quarta-feira, 10 de maio de 2017

“ SUBSIDIO TEOLÓGICO” LIÇÃO 7 - RUTE UMA MULHER DIGNA DE CONFIANÇA

O livro de Rute é considerado umas das mais belas peças literárias do Antigo Testamento. Nele, está registrada a genealogia do rei Davi, que se tornou, por desígnio de Deus, o ancestral mais importante da genealogia de Jesus Cristo, o Messias e Salvador do Mundo.
    A história de Rute desenrola-se “nos dias em que os juizes julgavam” (Rt 1.1). Por permissão de Deus, houve uma grande fome em Israel, provavelmente por castigo pela desobediência do povo. Uma família de Belém de Judá, cujo líder era Elimeleque, teve de deixar sua terra para ir em busca de sobrevivência na região de Moabe. Acompanhado de Noemi, sua esposa, e de seus dois filhos, Malom e Quiliom, Elimeleque estabeleceu-se “nos campos de Moabe” (Rt 1.1). Ali, morreu o pai daquela família e, mais tarde, os seus dois filhos casaram-se com mulheres daquela terra — Malom casou-se com Rute, e Quiliom casou-se com Orfa1. Ambos também morreram, completando o ciclo da morte na família. E Noemi e suas duas noras ficaram viúvas e desamparadas. No tempo estabelecido por Deus, Noemi volta para Belém — após a bênção de Deus ter vindo sobre aquela terra — acompanhada apenas de sua nora Rute, visto que a outra moça preferiu retornar à casa de seus pais.

I - RUTE: UM RESUMO DE SUA ORIGEM
1. Uma Estrangeira
    Neste estudo, refletiremos sobre o caráter de uma mulher que se destacou de forma marcante e muito significativa na história de Israel. Não foi por acaso que sua história mereceu ser organizada num livro, que foi aceito como parte integrante do cânon do Antigo Testamento. Sua identidade mostra-nos que ela era moabita, oriunda da terra de Moabe. Essa condição, por motivos históricos e raciais, não lhe favorecia em termos de relacionamento com o povo de Israel.
O nome Moabe aparece em Gn 19.30-38, como o filho de Ló, numa relação incestuosa com sua filha mais velha, que se tornou “pai dos moabitas”. Assim como Israel, Moabe era um povo semita, e Rute pertencia a esse povo. Certamente, sua genealogia era vista de forma negativa pelos israelitas, mas um episódio que tornou os moabitas adversários de Israel ocorreu quando o povo hebreu deslocava-se em direção a Canaã. Por razões geográficas, o povo de Israel precisava passar pelo território do deserto de Moabe sob a liderança de Moisés. Os moabitas, porém, não permitiram, mas o Senhor Deus disse a Moisés para não molestar a Moabe nem contender com eles em peleja (Dt 2.9).
Por esse motivo bastante negativo, foi escrito um preceito legal, pelo qual, nem moabitas nem amonitas poderíam fazer parte da “congregação do Senhor” ou do povo de Israel, “nem ainda a sua décima geração”. A animosidade entre os dois povos foi agravada por outro episódio bíblico. Os moabitas alugaram o profeta Balaão para amaldiçoar Israel, mas eles não conseguiram esse intento maligno porque Deus transformou a maldição em bênção (Dt 23.4-6; Ne 13.2). Essa é a origem étnica de Rute.

2. Como Rute Vinculou-se a uma Família Israelita
    Como já foi dito, Deus não escreve certo por linhas tortas, como diz um ditado popular. Ele escreve perfeita e divinamente certo por suas próprias linhas. Em sua soberania, Ele cria ou muda circunstâncias. De modo singular, fora da lógica histórica, geográfica ou cultural, Rute entrou na história do povo de Israel, não por coincidência, como se podería supor, mas, sim, por providência de Deus, e Ele usou fatos estranhos para que isso fosse possível. O Senhor age como quer. As vezes, Ele age aparentemente contrariando seus próprios critérios, mas só de modo aparente. Diz o salmista: “Mas o nosso Deus está nos céus e faz tudo o que lhe apraz” (SI 115.3).
Uma família judaica teve que sair de Belém para escapar da seca que assolava a região. Eram eles: Elimeleque, o líder; Noemi2*, sua esposa; e Malom e Quiliom, os dois filhos do casal. Eles emigraram para a terra de Moabe, pois lá a estiagem não tinha chegado e havia alimento. Ali, viveram durante quase dez anos (1.4). Não padeceram fome, mas sofreram as agruras de uma vida atribulada. Maus dias alcançaram aquela família. Lá, o patriarca Elimeleque faleceu. Os dois filhos adaptaram-se àquele lugar e sua gente. Uma seca e três óbitos mudaram as histórias dessas pessoas.

3. Em Direção à Terra de Judá
    A mão de Deus move-se de um lado para outro conforme a sua santa e soberana vontade. O Senhor permitiu uma grande seca em Belém e levou a família de Noemi para os “campos de Moabe”, onde havia alimento (Rt 1.1). Dez anos depois, Ele concedeu a bênção da fartura de pão em Israel (Rt 1.6). E a viúva de Elimeleque convidou suas duas noras, também viúvas, para irem a Belém3*, onde havia alimento. A princípio, as duas noras começaram a jornada em direção a Belém de Judá. Mas Noemi, sem dúvida, pensando no futuro e no bem-estar delas, deteve-se e sugeriu às duas que retornassem à casa de suas respectivas mães, desejando de coração que o Senhor usasse de benevolência com elas, assim como usaram com Noemi e com os falecidos esposos (Rt 1.8). E ela deu essa sugestão com muita sinceridade e desprendimento, acrescentando: “O Senhor vos dê que acheis descanso cada uma em casa de seu marido. E, beijando-as ela, levantaram a sua voz, e choraram” (Rt 1.9). Nessa atitude, vemos um traço valioso do caráter de Noemi: ela preferiría viver a solidão em sua terra do que ver suas noras sofrerem ao seu lado. Ela imaginava que, em Israel, elas talvez não seriam bem aceitas, tornando-se quase impossível conseguir outro casamento. Era a visão humana, lógica, amorosa e sincera. Mas os planos de Deus eram outros em relação a Rute. Os planos de Deus estão muito acima e além do que podemos imaginar (cf. Is 55.8). A Bíblia diz que nós, cristãos, não devemos buscar só o nosso proveito, mas também o de outros (1 Co 10.24,33). E nosso dever cultivar o altruísmo em lugar do egoísmo. Noemi semeou amor, plantou altruísmo. E, mais tarde, colheu os resultados (G1 6.7).

II - O CUIDADO DE NOEMI E O CARÁTER DE RUTE
1. O Caráter Amoroso de Rute
    1) Um caráter amoroso e confiante. Em sua decisão de prosseguir na companhia de sua sogra no seu retorno a Belém, Rute demonstrou que tinha verdadeiro amor por Noemi, além de plena confiança em sua pessoa. No tempo em que viveu com Malom, o falecido esposo, Rute viu em Noemi um exemplo de vida, não apenas como sogra, mãe e esposa, mas também como serva de Deus. Enquanto sua cunhada beijou a sogra e retornou à sua família, Rute beijou-a, chorou, mas em seu coração confiante e grato, tomou a resolução de ficar ao lado da sogra: “Disse, porém, Rute: Não me instes para que te deixe e me afaste de ti; porque, aonde quer que tu fores, irei eu e, onde quer que pousares à noite, ali pousarei eu [...]” (Rt 1.16a). Essa foi uma declaração notável de amizade que se fundava no amor, na confiança e no respeito. De um lado, vemos uma sogra, mulher de Deus que, em meio à amargura e o sofrimento, tinha zelo e cuidado por sua nora, viúva como ela. De outro lado, vemos o cuidado, o zelo e o amor de Rute por Noemi, pensando em sua situação de mulher viúva, desamparada, que voltava para sua terra sozinha. Como uma verdadeira serva de Deus, Rute demonstrou ter um caráter agradecido e generoso. Ela tomou a decisão consciente dos possíveis dissabores que podería enfrentar ao lado de Noemi. Ela estaria a seu lado, em qualquer lugar e em qualquer circunstância.

2) Um caráter fortalecido na fé em Deus. Por sua origem, Rute era de uma família que adorava outros deuses quando se casou com Malom. Porém, ao conviver com Noemi, recebeu dela a mensagem do Deus de Israel. Com toda a certeza, ela foi convertida à Lei do Senhor. Em sua declaração de amor a Noemi, ela disse com toda a convicção: “[...] o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus” (Rt 1.16b). Essa decisão mostra a sua fé em Deus. Rute não tinha a menor ideia do que podería acontecer com ela em sua caminhada em direção a Belém, nem o que ocorrería quando ela ali estivesse vivendo com a sogra. Se pensasse com base na lógica e nas circunstâncias, ela teria motivos para voltar atrás e seguir o exemplo da cunhada, mas Rute deu exemplo do que é ter fé, como diz a Bíblia: “Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam e a prova das coisas que se não vêem” (Hb 11.1). Rute ficou ao lado de Noemi, como vendo o invisível, sob a mão de Deus.

3) Um caráter decidido e firme. Suas atitudes demonstravam não ser apenas uma expressão de um impulso emocional muito comum em meio a situações críticas. Além de demonstrar que tinha fé em Deus e também confiança em Noemi, Rute expressou sua inabalável convicção de que valeria a pena enfrentar as circunstâncias quaisquer que fossem elas, mesmo tudo parecendo incerto e nebuloso. Por isso, ela completou diante da sua sogra, amiga e irmã de fé sua decisão consciente: “Onde quer que morreres, morrerei eu e ali serei sepultada; me faça assim o Senhor e outro tanto, se outra coisa que não seja a morte me separar de ti. Vendo ela, pois, que de todo estava resolvida para ir com ela, deixou de lhe falar nisso” (Rt 1.17,18). Rute não era apenas nora e amiga, mas também companheira de Noemi, na jornada da vida que Deus reservara às duas. Uma lição de grande valor para os dias atuais, quando muitos que se dizem cristãos desistem de seguir a Cristo por causa dos desafios, das lutas e das provações, desprezando amizades, companheirismo e amor por causa da visão humana, imediatista e desprovida da verdadeira fé em Deus. Vivemos numa época tão perigosa em que até casamentos são desfeitos em pouco tempo por motivos muitas vezes banais e incoerentes. O exemplo de Rute e Noemi deveríam ser considerados por todos os cristãos.

III - COMO RUTE ENTROU NA GENEALOGIA DE JESUS
1. Rute Chega a Belém
    Saindo das terras de Moabe, Rute chegou a Belém em companhia de Noemi. Ali, ela pôde ver como as pessoas receberam a sogra com admiração e espanto, por ver que ela voltara em condição bem diferente da que saíra: viúva, sem filhos e em companhia de uma estrangeira. Diz o texto: “Assim, pois, foram-se ambas, até que chegaram a Belém; e sucedeu que, entrando elas em Belém, toda a cidade se comoveu por causa delas, e diziam: Não é esta Noemi?” (Rt 1.19) Foi tão duro para Noemi ouvir as indagações de seus patrícios que ela respondeu de forma triste e amargurada: “Não me chameis Noemi; chamai-me Mara, porque grande amargura me tem dado o Todo-poderoso. Cheia parti, porém vazia o Senhor me fez tornar; por que, pois, me chamareis Noemi? Pois o Senhor testifica contra mim, e o Todo-poderoso me tem afligido tanto” (w. 20,21). O nome Noemi significa “agradável”, enquanto Mara significa “amargurada”. Tal era o sentimento que enchia o coração de Noemi.
Elas chegaram em Belém “no princípio da sega das cevadas” (v. 22). Deus permitiu uma estiagem para motivar Elimeleque e Noemi a deixarem sua terra e migrarem para os campos de Moabe. O Senhor também usou a tristeza da morte de Elimeleque e seus dois filhos como motivação negativa para Noemi voltar a sua terra; e também a benção da fartura em Belém como motivação positiva para que ela fosse para a terra de Israel em busca de dias melhores.

2. Rute Chama a Atenção de Boaz
    Rute era uma mulher trabalhadora. Ela não comia “o pão da preguiça” (Pv 31.27). Ao chegar a Belém, após se acomodarem, Rute não esperou Noemi sugerir algum trabalho para a sua manutenção. Ela mesma tomou a iniciativa: “E Rute, a moabita disse a Noemi: Deixa-me ir ao campo, e apanharei espiga atrás daquele em cujos olhos eu achar graça. E ela lhe disse: Vai minha filha” (Rt 2.2). Em Israel, era comum as mulheres, especialmente as mais jovens, trabalharem na colheita, como indica o texto (v. 8). Era um tempo de festa; tempo em que as plantações produziam conforme o esperado, um sinal da benção de Deus (Is 9.3).

1) A providência de Deus. Em vários campos, nas propriedades agrícolas, havia muitas pessoas trabalhando na colheita da cevada. Mas, por providência de Deus, Rute dirigiu-se ao campo “certo”. Diz o relato do livro de Rute: “Foi, pois, e chegou, e apanhava espiga no campo após os segadores; e caiu-lhe em sorte uma parte do campo de Boaz, que era da geração de Elimeleque” (Rt 2.3). Isso mostra que, quando uma pessoa procura andar na vontade de Deus, Ele dirige seus passos até em detalhes mínimos. Pouco tempo depois, Boaz, o proprietário daquele campo, chegou, saudou a todos os trabalhadores e teve a atenção chamada para Rute, que estava colhendo espigas. Havia outras moças, mas sua atenção voltou-se para a moabita: “Depois, disse Boaz a seu moço que estava posto sobre os segadores: De quem é esta moça?” (Rt 2.5).
    Se Rute chegou no campo “certo”, Boaz chegou na hora “certa” e perguntou quem era aquela moça, uma jovem senhora que, apesar do sofrimento da viuvez, era bela e agradável aos olhos. Certamente, a “beleza interior” sobressaía ante a aparência física, mas o que chamou a atenção de Boaz foi a beleza de Rute. Ao perguntar quem era ela, o supervisor do campo de Boaz respondeu: “Esta é a moça moabita que voltou com Noemi dos campos de Moabe. Disse-me ela: deixa-me colher espigas, e ajuntá-las entre as gavelas após os segadores. Assim, ela veio e, desde pela manhã, está aqui até agora, a não ser um pouco que esteve sentada em casa” (1.7).

2) Fatos significativos no encontro de Boaz com Rute. Até o desfecho desta história de amor que estava sob a benção e a providência de Deus, diversos acontecimentos foram desenrolados numa sucessão de cenas dignas de uma produção literária, teatral ou até cinematográfica do melhor nível, como, de fato, já existe no mercado das artes baseadas na Bíblia. Boaz dirige-se a Rute, para a surpresa dela, e diz a ela que não vá a outro campo, mas que fique ali juntamente com as suas moças. Rute, cheia de admiração, inclinou-se a terra e perguntou: “Por que achei graça em teus olhos, para que faças caso de mim, sendo eu uma estrangeira?” (Rt 2.10). Então, Boaz respondeu que ele soubera o quanto Rute fora generosa com Noemi, sua sogra, depois da morte do seu esposo; e de como ela deixara a casa de seu pai e a terra onde nascera e viera abrigar-se com um povo que não conhecia. E fez uma declaração profética: “O Senhor galardoe o teu feito, e seja cumprido o teu galardão do Senhor, Deus de Israel, sob cujas asas te vieste abrigar”. Diante de tão grande declaração, Rute respondeu: “Ache eu graça em teus olhos, senhor meu, pois me consolaste e falaste ao coração da tua serva, não sendo eu nem ainda como uma das tuas criadas” (v. 13). Se Boaz já estava admirado pela beleza de Rute diante de tal demonstração de humildade e gratidão, agora, sem dúvida, o homem passou a sentir mais simpatia e amor por ela.

3) Noemi orienta Rute acerca de Boaz. Aquela altura, Boaz já sentia por Rute a atração de um homem por uma mulher digna de ser amada por ele, sendo grandemente generoso a respeito dela. Ao voltar para casa, Rute contou a Noemi o que havia acontecido e disse o nome do homem que a tratou com total desvelo e atenção. Ao saber que era Boaz, Noemi bendisse a Deus e fez saber a Rute que Boaz era um “parente chegado” e um dos “remidores” da sua família. Era Deus mostrando que, apesar de todas as circunstâncias, Ele está no controle das situações e que seus propósitos insondáveis hão de ser estabelecidos. Noemi aconselhou Rute a não procurar. outros campos: “Assim, ajuntou-se com as moças de Boaz, para colher, até que a sega das cevadas e dos trigos se acabou; e ficou com a sua sogra” (Rt 2.19-23).
Sendo uma mulher experiente, Noemi percebeu que os sentimentos de Boaz por Rute não eram apenas de alguém que admirava sua amizade e consideração pela sogra, mas, sim, de um homem que tinha intenções mais profundas. Então, ela agiu como uma sogra hábil, esperta e bem informada, e disse para Rute que Boaz estaria naquela mesma noite na eira, a fim de padejar a cevada. E ela deu instruções a Rute para se preparar para ir ao encontro do “remidor” de forma agradável e atraente, bem vestida e perfumada (cuidados que certas mulheres cristãs esquecem ao lado dos esposos). E, ao perceber Boaz dormindo, Rute deveria deitar-se aos seus pés e aguardar os acontecimentos. E assim ela fez. Ela percebeu as intenções da sogra. Quando Boaz já estava dominado pelo sono e dormindo, Rute chegou de mansinho e deitou-se aos seus pés. Certamente, ela correu um grande risco de ser possuída pelo homem que tanto a admirava, mas Deus age em meio às atitudes sinceras de quem nEle confia, dando o livramento necessário. Ao despertar à meia-noite, Boaz percebeu a presença da moça aos seus pés e estremeceu, perguntando quem era ela, pois não havia luz no ambiente.
    Rute declarou-se, pedindo que ele estendesse a aba de sua túnica sobre ela, pois ele era o remidor. Boaz, profundamente admirado pela atitude de Rute, disse que ele era “o remidor”, mas que havia outro que tinha prioridade na remissão da família; Boaz, então, promete procurá-lo. Se ele redimisse a família, assim seria feito. Se não redimisse, ela deveria aguardar, pois ele — Boaz — faria a remissão. Com profundo respeito, ele permaneceu ao lado dela, mas não tiveram relações sexuais. Ao retornar para Noemi, Rute contou como foi a experiência daquela noite, e Noemi entendeu que tudo estava ocorrendo como ela orientara, como se fosse uma hábil escritora de um romance. E disse: “Sossega, minha filha, até que saibas como irá o caso, porque aquele homem não descansará até que conclua hoje este negócio” (Rt 3.18). Além de o amor de Deus estar presente na história de Rute, havia também o amor humano ardendo no coração de Boaz, que sonhava em casar-se com a linda jovem moabita. Deus permite que coisas humanas — às vezes, fora do padrão normal — aconteçam para mostrar que Ele faz como quer, quando quer e com quem quer.

3. Rute Casa com Boaz
    Boaz procedeu de acordo com a lei, convidando o remidor mais credenciado para remir as terras da família de Noemi e, ao mesmo tempo, casar com Rute “para suscitar o nome do falecido sobre a sua herdade” (Rt 4.5). O homem aceitava redimir as terras, mas não teve interesse em redimir Rute e casar-se com ela. Tudo estava dentro do plano de Deus. Boaz, então, perante os anciãos da cidade, declarou que eles eram testemunhas de que tomara tudo quanto pertencera a Elimeleque e a seus filhos, da mão de Noemi. E, mais que isso, disse ele: “[...] também tomo por mulher a Rute, a moabita, que foi mulher de Malom, para suscitar o nome do falecido sobre a sua herdade, para que o nome do falecido não seja desarraigado dentre seus irmãos e da porta do seu lugar: disto sois hoje testemunhas” (Rt 4.11).

1) Um casamento singular. Foi um casamento interessante e completamente fora dos padrões dos israelitas. Ao que tudo indica, o primeiro remidor não quis casar-se com Rute porque ela era moabita, estrangeira, viúva, pobre e excluída da comunhão do seu povo. O amor, porém, supera tudo, quando as pessoas envolvidas estão no centro da vontade de Deus. Boaz amava Rute de todo o coração e propôs-se a suscitar o nome do falecido mesmo sem ser seu irmão carnal, como era preceito legal em Israel (Dt 25.5).
    Como todo casamento que se preza e é valorizado pelas famílias e pela sociedade, o matrimônio de Boaz e Rute teve dez testemunhas especialmente convidadas para confirmar o ato legal perante o seu povo (Rt 4.2). Além dos dez anciãos tomados como testemunhas, parte do povo fez-se presente à cerimônia, tendo sido atraídos pelo inusitado acontecimento, que foi divulgado “pelas redes sociais” da época, em que um hebreu estava casando-se com uma moabita. Quando Deus aprova um casamento, os noivos ficam felizes, as famílias aprovam, e os amigos também se alegram com a união dos noivos. No matrimônio de Rute e Boaz, houve uma manifestação de júbilo pelos que se reuniram à porta da cidade. Diz o texto: “E todo o povo que estava na porta e os anciãos disseram: Somos testemunhas; o Senhor faça a esta mulher, que entra na tua casa, como a Raquel e como a Léia, que ambas edificaram a casa de Israel; e há-te já valorosamente em Efrata e faze-te nome afamado em Belém. E seja a tua casa como a casa de Perez (que Tamar teve de Judá), da semente que o Senhor te der desta moça” (w. 11,12).

2) Rute e Boaz - Como Cristo veio para nossa salvação. A história de Rute e seu casamento com Boaz é prova inequívoca de que Deus trabalha com seus parâmetros divinos, que transcendem toda lógica e compreensão humana. A inclusão de uma estrangeira, moabita, na genealogia de Jesus Cristo demonstra que Deus não é Deus apenas de Israel, mas também é “Senhor do céu e da terra” (Mt 11.25; At 17.24). E Jesus Cristo é salvador “do seu povo” e também do mundo, da humanidade, como indica o seu nome, dado pelo anjo que anunciou isso a José, quando este pensava em fugir ante o tremendo impacto da gravidez de sua noiva: “E, projetando ele isso, eis que, em sonho, lhe apareceu um anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber a Maria, tua mulher, porque o que nela está gerado é do Espírito Santo. E ela dará à luz um filho, e lhe porás o nome de JESUS, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados” (Mt 1.20,21); isso é afirmado na mensagem do próprio Cristo em seu sermão a Nicodemos: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele” (Jo 3.16,17).
Em seus planos divinos, Deus projetou a salvação para todos os homens, sem barreiras de quaisquer naturezas. Na bênção a Abraão, Ele disse que nele seriam “benditas todas as famílias da terra” (Gn 12.3b). Jesus mandou seus seguidores pregarem o evangelho “por todo o mundo” a “toda criatura” (Mc 16.15). Ele jamais predestinou alguns para a salvação eterna e outros para a condenação inexorável ao abismo eterno. Ele é justo, misericordioso, compassivo e não faz acepção de pessoas (Dt 10.17; At 10.34; Tg 2.9).
Boaz, na condição de “remidor” e “parente mais chegado”, é figura de Cristo, que “se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1.14). Ele tornou-se remidor não apenas de um povo, mas também veio para redimir toda a raça humana. Boaz pagou o preço das terras de Elimeleque e dos filhos falecidos para poder resgatar a família de Noemi. Cristo pagou o preço exigido pela santidade de Deus para resgate do homem. O livro de Rute é muito mais que uma história de amor entre um homem e uma mulher estranha à sua família. O livro mostra também a linda história de amor entre Deus e o homem, que tudo fez para salvar o pecador.

CONCLUSÃO
    A história de Rute, a jovem moabita, que se casou com um judeu e passou a fazer parte da ascendência de Jesus Cristo, o Salvador do mundo, demonstra, de forma clara, que Deus criou o homem, mesmo sabendo que ele iria cair na perspectiva de um plano de salvação para todas as pessoas, em todos os lugares, independentemente de sua nacionalidade, de sua cor ou condição social. Pela lógica humana, jamais uma mulher moabita faria parte da linhagem santa, da qual nasceu o Messias de Israel, o Salvador do mundo. O amor de Deus está além de toda a compreensão limitada do homem.




Fonte : Livro o Caráterdo Cristão
Moldado pela Palavra de Deus e provado como ouro


Elinaldo Renovato de Lima






“SUBSIDIO TEOLÓGICO” JOVENS LIÇÃO 7- A Ansiedade pela Vida

(Mt 6.19-34)
Alonga seção que trata da nova justiça (Mt 6.19—7.12)
possui algumas características peculiares que são imprescindíveis para se interpretá-la. A primeira delas já foi mais de uma vez destacada e, nas palavras de Ralph Earle, trata-se de uma “característica extraordinária deste Evangelho (além de seu judaísmo) [que] é o seu arranjo sistemático”.1 Apenas à luz do conhecimento dessa peculiaridade é que se pode entender as “diferenças” entre o Sermão do Monte de Mateus e o Sermão da Planície de Lucas. Assim, a maior parte dos ensinamentos dessa seção, conforme pode ser visto no quadro interlinear disponível na introdução, encontra-se em Lucas, mas em capítulos diferentes de onde está o Sermão da Planície (Lc 6.20a—7.1), ou simplesmente inexistem. Portanto, em Mateus, esta “terceira parte do ensinamento sobre a montanha’ contém uma série de seções completas em si mesmas, de conteúdo diferenciado” que, diz Franz Zeilinger, “estão ligadas entre si mediante algumas características formais”:


Assim, em primeiro lugar, seguem-se quatro unidades textuais introduzidas pela negação “não” (mé), que funcionam, portanto, como proibições. Existem essas três máximas (6,19-24): a do chamado “evangelho das preocupações” (6,25-34), a da proibição de julgar (7,1- 5) e a da breve interdição do sagrado (7,6). Às quatro proibições, seguem-se os dois desafios, formulados positivamente — à oração de petição confiante (7,7-11) e ao amor ao próximo sob a forma da “regra de ouro”(7,12), a qual conclui também toda a parte do discurso.
Mas sua sequência, pelo que respeita ao conteúdo, parece, à primeira vista, sem verdadeiro nexo, e funciona como uma coleção de citações não elaboradas que permite ao evangelista trazer à memória dos leitores diversas regras de comportamento, ou ainda, parece acomodar simplesjnente uma série desordenada de “suplementos” antes da conclusão do discurso.2 Contudo, visto que Mateus, até agora, compôs cuidadosamente cada parte do “ensinamento da montanha”, é difícil julgá-lo capaz de tal procedimento.3


Zeilinger acredita que a linha de interpretação que melhor esclarece o arranjo sistemático dessa seção do Sermão do Monte, apresentada por Günther Bornkamm, em 1978, é que a melhor esclarece, em termos de arranjo e conteúdo, tais ensinamentos. Bornkamm, autor também citado neste livro, de acordo com Zeilinger, relacionou essa seção da justiça do Reino com o Pai-Nosso que, para ambos os autores, além de “exemplo da oração correta, o Pai-nosso constitui simplesmente também o centro do ensinamento sobre a montanha”.4 Assim, no que diz respeito a este capítulo, que aborda o que os autores chamam de “a tríade de máximas” (w. 19-24) e “o evangelho das preocupações” (w.25-34), diz Zeilinger seguindo o raciocínio de Bornkamm, enquanto a referida tríade de máximas “esclarecem que as três primeiras petições do Pai-nosso, em conjunto, constituem a norma determinante e a força motriz ‘para o comportamento integral dos discípulos no mundo’”, o chamado “evangelho das preocupações”, diz o mesmo autor, “serve de comentário à petição do pão, mediante o que as preocupações acerca do sustento da vida ficam subordinadas à busca e ao esforço pelo Reino de Deus (cf. 6,33)”.5 Dessa forma, tendo esclarecido essa importante questão estrutural e os objetivos subjacentes a tal entendimento, agora passamos a analisar, sucintamente, as implicações práticas de se seguir a justiça superior.




A Tríade de Máximas
Do ponto de vista “retórico”, diz Zeilinger, a “tríade de máximas” pode ser vista “como uma espécie de katastasis, visto que funcionam como elo de ligação entre duas partes principais do ‘discurso’, na medida em que eles apresentam os pontos individuais da argumentação”. O mesmo autor informa que elas “constituem também, a seguir, as frases temáticas (Propositiones) para a parte seguinte da Tractatio”. Assim, a tríade de máximas, “paralelamente à função de um comentário que aprofunda as ‘petições-tu’6 do Pai-nosso, possuem também uma tarefa condutora”. De que forma? Zeilinger explica que a “tríade suscita a impressão de que (1) o ajuntar tesouros no céu (w. 19-21) só é possível àquele que (2) possui um ‘olho’ claro, singelo e que permite enxergar corretamente (w. 22-23)”, pois, apenas “assim ser-lhe-á claro que ele (3) não pode servir a dois senhores (v. 24)”.7 A conclusão do teólogo é que os versículos 19 a 24 “constituem, portanto, três máximas de tipo geral, sintonizadas umas às outras, mediante o que a terceira sentença (v.24) antecipa, de certa forma, o tema do evangelho das preocupações que se lhe segue, o qual confronta a autossegurança com a confiança em Deus”.8




Tesouro
Os primeiros três versículos trazem à baila uma questão crucial, tanto na antiguidade para os judeus, cuja posse material tinha relação direta com a “bênção de Deus”, e muito mais nos dias de hoje em que se faz apologia desmedida à riqueza como se esta fosse um sinal incontestável de aprovação divina. Marcei Dumais questiona: “será preciso entender o ensinamento destes versículos como um convite a renunciar à posse de bens terrenos ou ao acúmulo desses mesmos bens?”, e responde que a “segunda interpretação parece mais justa”.9 Concordam com essa interpretação Bonhoeffer10 e Zeilinger.11 No que diz respeito à questão de “espiritualizar” o texto, Benedict Viviano observa que tal “ensinamento não deveria ser espiritualizado excessivamente de uma maneira platônica e exclusivamente extramundana”12, isto é, os “tesouros” são bens terrestres, cargos, posições e tudo mais que o ser humano consegue amealhar e acumular aqui. Assim, a contraposição de que o acúmulo de “tesouro no céu” é que deve ser preferido pelo discípulo, se explica pela vontade de o discípulo colimar-se à do Pai, cuja concepção de riqueza é diametralmente oposta da humana (Lc 12.16-21). Uma vez que o coração se apega ao “tesouro”, àquilo que a pessoa mais valoriza, daí a importância de que esse tesouro, daquilo que lhe é mais caro, esteja nas coisas de Deus e seja mesmo o próprio Deus. Em se mantendo tal tesouro, o discípulo nunca perderá a esperança.


Olhos
Como Shelton admite, essa passagem é “uma das declarações mais enigmáticas de Jesus, pois como é que trevas podem ser luz?”.13 Apesar de alinhar-me a Dumais na verdade de que o “exame deste texto difícil nos permite tomar consciência, uma vez mais, da riqueza da linguagem metafórica usada no SM”, e que, como diz o mesmo autor, tais “expressões figuradas [...] são evocadoras e portadoras de certa pluralidade de sentido”, significando que “Reduzi-las a um único significado possível, seria empobrecê-las”,14 a linha de Bornkamm, apresentada por Zeilinger, parece ser a mais coerente:


Com efeito, os dois “exemplos-casos” falam de um olho que ou é “puro” (haploüs) ou é “mau” (ponerós) e, portanto, torna o corpo luminoso (foteinón) ou tenebroso (skoteinón). O adjetivo “haploüs” (puro) é empregado no judaísmo helenista frequentemente no sentido de “íntegro, sem inveja, franco, obediente, perfeito”. Ponerós significa, pois, ao contrário disso, não o fisicamente mal, mas o olho “mau”. Portanto, ambos os adjetivos devem ser compreendidos em sentido metafórico. Ademais, visto que a palavra grega soma não designa apenas o corpo, mas toda a pessoa humana (cf. 5,29-30) e a forma de existência, o olho é aquele órgão que, através da forma pela qual ele olha, torna-se a fonte de luz que revela toda a pessoa em seu modo específico como um ser “luminoso” ou “tenebroso”. Tal como alguém vê, ou seja, acolhe em si, conscientemente, o mundo exterior e a ele reage, decide-se nele e o deixa repercutir em seu ser. De acordo com a forma do ver, o olho traz luz ou trevas para dentro do ser corporal humano, de modo que ele “ilumina” e se torna “luminoso”.
Resulta um jogo de permuta: conforme se dá a percepção, a pessoa é por ela marcada, e de acordo com essa impressão ela perceberá e avaliará o mundo exterior!15


O ponto decisivo é a transformação da pessoa pela mensagem do Evangelho. Sob nova perspectiva, a da justiça divina, diga-se de passagem, todas as coisas são vistas de forma distinta e mais limpa possível. Quando isso não acontece, conforme o texto de Mateus 20.15 deixa entrever, o olho se torna “mau” porque não suporta ver a bondade no Pai. Nesse caso, parece estar aqui a resposta à pergunta de Shelton feita no início deste ponto. A luz, lâmpada ou candeia do corpo, que são os olhos, transforma-se em “trevas” diante do bem realizado pelo Pai às pessoas que o observador julga, ou reputa, como indignas.


Senhor
O último texto da tríade de máximas é elucidador. A despeito de uma pretensa autonomia, o ser humano é, desde sempre, heterônomo e, ainda que inconscientemente, serve a “alguém” ou a “algo”. Essa máxima relaciona-se com o início dessa seção e demonstra a clara necessidade de o discípulo confiar plenamente no Pai e em seu Reino. De acordo com Dumais, o “termo mamônas não aparece no A.T. e só figura aqui e em Lc 16,9.11, no N.T.”, não obstante, continua ele, a expressão é “frequente sua utilização na literatura rabínica, para personificar o dinheiro, as posses terrenas”.16 No entanto, conforme instrui Zeilinger:
Certamente, seria demasiado simplista se, por Mamon, alguém subentendesse apenas dinheiro e capitalismo. Mamon é “possuir” [orig. alemão Be-sitz, do latim possideo, de potis ou pote + sedeo]; significa, portanto, o chão sobre o qual alguém “se assenta” ou “de que tomou posse”.
Esse chão pode ser de natureza econômica ou espiritual, profissional ou pessoal. É sabido que um empreendimento econômico só floresce quando se expande. Isso traz como consequência que a vida do empreendedor é determinada pelas leis da economia, quer queira quer não. A eficiência econômica, porém, comanda também o destino das pessoas. Demissão e desemprego são apenas um dos fenômenos dessa legalidade; outro é a investida, geradora de morte, em algumas circunstâncias, contra a natureza, o meio ambiente etc. Surge também, de fato, uma cultura que avalia o ser humano somente segundo o que ele produz, rende e custa.
Tem importância somente sua produtividade, exteriormente pesável e mensurável; sua interioridade não interessa. Numa sociedade pautada coerentemente pelos resultados, nem a idade nem a dignidade humana valem algo, mas somente o princípio: “hic Rhodus, hic salta" [literalmente, “Rodes é aqui; salta (tu) aqui”, no sentido de “mostra aqui do que és capaz”]. Quantas guerras sangrentas não são realizadas exclusivamente por interesses econômicos, utilizando-se o “material humano” existente e aproveitável! Quase sempre se trata da expansão dos próprios confins. Por conseguinte, é questão de arrancar do “lugar” o concorrente, se possível radicalmente, a fim de assentar a si mesmo sobre seu “trono”. Daí, considera-se Mamon também “a coisificação de todas as relações da vida”, quando o que sempre importa saber é o que elas produzem, rendem ou custam. Quem compreende unicamente a si próprio como a norma dos fatos só pode usar o colega, o amigo ou o parceiro como instrumento de sua autorrealização. O instrumento deve, por fim, ser trocado quando não mais satisfaz as exigências da otimização da vida, e quando se delineia uma alternativa melhor. E até mesmo o culto divino pode tornar-se culto a Mamon, quando se transmuda numa empresa religiosa pública ou privada, quem sabe até mesmo entusiasticamente amada. Então, para ela servirão também as normas de uma empresa, dentre as quais o amor não conta, mas sim a lei do resultado (e da rentabilidade), perante a si mesma, perante as pessoas e até mesmo perante Deus! “A sentença radical de Jesus, que contrapõe o culto a Deus e o culto a Mamon, corre (portanto), ela mesma, o perigo de colocar-se a serviço de Mamon, quando não compreendida suficientemente de forma radical e abrangente”.17


Portanto, o que se conclui, é justamente aquilo que Jesus deu como resposta a alguém que o solicitou que intermediasse a divisão da herança entre dois irmãos (Mt 12.13-15). Além de recusar-se a arbitrar a querela, Jesus advertiu a multidão acerca do fato de se ter cautela e fugir da avareza, pois “a vida de qualquer não consiste na abundância do que possui”. Quando aquilo que é mais importante (o tesouro) é visto sob a perspectiva divina, a justiça maior, a justiça do Reino (olhos bons e sadios), entre as riquezas materiais e o Pai, o discípulo fará a opção pelo último e, por isso mesmo, ora para que o Reino venha e que o pão de cada dia seja dado hoje, sem preocupação alguma com o amanhã.


"O Evangelho das Preocupações"
A última parte dessa grande seção tratada neste capítulo, denominada por Bornkamm, como “o evangelho das preocupações” (w.25-34), demonstra claramente o contexto e a radicalidade do chamado de Jesus para que os judeus se tornassem seus discípulos. Com uma visão completamente materialística do Reino de Deus, por um lado, e uma completamente espiritualística, por outro, longe de uma polarização, o que Cristo quis dizer, na opinião de H. L. Ellison, não é bem expresso com a palavra “cuidadosos”, pois esta pode “dar munição exagerada tanto ao cético quanto ao fanático”. Por isso, acrescenta que a palavra grega “merimnaõ [que] significa ‘estar ansioso; preocupado”’ exprime melhor o significado e “seu uso em Lc 10.41 ilustra sua força”. O mesmo autor é da opinião que os versículos 19 a 24 “mostraram que não pode haver satisfação nem proveito na atitude ‘tanto [...] quanto’, por isso precisamos optar: ou [...] ou”’.18 Isto parece, no entanto, contradizer a ideia de não se polarizar, contudo, no que diz respeito ao “Reino de Deus e sua justiça”, não há como aceitar a ideia de que tanto confio quanto duvido, sirvo a Mamom tanto quanto a Deus, quero acumular tesouros tanto aqui quanto igualmente lá, e meus olhos são tanto bons quanto ruins. O “evangelho das preocupações” leva os discípulos a optar pela confiança na “Boa Notícia” de que o novo tempo tão esperado chegou ou então se apegarem à autoconfiança e assim esperarem em si mesmos. Zeilinger oferece um esboço interessante para interpretar esse texto:


A perícope é frequentemente chamada de “evangelho das preocupações”, visto que ela é marcada pela palavra “preocupar(-se) (merimnân), que aparece diversas vezes.
O imperativo “não vos preocupeis” introduz a perícope (v.25b) e encontra-se novamente, acompanhada pela conjunção “pois” (oün), nos versículos 31a e 34a. A palavra aparece ainda no versículo 28a, na pergunta “por que andais preocupados?”, e assinala o início de uma nova subseção, isto é, uma mudança de imagem. Essas expressões devem ser entendidas como indícios estruturais. De acordo com elas, resultam as três unidades: versículos 25-30, 31-33 e 34. A primeira e mais longa seção (vv.25-30) consiste em uma exortação fundamental (v.25b-f), dois exemplos tirados da natureza (w. 26a-d.28b-29) e as aplicações a eles relacionados sob a forma de conclusões a minori ad maius [“do menor ao maior”] (w. 26e-27.30). A segunda seção (vv.
31-33) é formada pelas mencionadas consequências práticas decorrentes da primeira. Ademais, ela se harmoniza ainda, mediante o verbo “esforçar-se”, (epizetein) no versículo 32a, ou seja, “procurar” (zetein), no versículo 33a. A terceira unidade textual é composta apenas pelo versículo 34 e tira uma segunda consequência da primeira parte.19


A análise desse texto merecia um capítulo com o dobro de tamanho, para se tecer os detalhes necessários. A questão crucial de se podemos ou não planejar, etc., é respondida brilhantemente por C. S. Lewis quando trata do aspecto da imprevisibilidade das orações de petição. O orante não sabe a vontade de Deus, mesmo assim suplica-lhe que o atenda. E isso é feito justamente pelo fato de não se conhecer o futuro, mas como instrui magistralmente o autor de Cristianismo Puro e Simples, “um mundo em que o futuro é desconhecido não se opõe à ação planejada e com propósito, uma vez que planejamos e temos propósitos em tal mundo agora, e o fazemos há milhares de anos”.20 A ideia é clara e já foi expressa “no início do evangelho das preocupações” quando o Senhor instrui “para não cair na preocupação paralisante em torno do que é secundário na vida, mas manter a vida diante dos olhos”.21 Sem vida, o que poderia ser tudo o que se amealhou ou os planos? Orar e planejar não combina com a briga insana e irracional, não pela sobrevivência, mas sim pelo “possuir” (conforme entendimento da palavra psyché para “vida”) — exemplificada nas diversas situações (comida, como símbolo de autossuficiência e não subsistência como as aves; vestuário, como símbolo de status, e não apenas para vestir, conforme os ervas do campo; nem a preocupação com o futuro, como se isso garantisse um controle sobre o amanhã) — e colocadas como coisas que orientam a vida de quem não conhece a Deus e, portanto, não tem como confiar em sua provisão. O versículo 33 dá a resposta necessária ao lembrar os discípulos que sua vida e existência estão para além dessas questões que o Pai celestial sabe muito bem que todos precisam. A busca pelo “Reino de Deus, e sua justiça” dão um novo sentido para a existência e, consequentemente, tais questões são vistas sob nova perspectiva. Lembrando apenas que “justiça”, dikaiosynê, de acordo com a Bíblia de Estudo Palavras-Chave, aqui significa “Em sentido interno, no qual o coração está reto diante de Deus”, isto é, “a justiça, a piedade”.22
Finalmente, como afirma Zeilinger, tais coisas, neste ensino, “se tornam, por assim dizer, a ‘parte simbólica’, à qual a exortação escatológica, que busca simplesmente o Reinado dos Céus como o principal, corresponde, de certa forma, como ‘parte real’”.23 A parte real, duradoura, é o Reino e sua justiça, quanto ao dia, em si mesmo, basta a cada um o seu “mal” que, neste texto, “é provido pelo termo kakía que, na verdade, indica aquilo que é eticamente mal”. Zeilinger acrescenta, porém, que o “dia, juntamente com todo o mal que impregna nosso mundo e nossa vida, constitui, porém, o ‘momento’ decisivo que deve ser, a cada vez, agarrado e utilizado de forma justa”. Em outros termos, o tempo que se possui, deve ser encarado sob a orientação da justiça maior e, por isso, bem aproveitado (Jo 9.4; Hb 3.7,13J. “Por essa razão, também [n]o Pai-nosso”, lembra o mesmo autor, se “pede o pão que nos é adequado para hoje (6,11)!”. E acrescenta que a interpretação de que primeiramente, “trata-se do ‘pão’ que permite sobreviver como cristão, o alimento escatológico, o dom da justiça (dikaiosyne) de Deus, a fim de que a possamos pôr em prática, aqui e agora, dia após dia, ao longo do caminho, até a manhã escatológica do Reinado de Deus!”.24 É sob essa esperança que o discípulo deve encarar cada dia.

EXTRAÍDO DO LIVRO:
O Sermão do Monte
A Justiça sob a Ótica de Jesus
César Moisés Carvalho
I edição 2017

Rio de Janeiro 2017

"JOVENS" LIÇÃO 7- A Ansiedade pela Vida

INTRODUÇÃO
I - TESOUROS TERRESTRES X TESOUROS CELESTES: EM QUAL DELES ESTÁ O SEU CORAÇÃO?
II - A MALÍCIA E A PUREZA DOS OLHOS
III - OS DOIS SENHORES, A ANSIEDADE PELA VIDA E O DIA DE AMANHÃ

CONCLUSÃO

Prezado professor, a Paz do Senhor!

Inicie o estudo da lição fazendo a seguinte indagação: “O que significa estar ansioso?” Ouça os alunos com atenção e incentive a participação de todos. Diga que na lição deste domingo vamos estudar a respeito dos males da ansiedade. Em seguida, juntos, leiam o 
Texto Bíblico. Depois, explique que ansiedade não é somente uma leve preocupação, mas um “grande mal-estar físico e psíquico; aflição, agonia”. Em seguida, peça que os alunos citem o que podemos fazer para evitar esse mau. À medida que forem falando vá relacionando no quadro. Depois, ore ao Senhor pedindo que Ele nos guarde e nos livre da ansiedade.
Não se esqueça que o objetivo principal da lição é: “Avaliar onde se encontra o “coração” e mostrar-se disponível à necessária mudança e conversão de rumos”. Suas ações didáticas devem ser desenvolvidas para alcançar essa finalidade.

“Considerando que temos um Senhor bom e atencioso no céu, os discípulos podem ser generosos aos outros porque sabem que Ele tomará conta daqueles que o servirem. O verbo traduzido por ‘andeis cuidadosos’ (
merimnao) ocorre sete vezes neste Evangelho. ‘Não se preocupe’ é a mensagem de grande consolo de Jesus para o verdadeiro crente. O imperativo presente negativo indica que não devemos continuar preocupando. O verbo também tem a conotação de esforçar-se ativamente; Lucas o usa no seu relato sobre ocupada Marta, que se preocupava por muitas coisas, mas perdia a mais importante (Lc 10.41). Note o uso do verbo ‘andeis [...] inquietos’ para descrever esta ação, no versículo 32.

Jesus dirige a atenção da audiência para pássaros comuns e relativamente significante (v. 26), que mesmo não se preocupando com provisões, como as pessoas se preocupam, Deus os sustenta. Considerando que Deus estima os seres humanos mais que os pássaros, é certo que Ele proverá a subsistência dos discípulos. A descrição de Deus como ‘vosso Pai celestial’ torna a garantia mais intensa: Aqueles que gozam da relação com Deus como filhos têm a preocupação e atenção paterna. Jesus não está racionalizando a preguiça ou a irresponsabilidade; antes, Ele está atacando um tipo de preocupação que surge da falta de fé e que é exibida num estilo de vida obcecado por provisões.

Este sintoma de ‘pequena fé’ (v. 30) revela uma doença espiritual que presume e age como se Deus não se importasse ou fosse incapaz de dar sustento. Expressa, com efeito, presunção ateísta, pois a pessoa se comporta como se Deus não estivesse presente a tento. A palavra grega 
psyche (v. 25, ‘vida’) diz respeito à alma, mas também se refere à vida geral, se bem que a palavra é colocada em paralelo com ‘o corpo’.

Nos versículos 28 a 31, Jesus apresenta outra razão para a pessoa não se preocupar. Os lírios não trabalham, e Deus os veste esplendorosamente. A expressão: ‘Salomão, em toda a sua glória’ também foi mencionada nos escritos rabínicos. As maravilhas das riquezas salomônicas, contudo, suas roupas eram ‘trapos’ em comparação aos lírios vestidos por Deus.

Jesus ainda contrasta as flores e relvas de vida curta, mas bem vestidas, usadas como combustível, com os discípulos mais valorizados. O Antigo Testamento expressava o caráter temporário destas plantas em relação à brevidade da vida. Jesus promete que o Pai fará ‘muito mais’, por seus filhos. Ele chama os discípulos que se preocupam de ‘vós’, homens de pequena fé.

Esta palavra ocorre cinco vezes em Mateus (seis vezes no Novo Testamento inteiro); Jesus a usa para repreender e corrigir os discípulos. Pouca fé revela ignorância, é ineficaz e cria grande perigo. Neste ponto, fé é essencialmente confiança.

Nos versículos 31 e 32, Jesus proíbe que torçamos as mãos de preocupação, imaginando como sobreviveremos. Com a estimativa de tal preocupação, Jesus repreende a audiência judaica, ‘porque todas essas coisas os gentios procuram’ (v. 32). A implicação é deixar de agir como pagãos. O tempo presente do verbo ‘procurar’ descreve um estilo de vida. ‘Vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas essas coisas’ identifica que a ação pagã é incredulidade para com Deus. A relação íntima com o bom Pai celestial deixa seus filhos certos de que Ele sabe cada uma das necessidades deles e está muito propenso a atuar seu amor promovendo-lhes a subsistência.

Nos versículos 33 e 34, a palavra ‘primeiro’, colocada no início da sentença grega para dar ênfase, mostra que o assunto não é se a pessoa deve trabalhar, mas qual deve ser sua prioridade. As preocupações do Reino devem vir em primeiro lugar na mente dos discípulos. A força do imperativo presente ‘buscai’ indica que se trata de preocupação e atividade constantes do discípulo. Da mesma maneira que os pagãos consomem todo o tempo buscando segurança financeira, os discípulos promovem constantemente o Reino acima de tudo; a causa do Reino é a nossa paixão. Quando esta prioridade é estabelecida, segue-se a provisão do Reino.

A meta do Reino é a ‘justiça’. Jesus a redefine radicalmente dizendo que é mais que justiça legalista. A justiça de Deus leva em conta o perdão e a absolvição. Oferece misericórdia quando é merecida, até aos maiores ofensores. O mundo acha escandaloso tal marca de justiça. Este estilo de vida de buscar a justiça do Reino edifica-se sobre a bem-aventurança apresentada por Jesus no princípio do sermão: ‘Bem-aventurados os que continuamente têm fome e sede de justiça’; Ele prometeu que eles seriam ‘saciados’. Vemos que esta abundância também inclui provisão física.

O discípulo recebe o mandamento de não se preocupar com o amanhã. Estabelecer o Reino só pode ser feito hoje; amanhã não é prometido. É no presente, não no passado ou futuro, que entramos em contato com a eternidade. Cada dia tem dificuldades ou coisas ruins o bastante para nos manter ocupados. Isto não quer dizer que o discípulo não deva fazer planos; até Jesus fazia planos e se orientava para uma meta e destino em Jerusalém.” 


Extraído de Comentário Histórico-Cultural do Novo Testamento.7.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2012, pp. 57-59.

Telma Bueno
Editora responsável pela Revista Lições Bíblica Jovens
Prezado professor, aqui você pode contar com mais um recurso no preparo de suas Lições Bíblicas de Jovens. Nossos subsídios estarão à disposição toda semana. Porém, é importante ressaltar que os subsídios são mais um recurso para ajudá-lo na sua tarefa de ensinar a Palavra de Deus. Eles não vão esgotar todo o assunto e não é uma nova lição (uma lição extra).  Você não pode substituir o seu estudo pessoal e o seu plano de aula, pois o nosso objetivo é fazer um resumo das lições. Sabemos que ensinar não é uma tarefa fácil, pois exige dedicação, estudo, planejamento e reflexão, por isso, estamos preparando esse material com o objetivo de ajudá-lo.