de contas, como nos narra Lucas, houve uma adesão coletiva daquela cidade à pregação de Paulo (At 17.11,12). E que modo melhor de ratificar isso, senão por meio de uma exitosa missão na celebrada Atenas?
Centro filosófico do mundo, ainda naquele momento histórico, casa dos fatalistas estoicos e dos epicuristas hedonistas, Atenas — numa análise humanamente fundada — seria uma ótima oportunidade para chancelar o ministério de Paulo não apenas naquela região, mas também em todo o mundo antigo. Entretanto, como bem se sabe, apesar do emblemático discurso no Areópago (At 17), os resultados práticos foram similares aos de Filipos e Tessalônica: numericamente inexpressivos; bem diferente dos alcançados em Bereia.
Talvez, a maior lição transmitida por Paulo em seu ministério macedônico seja esta: a presença de Deus na vocação ministerial de uma pessoa não deve ser mensurada numericamente ou pela popularidade que esta alcança, mas, sim, pela doação pessoal em tudo o que se realiza. Como qualquer outra pessoa, a vida de um vocacionado é repleta de altos e baixos, fracassos e vitórias. É ambiência contemporânea, moldada por uma ambição perfeccionista, que nos impele a falsa crença de que só os colecionadores de sucesso serão felizes. Devemos retornar, de maneira insistente, aos princípios e pressupostos de Cristo, segundo os quais, mesmo em meio as mais aparentes derrotas, muitas vezes, somos feitos vitoriosos por Deus.
Falando em termos meramente humanos, quem continuaria numa jornada tão desgastante como essa que Paulo empreendia com seu grupo de amigos se não fosse pela presença fortalecedora de Deus? É a graça cotidiana de Deus que aperfeiçoa nossos ministérios e continuamente confirma, de modo especial a nós mesmos, o quanto nossas vocações são valiosas para o Reino de Deus.
Os efeitos de uma hipotética desistência de Paulo em sua missão macedônica são simplesmente inimagináveis para seu ministério em particular, assim como as repercussões de tais acontecimentos para o curso de todo o cristianismo primitivo. A boa notícia que nos relata a história é que, mesmo diante de todas as adversidades, Paulo não desistiu.
A ambição dos negociadores de adivinhações em Filipos (At 16.19), a inveja dos líderes judeus em Tessalônica (At 17.5) e o achincalhamento dos filósofos atenienses (At 17.18) não foram capazes de ofuscar a enorme alegria de Paulo por tudo aquilo que Deus estava fazendo em sua segunda viagem missionária. Conforme argumenta Marques:

É confiado em Deus que parte para Tessalônica, sabendo que ali Deus garantiria o sucesso da missão tal como em Filipos. Isto nos diz que a fundação de Tessalônica tem sua origem na confiança de Paulo em Deus. Como se convenceu disto? Foi pelo resultado obtido, apesar de ser expulso, desta vez por manobras de judeus. Em Atenas (1Ts 3,1), perante o fracasso no Areópago, vê com clareza a mão de Deus em Tessalônica. Que tal esforço não fora inútil, os tessalonicenses mesmos o confirmaram (1Ts 2,1). Esta confiança de Paulo em Deus não nascera apenas na Macedônia, é claro. Dirá mais tarde, como em outras ocasiões, que foi salvo por sua fé em Deus (cf. 2Cor 6,4-10; 11,23-28). (MARQUES, 2009, p.24)

Assim, compreende-se que o conjunto de vivências experimentadas por Paulo e sua equipe em todo o seu percurso ministerial é fundamental para o crescimento do próprio apóstolo, de modo que o acúmulo de aprendizagens fez, cada vez mais, a vocação paulina aperfeiçoada.
É nesse contexto da atuação em Atenas que Paulo toma uma de suas decisões ministeriais mais acertadas junto à Igreja em Tessalônica: o apóstolo resolve enviar Timóteo para visitar aquela comunidade e trazer-lhe notícias. Por que o próprio Paulo não voltara à Tessalônica? Porque, segundo ele afirma em 1 Ts 2.18, houve uma forte oposição — não apenas circunstancial, física e material, mas também espiritual. O missionário chega a nomear Satanás como o impedimento a seu retorno àquela cidade. Para autores como Pastor (2009, p. 152), essa nomeação da malignidade está associada à cultura apocalíptica da qual Paulo era participante. Sobre esse impedimento satânico, afirma-nos Turrado:

[Paulo] Não precisa como o impediu. Logo, não é necessário, ainda que não se exclua, supor uma intervenção extraordinária ou milagrosa; bastam obstáculos naturais, de ordem física ou moral, nos quais Paulo vê as mãos do demônio. Ele está firmemente convencido, muito ao contrário do que praticamente às vezes nos passa despercebido, da funesta ação do demônio, cujo triste papel é opor-se aos interesses de Deus (Rm 16.20; 1 Co 7.5; 2 Co 2.11; Ef 6.11; 1 Tm 3.7). (TURRADO, 1965, p. 650)

Para além de toda conjectura de qualquer natureza, o que é mais relevante tratar nesse episódio do impedimento paulino é o reconhecimento da existência de oposições que não são meramente fruto do acaso, mas subordinadas a determinada causalidade malignas.

Paulo como um Formador de Novos Líderes
Em 1 Ts 3.2, somos informados de que Timóteo é enviado a Tessalônica não como um estagiário em missão de representação de seu líder, mas como um ministro revestido de autoridade e responsabilidade sobre um determinado grupo de irmãos. Como já afirmamos anteriormente, essa é uma atitude absolutamente acertada para ambos os lados, isto é, tanto Timóteo, que teve a oportunidade de vivenciar uma riquíssima experiência pastoral ainda muito jovem, quanto a comunidade dos tessalonicenses, que foi confortada e animada por meio da palavra anunciada.
Para a maioria dos comentadores, Timóteo tinha entre 20 e 30 anos quando foi enviado em missão à Igreja de Tessalônica. Quais eram os riscos que tal atitude de Paulo poderia produzir para a vida de Timóteo? Inúmeros. Em primeiro lugar, a própria morte. O clima em Tessalônica estava absolutamente hostil; tanto os religiosos judeus quanto os desordeiros que havia naquela cidade realizaram uma verdadeira caçada a Paulo e seus amigos, tanto que alguns irmãos sofreram perseguições e prisões ainda com Paulo em Tessalônica (At 17.6), e, mesmo depois de terem saído da cidade, a equipe missionária ainda foi perseguida de maneira insistente, a ponto de terem de fugir de Bereia também (At 17.13-15).
Havia, de fato, um risco de morte, não apenas pela oposição dos religiosos e baderneiros, mas também do próprio império romano, uma vez que a acusação que pesava sobre os missionários era de insurreição. Os religiosos recorreram às autoridades romanas sob a alegação de que Paulo e sua equipe proclamavam outro rei em terras tessalonicenses, Jesus (At 17.7). Ora, esta fora a mesma acusação segundo a qual o próprio Cristo acabou sendo crucificado.
Se o risco de morte for desconsiderado de modo arbitrário, ainda persistem as possibilidades de perseguição, prisão, espancamento, etc., que já eram reais durante a ação ministerial de Paulo e que continuavam, pois a distância temporal da fuga apostólica para o retorno de Timóteo era muito curta.
Além de todos os riscos de integridade física que Timóteo corria, ainda havia a possibilidade de tudo se complicar ministerialmente. Bastaria os tessalonicenses rejeitarem a juventude do auxiliar de Paulo, ou, quem sabe, de modo justificado, sua inexperiência, e a trajetória ministerial de Timóteo sofreria um revés, talvez, insuperável.
É necessário lembrar que, além dos problemas sociais — que se concretizavam por meio da oposição comunitária que se constituía —, a Igreja tessalonicense enfrentava uma consistente crise doutrinária, especialmente com relação a questões escatológicas, as quais repercutiam em problemas relacionais. Era, então, necessário um pastor habilidoso, que soubesse, ao nível dos tessalonicenses, transmitir as verdades ainda não compreendidas por eles.
Timóteo foi o homem certo para a missão de retorno a Tessalônica. As qualidades deste auxiliar de Paulo podem ser avaliadas a partir do versículo 2, quando o apóstolo define-o por meio de dois termos de designam positivamente duas áreas diferentes da vida do jovem pastor: irmão e cooperador . Enquanto trato pessoal, Paulo tinha total confiança em Timóteo, tanto que o tratava como irmão — em outros contextos, anos à frente, Timóteo será amorosamente chamado de filho; nas circunstâncias que envolviam a Igreja em Tessalônica, ele recebe uma denominação que denota sua proximidade a Paulo não apenas nas relações pessoais, mas também na responsabilidade ministerial. Já com relação ao perfil vocacional, Paulo testemunha que seu amigo não é um inexperiente neófito, e sim um qualificado colaborador do Reino de Deus. Sobre a confiança de Paulo em Timóteo e as qualificações deste, afirma Pastor:

O apóstolo sabe das dificuldades e dos problemas dos tessalonicenses (cf. 1 Ts 1,6; 2,14; 3,1-5) e, uma vez que ele não pode ir pessoalmente para ajudá-los e sustentá- los, enviou seu colaborador Timóteo com esse encargo e com o de informar-lhe a situação da comunidade. Por esse motivo, vemos uma primeira qualificação deste personagem em tom altamente positivo; Paulo chama-lhe, além de irmão, de nada menos que colaborador de Deus na pregação do evangelho, indicando como Deus não atua de forma separada da ação humana, ainda que não seja uma colaboração no mesmo nível (cf. p.e. Rm 10,14-15). (PASTOR, 2009, p. 154)

A relação do apóstolo com o jovem obreiro era muito estreita, tanto que, ao afirmar que era necessário o envio de Timóteo à Tessalônica, Paulo declara em 1 Ts 3.1 que ficou, literalmente, “abandonado”, “sem ajuda”. Não temos acesso aos pormenores da visita e nem ao ambiente de recepção do jovem missionário; entretanto, as palavras de Paulo registradas em 1 Ts 3 demonstram o sucesso do envio. Nas palavras do apóstolo, usando um trocadilho que, em língua portuguesa, se perde, mas que fica muito claro no grego, ele afirma no versículo 6: “Vindo, porém, agora, Timóteo de vós para nós e trazendo-nos boas novas da vossa fé e amor”; ou seja, Timóteo, ao regressar de Tessalônica, trouxe tão ricas notícias por meio das quais “evangelizou” Paulo acerca da fé e do amor dos tessalonicenses. As informações de Timóteo eram muito confortantes a Paulo, analogamente, assim como o evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo foi confortante aos tessalonicenses.

Paulo e o Ministério como Motivação para a Vida Cotidiana
Em 1 Ts 3.8, temos uma das declarações mais pastorais de todo o Novo Testamento. Paulo literalmente diz nesse texto que a continuação da vida tornou-se muito mais leve e sem o peso da culpa por meio da maravilhosa notícia de que os tessalonicenses permanecem firmes na vocação da salvação que lhes foi anteriormente anunciada pelo missionário.
A amabilidade desse texto surpreende qualquer leitor de outras cartas paulinas, nas quais, apesar de toda atenção e cuidado, em nenhuma se registra tamanho afeto. Nessa pequena declaração, Paulo está afirmando o quanto foi angustiante ficar sem notícias daquela jovem comunidade; desse modo, diante do retorno de Timóteo, o ânimo novamente se recobrou no coração do apóstolo.
Ao refletirmos sobre o relacionamento de Paulo com a Igreja de Tessalônica, deparamo-nos com um modelo de liderança muito distante das práticas eclesiástico-empresariais dos dias atuais. Quem atualmente investiria tempo e pessoal numa localidade extremamente avessa ao evangelho? Basta analisar o quanto a igreja contemporânea investe em templos suntuosos em comparação ao que envia para os trabalhos missionários em países avessos ao cristianismo.
Imaginemos a revolução missionária que aconteceria ao invertermos a balança de prioridades da igreja contemporânea; quantos missionários seriam enviados, quantos cristãos oriundos de países fechados ao evangelho receberiam treinamento de qualidade para atuarem novamente em suas culturas, quantas bíblias poderiam ser traduzidas, reproduzidas e distribuídas. Infelizmente, tudo isso hoje é dissolvido em mármore para templos nababescos, atividades para entretenimento de cristãos ociosos e jatinhos para líderes gananciosos.
Lembremos que Tessalônica era um desses lugares ostensivamente contrários à pregação do evangelho; onde se formou uma pequena comunidade de novos cristãos; contudo, era para lá que as orações de Paulo estavam direcionadas; era para lá que seu coração pulsava. É necessário reconhecermos que os fundamentos do Reino são completamente diferentes das regras dos negócios religiosos de hoje.
Em muitas instituições religiosas, se determinada igreja local seguidamente não “atingir a meta” de seus desafios financeiros de arrecadação monetária impostos pela igreja matriz, ela corre o risco de simplesmente ser fechada, a despeito das pessoas ali congregadas. Nesse tipo de compreensão da espiritualidade, não há espaço para a visão de amor ou misericórdia; o que impera é o pragmatismo financeiro, de tal modo que, diante do fracasso dos objetivos materiais, não há qualquer preocupação espiritual ou com pessoas.
Segundo essa lógica, mata-se e morre-se, e mais se mata do que se morre, pelo poder de grandes catedrais, de grandes aglomerações humanas; não por amor às almas perdidas, mas por ambição das vidas sem sentido, as quais, na busca desenfreada por paz interior, são capazes de embarcar na ilusão de investir financeiramente para comprar tal condição.
Precisamos urgentemente de pastores como Paulo.

Paulo e o Rogo pelos Tessalonicenses
Diante do retorno de Timóteo, do anúncio das boas notícias vindas da parte dos tessalonicenses, Paulo, o apóstolo, faz um rogo a Deus por aqueles novos irmãos. A importância de destacar-se aqui tal pedido deve-se à natureza desse tipo de clamor intercessório. O rogo, déomai em grego, diz respeito à oração que se faz com insistência, em virtude de uma falta estrutural. Desse modo, podemos compreender que Paulo, diante das impossibilidades que se impunham, assume suas limitações, suas carências, e roga ao Pai, ou seja, àquEle que é poderoso, para fazer algo em favor dos tessalonicenses.
Uma atitude de oração tão intensa demonstra o quanto Paulo estava preocupado com a situação dos tessalonicenses. Assim, pode-se supor que, se havia paz e firmeza em Cristo no interior da igreja, no entorno desta, isto é, na sociedade na qual a comunidade estava inserida, a situação era muito complicada.
Outra causa do rogo intercessório de Paulo, como defende Boor, é o fato das naturais deficiências ainda existentes na fé dos tessalonicenses. Segundo esse autor:

Igualmente se explicita que a “fé”, que está em jogo durante toda a vida cristã, não é uma fé pronta. Embora surgisse em Tessalônica por meio da atuação do próprio Deus e agora tivesse sido aprovada em duras tribulações, ela não obstante apresenta “deficiências”. Como é bom que isso pode ser dito tranquilamente aos tessalonicenses, sem “magoá-los”! (BOOR, 2007, p. 30)

A compreensão desse universal e insuperável déficit de fé é algo que nos ajuda a reconhecer o que somos com maior naturalidade: seres em constante transformação, obras de Deus inacabadas, imperfeições ambulantes em contínuo aperfeiçoamento. Essa condição de crescimento foi posteriormente citada por Paulo ao escrever para os colossenses por meio da metáfora do corpo ligado à cabeça (Cl 2.19).
A assertiva paulina sobre a deficiência na fé tessalonicense não é uma crítica, mas, antes, o registro de uma questão que era completo consenso para aquela igreja cristã e seu pastor: nada em nós está completo; tudo precisa ser cotidianamente melhorado: a salvação operacionalizada (Fp 2.12); virtude, conhecimento, domínio próprio, paciência, santidade e amor fraternal constantemente acrescidos de maneira recíproca (ver 2 Pe 1.5-7); e o próprio amor cada vez mais aumentado (1 Ts 3.12; 4.9,10).

A Causa e a Finalidade do Amor dos Tessalonicenses
Foi para uma vida centrada no amor que os tessalonicenses foram vocacionados. A vivência desse amor, como atesta Paulo em 1 Ts 3.12, não deveria ser algo egoísta ou centrado apenas nas pessoas que aderiram à fé na pequena comunidade cristã, mas, pelo contrário, a prática fraternal deveria ser para com todos daquela cidade, inclusive para os inimigos da fé.
Deve-se destacar que, quando Paulo ora a Deus e roga o aumento do amor entre os tessalonicenses, esse amor que Deus acresce é, textualmente, o agápe (v. 12); já em 1 Ts 4.9,10, quando o apóstolo elogia o amor fraterno vivenciado e praticado por aquela jovem igreja, cuja repercussão já atingia toda a Macedônia e que só deve ser aumentado cada vez mais por eles, o termo grego para designar esse amor é philadelfia. Dessa maneira, não importa o nível ou tipo de amor que vivenciamos; devemos aspirá-lo e promovê-lo continuamente.
Este amor divinamente inspirado que aumentou e multiplicou-se entre os tessalonicenses é a causa e a finalidade da existência daquela comunidade. Se não fosse o amor de Deus por aqueles frágeis irmãos, a Igreja em Tessalônica não teria subsistido diante de tamanhas perseguições e oposições. Se não fosse o verdadeiro amor dos tessalonicenses a Jesus, estes jamais teriam abandonado os ídolos tradicionais de sua cultura pagã para vivenciar a radicalidade do evangelho. Foi o amor fraternal entre os irmãos de Tessalônica que fortaleceu mutuamente aquela jovem comunidade, a ponto de juntos superarem os desafios ao estabelecimento da sua fé. Mediante o amor aos demais habitantes daquela cidade, o testemunho daqueles irmãos ultrapassou os limites da cidade e espalhou-se por toda a província. Poderoso e inigualável amor.

Conclusão
Sem amor, toda e qualquer intenção humana facilmente transitará entre a ganância e o animalesco instinto de sobrevivência. Foi para amar que fomos salvos, para viver em amor, para existir pelo amor. Que a experiência mais extraordinária da vida cristã — amar — seja uma realidade em nossas vidas.

RETIRADO DO LIVRO DE APOIO: A IGREJA DO ARREBATAMENTO.

O Padrão dos Tessalonicenses para estes Últimos Dias  
Thiago Brazil 

sábado, 14 de abril de 2018

CLASSE JUVENIS – L 03 - O CRENTE E O MOVIMENTO SOCIAL.


ADVERTÊNCIA SOBRE A APOSTASIA VINDOURA 2Tm 3.1-9

Se Timóteo estranhasse que tantos males pudessem surgir dentro da Igreja visível, Paulo agora desejava que ele soubesse que condições piores haveriam de prevalecer, quando o fim da dispensação se aproximasse.

A pecaminosidade da voluntariedade humana encontrará plena e irrestrita expressão por meio de ações, palavras e pensamentos.   
Cessarão as práticas da reverência, do dever, da gratidão, do amor ao próximo e aos parentes, e da honra aos pactos assumidos. Os homens tornar-se-ão diabólicos, descontrolados, violentos, inimigos da virtude, prontos para trair a seus semelhantes, inexoráveis, desviados pela sua própria presunção.
Aqueles que professarem ser religiosos preferirão o amor aos prazeres do que o amor a Deus; externamente fingirão certa forma de reverência, mas repudiarão deliberadamente seu autêntico poder transformador.

Homens dessa classe precisam ser evitados. São do tipo que sutilmente se impõem e desviam mulheres fracas, as quais, por causa de sua consciência sensível devido a seus atos pecaminosos, por causa de sua tendência de se deixarem dominar pelas emoções, por causa de seu amor pelas novidades, e por causa de sua incapacidade de entender a verdade, tornam-se presas fáceis.
Tais homens devem ser reconhecidos em seu verdadeiro caráter, visto que são oponentes da verdade, dotados de mente depravada, que aos olhos de Deus são rejeitados em relação à própria fé que professam possuir (cfr. #Mt 7.22-23). Não obstante, sempre haverá um limite ao progresso que fizerem; pois todos verão que seu comportamento é manifestamente insensato.

Extraído do livro: Novo comentário da bíblia, editora vida nova.