sábado, 5 de maio de 2018

CLASSE ADULTO- L 06 - ÉTICA CRISTÃ E SUICÍDIO.

RETIRADO DO LIVRO - VALORES CRISTÃOS -
Enfrentando as questões morais do nosso tempo.
Douglas Baptista.

A expressão suicídio vem do latim sui (“a si mesmo”) e caedere (“matar”, “cortar”), que significa “matar a si mesmo”, também conhecido como “morte auto infligida”. A palavra “suicídio” foi criada em 1651 pelo médico e  filósofo inglês Walter Charleton.  Ele alegava que “vindicar-se de uma calamidade extrema e, de outro modo, inevitável por meio do suicídio não é um crime” (KAISER Jr, 2016, p. 181). O sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917) acatou a seguinte definição:

Chama-se suicídio todo caso de morte que resulta direta ou indiretamente de um ato, positivo ou negativo, realizado pela própria vítima e que ela sabia que reproduziria este resultado. A tentativa é o ato assim definido, mas interrompido antes que ele resulte a morte. (DURKHEIM, 2000, p. 14)

Buscando descobrir quais condutas sociais causavam o suicídio (nexo casual), Durkheim classificou os suicídios em egoísta, altruísta, fatalista e anômico.
O egoísta é aquele em que o bem-estar do indivíduo ultrapassa o bem-estar da coletividade. As relações com a sociedade se deterioram, o suicida se isola em uma atitude de autocomiseração a ponto de considerar não ter mais sentido em viver.
O altruísta é aquele que se dá por meio do exagero da interação social. O cidadão sente-se no dever de oferecer a sua vida em favor de uma causa própria.
O fatalista não acredita que as coisas possam melhorar. Ele decreta o fracasso como única possibilidade e decide tirar a própria vida por sentir-se inferior em relação às outras pessoas.
O anômico acontece em situação de anomia social, ou seja, a ausência de regras e expectativas, decorrente de alguma crise social, tais como na área política e na economia, que desregulam as normas sociais. A prática do suicídio tem sido um mal silencioso e o índice de pessoas que se matam vem crescendo assustadoramente. Porém, as causas do suicídio não são apenas de origem sociais; elas possuem fortes elementos de natureza espiritual.
I.   O SUICÍDIO NAS ESCRITURAS E NO MUNDO
As Escrituras registram seis casos de suicídio, cinco no Antigo e um no Novo Testamento. Entre os judeus ortodoxos, existia um entendimento extremado do texto de Levítico: “E não profanareis o meu santo nome, para que eu seja santificado no meio dos filhos de Israel. Eu sou o Senhor que vos santifico” (Lv 22.32). A doutrina da “Santificação do Nome” (Kiddush Ha-shem) exigia que o judeu fizesse todo o possível, até mesmo tirar a própria vida, para glorificar o nome de Deus (KAISER Jr, 2015, p. 183).
1.     No Antigo Testamento
Os casos de suicídio relatados no Antigo Testamento revelam a incapacidade humana em enfrentar a vergonha e a rejeição. O ser humano tem necessidade de sentir-se aceito, respeitado e amado. Porém, sabe-se que é impossível  viver sem nunca ser rejeitado e, portanto, saber lidar com a rejeição é uma aprendizagem fundamental para o equilíbrio do ser humano (MIRANDA, 2005, p. 10). Aqueles que não encontram esse equilíbrio desenvolvem um forte sentimento de baixa autoestima que os leva a prática do suicídio.
A controversa saga de Sansão
O livro de juízes estende-se por um período de intervalo entre a morte de Josué e o começo da monarquia em Israel. Ele narra um tempo conturbado da história dos israelitas compreendido entre 1200 até 1070 a.C. A narrativa de Juízes conta a saga de Sansão, o sétimo juiz, cuja tarefa era derrotar os filisteus. Sansão recebeu atributos para ser um libertador de seu povo (Jz 13.5), mas preferiu alimentar sua carne e envolveu-se em relacionamentos amorosos condenados pela lei mosaica (Jz 14.3). Ele casou-se com uma das filhas dos filisteus a quem amava, mas ainda durante a festa de casamento ela traiu a confiança dele (Jz 14.17). Descontrolado, abandonou a festa e foi para a casa de seu pai. Quando retornou para reconciliar-se com a esposa, descobriu que a tinham dado para outro homem (Jz 14.19,20). Irritado, vingou-se dos filisteus por causa dessa ofensa (Jz 16.5).
Os filisteus lhe deram o troco, e queimaram a casa e mataram a família e a mulher que Sansão amava (Jz 15.6). Ele severamente tornou a vingar-se dos filisteus (Jz 15.8). Então, seus adversários cercaram Judá e pediram sua cabeça, seus compatriotas o amarraram e o entregaram aos filisteus (Jz 15.9- 13). Sansão libertou-se das amarras e com a queixada fresca de um jumento matou mil filisteus (Jz 16.14-16). Depois disso, ele foi até Gaza e deitou-se em casa de uma prostituta. Os gazitas cercaram a cidade para matá-lo pela manhã. Porém, à meia-noite, Sansão se levantou e carregou o portão da cidade, com seus umbrais e tranca (Jz 16.1-3). Não é difícil compreender que as más escolhas de Sansão o conduziram por um tortuoso e desgovernado caminho. Seus pais não o entenderam, sua esposa o traiu, seus compatriotas o entregaram, uma nação inteira de filisteus o odiava e sua vida corria risco de morte. Não obstante, Sansão não procurou alívio de seu sofrimento no suicídio, ao contrário, ele lutava bravamente para se manter vivo.
Após sofrer todos esses revezes, Sansão apaixonou-se por uma mulher chamada Dalila (Jz 16.4). Tudo indica que estava em busca de companhia, não era apenas desejo sexual; ele estava solitário e castigado pela rejeição, precisava sentir-se amado, e então passou a morar em casa de Dalila (Jz  16.5). Destarte, Sansão experimentaria a maior de todas as suas decepções. Instigada pelos filisteus, Dalila insistia em descobrir o segredo da sua força (Jz 16.15,16). Após confidenciar a verdade à mulher que amava, os    filisteus arrancaram-lhe os olhos, aprisionaram-no com duas cadeias de bronze e obrigaram-no a girar um moinho no cárcere (Jz 16.21). Quando seus cabelos tornaram a crescer, decidido em cumprir sua missão, na festa a Dagom (um dos deuses do panteão cananeu), ao se recostar nas colunas de sustentação, derrubou o templo sobre si e seus inimigos (Jz 16.30).
É verdade que as Escrituras não apresentam Sansão como modelo de piedade e santidade. Mas os problemas de Sansão não eram exclusivamente a luxúria, e sim desobediência espiritual e desajuste emocional. Ele não cumpriu o seu voto de nazireu, não controlou suas paixões e se deixou manipular. Contudo, a humilhação que experimentara em poder dos filisteus (a mutilação de seus olhos e o trabalho escravo na prisão) parece que o fez cônscio de sua missão divina. Na derradeira oração de sua vida, Sansão demonstra sua fé e acredita que Deus possa usá-lo uma última vez (Jz 16.28). Deus reunira em um só lugar todos os líderes filisteus inimigos de Sansão e de Israel (Jz 16.30). Assim, sua tarefa de iniciar o livramento de seu povo foi cumprida com a sua morte. Essa ação de Sansão não foi vista como suicídio, e sim como um sacrifício. Seu último ato o transformou em um herói da fé (Hb 11.32-34).
Os suicídios como fuga pessoal
O primeiro rei israelita, o benjamita Saul, cometeu vários desatinos e distanciou-se completamente de Deus. Reinou durante quarenta anos (At 13.21), mas já a partir do segundo ano trilhou o caminho da desobediência (1 Sm 13.1). Seu primeiro grande erro foi o de usurpar para si o ofício de sacerdote sobre Israel. Estava há sete dias no campo de batalha aguardando por Samuel para a oferta do sacrifício; como o sacerdote demorou, Saul precipitadamente decidiu oferecer o sacrifício (1 Sm 13.8,9). Ao chegar ao arraial, o sacerdote o repreendeu severamente: “Agiste nesciamente […] agora, não subsistirá o teu reino” (1 Sm 13.13,14).
Dominado pela  inveja  e   ciúmes  que  sentia  por  Davi,   Saul  vivia atormentado por um espírito mau (1 Sm 16.14). Por causa de seus erros e pecados, Deus não falava mais com ele (1 Sm 28.6). Insensato e inconsequente, rejeitou ao Senhor e buscou respostas no ocultismo (1 Sm 28.7). Acuado na peleja contra os filisteus, não podendo suportar a derrota e  o fracasso de sua empreitada, lançou-se sobre a própria espada e seu auxiliar fez o mesmo (1 Sm 31.4,5).
O suicídio do conselheiro Aitofel é outro caso registrado como fuga para os problemas. Ele era um gilonita, conselheiro de Davi. Sua reputação era tão alta que as suas palavras tinham a autoridade de um oráculo divino (2 Sm 16.23.). Conjectura-se que Aitofel estava zangado com Davi por causa do adultério do rei com sua neta Bate-Seba e o consequente assassinato de Urias (2 Sm 11.3; 23.34). Por essa razão, Aitofel teria ficado ao lado de Absalão quando este usurpou o reino de Davi (2 Sm 15.31). Para mostrar ao povo que o rompimento entre o filho e o pai era definitivo, Aitofel aconselhou Absalão a possuir as concubinas de Davi aos olhos do povo (2 Sm 16.21,22). Aitofel também aconselhara escolher doze mil homens, e perseguir a Davi naquela mesma noite. Porém, o rebelde Absalão desejou ouvir uma segunda opinião. Chamaram a Husai, o arquita, que aconselhou esperar, tendo como objetivo alertar a Davi acerca do perigo. Absalão acatou o conselho de Husai, e quando Aitofel viu que seu conselho fora rejeitado, desesperou-se, e, sem conseguir lidar com a situação, voltou frustrado e deprimido para sua casa, colocou as suas coisas em ordem e enforcou-se (2 Sm 17.1-23).
O outro registro é o caso do rei Zinri. Ele foi o quinto monarca do Reino do Norte. Antes de se tornar rei, tinha sido capitão da metade dos carros sob o reinado de Elá. Quando da ausência do exército em Gibetom, por causa dos filisteus, Zinri aproveitou da ocasião e da embriaguez do monarca e traiçoeiramente matou a Elá, também dizimou os membros da família real e se autoproclamou rei. Contudo, seu reinado foi breve — apenas sete dias —, pois o exército não o reconheceu e fez do capitão Onri o novo rei.
Onri marchou com o exército revoltado e sitiou a cidade de Tirza, local onde Zinri reinava. Encurralado, derrotado e apavorado, Zinri incendiou a casa do rei estando ele dentro e assim tirou a própria vida por ato de incêndio criminoso (1 Rs 16.9-19). Ao não suportar a rejeição sofrida, Zinri covardemente cometeu suicídio e por motivo fútil.
2.     No Novo Testamento
O mais emblemático caso é o suicídio de Judas Iscariotes. Ele fizera parte do colegiado apostólico (Lc 6.16). Sua função de tesoureiro requeria integridade (Jo 13.29). No entanto, ele furtava as ofertas que eram lançadas na bolsa (Jo 12.6). Sua ambição por dinheiro foi uma das motivações para entregar Jesus (Mc 14.11). Culpado por entregar sangue inocente, foi enforcar-se (Mt  27.4,5) e como resultado “caiu de cabeça, seu corpo partiu-se ao meio, e as suas vísceras se derramaram” (At 1.18, NVI). Cristo já o tinha alertado: “ai daquele homem por quem o Filho do Homem é traído” (Mc 14.21), porém, Judas não resistiu ao Diabo e nem teve humildade para buscar o perdão. Preferiu o suicídio em lugar de corrigir o erro cometido. Em nossos dias, a banalização da vida e da fé tem contribuído para comportamentos similares e consequente queda espiritual.
Judas foi salvo?
Essa pergunta é muito comum no meio evangélico. A dúvida de alguns se baseia no conceito equivocado de predestinação. A doutrina da predestinação fatalista ensina que Deus predestinou uns para os céus e outros para  o  inferno. Os adeptos dessa ideia questionam: “Se Judas estava predestinado para trair Jesus, o que ele poderia fazer para evitar sua condenação?” De outro lado, usando esse mesmo pressuposto, alguns consideram uma injustiça Judas não ter sido salvo, uma vez que, segundo essa teoria, ele nada poderia fazer contra os desígnios divinos. Sem entrar nos debates da erudição teológica  acerca  da  doutrina  da  salvação,  especialmente  entre  Calvino  e Armínio, reconhecemos pelas Escrituras que Deus é soberano (Is 41.21-24). Em sua soberania, Ele concede a cada pessoa o livre-arbítrio para ser  exercido dentro de seu soberano projeto para o passado, presente e futuro. E as Escrituras também asseveram que a presciência divina das futuras decisões de alguém não é o resultado de sua predeterminação dessas escolhas. Portanto, cada qual será responsabilizado e julgado por suas decisões, quer elas sejam boas, quer sejam más escolhas (Sl 51.3,4, Rm 2.6-8, Ap 20.12).
Nesse caso, a presciência divina sabia que Jesus morreria em uma cruz (Jo 12.32). Sabia que seria traído por Judas Iscariotes (Jo 13.18-27) e também tinha ciência de que Pedro negaria o Cristo (Mc 14.19-31). No entanto, a responsabilidade de cada um desses atos recaiu sobre quem os decidiu executar. Quanto à morte de Cristo, Deus não levou as autoridades e nem os algozes a crucificar Jesus, embora o Senhor tivesse conhecimento prévio dos fatos, a culpa ainda era dos executores (At 4.27,28). Isso significa dizer que “Deus não precisa predestinar para saber de antemão” (HORTON, 1997, p. 364).
Quanto ao Iscariotes, sua má índole e sua conduta reprovável não aconteceram de uma hora para outra. Não obstante, Lucas e João escreverem que Satanás entrou em Judas (Lc 22.3; Jo 13.27), isso significa dizer que embora agisse de modo próprio, inconscientemente o traidor cooperou com o Diabo (ARRINGTON, 2003, p. 139). O discípulo amado informa que Judas era um corrupto contumaz e furtava as ofertas que Jesus recebia (Jo 12.6). A sua motivação para entregar o Senhor envolveu uma transação monetária — trinta moedas de prata — o preço de um escravo (Êx 21.32). Apesar disso, considera-se que esse não fora o único motivo da traição. Talvez ele achasse que Cristo fosse um embuste e, desacreditado da messianidade de seu líder, resolveu lucrar com a situação (MOUNCE, 1996, p. 250). Entretanto, ao contrário de Pedro — que também traiu a Jesus —, mas que após negar ao  seu  Senhor  encontrou  perdão  por  meio  do  arrependimento  (Lc  22.62; Jo 21.17), Judas, cheio de remorso, resolveu tirar a própria vida (Mt 27.5). Por conseguinte, tanto o “ato da traição” quanto o “ato do suicídio” foram escolhas que selaram o seu destino. Assim sendo, Pedro foi salvo e o Iscariotes morreu perdido.
3.     O Suicídio no Mundo
Segundo a Organização Mundial da Saúde, as mortes por suicídio aumentaram 60% nas últimas cinco décadas. Quase um milhão de pessoas  tira a própria vida todos os anos e cerca de outros vinte milhões tentam ou pensam em suicidar-se. Para cada suicídio, cerca de seis a dez outras pessoas são diretamente afetadas. Na maioria dos países desenvolvidos, o suicídio é a primeira causa de morte não natural. Desde 2015, as autoridades iniciaram o movimento “Setembro Amarelo”, estimulado pela Associação Internacional pela Prevenção do Suicídio (IASP), que consiste em iluminar ou sinalizar locais públicos com faixas ou símbolos amarelos a fim de alertar e conscientizar do grande mal do suicídio.
II.   OS TIPOS DE SUICÍDIOS
Aparentemente, os seres humanos são os únicos animais que cometem o suicídio. A morte exerce sobre o homem, ao mesmo tempo, medo e fascínio. Em 37 das peças de Shakespeare, por 54 vezes algum de seus personagens comete suicídio (DRANE, 2013, p. 61). A prática do suicídio acontece de modo variado. Neste tópico adotaremos os tipos classificados como convencional, pessoal e sacrificial.
1.     Suicídio Convencional
Dá-se o nome de “convencional” ao suicídio provocado pela tradição cultural de uma sociedade ou povo, bem como a coerção do grupo social na qual o indivíduo está inserido. Trata-se de uma conduta consolidada pelo uso e  pela prática. Na cultura dos esquimós — grupo étnico que vive no gelo e na neve, submetidos a temperaturas de até -45º C —, a doença e a incapacidade física, bem como a velhice avançada, podem levar ao abandono e mesmo à morte. Para os Kutchin, na região do Alasca, a morte dos inválidos era uma questão de sobrevivência para seus descendentes. Era costume as pessoas de idade avançada, ao se sentirem um peso para a sociedade, pedirem para serem mortas ou deixadas para trás para morrer. Um ano após a morte dos velhos e incapacitados, uma cerimônia era celebrada em memória daqueles que se sacrificaram pelo grupo. Esse tipo de comportamento se assemelha à eugenia, em que somente os fortes podem e devem sobreviver.
No Japão, a prática do “hara-kiri” (suicídio ritual) expressava orgulho do suicida em escapar de alguma situação intolerável e era visto como um ato de nobreza e uma forma de heroísmo. Era costume, por exemplo, que o devedor insolvente praticasse o suicídio na véspera do Ano-Novo, como uma maneira de limpar o seu nome e o de sua família. Tal costume justificou o aparecimento dos “pilotos suicidas” durante a Segunda Guerra Mundial (LARAIA, 2015, p. 15). Em época recente, em maio de 2007, o ministro da Agricultura do Japão, ao ser investigado por corrupção, sentiu-se extremamente envergonhado e cometeu o suicídio por enforcamento. Em 2014, a taxa média de suicídios no Japão era de 70 pessoas por dia. Especialistas costumam citar essa antiga tradição de “suicídio em nome da honra” para explicar que razões culturais tornam os japoneses mais propensos à morte autoinfligida.
2.     Suicídio Pessoal
Praticado por iniciativa individual sem a influência de tradição cultural. As motivações para esse tipo de suicídio são variadas e muitas vezes não é possível apontar causas aparentes. Nesse caso, o suicídio é considerado uma fuga radical e permanente dos problemas da vida, tais como, dificuldades financeiras, desilusões amorosas, sentimentos de culpa, depressão, neuroses, desequilíbrios mentais e espirituais, e outros. O único e último desejo do suicida é supostamente aliviar o sofrimento por meio da morte. Tais pessoas comportam-se de maneira egocêntrica e costumam pensar apenas em si mesmas. Não se importam com o sofrimento que vão causar aos  outros tirando a própria vida. Imaginam que seus sofrimentos são insuperáveis. Nessas circunstâncias de individualização exacerbada, a tristeza e a melancolia afloram os sentimentos suicidas que, desprovidos de fé e esperança, em um ato de desespero levam o homem atentar contra a própria vida.
3.     Suicídio Sacrificial
Também conhecido como “morte em prol dos outros”. Trata-se da tentativa altruísta de alguém salvar a vida alheia em detrimento de sua própria vida. Para o sociólogo Émile Durkheim, o suicídio altruísta é praticado por indivíduos que se veem sem importância e oprimidos pela sociedade ou por indivíduos que veem o mundo social sem importância e sacrificam a si próprios por um grande ideal. Nesse ponto, divergimos do célebre sociólogo, pois reconhecemos que pessoas podem sacrificar suas vidas não por desacreditarem de si mesmas ou por desprezarem a sociedade, mas por pura abnegação e como meio de salvar a vida de outro ser humano que está em iminente perigo.
Nesse caso enquadra-se o bombeiro, que entra no fogo ciente de que corre risco de vida, e que por vezes acaba morrendo como resultado de sua ação. Também aquele habilitado ou voluntário que se afoga ao entrar na água para tentar salvar a vida do outro. Ainda o profissional civil e militar ou voluntário que perde a vida combatendo o crime. Igualmente fazem parte dessa lista os voluntários e os profissionais que atuam no socorro às vítimas de acidentes e emergências, que muitas vezes sucumbem no exercício de suas atividades.

Nessas circunstâncias, a morte de quem arrisca a vida em favor do próximo é considerado um ato de amor. Não se trata de suicídio deliberado, convencional, pessoal ou egoísta, mas sim de uma ação caracterizada pelo desprendimento da própria vida em favor do outro. Foi Cristo Jesus quem nos ensinou: “Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a sua vida pelos seus amigos” (Jo 15.13). O próprio Senhor entregou a sua vida por nós. Não foi suicídio, foi um sacrifício de amor (Jo 10.15).
III.   O POSICIONAMENTO CRISTÃO PARA O SUICÍDIO
A posição teológica e ética do cristão é totalmente desfavorável à prática do suicídio. Atentar contra a vida, a sua ou a de outro, é atentar contra a soberania de Deus, o autor da vida. Cremos e ensinamos que o poder absoluto sobre a vida e a morte pertence a Deus. Por violar os propósitos divinos, repudiamos qualquer ideologia que propague o direito do homem em exterminar a própria vida.
1.     O posicionamento teológico
O cristão se posiciona contra o suicídio fundamentado no sexto mandamento do Decálogo: “Não matarás” (Êx 20.13). O mandamento que proíbe o homem de assassinar o outro também o proíbe de assassinar a si mesmo. A vida humana é uma dádiva divina e, portanto, pertence a Deus (Sl 100.3). O Criador é quem determina o início e o término da vida, e não a criatura (Ec 3.2). É Deus quem estabelece quando e como a vida deve cessar, seja por doença, velhice, seja por acidente. Por conseguinte, o fim da vida está sob o controle e a sabedoria divina.
A salvação e o suicida
Uma pergunta comum indaga o destino final daquele que pratica o suicídio.

Para responder a essa questão, é preciso ficar claro que o suicídio é pecado contra Deus, a vida, a dignidade, a pessoa e a sociedade. As Escrituras advertem que a violação do mandamento “não matarás” resulta em condenação ao infrator (1 Co 3.16,17; 1 Jo 3.15b; Ap 21.8).
Mercê da revelação inequívoca das Escrituras, cometer homicídio contra outro ou contra si mesmo é pecado contra Deus, e atentar contra o corpo que é templo do Espírito Santo implica a condenação de quem comete tais atos. Aqueles que tentam inocentar o cristão que tira a própria vida argumentam que Sansão, ao cometer suicídio, não perdeu a salvação, pois seu  nome integra a galeria dos Heróis da Fé (Hb 11.32). Tal argumento, como já vimos, é um logro e pode ser desconstruído pelo fato de Sansão ter realizado um ato heroico de fé, para vingar-se dos inimigos de Israel, mesmo admitindo o risco de morrer com eles. Portanto, usar o exemplo de Sansão para justificar o suicida é apenas uma falsa conjectura.
Outro argumento falacioso apresentado por alguns no intuito de amenizar o pecado do suicídio consiste em afirmar que a salvação é concedida ao suicida cristão sem a necessidade de arrependimento de tal pecado. Aliás, essa posição é um desvirtuamento do ensino das Escrituras Sagradas. Contradizendo essa audaciosa falácia, as Escrituras revelam que o arrependimento precede a salvação (Lc 24.46,47; 2 Co 7.10a; 1 Jo 1.9,10).
Deus não requer de nós um estado de perfeição plena. Se assim fosse, a salvação não seria por graça, e sim por obras. Por outro lado, aquele que é nascido do Espírito é nova criatura e não vive mais na prática do pecado, mas sim no processo de santificação sem a qual ninguém verá a Deus (Hb12.14). Por conseguinte, é preciso entender que a prática do suicídio não  é  um pecado involuntário ou inconsciente inerente de nossa fraqueza carnal. Tirar a própria vida é um pecado deliberado, consciente, pensado, premeditado, planejado e executado em detalhes. Ao fazer uso do livre-arbítrio, o suicida intencionalmente decide atentar contra a própria vida na ilusão de acabar com o sofrimento e assim afronta a soberania divina. Estão inclusos aqui também aqueles que, segundo Paulo, serão julgados por sua consciência (Rm  2.15,16).
A Bíblia afirma que o Espírito Santo é quem convence o homem  do pecado, e da justiça e do juízo (Jo 16.8). Quem comete o suicídio não está convencido desse pecado; Ele resiste à ação do Espírito Santo e decide dar cabo da própria vida. Entendemos o desespero da vida de quem chega a esse ponto e reconhecemos que tal pessoa precisa de ajuda e de compaixão, e não de incentivo para suicidar-se. Quem vive tal dilema, precisa de apoio e de libertação. E nós sabemos pelas Escrituras que o homem não pode libertar-se por si próprio e que tanto a salvação como o livre-arbítrio nos foram propiciados por Deus. Portanto, quem comete o pecado do suicídio necessita que seu livre-arbítrio seja conduzido pelo Espírito de Deus ao  arrependimento e assim ser alcançado pela graça salvadora. Lamentamos, porém, que alguns religiosos no afã de defenderem um dogma de sua denominação religiosa insistem em apresentar argumentos falaciosos, garantindo a salvação de quem comete suicídio, e assim, de maneira insensata e inconsequente, consciente ou inconsciente, fazem apologia à prática do suicídio.
Em contrapartida, cremos que no caso do suicida ser convencido pelo Espírito de Deus acerca de seu pecado, e nos últimos instantes de sua vida, tal qual o malfeitor da cruz, por meio da fé arrepender-se de seu ato será salvo por meio da graça, o favor imerecido concedido por Deus a pecadores arrependidos. E, esclareço, o arrependimento não é obra humana; é obra do Espírito, que convence o homem do pecado e o capacita ao arrependimento. Por conseguinte, somente Deus é quem conhece a situação espiritual  no último momento da partida de cada um de nós. Por isso, o cristão não deve buscar e nem amenizar a prática do suicídio.
2.     O Posicionamento Ético
O aumento do suicídio é resultado da ideologia que enaltece a criatura em lugar do Criador e propõe a morte como única saída para o sofrimento humano. O existencialismo, o secularismo e o relativismo tão comuns na cultura pós-moderna insistirão que é direito do homem exercer autonomia sobre o próprio corpo, a liberdade de fazer o que quiser, inclusive suicidar-se. Essa filosofia é antiga. Os estoicos, por exemplo, glorificavam o suicídio como a suprema independência do homem. Os atuais adeptos de tais ideologias defendem que qualquer opinião contrária ao suicido é ameaça e violação contra a liberdade humana. Quando o homem evoca  autonomia sobre o próprio corpo e a própria vida, desprezando e afrontando a soberania divina, graves e funestas consequências ocorrem. A vida só tem sentido quando está sob o controle irrestrito de seu Criador (Is 41.13). O início da vida e também o quando e o modo do término da vida são prerrogativas exclusivamente divinas.
Justificativas éticas
A posição da ética cristã é contrária à prática e à apologia ao suicídio pelos seguintes e principais motivos:

a) o suicídio implica banalizar a vida e afrontar a soberania divina, constituindo-se em último ato da falta de fé e de esperança na vida de alguém;
b) o suicida viola o mandamento de amar a si mesmo e ao próximo, constituindo-se em descaso com a dádiva da vida e desamor para com o outro;
c) o suicídio é um ato egoísta de quem pensa em aliviar seu sofrimento sem se importar com os outros, constituindo-se em individualismo extremado;
d) suicidar-se denota inversão dos valores da vida e falta de confiança em Deus, constituindo-se em conduta que relativiza as verdades bíblicas;
e) o suicido é um gesto de ingratidão que interrompe o ciclo e a missão da vida outorgada por Deus, constituindo-se em um ato de desagravo ao favor divino.
A ética da prevenção
A ética da prevenção tem por objetivo ser uma referência para a prática de conduta pessoal e profissional de todos os colaboradores que visam impedir o suicídio e auxiliar pessoas com tendências suicidas. Em 2006, a Organização Mundial da Saúde, alarmada com os índices de suicídio no mundo, lançou  um Manual de “Prevenção do Suicídio”. O Manual afirma que “os comportamentos suicidas são mais comuns em certas circunstâncias devido a fatores culturais, genéticos, psicossociais e ambientais” (Prevenção do Suicídio, 2006, p. 3, 4), e ainda apresenta dicas que podem reduzir o risco de suicídio, tais como, o apoio da família e de amigos, crenças religiosas, culturais e étnicas; envolvimento na comunidade; vida social satisfatória e o cuidado com a saúde mental, dentre outros.
Como cristãos, não podemos ignorar que também somos seres humanos, e, portanto, não estamos imunes aos sofrimentos psíquicos e angústias da alma. Precisamos cuidar uns dos outros por meio do apoio mútuo, do  diálogo franco, e não por meio de acusações ou atitudes discriminatórias. Ao percebermos os sintomas aqui já listados, não podemos tomar atitudes triunfalistas ou de negação dos fatos. Os sentimentos suicidas são atos de desespero e profundo sofrimento. Por isso, é indispensável agir. Dar atenção, estar disponível, conversar, aconselhar e interceder. Estimular a fé e a esperança, cobrir de afeto e de carinho, sentir empatia e ser compreensivo.  Em caso de nenhuma dessas prevenções surtir efeito, deve-se buscar ajuda qualificada. Não é nenhum demérito o cristão receber tratamento profissional adequado.



Jovens – L 06- Vivendo Amorosa e Honestamente.

Retirado do livro : A Igreja do Arrebatamento

O Padrão dos Tessalonicenses para estes Últimos Dias
Thiago Brazil.

Neste capítulo, discutiremos sobre a vivência do amor de Deus na comunidade em Tessalônica e, também, sobre a exortação paulina com relação à necessidade de desenvolvimento de uma vida  honesta e simples. Essas duas temáticas são muito caras a Paulo na escrita desta  epístola e extremamente atuais se levarmos em consideração os princípios que orientam a sociedade contemporânea. Busquemos, nas instruções de Paulo a Tessalônica, fundamentos que nos possam ajudar a experimentar o verdadeiro amor de Deus em meio a uma geração ímpia e corrupta.
O Amor como Alicerce da Comunidade Tessalonicense
Não existe outra maneira de experienciar o amor senão por meio de uma relação íntima e profunda com Deus. Ele é a fonte primária do amor; por isso, toda vivência comunitária de amor também passa por uma ação direta do Criador.
No texto em 1 Ts 4.9, ao tratar sobre a excelência da   fraternidade dos tessalonicenses entre si e, também, destes para com todas as comunidades no entorno daquela cidade, Paulo esclarece que não há qualquer necessidade de orientação externa, uma vez que o testemunho de Timóteo e das igrejas circunvizinhas apontava para a aturidade do amor daqueles novos irmãos.

Há um detalhe bastante importante nesse mesmo versículo: no início da frase, Paulo elogia o “amor fraternal” dos tessalonicenses — termo este compreendido morfologicamente como um substantivo. Já no final da sentença, ao falar sobre a prática dessa amabilidade que se destacava naquela igreja, o apóstolo não utiliza um verbo     derivado de    para definir a relação de amor entre aqueles irmãos, mas, antes, o verbo . A vida em fraternidade testemunhada em Tessalônica era fruto direto do amor pleno que emana exclusivamente de Deus para os homens e da humanidade redimida para aqueles que ainda estão em obscuridade.
O amor, como demonstra o apóstolo nesse texto, é a mais intuitiva das virtudes cristãs; em outras palavras, se a compreensão daquilo que seja domínio próprio, perdão ou mesmo paciência é algo que demanda um conjunto de conhecimentos prévios, a experiência do amor, no entanto, é algo absolutamente natural para aquele que vivenciou a graça da salvação em Cristo.
Não é possível aprender a amar em um curso de cinco passos, muito menos por meio de um best-seller de autoajuda. O entendimento do amor advém da obra da salvação presente em cada um daqueles alcançados pelo evangelho  de Cristo. Ao invés de um investimento pessoal ou coletivo numa compreensão exclusivamente teorética do amor, precisamos vivenciar uma existência cotidiana do amor sob a orientação do Pai.
Sobre esse aspecto da transmissão do amor pelo Pai a cada um de nós, defende Claro:

Paulo introduz o tema da fraternidade com uma preterição: explica que não tem necessidade de escrever, mas acaba por abordá-lo, pretendendo  ligar  o  tema  do amor fraterno (1 Ts 4, 9-10a) com o tema do trabalho (1 Ts 10b-12). O apóstolo explica que foi o próprio Deus quem ensinou os tessalonicenses a amarem-se uns    aos outros, em caridade fraterna. O termo usado por Paulo   – é único na literatura grega e original de Paulo. Não excluindo que a pregação evangélica foi mediada pelos apóstolos, pretende evidenciar que a mediação humana no processo   de evangelização pretende conduzir o crente numa relação direta com Deus. Na verdade, Paulo parece aqui querer contrapor-se ao frequente autodidatismo das correntes filosóficas helenistas, particularmente cínicas, bem como aqueles que,  como os estoicos e epicuristas, julgavam possuir um conhecimento inato. (CLARO, 2017, p. 68)

Uma humanidade afastada de Deus e atravessada pela tragédia do pecado estruturalmente assimilado é incapaz de crer no amor. Por isso, o que muito  se observa na sociedade atual são ações de autopromoção, práticas de desencargo de consciência e, até mesmo, constrangimento moral. Contudo, nada disso é a verdadeira manifestação do amor, a qual é mediada exclusivamente pela operação do Espírito Santo no coração daqueles que reconhecem Jesus Cristo como o Senhor.
Ora, percebamos a aparente contradição: Os tessalonicenses eram perseguidos, novos  conversos  e uma  comunidade sem um pastor;    todavia, eles eram abundantes no amor uns para com os outros e também para com aqueles que não eram de seu círculo comunitário. De fato, não há qualquer absurdo aqui; na verdade, foi o amor que vinculou cada um daqueles irmãos à causa de Cristo. Sem a conectividade produzida pelo amor que vem de Deus, aquela jovem igreja certamente não se manteria una em meio a tantas oposições e perseguições.
Esse parece ser o melhor caminho para a prosperidade de qualquer comunidade local hoje. Em um tempo de crise institucional-religiosa como o nosso, líderes e igrejas estão, de maneira desesperada, em busca de fórmulas mágicas para a superação de seus dilemas particulares. Fundamentar todas as suas ações no alicerce do amor, assim como fizeram os cristãos tessalonicenses, é, sem dúvida, a melhor atitude a ser adotada por cada um de nós.
O Caráter Contagiante do Amor
O amor é, com muita naturalidade, a instância existencial mais desacreditada pela sociedade contemporânea; é claro, porém, que tal rejeição possui uma justificativa lógica. Vivemos num modelo social anticomunitário; somos um amontoado de pessoas, mas cada um está preso as suas ambições e desejos individualistas.
A cibercultura, componente inegável de nosso mundo atual, tem  contribuído, direta e paradoxalmente, para o afastamento das pessoas. Deve- se entender como uma incongruência esse nexo causal entre cibercultura e atomização dos indivíduos, pois o discurso que se propagandeia associado  aos mecanismos de comunicação em massa atrelados à Internet é o de que eles foram criados para facilitar a comunicação e interação interpessoal.
Entretanto, não é essa a constatação empírica que percebemos na realidade. A Internet — e, de maneira mais específica, as redes sociais — torna-se cada vez mais num ambiente de isolamento dos indivíduos e seus discursos. Ora, num esforço para dar a cada indivíduo a tão prometida visibilidade  universal objeto de desejo incessante da maioria das pessoas hoje — a Internet fez com que todos pudessem falar o que quisessem, o quanto desejassem e da maneira como melhor acreditassem.
Em tempos de culto à imagem de si mesmo, cada um agora tem sua própria tela de projeção pessoal (Youtube), por meio da qual pode criar as histórias de si e para si o quanto quiser. Numa sociedade onde as grandes obras da literatura mundial estão sendo relegadas ao esquecimento, qualquer indivíduo pode escrever um livro contando sua história particular (Facebook), a qual, sob seu controle, sempre enaltece seu personagem principal. Em última análise, as pessoas nem se comunicam mais; elas apenas, de modo animalesco, emitem seus grunhidos (Twitter) umas às outras.
Como consequência dessa ilusória liberdade de dizer e de ser visto, temos um culto ao monólogo, onde as pessoas falam sozinhas sobre o que acham, desejando que outros indivíduos concordem com elas, compartilhem, curtam, façam views de suas opiniões, sendo que, na maioria dos casos, a fala do outro, o ponto de vista do outro e até mesmo os argumentos do outro são sufocados pela preocupação mesquinha de cada indivíduo consigo mesmo.
Todos querem ser vistos e ouvidos, mas quem deseja acolher e compreender o outro? Pouquíssimas pessoas. Instalou-se, assim, um culto ao individualismo. O suposto amor que se encerra em si é, na verdade, narcisismo ou, até mesmo, idolatria. Essa é a maior sofisticação da operação do erro na contemporaneidade: “Por que preciso da imagem de outro ser se posso cultuar a minha?”, “Por que devo ajoelhar-me diante do altar de outro personagem se posso prostrar-me diante de mim mesmo?”, “A quem oferecer glórias se a vanglória a mim direcionada satisfaz meu ego?”.
É por isso que o amor não tem espaço nessa sociedade, pois, enquanto categoria constitutiva do ser divino, o amor implica doação. Ora, não se doa nada a si mesmo; para algo ser oferecido, é necessária a existência de um alguém a quem se dedique aquilo que se está a oferecer.
O amor não cabe em si mesmo; não pode conter-se num único ser. Por isso, o universo foi criado em amor, como que pelo transbordamento de Deus no cosmos. A constatação de que se vive em amor é alcançada a partir do momento em que se compreende que não se deve viver apenas em si ou para si, pois se precisa, de modo concreto, do outro.
Os surpreendentes acontecimentos em Tessalônica só podem ser explicados mediante o amor contagiante que aqueles novos irmãos experimentaram. A pequena semente que foi espalhada por Paulo converteu-se numa frondosa árvore cujos frutos não apenas o apóstolo colhia, mas também a própria comunidade de novos cristãos e, de maneira surpreendente, toda a região ao redor.
Qualquer tentativa de conter esse amor que constantemente aumenta acarretaria na crise da própria experiência cristã. Um cristão medíocre é identificado por sua carência de amor. Quem vive em comunhão íntima  com
o  Pai pode enfrentar a escassez com relação às coisas supérfluas da vida, mas nunca será privado da dádiva do amor.
Por isso, a oração de Paulo, antes mesmo de concentrar-se em qualquer clamor por segurança física ou prosperidade material daqueles irmãos, era pelo crescimento em amor de cada tessalonicense. E o quanto é possível crescer em amor? Infinitamente. Por muito amar seu filho, uma mulher foi capaz de abrir mão de seu direito de maternidade para não testemunhar a morte de seu filho (1 Rs 3.26); por amor à vida de sua filha, um príncipe da sinagoga prostrou-se em público diante de Jesus, rogando pela vida de sua filha (Mc 5.22,23); exclusivamente por amor, Jesus fez tudo o que era necessário para garantir-nos o acesso à salvação.
E o que significa crescer em amor? Significa transcender padrões humanos de relacionamento e aproximar-se continuamente do exemplo vivo do caráter de Deus, que é Cristo. Significa estender abrações de misericórdia e perdão àqueles que, por necessitarem, estão amargurados de espírito. Assim como os
tessalonicenses, cresçamos em amor; que haja entre nós mais líderes que orem continuamente por uma experiência comunitária de amor.
Paulo aos Tessalonicenses: sobre uma Vida Simples e Sossegada
Consumismo, busca desenfreada pelo estrelato, desejo de poder. Essas são algumas das doenças de nosso tempo, por meio das quais as pessoas têm-se submetido a padrões de vida extremamente degradantes na intenção de atingirem o tão sonhado status social.
As orientações de Paulo para os cristãos tessalonicenses vão na contramão de todo esse projeto de vida contemporâneo; o apóstolo sugere que cada indivíduo busque uma vida quieta (1 Ts 4.11), isto é, longe das discussões inúteis e apartada das confusões gananciosas que se estabelecem em nosso entorno.
O ensino de Paulo não procura justificar qualquer tipo de acomodação ou falta de atitude — inclusive, como discutiremos a seguir, a fala do apóstolo vai na direção da exortação ao trabalho pessoal —, mas, sim, um ideal de vida que fuja da ambição por glória ou poderes humanos.
De que maneira, conforme o entendimento de Paulo, estabelece-se uma vida de simplicidade? Basicamente, de duas maneiras: primeira, cuidando daquilo que diz respeito a nós mesmos e, segunda, utilizando nosso tempo com atividades úteis para nossas vidas. Passemos a analisar cada uma dessas duas medidas a serem tomadas de forma prática para o bem-estar de nossas vidas.
A sabedoria judaica antiga já afirmava: “O que, passando, se mete em questão alheia é como aquele que toma um cão pelas orelhas” (Pv 26.17). Muitos dos problemas que enfrentamos na vida não dizem respeito diretamente a nós mesmos, mas aos outros; dessa forma, no intuito de ajudar um amigo, intrometemo-nos em graves e complexos conflitos.
O que devemos fazer? Devemos aceitar que a colheita de determinadas consequências é algo inevitável para todos nós e que, por mais que    amemos
alguém, algumas pessoas terão de sofrer as repercussões de suas tortuosas escolhas. Isso não é egoísmo, mas, sim, consciência de responsabilidades. Devemos ajudar os irmãos em suas aflições e apoiá-los em suas dores; todavia, procurar assumir suas responsabilidades, como já diz o texto  sagrado, é tolice.
O que a sabedoria do proverbialista aponta-nos é que, ao “intrometermo- nos” em problemas alheios, entramos num campo desconhecido, no contexto do incontrolável, onde haverá enormes possibilidades de sairmos feridos.  Mas por que se ferir por uma situação que você não promoveu? Novamente, concentrar-se na resolução de seus problemas não é individualismo, mas um simples reconhecimento de limitação humana — se não sou capaz de resolver todas as minhas dificuldades (e quem é?), como serei capaz de solucionar as dos outros?
Em seu comentário sobre as epístolas aos tessalonicenses, Tomás de Aquino compreende a questão de não se envolver em questões alheias da seguinte maneira:

Reprimindo-se o ócio por exercer algum ofício. Por isso diz: Procurai ocupar-vos   dos vossos negócios. Prov. 24, 27: Lavra cuidadosamente o teu campo, para que depois edifiques a tua casa. Diz, porém, os vossos; mas porventura não se deve  cuidar de negócio alheio? E parece que sim. Rom. 16, 2: E a ajudeis em qualquer negócio.
Respondo: deve dizer-se que todas as coisas podem ser feitas desordenadamente, se são feitas fora da ordem da razão, ou seja, quando alguém age improbamente, e [podem ser feitas] ordenadamente, ou seja, quando se observa a ordem da razão, e  em [caso de] necessidade; e isto é louvável. (AQUINO, 2015,  p.52)

Dedicar-se à superação de nossas crises pessoais é manter o foco em algo específico. Muitas vezes, no esforço de auxiliarmos a família alheia, esquecemo-nos da nossa; quantas vezes já não ouvimos histórias trágicas de pessoas que, no afã de salvar o casamento dos outros, destruíram os seus.
Deus não está nisso!
Por fim, podemos entender a orientação paulina como uma radical crítica à fofoca. Se pararmos de “preocuparmo-nos” com aquilo que os outros estão pensando ou fazendo, estaremos muito menos ocupados e mais livres para lutarmos por nossa felicidade. Invocando mais uma vez a sabedoria dos antigos judeus, esta nos atesta que se dedicar a fazer suposições sobre a vida de alguém não faz bem a ninguém (Pv 26.22). Dediquemo-nos a nossas vidas!
Já a segunda orientação apostólica para uma vida boa e sossegada diz respeito à necessidade de trabalhar em prol da própria subsistência. Paulo é bastante enfático aqui e em 2 Tessalonicenses ao denunciar todo tipo de prática de auto favorecimento injusto. Em outras palavras, aquele que não se esforça para honestamente adquirir seu sustento ainda não teve um real encontro com Cristo.
Sobre a questão do trabalho naquele contexto histórico, afirma-nos  Richards:

A instrução de Paulo sugere que muitos em Tessalônica eram ociosos e precisavam concentrar-se na colocação de seus próprios negócios em ordem. No entanto, o seu chamado para trabalhar com as “próprias mãos” sugere muitas coisas sobre  a  camada social que compunha a igreja.
No mundo romano, trabalhar com as próprias mãos era considerado algo inferior — uma atividade que só era apropriada para escravos e para aqueles  que  foram  libertos, pertencentes à camada mais baixa da ordem social. Em contraste,  o  judaísmo exaltava o trabalho com as mãos, e o judeu ideal era um homem que era treinado tanto nas Escrituras como no comércio. O Cristianismo compartilhava esta visão do trabalho, e, para dar o exemplo, o próprio Apóstolo Paulo ocupou-se do     seu negócio na confecção de tendas (trabalho em couro) sempre que  possível.
O chamado de Paulo para trabalhar com as próprias mãos sugere fortemente que a maioria dos cristãos em Tessalônica originava-se das classes mais baixas da sociedade (1 Co 1.26-31). (RICHARDS, 2008, p.  456)

O trabalho é um mandado divino universal ordenado por Deus à humanidade antes mesmo da Queda. Por isso, ter saúde para trabalhar honradamente deve ser o anelo de todas as pessoas. Como bem declara o apóstolo, se individualmente lutarmos para a manutenção de nossas vidas, não enfrentaremos qualquer tipo de constrangimento em virtude da necessidade de dependermos de outra pessoa para sobrevivermos.
Dessa forma, devemos dar o máximo de nós para trabalharmos por meio das habilidades e dons individuais que Deus concedeu a cada um de nós. É de vital importância, no entanto, que tudo o que fizermos seja realizado dentro da mais digna honestidade. Não somos chamados para estarmos entre os preguiçosos, muito menos entre os corruptos.
O próprio Jesus, sendo Ele homem de uma comunidade própria, tinha sua atuação profissional a qual exerceu até o início de seu ministério (Mc 6.3). Muitos indivíduos, sob o pretexto de piedade, quando, na verdade, não conseguem esconder sua ociosidade, afirmam que é impossível atuar ministerialmente de modo sério e continuar trabalhando. Bem, na verdade, não é isso o que Paulo defende em vários momentos de seu ministério (At 18.3; 1 Co 4.12; 2 Ts 3.8-11).
Na verdade, é compreensível que, em situações específicas, a igreja sustente integralmente seus ministros; o que é inadmissível é que estes — à custa de comunidades humildes — vivam como verdadeiros marajás. Se tais obreiros sentem-se vocacionados a uma vida integralmente dedicada ao trabalho de Cristo, pois que vivam na simplicidade de Paulo e na crença na providência diária do Pai, assim como Jesus Cristo.
Conclusão
Como se pode perceber até aqui neste estudo sobre a primeira epístola de Paulo aos tessalonicenses, não são os temas complexos que perturbavam o
apóstolo com relação à comunidade em Tessalônica, mas, sim, o fortalecimento dos princípios mais elementares, os quais seriam capazes de conduzir aquela igreja local a um novo patamar de espiritualidade para, dessa forma, completar a obra de Cristo no meio deles.
Bibliografia
AQUINO, Tomás de. Comentário a Tessalonicenses / tradução de Tiago Gadotti. Porto Alegre: Concreta, 2015.
CLARO, Francisco Eloi Martinho Prior. Marcas helenistas na Primeira Carta de São Paulo aos Tessalonicenses: A inculturação no primeiro escrito bíblico cristão. Dissertação (Mestrado em Teologia). Porto, 2017. 116f.
RICHARDS, Lawrence O. Comentário Histórico-cultural do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2008.