quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Eliézer

A influência espiritual de Abraão refletiu-se na vida de seu servo de confiança, Eliézer. Os pais de Eliézer, que deviam ser naturais de Damasco, evidentemente eram servos de Abraão quando nasceu o menino: “Então, disse Abrão: Senhor Jeová, que me hás de dar? Pois ando sem filhos, e o mordomo da minha casa é o damasceno Eliézer. Disse mais Abrão: Eis que não me tens dado semente, e eis que um nascido na minha casa será o meu herdeiro” (Gn 15-2,3).

          Na infância de Eliézer, a fé e a vida de oração de Abraão exerceram sobre ele forte influência. Quem quer que tenha escolhido seu nome — que significa “Deus ajuda” — deu evidência de uma fé e de uma crença fortes em Deus. Ao que tudo indica, a oração de Abraão não se restringia a um encontro particular com Deus, mas incluía também uma prática doméstica que envolvia seus servos. A verdade inerente à relação entre Abraão e Eliézer fala por si mesma. “E consideremo-nos uns aos outros, para nos estimularmos à caridade e às boas obras” (Hb 10.24), através do nosso exemplo e da nossa prática de vida.

         Assim, anos mais tarde, quando o servo de Abraão (o mais velho da casa, muito provavelmente Eliézer) foi comissionado a encontrar uma noiva para Isaque, ele clamou pela orientação e assistência divinas, tal como lhe ensinara Abraão: “E disse: Ó Senhor, Deus de meu senhor Abraão, dá-me, hoje, bom encontro e faze beneficência ao meu senhor Abraão!” (Gn 24.12) Deus certamente deseja estar envolvido nas nossas ocupações corriqueiras, alegrando-se em participar quando reconhecemos nossa dependência dEle e buscamos sua intervenção.

         Embora a cultura ocidental não suporte esse tipo de seleção de noivas usado por Abraão com relação ao seu filho Isaque, o princípio de orar pelo envolvimento divino no processo está longe de ser ultrapassado. O retorno ao rogo intenso e à dependência de Deus na seleção de cônjuges bem poderia reverter a detestável taxa de divórcios que em muitos países solapa o lar e a família tais quais ordenados por Deus.

         O meio de orientação seguido por Eliézer merece redobrada aten­ção, pois muitos crentes, hoje, usam-no (algumas vezes até com abuso) para descobrir a vontade e a orientação divina quanto a outras decisões.     

         Eis que eu estou em pé junto à fonte de água, e as filhas dos varões desta cidade saem para tirar água; seja,     pois, que a donzela a quem eu disser: abaixa agora o teu cântaro para que eu beba; e ela disser: Bebe, e    também darei de beber aos teus camelos, esta seja a quem designaste ao teu servo Isaque; e que eu conheça nisso que fizeste beneficência a meu senhor (Gn 24.13,14)

         Certamente é possível que Deus nos guie, hoje em dia, através das circunstâncias que alguém dite (como se deu na experiência de Eliézer); entretanto, devemos ter consciência das normas que parecem mais apropriadas e aplicáveis à era do Novo Testamento. (Essas normas serão discutidas em capítulos posteriores. Note-se, especialmente, os capítulos 11 e 16.)


         Mas, a despeito de quaisquer dúvidas que tenhamos sobre quão apropriado seja seguir o exemplo deixado por Eliézer na prática da oração, não devemos esquecer de que Deus lhe honrava a fé e as orações, e assim Rebeca sentiu-se impelida a agir em exata harmonia com a petição daquele viajante. Eliézer não ficou encabulado ou duvidoso, mas reconheceu imediatamente a intervenção e a orienta­ção divinas: “Então, inclinou-se aquele varão, e adorou ao Senhor. E disse: Bendito seja o Senhor, Deus de meu senhor Abraão, que não retirou a sua beneficência e a sua verdade de meu senhor; quanto a mim, o Senhor me guiou no caminho à casa dos irmãos de meu senhor” (Gn 24.26,27).


Extraído do livro Teologia bíblica da oração.

Robert L. Brandt e Zenas J. Bicket
Todos os direitos reservados. Copyright © 2007 para a língua portuguesa da Casa
Publicadora das Assembléias de Deus. Aprovado pelo Conselho de Doutrina.
Título do original em inglês: The Spirit Help Us Pray
Logion Press, Springfield, Missouri
Primeira edição em inglês: 1993
Tradução: João Marques Bentes
Revisão: Gleyce Duque
Editoração: Flamir Ambrósio

Abraão

Não obstante outros antes dele ostentassem uma verdadeira fé em Deus e a demonstrassem por meio de suas orações e pela construção de altares, Abraão é que veio a ser chamado de “o pai da fé”. Jamais vemos nas Escrituras os que são da “fé”, ou “fiéis”, identificados como filhos de Adão, Sete, Enoque ou Noé. Invariavelmente, eles são identificados (por si mesmos ou por outros) como “filhos de Abraão” (G1 3.6-9)- Os israelitas que oravam a Deus, gerações após Abraão, comumente dirigiam-se ao Senhor como “o Deus de Abraão”.
          As escavações arqueológicas feitas em Ur dos Caldeus mostram que Abrão (Abraão) viveu seus primeiros anos numa cultura muito idólatra e materialista. O nome “Ur” pode derivar-se de uma raiz que significa “luz”. Esta cidade era o centro da adoração à deusa lua, Sin (também chamada Nana pelos antigos sumérios). Sendo este o caso, aumenta-se o mérito de Abraão, que se tornou tão devoto do verdadeiro Deus. A linhagem de Abraão, em Génesis, é traçada de volta a Sem (cap. 11) e daí a Sete (cap. 5). É possível que a fé de Abraão tenha sido o fruto já maduro da fé de Sete, quando o povo começou a “invocar o nome do Senhor” (Gn 4.26).
          Por que esse patriarca, isoladamente e com uma herança relativamente dúbia, ergueu-se a tão elevada estatura espiritual, cuja influência permanece até hoje? Por duas razões evidentes: 1) sua obediência à Palavra do Senhor; e 2) sua edificação de altares para adoração pública, a fim de que todos pudessem invocar o nome do Senhor. Essas duas evidências de uma inabalável crença em Deus fizeram de Abraão um gigante na fé e o pai dos fiéis.

O significado de um altar Note como Abraão se dedicava à atividade de levantar altares ao Senhor: E apareceu o Senhor a Abrão e disse: À tua semente darei esta terra. E edificou ali um altar ao Senhor que lhe aparecera. E moveu-se dali para a montanha à banda do oriente de Betei e armou a sua tenda, tendo Betei ao ocidente e Ai ao oriente; e edificou ali um altar ao Senhor e invocou o nome do Senhor (Gn 12.7,8). E fez as suas jornadas do Sul até Betei, até ao lugar onde, ao princípio, estivera a sua tenda, entre Betei e Ai; até ao lugar do altar que, dantes, ali tinha feito; e aí Abrão invocou ali o nome do Senhor (Gn 13.3,4).
         Cada passo na edificação de um altar prevê uma reunião entre a humanidade e a deidade. Veja que Abraão “invocou o nome do Senhor” no local cio altar, indicando que ele estava consciente de que, ao edificá-lo, preparava-se para uma relação especial com Deus. Abraão também edificou outro altar em Hebrom (Gn 13-18), e ainda um outro, o mais memorável, no monte Moriá: “E vieram ao lugar que Deus lhes dissera, e edificou Abraão ali um altar, e pôs em ordem a lenha, e amarrou a Isaque, seu filho, e deitou-o sobre o altar em cima da lenha” (Gn 22.9).
         Ouvir a palavra do Senhor, adorar num altar e mostrar fé no Deus Todo-poderoso são elementos inseparáveis nos relatos do Antigo Testamento. Pode haver altares físicos sem uma fé correspondente no sobrenatural, mas é duvidoso que haja fé genuína onde não se ouve a Palavra do Senhor (cf. Rm 10.17) nem se reserva um local de encontro com Deus.
         Abraão foi identificado por Deus como “meu amigo” (Is 41.8). A amizade indica relação e comunhão íntimas. Estudando a vida desse notabilíssimo patriarca, ficamos admirados diante das evidências de uma contínua intimidade com Deus. Veja a interação entre Deus e Abraão, nesta passagem:

         Depois destas coisas veio a palavra do Senhor a Abrão, em visão, dizendo: Não temas, Abrão, eu sou o teu escudo, o teu grandíssimo galardão. Então, disse Abrão: Senhor Jeová, que me hás de dar? Pois ando sem filhos, e o mordomo da minha casa é o damasceno Eliézer. Disse mais Abrão: Eis que não me tens dado semente, e eis que um nascido na minha casa será o meu herdeiro. E eis que veio a palavra do Senhor a ele, dizendo: Este não será o teu herdeiro; mas aquele que de ti será gerado, esse será o teu herdeiro (Gn 15.1-4). Sendo, pois, Abrão da idade de noventa e nove anos, apareceu o Senhor a Abrão e disse-lhe: Eu sou o Deus Todo-poderoso; anda em minha presença e sê perfeito. E porei o meu concerto entre mim e ti e te multiplicarei grandissimamente. Então, caiu Abrão sobre o seu rosto, e falou Deus com ele, dizendo: Quanto a mim, eis o meu concerto contigo é... (Gn 17.1-4)

         Atente para os sinais de comunhão entre Abraão e Deus, em alguns versículos do capítulo 17 de Génesis: “Disse Deus mais a Abraão...” (v. 15) “E disse Abraão a Deus...” (v. 18) “E disse Deus...” (v. 19) “E acabou de falar com ele e subiu Deus de Abraão” (v. 22)

         Foi por causa de sua intimidade com Deus que Abraão fez aquela apaixonada intercessão em favor de Sodoma e Gomorra. Ele mantinha uma relação tão vital com Deus, que este compartilhou com Abraão seu próprio coração no tocante àquelas duas cidades: “E disse o Senhor: Ocultarei eu a Abraão o que faço?” (Gn 18.17) E por causa dessa intimidade, Abraão tornou-se um poderoso intercessor (cf. Gn 18.23-33). Eis como foi lançada a prática da intercessão, posteriormente reforçada pelas instruções do Novo Testamento. Tais raízes tornam esse ministério uma responsabilidade dos servos (e amigos) de Deus até os dias de hoje.

         As intercessões de Abraão, embora não tenham impedido que a ira de Deus caísse sobre aquelas cidades extremamente ímpias, serviram para livrar Ló e seus familiares: “E aconteceu que, destruindo Deus as cidades da campina, Deus se lembrou de Abraão e tirou a Ló do meio da destruição, derribando aquelas cidades em que Ló habitara” (Gn 19-29). Para nós, a lição é a seguinte: toda intercessão significativa só pode se originar de um coração que esteja em perfeita intimidade com os sentimentos e propósitos do coração de Deus.

Quando Abraão não orou
         Embora Abraão tenha sido o paradigma de uma pessoa cheia de fé, ainda assim trazia a carga de sua própria humanidade. Não obstante ter sido elevado a grandes alturas em seu relacionamento com Deus, ainda assim mostrou-se vulnerável ao fracasso, quando não orava. Mais de uma vez Abraão falhou porque presumiu e dependeu de seus próprios recursos. Com sua esposa, ele tentou cumprir a promessa de Deus através de meios humanos: “E disse Sarai a Abrão: Eis que o Senhor me tem impedido de gerar; entra, pois, à minha serva, porventura, terei filhos dela. E ouviu Abrão a voz de Sarai” (Gn 16.2). O resultado desse episódio não foi apenas o nascimento de um filho, Ismael, mas a instauração de uma linhagem que, com frequência, seria um espinho nas ilhargas de Israel (cf. G1 4.22-29).
         Novamente, em seu encontro com Abimeleque, rei de Gerar (Gn 20), Abraão agiu de acordo com seu próprio conselho; pensou, mas não orou. Temendo por sua vida, ele resolveu dizer que Sara era sua irmã. Quando o logro se tornou conhecido, Abraão racionalizou suas ações. Tentou se explicar, mas nada justifica o agir à parte de Deus-. “Porque eu dizia comigo: Certamente não há temor de Deus neste lugar, e eles me matarão por amor da minha mulher” (Gn 20.11).
         Por sua insensatez e fracasso, tão contrários ao caráter de um campeão da fé, Abraão criou uma perigosa circunstância para Abimeleque: “Deus, porém, veio a Abimeleque em sonhos de noite e disse-lhe: Eis que morto és por causa da mulher que tomaste; porque ela está casada com marido” (Gn 20.3)-

         Não podemos sondar a mente de Deus e nem compreender por que tratou tão duramente o rei que, sem querer, tornara-se vítima do logro de Abraão. Mas pelo menos deveríamos aprender que a falta de oração pode nos levar a uma escolha errada, introduzindo-nos num curso de ação que infligirá perdas e danos, não somente a nós, mas também a pessoas inocentes à nossa volta.

          Apesar de Abraão ter fracassado por sua própria negligência quanto à oração, ele não permitiu que o fracasso desencorajasse outras orações. Pelo contrário, aproveitou-se da oportunidade para descobrir uma nova dimensão de oração — a petição por cura — e achou os ouvidos de Deus abertos: “E orou Abraão a Deus, e sarou Deus a Abimeleque, e a sua mulher, e as suas servas, de maneira que tiveram filhos; porque o Senhor havia fechado totalmente todas as madres da casa de Abimeleque, por causa de Sara, mulher de Abraão” (Gn 20.17,18).

Extraído do livro Teologia bíblica da oração.

Robert L. Brandt e Zenas J. Bicket
Todos os direitos reservados. Copyright © 2007 para a língua portuguesa da Casa
Publicadora das Assembléias de Deus. Aprovado pelo Conselho de Doutrina.
Título do original em inglês: The Spirit Help Us Pray
Logion Press, Springfield, Missouri
Primeira edição em inglês: 1993
Tradução: João Marques Bentes
Revisão: Gleyce Duque
Editoração: Flamir Ambrósio

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Henrique Martyn- Heróis da Fé.

Luz inteiramente gasta por Deus
(1781-812)

 Ajoelhado na praia da Índia, Henrique Martyn derramava a alma perante o Mestre e orava: "Amado Senhor, eu também andava no país longínquo; minha vida ardia no pecado... desejaste que eu me tornasse, não mais um tição para espalhar a destruição, mas uma tocha brilhando por ti (Zacarias 3.2). Eis-me aqui nas trevas mais densas, selvagens e opressivas do paganismo. Agora, Senhor, quero arder até me consumir inteiramente por ti!"
O intenso ardor daquele dia sempre motivou a vida desse moço. Diz-se que o seu é "o nome mais heróico, que adorna a história da Igreja da Inglaterra, desde os tempos da rainha Elisabete." Contudo, até entre seus patrícios, ele não é bem conhecido.
Seu pai era de físico franzino. Depois de o seu progenitor falecer, os quatro filhos, inclusive Henrique, não tardaram a contrair a mesma enfermidade, a tuberculose.
Com   a   morte   do   pai,   Henrique   perdeu   seu   intenso   interesse pela matemática e se interessou grandemente na leitura da Bíblia. Diplomou-se com mais honras do que todos da sua classe. O Espírito Santo, porém, falou à sua alma: "Buscas grandes coisas para ti. Não as busques!" Acerca dos seus estudos testificou: "Alcancei o ponto mais alto que desejara, mas fiquei desapontado ao ver como, apenas, tinha agarrado uma sombra."
Tinha por costume levantar-se cedo, de madrugada, e andar sozinho, pelos campos para desfrutar de comunhão íntima com Deus. O resultado foi que abandonou para sempre o plano de ser advogado, um plano que, até aí, ainda seguia, porque "não podia consentir em ser pobre pelo amor de Cristo."
Ao ouvir um sermão sobre "O Estado Perdido dos Pagãos" resolveu dar a sua vida como missionário. Ao conhecer a vida abnegada do missionário Guilherme Carey, na sua grande obra na Índia, sentiu-se dirigido a trabalhar no mesmo país.
O desejo de levar a mensagem de salvação aos povos que não conheciam a Cristo, tornou-se como um fogo inextinguível na sua alma pela leitura da biografia de David Brainerd, o qual morrera quando ainda muito jovem, com a idade de vinte e nove anos (sua vida fora gasta inteiramente no serviço de amor intenso aos silvícolas da América do Norte). Henrique Martyn reconhecia que, como foram poucos os anos da obra de David Brainerd, havia também para ele pouco tempo, e se acendeu nele a mesma paixão de gastar-se, inteiramente por Cristo, no breve espaço de tempo que lhe restava. Seus sermões não consistiam em palavras de sabedoria humana, mas sempre se dirigia ao povo como "um moribundo, pregando aos moribundos".
Havia um grande embaraço para Henrique Martyn: a mãe da sua noiva, Lídia Grenfel, não consentiria que eles se casassem, se ele insistisse em levá-la para o estrangeiro. Henrique amava a Lídia e o seu maior desejo terrestre era estabelecer um lar e trabalhar junto com ela na seara do Senhor. Acerca disto, ele escreveu no seu diário: "Continuei uma hora e mais em oração, lutando contra o que me ligava... Cada vez que estava perto de ganhar a vitória, o coração voltava para o seu ídolo, e finalmente, deitei-me sentindo grande mágoa. "Então se lembrou de David Brainerd, o qual negava a si mesmo todos os confortos da civilização, andava grandes distâncias sozinho na floresta, passava dias com fome e depois de assim se esforçar por cinco anos, voltou para falecer tuberculoso nos braços da sua noiva, Jerusa, filha de Jônatas Edwards.
Por fim, Henrique Martyn, também, ganhou a vitória, obedecendo à chamada para sacrificar-se à salvação dos perdidos. Ao embarcar para a Índia, em 1805, escreveu: "Se eu viver ou morrer, que Cristo seja magnificado pela colheita de multidões para Ele".

A bordo do navio, ao afastar-se da sua pátria, Henrique Martyn chorou como uma criança. Contudo nada podia desviá-lo da sua firme resolução de seguir a direção divina. Ele era "um tição arrebatado do fogo" e repentinamente dizia: "Que eu seja uma chama de fogo no serviço divino".
Depois de nove longos meses a bordo, e quando já se achava perto do seu destino, passou um dia inteiro em jejum e oração. Sentia quão grande era o sacrifício da Cruz e como era, igualmente, grande a sua responsabilidade para com os perdidos na idolatria da Índia. Continuava a repetir: "Tenho posto vigias sobre os teus muros, ó Jerusalém; eles não se calarão jamais em todo o dia nem em toda a noite: não descanseis vós os que fazeis lembrar a Jeová, e não lhe deis a Ele descanso, até que estabeleça, e até que ponha a Jerusalém por objeto de louvor na terra!" (Isaías 62.6).
A chegada de Henrique Martyn à Índia, no mês de abril de 1806, foi também em resposta à oração de outros. A necessidade era tão grande nesse país, que os poucos obreiros concordaram em se reunirem em Calcutá, de oito em oito dias, para pedirem a Deus que enviasse um homem cheio do Espírito Santo e poder à Índia. Martyn, logo ao desembarcar, foi recebido alegremente por eles como a resposta às suas orações.
É difícil imaginar o horror das trevas em que vivia esse povo, entre o qual Martyn se achava. Um dia, perto do lugar onde se hospedara, ouviu uma música e viu a fumaça de uma das piras fúnebres de que ouvira falar antes de sair da Inglaterra. As chamas já começavam a subir do lugar onde uma viúva se achava sentada ao lado do cadáver de seu marido morto. Martyn, indignado, esforçou-se, mas não pôde conseguir salvar a pobre vítima.
Em outra ocasião, foi atraído pelo ruído do címbalo, a um lugar onde o povo fazia culto aos demônios. Os adoradores se prostravam perante o ídolo, obra das suas próprias mãos, do qual adoravam e temiam! Martyn sentia-se "mesmo na vizinhança do Inferno".
Cercado de tais cenas, ele se aplicava mais e mais e sem cansar, dia após dia, a aprender a língua. Não desanimava com a falta de fruto da sua  
pregação, reconhecendo ser de maior importância traduzir as Escrituras e
colocá-las nas mãos do povo. Com esse alvo, perseverava no trabalho de tradução, cuidadosamente, aperfeiçoando a obra, pouco a pouco, e parando de vez em quando para pedir o auxílio de Deus.
Como a sua alma ardia no firme propósito de dar a Bíblia ao povo, vê-se no seguinte trecho de um dos seus sermões conservado no Museu Britânico:
"Pensai na situação triste do moribundo, que apenas conhece bastante da eternidade para temer a morte, mas não conhece bastante do Salvador para olhar o futuro com esperança. Não pode pedir uma Bíblia para saber algo sobre o que se firmar nem pode pedir a esposa ou ao filho que lhe leiam um capítulo para o confortar. A Bíblia, ah! é um tesouro que eles nunca possuíram! Vós que tendes um coração para sentir a miséria do próximo, vós que sabeis como a agonia de espírito é mais que qualquer sofrimento do corpo, vós que sabeis que vem o dia em que tendes de morrer, oh! dai-lhes aquilo que lhes será um conforto na hora da morte!"
Para alcançar esse alvo, de dar as Escrituras aos povos da Índia e da Pérsia, Martyn aplicou-se à obra de tradução de dia e de noite, até mesmo quando descansava e quando em viagem. Não diminuía a sua marcha quando o termômetro registrava o intenso calor de 70" nem quando sofria da febre intermitente, nem com o avanço da peste branca que ardia no seu peito.
Como David Brainerd, cuja biografia sempre serviu para inspirálo, Henrique Martyn passou dias inteiros em intercessão e comunhão com o seu "Amado", seu querido Jesus. - "Parece", escreveu ele, "que posso orar para sempre sem nunca cansar. Quão doce é andar com Jesus e morrer por Ele..." Para ele, a oração não era uma formalidade, mas o meio certo de quebrantar os endurecidos e vencer os adversários.
Seis anos e meio depois de ter desembarcado na Índia, enquanto empreendia longa viagem, faleceu com a idade de 31 anos. Separado dos irmãos, do resto da família, com a noiva esperando-o na Inglaterra, e cercado de perseguidores, foi enterrado em lugar desconhecido.
Era grande o ânimo, a perseverança, o amor, a dedicação com que trabalhava na seara do seu Senhor! O zelo ardeu até ele se consumir neste curto espaço de seis anos e meio. É-nos impossível apreciar quão grande foi a sua obra feita em tão poucos anos. Além de pregar, conseguiu traduzir porções das Sagradas Escrituras para as línguas de uma quarta parte de todos os habitantes do mundo. O Novo Testamento em hindu, hindustão e persa e os Evangelhos em judaico-persa são apenas uma parte das suas obras.
Quatro anos depois da sua morte, nasceu Fidélia Fiske, no sossego da Nova Inglaterra. Quando ainda aluna na escola, leu a biografia de Henrique Martyn. Andou quarenta e cinco quilômetros de noite, sob violenta tempestade de neve, para pedir à sua mãe que a deixasse ir pregar o Evangelho às mulheres da Pérsia. Ao chegar à Pérsia reuniu muitas mulheres e lhes contou o amor de Jesus, até que o avivamento em Oroomiah se tornou em outro Pentecoste.
Se Henrique Martyn, que entregou tudo para o serviço do Rei dos reis, pudesse visitar a Índia, e a Pérsia, hoje, quão grande seria a obra que encontraria, obra feita por tão grande número de fiéis filhos de Deus nos quais ardeu o mesmo fogo pela leitura da biografia desse pioneiro.

Retirado deste livro:
Heróis da Fé
Vinte homens extraordinários que incendiaram o mundo.
Orlando S. Boyer