segunda-feira, 2 de abril de 2018

CLASSE ADULTOS- L 02 - ÉTICA CRISTÃ E IDEOLOGIA DE GÊNERO.

As Ciências Sociais ensinam que as desigualdades sociais entre os sexos são o resultado de relações históricas de opressão e preconceito. A esse entendimento dá-se o nome de “questão de gênero”. Essa concepção não reconhece que as características físicas e biológicas de alguém devam ser usadas como parâmetro comportamental. Nessa perspectiva, refutam a ideia de que o “sexo masculino” deva se comportar como menino e de que o “sexo feminino” deva se comportar como menina. Alegam que o comportamento social esperado de homens e mulheres é estabelecido pela cultura e não pelas questões físicas e biológicas.
1.     O QUE É A IDEOLOGIA DE GÊNERO
A ideologia de gênero pretende desconstruir os papéis dos sexos masculino e feminino. A ideologia de gênero, também conhecida como “ausência de sexo”, é um mal presente na sociedade pós-moderna e indica o grau da corrupção da espécie humana.
A palavra “ideologia” é composta pelos vocábulos gregos eidos, que indica “ideia”, e logos, com o sentido de “raciocínio”. Assim, ideologia significa qualquer conjunto de ideias que se propõe a orientar o comportamento, a maneira de pensar e de agir das pessoas, seja individualmente, seja em sociedade. Em um sentido amplo, a ideologia se apresenta como aquilo que seria ou é ideal para um determinado grupo.
Na busca da hegemonia política, o filósofo e político italiano Antônio Gramsci (1891-1937) Gramsci recomenda a reforma intelectual e moral da sociedade por meio de pessoas influentes como políticos, músicos, artistas, famosos, jornalistas e por todos os meios disponíveis que possam manipular a opinião pública. Mediante essas ações, é possível modificar o senso comum do “certo” e do “errado”. Com o uso intenso da mídia, das artes da literatura, das escolas, universidades e por via de palavras de ordem e a massificação de uma “nova cultura”, cria-se o “homem
coletivo”, que passivamente assimila a “filosofia nova” e passa a pensar como todo o mundo. A partir desse momento, quem ousar discordar do “senso comum modificado” sofrerá o patrulhamento ideológico.
Esse patrulhamento tem como objetivo desqualificar quem faz oposição e pensa diferente. O propósito é desprestigiar quem se manifesta contrário à ideologia. As pessoas que oferecem resistência são estigmatizadas e são acusadas com termos pejorativos tais como “fundamentalista”, “homofóbico”, “preconceituoso”, “machista”, “racista” e “reacionário” dentre outros. Desse modo são construídas muralhas invisíveis que amordaçam o cidadão temeroso da censura. Assim, a liberdade de expressão é controlada pelas grades do “politicamente correto”.
1.     Ideologia de Gênero
A palavra “gênero” tem origem no grego genos e significa “raça”. Na concepção da Lógica, o termo indica “espécie”. Usualmente, deveria indicar o “masculino” e o “feminino”. Nesse sentido, a expressão é inofensiva, porém, na sociedade pós-moderna, tal significado é relativizado e desvirtuado em “ideologia de gênero”. Essa ideologia também é conhecida como “ausência de sexo”. Esse conceito ignora a natureza e os fatos biológicos, e alega que o ser humano nasce sexualmente neutro. Afirmam que os gêneros — masculino e feminino — são construções culturais impostas pela sociedade.
Quanto à sexualidade, a ideologia ensina que o gênero e a orientação do desejo sexual não são determinados pela constituição anatômica do corpo humano. Nesse caso, consideram que a atração pelo sexo oposto corresponde a determinados estereótipos e papéis sociais previamente estabelecidos pelo contexto histórico, político e cultural da sociedade.
A ideologia de gênero e sua propagação
Como acontece com toda a ideologia, a identidade de gênero vem sendo amplamente divulgada pela grande mídia em busca da construção do “homem coletivo”. Na tentativa de desqualificar seus oponentes, imprime-se, por exemplo, a ideia de que o relacionamento afetivo entre pessoas de mesmo sexo é objeto de discriminação e preconceito homofóbico. Desse modo, instituiu-se a denominada “mordaça gay”, em que, por meio do “patrulhamento ideológico”, cidadãos de bem convivem com o cerceamento de sua liberdade de expressão, nada podendo dizer em contrário à ideologia de gênero sob pena de ser considerado preconceituoso.
2.   Marxismo e Feminismo como Fonte dessa Ideologia
O marxismo exerceu forte influência no feminismo, especialmente o livro A Origem da Família, a Propriedade Privada e o Estado (1884), em que a família patriarcal é tratada como sistema opressor do homem para com a mulher. Desse modo, a ideia central do conceito de gênero nasceu com a feminista e marxista Simone de Beauvoir, autora da obra “O Segundo Sexo” (1949), em que é afirmado que “não se nasce mulher, torna-se mulher”. Assim, do contexto social marxista que deu origem à “luta de classes” surgiu na pós-modernidade a ideologia culturalista como sendo “luta de gêneros”, ou seja, uma fantasiosa “luta de classes entre homens e mulheres”.
O conceito marxista de família
O conceito marxista acerca da família patriarcal está desenvolvido no livro A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado (1884), elaborado pelo sociólogo alemão Karl Marx, porém organizado e assi- nado por Friedrich Engels, dado à morte de Marx antes da publicação da obra (ENGELS, 2014, p. 1-3). Nesse livro, ele pretende explicar a gênese da realidade familiar por meio de um viés de liberdade sexual desraigada e casamento dissolúvel. Marx dividiu os tipos familiares de quatro maneiras, quais sejam: família consanguíneafamília punaluana,
família sindiásmica família monogâmica. Sua veraz crítica e seu conceito de patriarcado é com a família monogâmica, pois em seu entendimento ela “baseia-se no triunfo do homem” e “os laços conjugais não podem ser rompidos por qualquer uma das partes” (ENGELS, 2014, p. 67). Na visão marxista, esse modelo de matrimônio escraviza o cônjuge a ter relações sexuais apenas com o seu cônjuge, e, na opinião do sociólogo, isso é uma discrepância, tendo em vista que a liberdade sexual é necessária para a sociedade (ENGELS, 2014, p. 70-72). Desse modo, a intenção de Marx é desconstruir o sistema patriarcal e promover a liberdade sexual. Por isso, afirma-se que a ideologia de gênero é des- dobramento do marxismo que também pretende eliminar o modelo familiar monogâmico, patriarcal e heterossexual.
O conceito feminista de gênero
A francesa Simone de Beauvoir (1908-1986), considerada uma das mais importantes feministas da história, escreveu, como já afirmado, uma polêmica obra a respeito do feminismo, o livro O Segundo Sexo (1949). Filósofos afirmam que as mais de 800 páginas de seu livro podem ser sintetizadas pela frase já imortalizada pelos adeptos da ideologia de gênero: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”. Beauvoir afirma em sua obra que “todo ser humano do sexo feminino não é, portanto, necessariamente mulher; cumpre-lhe participar dessa realidade misteriosa e ameaçada que é a feminilidade.” (BEAUVOIR, 2009, p. 13). Diante de tal construção teórica e filosófica, surgiu o conceito feminista de gênero, isto é, que a pessoa do sexo feminino não nasce mulher, sendo a construção social da sociedade machista que a transforma em mulher. A partir daí nasceu a expressão “empoderamento”, para sinalizar a luta pela igualdade de gêneros e a busca da libertação sexual, em que todos podem fazer opção de querer ser homem ou mulher.
2.     CONSEQUÊNCIAS
A ideologia de gênero pretende desconstruir os papéis de homens e mulheres e assim descontinuar o casamento e a família tradicional. As Escrituras Sagradas ensinam que o pecado provoca graves consequências e o ser humano recebe em si mesmo o resultado de seus erros (Rm 1.27).
1.     Troca de Papéis entre Homens e Mulheres
A ideologia de gênero ensina que os papéis dos homens e das mulheres foram socialmente construídos e que tais padrões devem ser desconstruídos. Essa posição não aceita o sexo biológico (macho e fêmea) como fator determinante para os papéis masculino e feminino. Sob esse aspecto, alguém pode ser biologicamente homem e desejar desenvolver comportamento típico de mulher e vice-versa. Faz-se ainda apologia à prática do homossexualismo e do lesbianismo. Tal posição despreza os papéis biblicamente constituídos (Rm 1.25-32; Ef 5.22-33).
O perigo da inversão de valores
Na época do profeta Isaías, a ordem social, o estado moral, ético e espiritual do povo de Judá era lamentável e em muito se assemelha aos dias que vivemos. O mal era caracterizado pela inversão dos valores. O profeta fora enviado a uma nação que se recusava ouvir a palavra de Deus (Is 1.2-6,10-17; 6.9-13). Nesse cenário de podridão moral e espiritual, Deus levantou um atalaia para profetizar contra a nação. Dentre as reprimendas, o profeta vaticinou “seis ais” que confrontavam o comportamento inadequado daquele povo.
O primeiro “ai” era contra o materialismo desenfreado e o enriquecimento ilícito (Is 5.8-10). O segundo “ai” duplamente anunciado condenava a bebedeira e a embriaguez que conduzia à ociosidade (Is 5.11,12,22). O terceiro “ai” repreendia os que zombavam da verdade e duvidavam do juízo divino apostando no ceticismo (Is 5.18,19). O quarto “ai” era um alerta acerca da perversão dos valores. Tratava-se de uma dura advertência acerca do extremo perigo do relativismo cultural (Is 5.20). O quinto “ai” era uma condenação aos presunçosos que se julgavam sábios e únicos donos da verdade (Is 5.21). E o sexto e último “ai” repreendia a corrupção, o suborno e a perversão do direito (Is 5.23). Essas atitudes reprováveis e imorais causaram a derrocada daquela nação (Is 5.24,25).
Em nosso tempo, a situação não é diferente; a sociedade está em estágio de putrefação moral e ética, pois a verdade vem sendo modificada por intensa manipulação do pensamento. Homens inescrupulosos afrontam a verdade de Deus e a sua Palavra promovendo ideologias contrárias à revelação divina. A ideologia de gênero, com a sua inversão de valores, tem invadido, inclusive, diversos setores da igreja que se autodenomina cristã. O farisaísmo — como dissimulação da verdade — tem adentrado em nosso meio. A reprimenda de Cristo os classificando como “Condutores cegos! Coais um mosquito e engolis um camelo” (Mt 23.24) vem sendo ignorada por um número considerável da igreja e de sua liderança. Contudo, as Escrituras são categóricas em revelar que não haverá escape para os transgressores. Aos que relativizam a verdade, a Palavra de Deus vaticina: “não será tardia a sentença, e a sua perdição não dormita” (2 Pe 2.1-3). A igreja não pode fechar os olhos para a inversão dos papéis de homens e mulheres divinamente revelados nas Escrituras (Ef 5.22-33).
2.     Confusão de Identidade para o Ser Humano
Os adeptos dessa ideologia fazem questão de criar conceitos relativistas. Afirmam que a sexualidade (desejo sexual) e o gênero (homem e mulher) não estão relacionados com o sexo (órgãos genitais). Desse modo, a identidade de gênero e a orientação sexual passam a ser moldadas ao longo da vida. Por exemplo, a criança passa a decidir depois de crescida se quer ser menino ou menina. No entanto, essa indefinição acerca da própria identidade produz efeito dramático no ser humano por causa da confusão de papéis, e provoca sérios problemas de ordem espiritual e psicossocial. Tal ideologia induz, inclusive, à insolência de a criatura questionar o seu Criador (Rm 9.20).
Identidade de gênero
Biblicamente, a orientação e o desejo sexual estão direta e intrinsecamente relacionados às características físicas do sexo (masculino e feminino), e não com o construto cultural da sociedade. O conceito de “identidade de gênero” não aceita o sexo biológico (masculino e feminino) como fator determinante da sexualidade. Ensinam que os indivíduos desenvolvem sua “identidade de gênero” durante o pro- cesso de socialização com a cultura na qual estão inseridos. Assim, o propósito dessa ideologia na área da moralidade é desassociar o sexo da sexualidade e com isso provocar a inversão dos valores também do casamento e da família.
3.     Desvalorização do Casamento e da Família
A ideia é de que o desaparecimento dos papéis ligado ao sexo provoque um destruidor impacto sobre a família. A ideologia considera que a atração pelo sexo oposto, o casamento e a família correspondem a determinados estereótipos e papéis sociais previamente estabelecidos pela sociedade. Tudo passa a ser relativizado e permitido, isto é, ninguém poderá afirmar que algum modo de relações entre os sexos possa ser mau ou antinatural. O casamento heterossexual e a família tradicional são totalmente desconsiderados. Esses e outros males são resultados da depravação humana e sinais da iminente volta de Cristo (2 Tm 3.1-5).
A depravação da sexualidade
Quando se adota a identidade de gênero como parâmetro ou medida, os valores e os conceitos morais tornam-se relativos. Caso fosse verdadeiro que o ser humano tenha capacidade para “autoconstruir” seu próprio gênero “nenhum modo de relação sexual poderá ser considerado puro ou impuro, certo ou errado” (SCALA, 2011, p. 65). Assim, instala-se o relativismo e a resultante inversão/alteração de valores (Is 5.20). A partir disso, não se poderá restringir a liberdade sexual de ninguém. A começar pelo postulado básico da “identidade de gênero” de que não existe uma identidade biológica em relação à sexualidade e que todas as relações sexuais são apenas o construto da sociedade, então toda relação sexual consentida será considerada moralmente boa e, portanto, lícita e aceitável, não sendo passível de crítica ou condenação por parte da sociedade e das autoridades públicas.
Em vista disso, serão desconstruídas as relações familiares, o casamento, a reprodução, a educação, a religião, a sexualidade, dentre outros. Práticas que hoje são moralmente condenadas passarão a ser consideradas igualmente lícitas tanto do ponto de vista moral, legal e jurídico. Depravações sexuais como zoofilia (sexo do homem com animais); necrofilia (atividade sexual com cadáver) e até a pedofilia (sexo de adultos com criança) serão toleradas como resultado da aceitação da “ideologia de gênero”. Convém aqui registrar que a prática da zoofilia é tipificada como crime (Art. 32, Lei 9.605/1998), a necrofilia (Art. 212, Código Penal Brasileiro), bem como a pedofilia, é considerada crime contra vulnerável previsto no Código Penal Brasileiro (Art. 217-A), além de ser tipificada como doença na categoria “Transtornos da preferência sexual” listada na Classificação Internacional de Doenças (CID-10, Código F65.4).
Apesar de estarmos conscientes desses fatos, sabemos que a cultura se modifica e seus conceitos e valores podem ser relativizados. Entretanto, as Escrituras Sagradas ensinam que as verdades divinamente reveladas independem da cultura, e, portanto, não são passíveis de alteração. Para o cristão, a autoridade e a inspiração divina das Escrituras são fatos inquestionáveis. O reformador alemão Martinho Lutero (1483- 1546) compreendia que o sentido de “Sola Scriptura” era literal, ou seja, somente a Escritura – e não a Escritura somada à interpretação dos homens ou a cultura dos povos – é a fonte de revelação cristã. Sua defesa era pela centralidade da palavra de Deus. (LUTERO, v. 2, 2010. p. 403). O reformador holandês Jacó Armínio (1560-1609) igualmente defendeu a centralidade das Escrituras e ensinou que todas as doutrinas necessárias para o cristão já nos foram transmitidas pela revelação da Palavra de Deus (ARMÍNIO, v. 1, 2015, p. 377). Portanto, para o cristão as doutrinas bíblicas se constituem em única autoridade infalível de fé e prática.
3.     O IDEAL DIVINO QUANTO AOS SEXOS
A Palavra de Deus revela que o homem foi criado macho e fêmea (Gn 1.27). Entre outros propósitos divinos estava a união heterossexual entre um homem e uma mulher. Portanto, a revelação divina contida na Bíblia Sagrada está acima da ideologia de gênero e transcende a cultura pós-moderna relativizada de nossa época.
1.     Criação de Dois Sexos
Deus criou dois sexos anatomicamente distintos: “E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou” (Gn 1.27). Portanto, biologicamente, o sexo está relacionado às formas do corpo humano e aos órgãos genitais. Assim sendo, os seres humanos nascem pertencendo ao sexo masculino ou ao sexo feminino. O homem é designado como macho e a mulher como fêmea. Por conseguinte, não podemos alterar a verdade bíblica para acomodar a ideologia de gênero, pois a cultura permanece sob o julgamento de Deus (1 Pe 4.17)
Não podemos mudar a verdade
Paulo alerta a igreja de Corinto: “nada podemos contra a verdade, senão pela verdade”(2 Co 13.8). No contexto dessa passagem, tanto o “evangelho” quanto a “retidão moral” é apresentado como conceito da verdade. Essa expressão paulina indica que rejeitar a verdade, seja ela no campo da ética, seja da moral, implica combater contra aquEle que é a verdade — Cristo e seu evangelho. Portanto, não é possível anular a verdade, ainda que alguma ideologia o queira fazer. Aqui está evidenciado um princípio geral: não importa o que o homem faça para torcer a verdade, no final, quer queira quer não, a verdade triunfará sobre a falsidade e o engano. Pode até ser que a verdade fique oculta ou subjugada por um determinado espaço de tempo, mas por fim ela ressurgirá triunfante.
Por conseguinte, diante da exortação paulina, não podemos alterar a verdade bíblica para acomodar a fé cristã aos valores da cultura secular. Nem tampouco devemos ceder ao conformismo e assistir passivamente à deturpação da verdade. Não estamos autorizados a acrescentar ou retirar algo da verdade revelada por Deus (Ap 22.18,19). As Escrituras são enfáticas ao revelar que Deus criou apenas dois sexos: macho e fêmea (Gn 1.27). Portanto, enquanto a Igreja estiver na terra, temos que oferecer resistência à tentativa de deturpação da verdade.
2.     Casamento Monogâmico e Heterossexual
Ao instituir o casamento, Deus ordenou: “o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e eles se tornarão uma só carne” (Gn 2.24, NVI). Isso significa que a união monogâmica (um homem e uma mulher) e heterossexual (um macho e uma fêmea) sempre fez parte da criação original de Deus. A diferenciação dos sexos visa à complementaridade mútua na união conjugal: “nem o varão é sem a mulher, nem a mulher, sem o varão” (1 Co 11.11). Assim, mudam-se as culturas e os costumes, mas a palavra do nosso Deus permanece inalterável (Mt 24.35).
O modelo da família cristã
Declaração de Fé das Assembleias de Deus no Brasil crê, professa e ensina que a família é “instituição criada por Deus, que tem por princípios reguladores e estruturantes a monogamia [...] e a heterossexualidade” (SOARES, 2017, p. 205). Por essas razões, nossa confissão de fé rejeita a homossexualidade (1 Co 6.10) e qualquer configuração social que se denomina família cuja existência é fundamentada em prática, união ou qualquer conduta que atenta contra a monogamia e a heterossexualidade, consoante ao modelo instituído pelo Criador e ensinado pelo Senhor Jesus (Mt 19.4-6).Esse tema será discutido novamente com maior profundidade no capítulo 9, que abordará o planejamento familiar.
3.     Educação dos Filhos com Distinção dos Sexos
Educar não consiste apenas em suprir os meios de subsistência e proporcionar o bem-estar necessário. Cabe também aos pais educar os filhos na admoestação do Senhor (Ef 6.4), promover o diálogo e o amor mútuo (Ef 6.1,2). A família cristã não pode perder a referência bíblica na educação de seus filhos. Explicar e orientar que homens e mulheres, por exemplo, possuem órgãos sexuais distintos que os diferenciam sexualmente é responsabilidade dos pais. Deve-se ensinar, ainda, o respeito e a não discriminação, mas também a diferenciação entre os sexos a fim de coibir a inoportuna “luta de gêneros” (Gn 1.27; 1 Co 11.11,12; Ef 5.22-25).
A ideologia de gênero na educação secular
Nesse aspecto, os pais ou os responsáveis pelos estudantes devem redobrar a atenção. Ativistas labutam para implantar a “ideologia de gênero” nas escolas por meio de material didático e uma nova pedagogia voltada para a desconstrução sexual e o doutrinamento das crianças e alunos em geral. No Brasil, em 2014, durante a tramitação no Congresso Nacional do PNE (Plano Nacional de Educação), que dita as diretrizes e metas da educação para os próximos dez anos, após diversas pressões de parlamentares cristãos, a ideologia de gênero foi retirada do texto. Após uma série de debates, o Ministério da Educação manteve a ideologia de gênero na Base Nacional Comum Curricular, porém, agora na disciplina de ensino religioso. A Base Nacional se limita, por enquanto, ao ensino infantil e fundamental (basenacionalcomum.mec.gov.br).
Por fim, o que se pode afirmar é que a ideologia de gênero pretende relativizar a verdade bíblica e impor ao cidadão aquilo que deve ser considerado como ideal. Acuada pelo “patrulhamento ideológico”, parcela da sociedade não esboça reação, faz concessões em nome do “politicamente correto”, e o mal vem sendo propagado. No entanto, os cristãos possuem o dever de reagir e “batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos” ( Jd 3).

  

RETIRADO DO LIVRO - VALORES CRISTÃOS -
Enfrentando as questões morais do nosso tempo.
      Douglas  Baptista.


CLASSE JOVENS - L 01 - INTRODUÇÃO ÀS CARTAS



Estudar analiticamente um texto bíblico do Novo Testamento é sempre um enorme desafio por vários motivos. Em primeiro lugar, porque estamos cronologicamente distantes quase 2 mil anos de seu momento autoral; por isso, o peso do estranhamento das práticas culturais, litúrgicas e sociais torna-se mais evidente ainda durante a leitura deste. Temos ainda que lidar com as especificidades linguísticas — pois o NT foi todo escrito numa versão popular de um idioma antigo, o grego — que desembocam também em enormes desafios para a compreensão literária da obra.
Lembremo-nos ainda que, no caso das epístolas aos tessalonicenses, não estamos diante de apenas um texto, mas, sim, de duas composições diferentes — apesar de ambas as correspondências serem, provavelmente, de um mesmo autor e para uma mesma comunidade. Desse modo, seria absolutamente incoerente utilizar-se de um mesmo conjunto de pressupostos teóricos para fundamentar a análise dessas duas obras sem qualquer tipo de distinção entre as mesmas.
Deve-se ainda levar em conta que os textos aos quais nos propomos a discutir nas páginas a seguir são literatura do corpus paulinus. Para tanto, faz-se necessário uma compreensão, mínima que seja, das particularidades do pensamento do apóstolo dos gentios, de modo especial, no início de sua produção epistolar. Pelo menos 1 Tessalonicenses, se é que não se pode dizer o mesmo de 2 Tessalonicenses, é uma amostra histórico-literária de uma genuína produção teológica paulina.
Sim, esse é outro desafio no estudo das epístolas aos tessalonicenses: estas são produções literárias antigas, sendo uma delas considerada o mais antigo texto neotestamentário presente no cânon bíblico. O que isso implica na análise do texto? Dentre as possibilidades concebíveis de serem apresentadas, estão, por exemplo: a escrita paulina nas epístolas aos tessalonicenses — por ser a manifestação de um pensamento teológico em construção — está desprovida de uma série de conceitos-chave abundantemente presentes em outros textos do apóstolo, tais como justificação, a humanidade de Cristo, a contraposição entre lei e graça, etc.
Há, por outro lado, temáticas centrais que, como demonstram os textos, já estão presentes na gênese da teologia paulina: o Dia do Senhor, redenção, santificação. Outras questões, como, por exemplo, a natureza kerigmática da pregação e o debate sobre a kenosis do Senhor Jesus estão presentes nessas epístolas, ainda que introdutoriamente se possa citar que, já em 1 Tessalonicenses, Jesus é reconhecido como o Senhor, o kyrios da Igreja.
Por fim, outra questão extremamente importante de considerarmos é o fato de que a produção epistolar é uma prática social bastante comum naquele contexto histórico; tal informação deve levar-nos a reconhecer a qualidade do relacionamento entre Paulo e aquela comunidade.
O que lemos em 1 e 2 Tessalonicenses não é uma produção literária que se propôs a ser canônica já na sua origem — até porque, como bem sabemos, o processo de reconhecimento canônico dos textos contidos no Novo Testamento deu-se num momento histórico posterior1 e segundo regras que estavam alheias ao conhecimento de Paulo.2
Conforme afirma-nos Tenney:

O verdadeiro critério da canonicidade é a inspiração. [...] (2 Tm 3.16,17). Por outras palavras, aquilo que foi dado por inspiração de Deus era escriturístico, e o que não veio por inspiração de Deus não era escriturístico, se “Escrituras” significarem o registro escrito da Palavra de Deus revestida de autoridade.
Se este critério for adotado como definitivo, há que responder a próxima pergunta: “Como se demonstra a inspiração?” Os livros do novo testamento não começam todos com a afirmação:



1 O reconhecimento da canonicidade dos textos do Novo Testamento foi um processo que ocorreu de forma lenta, majoritariamente entre os sécu- los II e IV d.C, como uma forma de preservar o cristianismo de uma série de perniciosas heresias que se disseminavam no seio da Igreja. Assim, o reconhecimento canônico dos textos ocorreu como uma consequência do caráter autoritativo que estes já possuíam entre as comunidades cristãs. O cânone de Marcião de Sínope e o muratoriano são exemplos de antigas listas que buscavam elencar a literatura cristã primitiva que deveria ser reconhecida com valor de Escritura Sagrada. Já no século XVI, durante o Concílio de Trento — como uma reação institucionalmente organizada da Igreja Católica contra os efeitos da Reforma Protestante —, uma lista de livros canônicos será oficialmente apresentada.
2 Para ser considerado canônico, o texto teria de ser de autoria apostólica, estar compatível com os ensinamentos apostólicos e ter autoridade apostólica. Percebe-se, assim, um comprometimento com uma tradição apostólica, com o intuito óbvio de referendar comunitariamente a veracidade de um determinado escrito.
de que foram inspirados por Deus. Alguns relacionam-se com assuntos muito vulgares, outros contém enigmas históricos, literários e teológicos que só com dificuldade podem ser resolvidos. Será possível demonstrar a sua inspiração a contento de todos?
A resposta a este problema é tripla. Primeiro, a inspiração destes documentos pode ser apoiada por seu conteúdo intrínseco. Segundo, essa inspiração pode ser corroborada pelo seu efeito moral. Finalmente, o testemunho histórico da Igreja Cristã mostrará o valor que era dado a esses livros, se bem que a Igreja não fizesse com que eles fossem inspirados ou canônicos. (TENNEY, 208, p. 428,429)

É importante reconhecer que a autenticação do caráter canônico de um texto constituiu-se na coletividade, por seu uso comunitário e popularidade entre os cristãos; tais fatos são tão verdadeiros que, durante muito tempo, se discutiu a canonicidade de textos como a DidachéApocalipse de EnoqueEvangelho de Tomé. O contrário também deve ser considerado, como, por exemplo, as fortes críticas apresentadas por Martinho Lutero (1483–1546), em pleno século XVI, à presença da Carta de Tiago no Corpus neotestamentário.
Sobre esse contexto, afirma-nos Cullmann:

De uma maneira geral, o cânone do Novo Testamento não se formou, como se poderia supor, por adição, mas por eliminação. Ainda no início do século II, foram redigidos não somente evangelhos apócrifos e atos dos apóstolos, mas também um grande número de outros escritos cristãos (como os escritos dos Pais Apostólicos). Esses, mesmo que não pretendessem remontar às origens, não tinham, em princípio, uma autoridade inferior àquela dos escritos que hoje fazem parte do Novo Testamento. (CULLMANN, 2015, p. 90)

Para deixar claro que esses conflitos com relação à construção de um cânon não é um problema exclusivo do cristianismo, pode-se citar o fato de que o conjunto de livros do Antigo Testamento, como conhecemos hoje, só foi “canonizado” pela comunidade judaica por volta do século III d.C (Moura, 2013).
Se 2 Tessalonicenses são textos sagrados, agora os compreendendo para além da questão histórico-crítica da canonicidade e muito mais próximo de uma concepção devocional das epístolas, isso se deve ao fato de que Paulo, ao escrever àqueles irmãos, não fez isso de modo institucional ou religioso, mas, sim, de maneira amorosa e fundamentalmente cristã. Não se tratava de um técnico de assuntos religiosos transmitindo ordens a um grupo de iniciados, mas, sim, de um líder, um amigo, um pastor, que pacientemente ensina um grupo de novos convertidos a como proceder diante de dúvidas e questões que afligiam o cotidiano daquela comunidade.

Características Gerais de Tessalônica
Fundada pelo general macedônio Cassandro no século IV a.C, a partir da reunião de 26 províncias existentes, Tessalônica foi assim denominada em homenagem à esposa deste monarca que se chamava de Thessaloniki.3 A geografia da região fez com que Tessalônica rapidamente se destacasse como cidade portuária, tornando-a extremamente importante do ponto de vista comercial para a região da Macedônia. Consequentemente, foram desenvolvidas diversas rotas comerciais e militares; com destaque a Via Egnácia — estrada construída pelo Império Romano para a interligação das províncias da Macedônia, do Ilírico e da Trácia. Ainda sobre as informações geográficas de Tessalônica, informa-nos Claro:
A par desta privilegiada localização, o mérito de Tessalônica era potenciado pela excelência de recursos naturais de toda a província: solos férteis e suficientemente irrigados, que aliados a épocas estivais quentes e invernias severas, favorecia o cultivo de grão e frutos continentais, bem como proporcionava pastagens abundantes aptas à atividade pastoril. Em volta da cidade, as montanhas ofereciam a madeira necessária


3 É necessário registrar que esta era filha de Filipe II (382 a.C.–336 a.C.), rei da macedônia, e meia-irmã de Alexandre Magno (356 a.C.–323 a.C.) mais conhecido como Alexandre, o Grande.
à edificação de habitações e à construção de embarcações. Não seria de estranhar que a atividade pesqueira tivesse larga predominância dada a localização na orla costeira e a presença de rios e lagos por toda a província. O subsolo oferecia a ex- ploração de minerais nobres como o ouro, a prata e o cobre, bem como o ferro e o chumbo. (CLARO, 2017, 11 e 12.)

Na tentativa de desvincular-se do poder de Roma, a província da Macedônia como um todo se revoltou contra Roma em três episódios distintos (214–205 a.C; 200–197 a.C; e 171–168 a.C), sendo subjugada todas as vezes. Com as reformulações implantadas para manutenção da política imperialista de Roma, Tessalônica passou a ser a capital da província da Macedônia a partir de 146 a.C. A partir de 42 d.C., Tessalônica torna-se sede de residência do procônsul romano, ganhando, assim, status de cidade-livre sem nunca, todavia, ser de fato.
Sobre a população tessalonicense, Trimaille e Darrical defendem que:

A população de Tessalônica não era homogênea, a colonização romana havia trazido famílias itálicas, juntaram-se também os orientais, atraídos pela esperança de fazer fortuna (sírios, egípcios e judeus). Paulo encontrou ali uma sinagoga, testemunho de uma melhor implantação judaica em Tessalônica que em outros lugares. [...] Esse caráter cosmopolita da população havia feito proliferar os cultos e as divindades. Várias inscrições que se conservaram nos antigos monumentos demonstram que ali se veneravam pelo menos vinte divindades. Convém recordar que [...] Dioniso era especialmente honrado em Tessalônica, o qual tem sua importância para situar certas exortações em 1 Ts, isto porque este culto cristalizava, mais que os outros, as esperanças de uma vida futura (cf 5.1-11). (TRIMAILLE, 1982, p.3,4)

Atualmente, Salônica, a moderna Tessalônica, é uma importante cidade grega, destacando-se como forte centro universitário e industrial. Pensemos, então, pormenorizadamente, a partir desse ponto, sobre os aspectos gerais de cada uma das epístolas aos tessalonicenses, ressaltando as características em comum, mas também as especificidades de cada um dos textos.

1 Tessalonicenses — Paulo e os Tessalonicenses: uma Peculiar Relação
Neste momento introdutório, dentre as várias análises possíveis de serem feitas com relação à 1 Tessalonicenses, optar-se-á por concentrar-se num aspecto referente à obra: o relacionamento entre Paulo e aquela comunidade. Como se demonstrará ao longo deste comentário, apesar de não ter vivido um longo período de tempo naquela cidade — e, por isso, ter conseguido ampliar de maneira pormenorizada os laços com os tessalonicenses — Paulo nutria uma enorme consideração por aqueles irmãos.
Pode-se fundamentar tal afirmação a partir do seguinte argumento: tendo o apóstolo já realizado sua primeira viagem missionária — onde visitou, pregou e fundou pelo menos seis comunidades cristãs, as quais foram fortalecidas ainda no retorno antes do fim da viagem — e tendo anunciado o evangelho em outras cidades já na segunda viagem missionária, é para Tessalônica que Paulo endereça sua primeira carta.
Como defende Trimaille (1982, p. 13), há, nesse momento do ministério paulino, uma forte ênfase na necessidade de vida em coletividade. Só há cristianismo em comunidade; daí, a necessidade de obter notícias daqueles irmãos e do andamento da vida de fé dos mesmos. Durante a segunda viagem missionária de Paulo, especial- mente durante sua estada na Macedônia, a qual se fez por meio de uma inequívoca revelação divina, estabeleceu-se — pelo me- nos, é o que entendemos por meio da narrativa de Lucas — uma lógica para a implantação de igrejas: a) Anúncio do evangelho;
b) Fundação da igreja; c) Forte perseguição dos judeus; d) Saída abrupta. Essa “lógica” por ser exemplificada com os casos de Filipos, Tessalônica e Bereia.
Por tudo o que aconteceu na fundação da igreja em Tessalônica — perseguição, oposição, acusação —, o coração pastoral de Paulo preocupava-se enormemente com a possibilidade do fracasso espiritual daquela comunidade; porém, qual não foi a surpresa do apóstolo ao receber notícias de que aquela neófita comunidade ia bem. Nada, nem mesmo os problemas sociais ou as recentes heresias, conseguem calar a alegria de Paulo, a qual transborda em cada linha desta amistosa carta.
Assume-se, assim, uma chave hermenêutica para a leitura de 1 Tessalonicenses, que advoga a experiência da fé mútua, da confiança em Deus, mas também uns nos outros, como elemento central desta análise. Concordamos com Marques quando ele afirma que:

Tendo em mente o profundo significado que a Morte e Ressurreição e Parusia de Cristo adquirem no Evangelho de Paulo, este estudo é uma leitura de 1Ts sob o viés da confiança mútua entre os personagens por ela envolvidos. É pela con- fiança em Paulo, Silvano e Timóteo que os tessalonicenses confiam primeiro no Deus vivo e Verdadeiro em quem eles creem e a quem confiam suas existências. Neste Deus Vivo e Verdadeiro os tessalonicenses passam a crer com convicção a ponto de abandonarem seus ídolos (1Ts 1,9), e mais ainda, creem no Senhor Jesus, que em sua Parusia virá libertá-los da ira futura do juízo final (1Ts 1,10). O comprometimento dos tessalonicenses com o Deus Vivo e Verdadeiro não poderia acontecer antes que os tessalonicenses tivessem conhecido Paulo e seus colaboradores, Silvano e Timóteo. Os tessalonicenses observaram seus evangelizadores: eles eram modelos de uma confiança inabalável em Deus. Por outro lado, Deus mesmo mostrava sua confiança em Paulo e seus auxiliares, porque por meio deles Deus realizou uma obra que homem algum realizara antes em favor dos tessalonicenses. Por fim, convertidos, os tessalonicenses imitam seus evangelizadores e se tornam, também eles, evangelizadores da Macedônia e da Acaia (1Ts 1,4-10). (MARQUES, 2009, p. 15,16)

1 Tessalonicenses não é um texto institucional, burocrático-religioso; esta primeira Escritura é uma manifestação histórico-cultural da simplicidade do evangelho que se vivia naquele contexto de cristianismo primitivo. A espontaneidade com que Paulo dirige-se àquela comunidade identifica com clareza a natureza desinstitucionalizada das relações cristãs em Tessalônica. Para alguns, como defende Luckensmeyer (2009, p.1) e Claro (2017), por exemplo, isso seria o resultado de uma forte influên- cia da filosofia helenística em 1 Tessalonicenses, o que não é tão evidente em outras epístolas paulinas que são posteriores, tanto pelo contexto histórico como pelas evidências textuais. Segundo essa hipótese, a necessidade de cuidado e proximidade de Paulo com aqueles irmãos justificou-se pela necessidade de superar uma série de práticas idólatras que estavam diretamente associadas a vivências do cotidiano da comunidade.
Um exemplo clássico da relação entre o cuidado de Paulo com os tessalonicenses e a questão da cultura helenística pode ser identificado na reticente abordagem da questão da ressurreição. Diante da variedade de cultos a divindades, entre os quais ao egípcio Osíris e ao grego Dioniso, a questão da ressurreição necessitava ser apregoada a partir de uma perspectiva cristã — inclusive para superar o materialismo estoico e o indiferentismo epicureu, que predominava entre os atenienses ali bem próximo de Tessalônica.
Por isso, Claro defende que:

[...] na comunidade de Tessalônica, a principal questão que suscitava interpelação e dúvida não era tanto como seriam ressuscitados os cristãos, mas fundamentalmente, como os vivos e os mortos tomariam parte no evento escatológico. Por sua vez, Paulo não pretende explicar a transformação dos corpos dos cristãos operada por tal evento (cf. 1Cor 15, 51-52; Fl 3, 20-21), antes a sequência dos momentos escatológicos, de forma a elucidar que os mortos ressuscitarão em primeiro lugar de maneira a tomarem parte da parusia de Cristo. (CLARO, 2017, p. 83)

As dúvidas dos tessalonicenses, segundo essa argumentação, não se concentravam no conceito da ressurreição — diferente- mente daquilo que Paulo enfrentará em Atenas —, mas na maneira como se dará o Dia do Senhor. Acreditar que mortos reviveriam era algo presente no mundo religioso dos tessalonicenses, mas eles não compreendiam como se daria o encontro de vivos e mortos no mesmo lugar. Percebe-se, assim, que, por meio de uma estratégia de evangelização que partiu de elementos próprios da cultura do povo, Paulo anuncia a genuína Boa-Nova aos tessalonicenses.

2 Tessalonicenses — A Polêmica da Autenticidade
Assim como se fez com relação à primeira epístola, a título de apresentação de 2 Tessalonicenses, eleger-se-á uma temática para aqui ser apresentada e debatida, a despeito de várias outras poderem receber o mesmo trato. O debate sobre a suspeita de uma condição deuteropaulina para este texto demonstra-se como uma questão de destaque e relevância.
A centralidade dos argumentos a favor da compreensão de 2 Tessalonicenses como um texto não paulino concentra-se especialmente com relação ao trato da questão sobre as últimas coisas. Para esses pesquisadores, existe uma discrepância insus- tentável entre a abordagem escatológica de 1 e 2 Tessalonicenses. O contraste central com relação à escatologia dessas duas epístolas dá-se em virtude de uma visão da parusia como algo repentino e imediato em 1 Tessalonicenses, porém processual e distante em 2 Tessalonicenses.
Um modo simples de propor uma solução para essas supostas divergências é analisar a problemática escatológica a partir de dois prismas contextuais específicos: enquanto em 1 Ts Paulo está envolvido num processo de confirmação e fortalecimento à distância da fé dos tessalonicenses — algo que, na primeira viagem missionária, foi feito no retorno às cidades quando da volta, mas aqui não foi possível em virtude das inúmeras situações adversas —, em 2 Ts, Paulo está fazendo uma conexão entre ética e escatologia, mais propriamente uma apresentação daquilo que seria uma ética da provisoriedade.
Ora, o caráter provisório de nossa vida, em virtude da parusia de Cristo, não pode prescindir de uma profunda fundamentação ética. Cristo vai voltar, mas isso não deve ser pretexto para uma vida pessoal desorganizada; na verdade, há uma série de acontecimentos que envolvem o retorno de Cristo; logo, é necessário termos uma vida eticamente séria. Se assim compreendermos os dois objetivos diferentes de Paulo ao falar sobre as últimas coisas, as supostas contradições serão facilmente diluídas.
Sigamos, então, nas páginas a seguir, em uma análise capítulo a capítulo destas duas preciosas cartas paulinas.

RETIRADO DO LIVRO DE APOIO.


Bibliografia

CLARO, Francisco Eloi Martinho Prior. Marcas helenistas na Primeira Carta de São Paulo aos Tessalonicenses. A inculturação no primeiro escrito bíblico cristão. Dissertação (Mestrado em Teologia). Porto, 2017. 116f.
CULLMANN, Oscar. A formação do Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal e EST, 2015.
LUCKENSMEYER, David. The Eschatology of First Thessalonians.
Göttingen: Vandenhoeck&Ruprecht, 2009.
MARQUES, V. Paulo em Tessalônica: o relacionamento de con- fiança mútua na fundação da Igreja. Perspectiva Teológica. Belo Horizonte, v. XLI, p. 09-37, 2009.
MOURA, Valmir Nascimento de. Protoevangelho de Tiago: um estudo sobre crenças “alternativas” nos primeiros séculos da era cristã. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião). João Pessoa, 2013. 132f.
TENNEY, Merrill C. O Novo Testamento sua origem e análise. São Paulo: Shedd Publicações, 2008.
TRIMAILLE, Michel. La primera carta a los tessalonicenses. Estella: Edi- torial Verbo Divino, 1982.