quarta-feira, 16 de maio de 2018

Lição 8 - Adulto - Ética Cristã e Sexualidade.



RETIRADO DO LIVRO - VALORES CRISTÃOS -
Enfrentando as questões morais do nosso tempo.
Douglas Baptista.

A sexualidade tem sido fortemente desvirtuada na sociedade pós-moderna. De  outro  lado,  alguns  cristãos  insistem  em  tratar  o  assunto  como   tabu.
Embora o tema possa trazer desconforto para alguns, a sexualidade humana não pode ser subestimada. De acordo com Sigmund Freud (1856-1939), reconhecido como o pai da psicanálise, “o homem tem necessidades sexuais e, para explicá-las, a biologia lança mão do chamado instinto sexual  da mesma maneira que, para explicar a fome, utiliza-se do instinto da nutrição. A esta necessidade sexual dá-se o nome de libido” (FREUD, 1970, vol.  XVI
p.    336, 482). Freud atribuiu à libido uma natureza exclusivamente sexual e considerou a fase oral como a primeira na organização da libido da criança. As teorias de Freud contrastaram com o extremo moralismo da interpretação católica e produziram o extremo da licenciosidade, antinomianismo — desprezo à Lei de Deus — e a irresponsabilidade sexual (HENRY, 2007, p. 551). Atualmente, a sexualidade da criança vem sendo estimulada e incentivada de modo precoce, e isso em detrimento do desenvolvimento natural e saudável, gerando transtornos comportamentais.
Ressalta-se que, em virtude do avanço da tecnologia da informação e consequente globalização, nossas crianças têm acesso indiscriminado a todo tipo de conhecimento. E, por estarem em fase de desenvolvimento, tornaram- se alvo de quem as quer perverter. Por meio da inversão dos valores, ideologia de gênero e a erotização da infância, pretendem desconstruir a família tradicional e promover a luxúria, promiscuidade e a imoralidade. Portanto, pela sua abrangência e importância, faz-se necessário refletir sobre a sexualidade, seus conceitos, propósitos e limites éticos estabelecidos nas Escrituras Sagradas.
 

I.   SEXUALIDADE: CONCEITOS E PERSPECTIVAS BÍBLICAS

A sexualidade é uma das dimensões do ser humano criado à imagem e semelhança de Deus. A questão sexual estava presente no ato da criação quando Deus nos fez “macho e fêmea” (Gn 1.27). Doravante, após a queda, tornou-se um intrigante tema de pesquisa das ciências naturais (biologia, anatomia, etc.) e das ciências humanas (literatura, psicologia, etc.). O campo de abrangência perpassa pela identificação sexual, orientação/preferência sexual, erotismo, satisfação e prazer, imoralidade, prostituição e pornografia, dentre outros. Por meio da revolução sexual das últimas décadas, que relativizou e desvirtuou a liberdade sexual, surgiram novas questões nas áreas da ética, da moral e da religiosidade. Por conseguinte, os conceitos na perspectiva bíblica precisam ser restaurados.

1.     Conceito de Sexo e Sexualidade

A biologia define “sexo” como um conjunto de características orgânicas que diferenciam o macho da fêmea. O sexo de um organismo é definido pelos gametas que produzem. Gametas são células sexuais que permitem a reprodução dos seres vivos. O sexo masculino produz gametas conhecidos como espermatozoides e o sexo feminino produz gametas chamados de óvulos. A expressão “sexo” ainda pode ser usada como referência aos órgãos sexuais ou à prática de atividades sexuais. Já o termo “sexualidade” representa o conjunto de comportamentos, ações e práticas dos seres  humanos que estão relacionados com a busca da satisfação do apetite sexual, seja pela necessidade do prazer, seja da procriação da espécie.

A deturpação da sexualidade


Dentro dos conceitos modernos da sexualidade, o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) discorreu na obra História da Sexualidade que a postura cristã é repressiva e envolve “proibições, recusas, censuras e negações discursivas” que são impostas à sociedade (FOUCAULT, 1988, p. 16). Confabula o filósofo que, ao mesmo tempo em que o radicalismo cristão levava as pessoas a detestar o corpo, também tornou o sexo cobiçado e mais desejável; por conseguinte, a austeridade cristã deve ser combatida em busca de “liberação” sexual (FOUCAULT, 1988, p. 149).
Foucault afirma que essa liberação surgiu quando Freud dissociou a sexualidade do sexo que era baseado na anatomia e suas funções de reprodução restringida aos aspectos biológicos (FOUCAULT, 1988, p. 141). Assim, Foucault considera a sexualidade como uma produção discursiva, e, portanto, um construto sócio-histórico de uma sociedade. Por isso, o apelo e o discurso ofensivo na construção da ideologia de gênero, identidade sexual, iniciação sexual precoce, homoafetividade e a nova moda de se falar em sexualidade no plural, como existindo “sexualidades”. A partir daí, o conceito foi deturpado e, em busca de “liberação”, ensina-se que a sexualidade depende da cultura inserida em determinado grupo social. Desse modo, toda e qualquer escolha ou opção sexual passa a ser válida, tais como, homossexualismo, zoofilia, pedofilia, necrofilia e incesto.

2.     O Sexo Foi Criado por Deus

O homem e a mulher possuem imagem e semelhança divina. Porém, no ato  da criação, Deus os fez sexualmente diferentes: “macho e fêmea os criou” (Gn 1.27). Portanto, o sexo faz parte da constituição anatômica e fisiológica dos seres humanos. Homens e mulheres, por exemplo, possuem órgãos sexuais distintos que os diferenciam sexualmente. Sendo criação divina, o sexo não pode ser tratado como algo imoral ou indecente. As Escrituras ensinam que, ao término da criação, “viu Deus tudo quanto tinha feito, e   eis que era muito bom” (Gn 1.31). Desse modo, o sexo não deve ser visto como sendo algo pecaminoso, sujo ou proibido. Tudo o que Deus fez é bom. O pecado não está no sexo, mas na perversão de seu propósito.

A reprodução sexuada e dioica

Ao criar o ser humano, Deus os dotou de órgãos específicos e especialmente destinados à reprodução da espécie, chamados órgãos sexuais ou genitais. A esse processo de perpetuação da espécie humana dá-se o nome de “reprodução sexuada”. A reprodução sexuada dos seres humanos é classificada, quanto ao sexo, de “dioica”, ou seja, requer a participação de dois seres da mesma espécie, sendo obrigatório que um deles seja “macho” e outro seja “fêmea”. E isso pelo fato inequívoco de que homem e mulher foram criados com órgãos sexuais apropriados à reprodução. Trata-se de um processo em que há a troca de gametas (masculinos e femininos) para a geração de um ou mais indivíduos da mesma espécie. Percebe-se, então, que Deus não criou meio termo; definitivamente, o ser humano é formado de macho e fêmea. Deus não formou o homem com possibilidades sexuais de desempenhar o papel da mulher no ato sexual, e nem vice-versa. O nosso Jesus Cristo, ao discorrer sobre esse tema, associou a anatomia dos sexos  com o propósito divino da sexualidade e da reprodução. O Mestre fundiu o texto da criação e da procriação (Gn 1.27,28) ao texto do relacionamento conjugal (Gn 2.24) indicando que os textos bíblicos se complementam, isto é, a reprodução humana é sexuada e dioica:
 
Porém, desde o princípio da criação, Deus os fez macho e fêmea. Por isso, deixará o homem a seu pai e a sua mãe e unir-se-á a sua mulher. E serão os dois uma só carne e, assim, já não serão dois, mas uma só carne. (Mc 10.6- 8)

3.     A Sexualidade É Criação Divina


Ao criar o homem e a mulher, Deus também criou a sexualidade: “E Deus os abençoou e Deus lhes disse: Frutificai, e multiplicai-vos, e enchei a terra [...]” (Gn 1.28). O relacionamento sexual foi uma dádiva divina concedida ao primeiro casal e também às gerações futuras (Gn 2.24). Sempre fez parte da criação original de Deus o homem unir-se sexualmente em uma só carne com sua mulher. O livro poético de Cantares exalta a sexualidade e o amor entre o marido e sua esposa (Ct 4.10-12). Portanto, não é correto “demonizar” o desejo e a satisfação sexual. Assim como o sexo, a sexualidade também não é má e nem pecaminosa. O pecado está na depravação sexual que contraria os princípios estabelecidos nas Escrituras Sagradas.

A sexualidade no livro de Cantares

No judaísmo, a interpretação alegórica de Cantares faz alusão ao amor entre Deus e Israel, e na tradição cristã aparece como uma metáfora do amor existente entre Cristo e sua Igreja. Porém, quanto ao seu gênero literário, Cantares de Salomão é reconhecido pelos intérpretes como sendo um poema de amor. A linguagem é franca, mas também é pura. O livro louva o relacionamento conjugal regido pelo mútuo amor entre marido e mulher. Cantares exalta a sexualidade e não despreza o prazer sexual no âmbito do matrimônio. O livro narra a celebração do amor na noite de núpcias (Ct   4.1-
16) e na vida matrimonial do casal eternamente enamorado (Ct 5.2-6). Nota- se que o livro desmistifica a sexualidade e condena a licenciosidade, enaltece a paixão e desqualifica a promiscuidade, exalta o amor e despreza a lascívia. Assim, Cantares apresenta a sexualidade humana sem depravação e sem malícia. A mensagem denota o ideal divino para a sexualidade: bela, santa e pura.

II.   O PROPÓSITO DO SEXO SEGUNDO AS ESCRITURAS


O sexo como criação divina possui finalidades específicas. Holmes afirma que a “história da ética cristã é bastante clara nesse particular. A psicologia do sexo indica o seu potencial de união, e sua biologia indica um potencial reprodutivo” (HOLMES, 2013, p. 130). Portanto, o relacionamento sexual conforme idealizado pelo Criador prevê uma realização completa entre macho e fêmea na busca do prazer conjugal e na procriação da espécie.

1.     Multiplicação da Espécie Humana

A finalidade primordial do ato sexual refere-se à procriação. Deus abençoou  o primeiro casal e lhes disse: “Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra” (Gn 1.28). Tal como o Criador ordenara a procriação dos animais (Gn 1.22), também ordenou a reprodução do gênero humano. Nesse ato, Deus concedeu ao homem poderes para se multiplicar assegurando-lhe a dádiva da fertilidade. Depois da queda no Éden (Gn 3.11,23) e a consequente corrupção (Gn 6.12,13), Deus enviou o dilúvio como juízo para eliminar o gênero humano (Gn 6.17), exceto Noé e sua família (Gn 7.1). Passado o dilúvio, Noé recebeu a mesma ordem recebida por Adão: “E abençoou Deus a Noé e a  seus filhos e disse-lhes: Frutificai, e multiplicai-vos, e enchei a terra” (Gn 9.1). A terra despovoada deveria ser repovoada para dar continuidade aos desígnios divinos (Gn 3.15; Rm 16.20).

A bênção da fertilidade

Como já visto, a ordem divina para a procriação da espécie humana é precedida pela bênção da fertilidade (Gn 1.28). A partir dessa dádiva e ordenança divina, as narrativas bíblicas registram a busca pela maternidade e paternidade como anseio geral tanto de mulheres quanto de homens. A fertilidade passa a ser indispensável para o cumprimento do preceito divino. Desse modo, os registros das Escrituras quanto à sexualidade estão intrinsecamente relacionados com a reprodução e procriação da vida humana. Após a queda do homem no Jardim do Éden, Deus avisa que, por causa da desobediência, a bênção da fertilidade trará também sofrimento: “E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a tua dor e a tua conceição; com dor terás filhos” (Gn 3.16). Apesar desse novo ingrediente, mulheres e homens, por meio da união heterossexual e do casamento monogâmico, anseiam cumprir a multiplicação da espécie e prover descendência para a família.

2.     Satisfação e Prazer Conjugal

Por muito tempo, o catolicismo ensinou que a procriação era o único propósito da relação sexual. O Concílio de Trento (1545-1563) disciplinou a prática sexual com fins exclusivos de reprodução e proibiu o sexo aos domingos, nos dias santos e no jejum quaresmal. Não obstante, a Bíblia também se refere ao sexo como algo prazeroso e satisfatório entre um marido e sua esposa: “Seja bendito o teu manancial, e alegra-te com a mulher da tua mocidade [...]” (Pv 5.18,19), e ainda “Goza a vida com a mulher que amas, todos os dias de vida [...]” (Ec 9.9). Assim, na união conjugal, o homem e sua mulher devem buscar satisfação sexual (1 Co 7.5).
O prazer e o deleite sexual não devem servir para a satisfação promíscua e egoísta de um dos cônjuges. A satisfação conjugal deve ser precedida do sentimento mútuo de amor entre macho e fêmea (1 Co 7.3-5). Apesar das afirmações equivocadas da atualidade que associam amor, sexualidade e casamento como sendo uma invenção da era burguesa do século XVI, a Bíblia Sagrada ensina desde os primórdios o mútuo cuidado, carinho e o respeito entre um homem e uma mulher casados (Ef 5.21-28). Desse modo, a completa satisfação sexual envolve emoções, sentimentos, carícias e prazer para ambos os cônjuges. De acordo com as Escrituras, o romance e o dom da sexualidade devem ser usados para o prazer mútuo dentro do contexto do casamento monogâmico e heterossexual.

3.     O Correto Uso do Corpo


No ato sexual ocorre a fusão de corpos (Mt 19.6). O sexo estabelece um vínculo tão forte entre os corpos que os torna uma só pessoa. Como os nossos corpos são membros de Cristo (1 Co 6.15) e templo do Espírito Santo (1 Co 3.16), as Escrituras proíbem o uso do corpo para práticas sexuais ilícitas (1 Co 6.16). São condenadas, dentre outras, as relações incestuosas (Lv 18.6- 18), o coito com animal (Lv 18.23), o adultério (Êx 20.14) e a homossexualidade (Rm 1.26,27). O corpo não pode servir à promiscuidade (1 Co 6.13). Assim, o nosso corpo deve servir para glorificar, e não para afrontar a Deus (1 Co 6.20).

Templo do Espírito Santo

Escrevendo à Igreja em Corinto, Paulo menciona vários tipos de pessoas que pecam contra o corpo e são sexualmente imorais, tais como, “os devassos”, “os adúlteros”, “os efeminados” e “os sodomitas”, os quais,  afirma o apóstolo, não herdarão o reino de Deus (1 Co 6.10). Em seguida, o texto paulino questiona a igreja acerca do uso indevido do corpo: “Não sabeis vós que os vossos corpos são membros de Cristo?” (1 Co 6.15). Por conseguinte, Paulo ensina que o corpo não pertence ao crente, e sim a Deus; por isso, o corpo não pode ser objeto da imoralidade sexual (1 Co 6.18). O ensino assevera que a imoralidade sexual é pecado que afronta ao próprio corpo, que é templo do Espírito Santo (1 Co 6.19). Por essa razão, o crente não deve contaminar o corpo, pois é santuário de Deus. Por fim, exorta-nos o texto bíblico: “[...] glorificai, pois, a Deus no vosso corpo e no vosso espírito, os quais pertencem a Deus” (1 Co 6.20). Conclui a Escritura que o nosso corpo foi comprado por bom preço, e, por essa razão, pertence ao Senhor que nele habita e requer do crente salvo que mantenha o templo do Espírito Santo em pureza sexual.

III.   O CASAMENTO COMO LIMITE ÉTICO PARA O SEXO


No casamento, os impulsos sexuais podem ser satisfeitos sem que se incorra em atos pecaminosos. No entanto, o casamento não é autorização para a prática de atos pervertidos, devassidão ou escravidão sexual de um cônjuge sobre o outro. Ainda que o casamento seja um inibidor de práticas moralmente ilícitas, percebe-se na cultura pós-moderna o enfraquecimento de sua eficácia no combate à imoralidade. A antiga lei moral exigia a abstinência extraconjugal por temor de uma gravidez indesejada, doenças sexualmente transmissíveis ou medo de ser descoberto e ter a reputação manchada. Atualmente, esses antigos fatores de inibição das relações extraconjugais sofreram mutações: “a pílula reduziu grandemente o primeiro temor, as drogas modernas o segundo e as mudanças sociais o terceiro” (HOLMES, 2013, p. 128). Contudo, para o cristão, o propósito divino para o casamento não pode ser alterado e seus princípios devem ser observados por todos e em todos os lugares.

1.     Prevenção contra a Fornicação

A fornicação está relacionada ao contato sexual entre pessoas solteiras. Para prevenir esse pecado, o apóstolo Paulo orienta os cristãos a se casarem (1 Co 7.2, ACF). Os ensinos de Paulo ratificam o propósito divino do casamento: “uma mulher para cada homem” (Gn 2.24). Esse princípio também foi defendido por Jesus: “deixará o homem pai e mãe e se unirá à sua mulher” (Mt 19.5). Desse modo, a legitimidade cristã para a satisfação dos apetites sexuais entre um homem e uma mulher restringe-se ao casamento monogâmico (1 Co 7.9). Toda prática sexual realizada fora desses moldes constitui-se em sexo ilícito.

O sexo pré-matrimonial

Nos textos vetero-testamentários, a fornicação ou o sexo pré-matrimonial eram punidos severamente. Se um marido descobrisse após o casamento que sua esposa não era virgem, o caso seria levado aos anciãos da cidade, que conduziriam a mulher até a porta da casa de seu pai e os homens a apedrejariam até a morte (Dt 22.20,21).
Na lei mosaica, também estavam previstas outras punições para os casos de sexo pré-matrimonial (Êx 22.16,17; Dt 22.23,24). Se a moça fosse violentada e não pudesse fazer nada para evitar o ato sexual ilícito, ela seria inocentada e o seu agressor seria apedrejado (Dt 22.25-27). O Novo Testamento mantém a fornicação e o sexo pré-matrimonial como pecado (1 Ts 4.3). No entanto, a pena de morte física não é aplicada; a punição é na esfera espiritual que implica morte eterna (Tg 1.15).

O problema da incontinência sexual

Ao tratar das questões de imoralidade sexual e o comportamento cristão no casamento, o apóstolo Paulo fazia frente a dois movimentos presentes na igreja de Corinto. O primeiro era formado pelos libertinos ou antinomianos e o segundo era partidário do asceticismo. Os libertinos ensinavam que não existe problema algum com o uso do corpo, isto é, o que alguém faz com o corpo é moralmente indiferente. Os adeptos do ascetismo de modo geral consideravam que o corpo é inerentemente mau e que cada um deve afligir e castigar seu próprio corpo negando-lhe qualquer prazer físico.
Logo depois de escrever condenando a fornicação, Paulo também ensina à igreja que, após casados, o marido e a mulher não podem negar o prazer sexual ao seu cônjuge, pois ambos têm o dever mútuo de satisfazerem-se e manterem a fidelidade matrimonial (1 Co 7.3). Por essa razão, as Escrituras explicam que o corpo do homem está sob o domínio da sua esposa e o que o corpo da mulher está sob o domínio do marido (1 Co 7.4). Isso significa   que o corpo do marido só pode buscar prazer e satisfação sexual no corpo de sua esposa, e vice-versa. Desse modo, ratifica-se a união monogâmica e heterossexual e reafirma-se a condenação das demais práticas como imoralidade sexual.
Em seguida, o texto bíblico alerta que a privação ou abstinência sexual
dentro do casamento pode ser usada pelo Adversário como meio de tentação para as práticas sexuais ilícitas (1 Co 7.5). Por isso, o texto orienta os casais a não privarem um ao outro do ato sexual, exceto de comum acordo e temporariamente para algum propósito espiritual. O casal não deve ser ingênuo a ponto de imaginar que não serão tentados ou traídos por seus impulsos sexuais. Deus instituiu o casamento tanto para a procriação quanto para evitar o pecado da imoralidade por meio do prazer mútuo entre marido e mulher.

2.     O Casamento e o Leito sem Mácula

As Escrituras ensinam que o casamento é digno de honra (Hb 13.4) e que a união conjugal deve ser respeitada por todos (Mt 19.6). O leito conjugal não pode ser maculado por ninguém. Quem o desonrar não escapará do juízo divino (Hb 13.4b). Aqui a desonra refere-se ao uso do corpo para práticas sexuais ilícitas com ênfase nos casos de relações extraconjugais (1 Co 6.10). Inclui também as relações conjugais resultante de divórcios e de segundo casamentos antibíblicos (Mt 19.9). Embora, muitas vezes, os imorais  escapem da reprovação humana, não poderão fugir da ira divina (Na 1.3). A práxis da sociedade e a condescendência de muitas igrejas não invalida a Palavra de Deus.

O modelo bíblico de casamento

Pallister define o casamento como “ato público em que a pessoa deixa a primeira família em que cresceu para se unir, pelo resto de sua vida, com uma pessoa do sexo oposto com a finalidade de constituir uma nova família” (PALLISTER, 2005, p. 168). Esta conceituação constitui um ato de obediência ao ensino bíblico: “Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e eles se tornarão uma só carne” (Gn 2.24, NVI). Nos registros bíblicos, é possível identificar que, ao menos em alguns casamentos, a união conjugal era precedida pelo sentimento de amor. Jacó amava tanto   a Raquel que nem viu o tempo passar enquanto trabalhou durante sete anos  para pagar o dote dela (Gn 29.18,20). Mical amava tanto a Davi que o ajudou a fugir, livrando-o da morte certa, e não temeu a ira de seu pai Saul (1 Sm 18.20,28; 19.11-17). Dessa maneira, o modelo bíblico não se restringe à procriação, mas também inclui o romantismo e o ato sexual como fonte de satisfação e prazer.
O catolicismo classificou o casamento como sacramento — rito sagrado instituído para dar, confirmar ou aumentar a graça. Os teólogos da Reforma Protestante entenderam que o casamento não é um sacramento, e sim uma aliança, isto é, o casamento não é apenas um ato formal, mas “uma aliança, assumida diante de Deus, de natureza permanente e fonte de conforto  e alegria ao longo de toda a vida” (PALLISTER, 2005, p. 174). Em consequência, o amor é um princípio moral do casamento. Porém, o amor não é o único; a justiça é igualmente princípio relevante para a união matrimonial. A justiça requer igualdade para todos e se manifesta contra o abuso sexual de qualquer parte. A Declaração de Fé das Assembleias de Deus, ao tratar dos propósitos do matrimônio, descreve o seguinte:
 
O casamento tem por propósitos: a instituição da família matrimonial; compensação mútua do casal; a procriação; o auxílio mútuo e continência e satisfação sexual. Entendemos que o homem é unido sexualmente à sua esposa, como resultado do amor conjugal, não só para procriar, mas também para uma vivência afetuosa, agradável e prazerosa. (SOARES, 2017, p. 204)
 
Diante destas assertivas, deve-se reconhecer que o casamento monogâmico entre um homem e uma mulher é o modelo bíblico para escapar da impureza sexual. Também é possível perceber que Deus, ao criar o ser humano à sua imagem e semelhança, os fez macho e fêmea (Gn 1.27) demonstrando a    sua conformação heterossexual. E, ainda, que a diferenciação dos sexos visa à complementaridade mútua na união conjugal.

Leito sem mácula

A expressão “leito sem mácula” é um eufemismo usado para suavizar os aspectos que envolvem a intimidade, o erotismo, os desejos e as relações sexuais entre o marido e a esposa no contexto da união matrimonial. O leito conjugal não pode ser manchado pela imoralidade sexual. Aqui estão incluídos como transgressão os pecados sexuais cometidos dentro ou fora do casamento. O sexo e a sexualidade são atos da criação divina, e não podem ser tratados como algo pecaminoso e nem como mero elemento de procriação ou fonte de prazer. Cabe ao cristão cumprir o propósito estabelecido por Deus para a sexualidade (Gn 2.24). Aqueles que contaminam o casamento ao ultrapassar os limites divinamente instituídos para o ato sexual devem estar certos de que enfrentarão um severo juízo (Hb 13.4).

 

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Classe de adulto - L 07 - Ética Cristã e Doação de Órgãos.


RETIRADO DO LIVRO - VALORES CRISTÃOS -
Enfrentando as questões morais do nosso tempo.
Douglas Baptista.

O Brasil possui o maior sistema público de transplantes do mundo. São mais de 20 mil cirurgias por ano e cerca de 90% desses transplantes são financiados pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Embora os índices sejam promissores, o número de carências também cresceu. Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil tem 64 mil pacientes na fila de espera por um transplante de órgãos, e as maiores listas de espera aguardam doações de rim, fígado e pâncreas.
Por meio de vários esforços envolvendo o Ministério da Saúde, cirurgiões, psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais, religiosos, famílias e a imprensa,  o Brasil é o quarto país do mundo em número de doadores de órgãos. Contudo, o Brasil precisa avançar mais, especialmente diminuindo a taxa de recusa das famílias em relação à doação de órgãos. Muitas famílias ainda rejeitam a doação por dilemas éticos e falta de informação. Nossa taxa de aceitação familiar, em 2016, chegou a 57%, mas ainda é pouco diante da urgente e imprescindível necessidade de zerar a fila de espera.

 O TRANSPLANTE DE ÓRGÃO
A doação de órgãos engloba basicamente a técnica de transplante e as pesquisas com células-tronco adultas e embrionárias. O termo transplante é empregado no sentido de retirada ou remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo de um ser, vivo ou morto, para aproveitamento com finalidade terapêutica, ou seja, o tratamento de doenças com a finalidade de conseguir curar, tratar ou minimizar os sintomas. O gesto altruísta de doar órgãos retrata a essência do cristianismo.

1.     Definição de Transplante
O transplante é um procedimento cirúrgico que remove um órgão enfermo do corpo humano para ser substituído por outro saudável. Em muitos casos, o transplante tem sido a única alternativa da medicina para a cura de pacientes com determinadas doenças terminais.

Tipos de transplantes
De acordo com o Ministério da Saúde, podem ser transplantados órgãos como o coração, o fígado, o pâncreas, os rins, os pulmões, medula óssea, tecidos e outros. O tipo mais comum de transplante é a transfusão de sangue, que acontece por meio da doação entre pessoas vivas (intervivos). Os demais transplantes intervivos são permitidos em caso de órgãos duplos (rins e pulmões), órgãos regeneráveis (fígado) ou tecidos (pele, medula óssea).
A transfusão de sangue é um dos cinco procedimentos médicos mais realizados em todo o mundo. As Testemunhas de Jeová, por uma equivocada interpretação das Escrituras, rejeitam e condenam esse tipo de tratamento. No entanto, os genuinamente cristãos consideram a “doação” e a “transfusão” de sangue como verdadeiro ato de amor e solidariedade em total acordo com os princípios bíblicos do cristianismo. A despeito do progresso da ciência  médica e das técnicas cirúrgicas, os outros tipos de transplantes entre pessoas vivas são bem complexos e contêm sérios riscos. Embora seja a esperança de cura para uma série de doenças, o procedimento é recomendado apenas em casos de morte iminente, como sendo a última alternativa para o paciente.

As células-tronco
O corpo humano possui dois tipos de células-tronco: as embrionárias e as adultas. O transplante de células-tronco em órgãos lesados seria capaz de dar origem a células saudáveis, regenerar tecidos e curar as lesões. Pesquisadores acreditam que a cura de certas doenças, tais como, câncer, lesões na   medula espinhal, diabetes, Parkinson, Alzheimer e esquizofrenia podem se beneficiar desse tipo de pesquisa. As células-tronco adultas são encontradas principalmente na medula óssea, placenta e cordão umbilical. Células-tronco adultas também foram identificadas em vários órgãos e tecidos, incluindo o coração, cérebro, sangue, vasos sanguíneos, músculo esquelético, pele,  dentes, intestino, fígado, ovários e testículos.
As células-tronco embrionárias são encontradas no blastocisto (4 a 7 dias após a fecundação do embrião) e têm a capacidade de se transformar em qualquer uma das 216 diferentes células do corpo humano. É essa capacidade que permite que um embrião se transforme em um corpo totalmente formado. O problema ético que engloba as células-tronco embrionárias é a necessidade de matar/descartar o embrião para poder fazer a replicação desejada. Essa questão ética provocou discussão acerca da constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/05) que preconiza o seguinte: “é permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização ‘in vitro’ e não utilizados no respectivo procedimento”.
Apesar da oposição de segmentos cristãos, em maio de 2008, o Supremo Tribunal Federal (STF) permitiu o uso das células-tronco embrionárias para fins de pesquisa e terapia sob a alegação que “a Constituição Federal, quando se refere à dignidade da pessoa humana, aos direitos da pessoa humana, ao livre exercício dos direitos [...] individuais e aos direitos e garantias individuais, estaria falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa” (ADI 3510/DF). Desse modo, para o STF, o embrião não é uma pessoa. Como a Bíblia ensina que a vida tem início na fecundação (Jr 1.5), a ética cristã desaprova esse procedimento por exigir a interrupção da vida do embrião.

2.     O Conceito de Doação na Bíblia
O ensino registrado nas Escrituras assevera que “mais bem-aventurada  coisa é dar do que receber” (At 20.35). Denota um ato voluntário de prover o bem- estar do próximo. Trata-se de uma ação desprovida de qualquer interesse de ordem pessoal. A excelência da doação repousa na disposição de renunciar e até de se sacrificar e sofrer com base no amor pelos outros (Rm 5.8). Doar ao necessitado é uma forma de colocar a fé em prática (Tg 2.14-17). E ainda, a reciprocidade está presente no gesto de doar. Foi o Senhor Jesus que assegurou: “Dai, e ser-vos-á dado” (Lc 6.38a).

Argumentos contrários à doação de órgãos
A comercialização de órgãos e tecidos é um argumento baseado na possibilidade de se obter lucro na compra e venda de órgãos e tecidos humanos. Um mercado, clandestino ou até legalizado, poderia explorar os mais pobres, acelerar a morte de doentes terminais e exterminar os que forem considerados inválidos. O temor é justificado pelo número assustador de pessoas que aguardam um órgão e do número não menos lúgubre de pessoas que morrem na fila de espera de um transplante. No Brasil, para inibir a comercialização e o tráfico de órgãos, a legislação permite apenas doações gratuitas e estabelece até oito anos de prisão para quem comercializar órgãos e tecidos humanos. Se o crime for praticado em pessoa viva que resulte em morte do paciente, a pena poderá chegar até vinte anos de reclusão (Lei no 9.434/97, Art. 14).
A priorização de classes privilegiadas é outra preocupação motivada pela possibilidade de ser dispensado tratamento diferenciado entre as classes sociais. Pessoas de classe alta ou de influência na sociedade poderiam ter prioridade na fila de espera de transplantes em detrimento das classes mais pobres. Para coibir à concessão de privilégios às pessoas que necessitam de transplantes, o sistema de saúde pública mantém cadastro dos pacientes em lista única de espera. Esse critério foi instituído pela Lei de Transplantes, cuja responsabilidade recai sobre as “Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos” (CNCDOs), que são encarregadas de coordenar as atividades de transplantes no âmbito estadual.
A Lista Única pretende distribuir gratuita e equitativamente os órgãos disponíveis e, para tanto, faz uso de dois critérios: o cronológico e o de histocompatibilidade (estado de semelhança ou identidade genética entre dois indivíduos). As listas únicas devem ser por órgãos e podem ser nacionais, estaduais ou regionais, mas a distribuição dos órgãos e tecidos tem caráter estadual. Conforme a legislação, o processo de transplante após a doação do órgão ou tecido não se dará necessariamente pela ordem cronológica de inscrição, o critério de histocompatibilidade deverá ser considerado também. Isso significa dizer que um paciente não compatível com o órgão doado terá que ceder a sua vez na lista de espera para o próximo que seja compatível. Para a efetivação do transplante também é usado o critério da urgência entre os histocompatíveis, ou seja, entre os pacientes compatíveis o caso mais grave tem prioridade.
Diante dessas informações, percebe-se que o legislador se preocupou com essas possibilidades da natureza humana burlar os procedimentos e até auferir lucros diante do sofrimento dos enfermos e de suas famílias. No entanto, tais conjecturas e probabilidades não são razões para o cristão furtar-se de sua responsabilidade de exercer o ministério de socorro e misericórdia. Doar é  um gesto de amor, solidariedade e empatia.

3.     A Doação de si Mesmo: A Santidade da Vida
Alguns cristãos se posicionam contrários à doação de órgãos sob o pretexto de que o gesto é um ultraje à santidade do corpo. Esse argumento considera que o corpo é sagrado e, por isso, não pode ser mutilado. Obviamente que um corpo humano, mesmo sem vida, deve ser tratado com dignidade e respeito. Desse modo, para impedir a violação do corpo humano, a legislação em vigor não permite transplante intervivos que represente grave comprometimento ou que cause mutilação ou deformação inaceitável no paciente (Lei no    9434/97, § 3º, Art. 9). No caso de retirada de órgãos post-mortem, é indispensável, além da autorização da família, o diagnóstico de morte encefálica, por dois médicos, sendo que pelo menos um deve ser neurologista e nenhum deles pode fazer parte da equipe médica que faz transplantes (Lei no 9434/97, Art. 3). E, no caso de transplante post-mortem, a lei prescreve detenção de até  dois anos para quem aviltar o cadáver de um doador ou ainda “deixar de recompor cadáver, devolvendo-lhe aspecto condigno, para sepultamento ou deixar de entregar ou retardar sua entrega aos familiares ou interessados” (Lei no 9.434/97, Art. 19).
Com todos esses cuidados para tratar o corpo humano com respeito a fim de evitar a violação do corpo inerte ou impedir a mutilação ou deformação de um corpo vivo, o argumento da integridade do corpo para não doar órgãos é insustentável. Os cristãos não podem buscar pretextos ou firmar-se em argumentos falaciosos para eximir-se de seu papel de ser o sal da terra e a luz do mundo (Mt 5.13,14). O Senhor Jesus ensinou aos seus discípulos que: “Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós, porque esta é a lei e os profetas” (Mt 7.12).

I.     EXEMPLOS DE DOAÇÃO NA BÍBLIA
A Palavra de Deus contém registros de ações altruístas carregadas de amor, zelo e dedicação para com o outro. Homens e mulheres que se doaram em prol do reino de Deus e até sacrificaram suas vidas por amor as almas. Neste ponto abordaremos as ações da Igreja na Galácia, a abnegação do apóstolo dos gentios e a suprema doação de nosso Senhor e Salvador.  Exemplos dignos de ser observado pelos cristãos.

1.     O Exemplo dos Gálatas
A igreja na Galácia foi fundada por Paulo quando este empreendeu sua primeira viagem missionária (c. 47-48 d.C.). Na ocasião, o apóstolo sofria de  uma enfermidade não especificada na Bíblia (2 Co 12.7). Ele escreve que orou a Deus três vezes para ser curado, mas o Senhor lhe respondeu: “A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2 Co 12.9a). Ao evangelizar na região da Galácia, Paulo deixou indícios de ter sentido os efeitos da doença em sua carne e salienta que os gálatas não o desprezaram nem o rejeitaram (Gl 4.13,14). Conjectura-se por meio dessa passagem que a enfermidade de Paulo era nos olhos, ou que a doença lhe afetava a visão (Gl 6.11). Indiscutível é que para expressar o amor  dos irmãos, ainda que de modo metafórico, o apóstolo fala do sentimento altruísta dos gálatas, que, se possível fora, arrancariam os próprios olhos e os doariam no intuito de amenizar o sofrimento de Paulo (Gl 4.15).

A cura e a soberania divina
Nossa Declaração de Fé, professa que “a cura divina é um ato da soberania, graça e misericórdia divina [...] e a Bíblia ensina que Deus, na sua soberania, pode permitir a doença” (SOARES, 2017, p. 179). As Escrituras ainda revelam que Deus equipou a Igreja com os dons de curar visando ao bem- estar espiritual e físico do seu povo (1 Co 12.9). O Novo Testamento ensina a oração em favor dos enfermos como uma prática e dever cristão (Tg 5.14,15). Em face dos avanços médicos e científicos, a igreja posiciona-se favoravelmente à medicina, e isso não significa falta de fé (Mt 9.12). Portanto, a oração pelos enfermos não entra em divergência com o tratamento médico Nesse sentido, não há conflito entre a soberania de Deus e a liberdade humana em fazer a doação de órgãos, pois a última palavra sempre será do Senhor que tem poder sobre a vida e a morte (Jo 10.17,18).

2.     O Desprendimento de Paulo
O apóstolo dos gentios é um excepcional exemplo de doação em prol do Reino de Deus. Transbordando de amor, ele escreveu aos Coríntios: “Eu, de muito boa vontade, gastarei e me deixarei gastar pelas vossas almas” (2 Co 12.15). Ao retornar da terceira viagem missionária em direção a Jerusalém, o apóstolo discursou aos anciãos de Éfeso: “Mas de nada faço questão, nem tenho a minha vida por preciosa, contanto que cumpra com alegria a minha carreira” (At 20.24a, ACF). Dias depois, ao chegar a Cesareia, Paulo recebeu revelação acerca do perigo que corria. Tendo sido persuadido pelos irmãos a recuar, o apóstolo constrangido declarou em sua abnegação estar disposto não apenas a sofrer, “mas ainda a morrer em Jerusalém pelo nome do Senhor Jesus” (At 21.8-13).
O desprendimento paulino é ação digna de ser imitada pelos seguidores de Cristo. O próprio apóstolo recomenda: “Sede meus imitadores, como também eu, de Cristo” (1 Co 11.1). Na Igreja Primitiva, os que viviam de acordo com o evangelho ficavam parecidos com Cristo e, por isso, eram identificados como “cristãos” (At 11.26). Parecer com Cristo implica imitar a Cristo (1 Jo 2.6), por exemplo, amar como Ele amou, perdoar como Ele perdoou e doar-se como Ele se doou. Entre tantos outros ensinos, é necessário permanecer  sendo como Cristo e crescer ainda mais nesse conhecimento. Esse é um dos legados do apóstolo que tinha como alvo ser como Cristo. Paulo chegou a escrever: “[...] para mim o viver é Cristo, e o morrer é ganho” (Fp 1.21), e, ainda: “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim” (Gl 2.20a). Sejamos, portanto, como o foi Paulo, imitadores de Cristo.

3.     A Doação Suprema de Cristo
Seguramente a morte vicária de Cristo é o maior e incontestável gesto de amor e de doação imensurável e inigualável. Quando entregou sua vida por nós pecadores, Ele afirmou que o fez voluntariamente: “Ninguém ma tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou” (Jo 10.18). As Escrituras afirmam que essa doação estava fundamentada exclusivamente no amor, uma vez que “Deus prova o seu amor para conosco em que Cristo morreu por nós, sendo  nós ainda pecadores” (Rm 5.8). Foi por intermédio do sacrifício de Cristo e de sua vitória sobre a morte que fomos resgatados de nossa vã maneira de viver (1 Pe 1.18-21).
O exemplo supremo de Cristo que confirmou ter “poder para dar e poder para tomar de volta sua vida” (Jo 10.18) é esperança de milagre e de ressurreição para todo aquele que crê (1 Co 6.14; 15.20,21). Entretanto, argumentam alguns que a retirada de órgãos pode impedir o milagre e a cura divina na vida da pessoa com diagnóstico de morte encefálica. Porém, tal argumento não procede, pois, as Escrituras ensinam que “para Deus nada é impossível” (Lc 1.37), por conseguinte, mesmo depois de morto e sem órgão algum no corpo, Deus ainda pode operar um milagre, trazer órgãos à existência e devolver a vida ao doador. Outra opinião inconsistente afirma que a doação de órgãos é incompatível com a doutrina da ressurreição dos mortos (1 Ts 4.16). Refutando essa ideia, Paulo ensina que o “corpo natural, ressuscitará corpo espiritual” (1 Co 15.44), ou seja, não precisarão de órgãos humanos. Nossa vida está nas mãos do Senhor! Somente Ele tem poder sobre a vida e a morte! (1 Sm 2.6).

II.     DOAR ÓRGÃOS É UM ATO DE AMOR
O genuíno e excelso sentimento de amor constrange o cristão para ser doador de órgãos e tecidos. O Senhor Jesus ensinou e propagou o amor que deve existir entre os seres humanos. O amor cristão deve ser expresso por meio de atitudes e obras (1 Jo 3.17,18). Esse amor não se restringe apenas às pessoas com as quais nos relacionamos ou que queremos bem (Mt 5.46). Somos exortados a amar os desconhecidos (Mt 5.47) e inclusive aqueles que nos maltratam (Mt 5.44).

1.     O Princípio da Empatia e da Solidariedade
A empatia pode ser definida como a capacidade de sentir o que outra   pessoa está vivendo, ou seja, colocar-se no lugar do outro. Ser solidário implica apoiar e ajudar alguém num momento difícil. Cristo ensinou no Sermão da Montanha: “Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós” (Mt 7.12).

O altruísmo do auxílio mútuo
Quando o ser humano entende o altruísmo do auxílio mútuo, os argumentos contrários à doação de órgãos perdem o sentido e a razão de ser. A expressão altruísmo tem origem no latim alter e significa “outro”. Denota interesse pelo bem-estar do próximo. Trata-se de uma ação desinteressada desprovida de qualquer razão pessoal. Biblicamente, o altruísmo é grande prova da espiritualidade de alguém: “Nisto está o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou seu Filho para propiciação pelos nossos pecados. Amados, se Deus assim nos amou,  também nós devemos amar uns aos outros” (1 Jo 4.10,11). No Sermão da Montanha, Cristo ensinou a regra áurea: “[...] tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós” (Mt 7.12). Essa regra requer que façamos aos outros aquilo que gostaríamos que fizessem a nós. Não é simplesmente deixar de fazer o mal, e sim tomar a iniciativa de fazer alguma coisa boa em prol do outro. E, quanto a isso, o apóstolo líder em Jerusalém nos adverte: “Aquele, pois, que sabe fazer o bem e o não faz comete pecado” (Tg 4.17). A regra áurea é o fundamento de uma bondade ativa e de uma misericórdia ativa — o tipo de amor que Deus nos mostra todos os dias (RIBAS, 2009, p. 52).

Compreensão e generosidade
Compreender aqui está no sentido de empatia, ou seja, sentir a dor e o sofrimento do outro. Generosidade está no sentido da virtude que nos leva à preocupação com as pessoas de modo prático (solidariedade). O escritor aos  Hebreus  convoca  seus  leitores  a  se  identificarem  com  os  que  sofrem e padecem necessidades (Hb 13.2,3). Os cristãos são exortados a compreender a dificuldade do próximo e agir com generosidade. A mensagem os conclamava a tomar iniciativa — sair da passividade e do campo do discurso e partir para a ação prática. O princípio emanado é o da regra áurea ensinada por Cristo (Mt 7.12). As admoestações para ser generoso com os viajantes, estender a mão aos prisioneiros e auxiliar os maltratados são, na verdade, exortação para se cumprir o mandamento de Cristo: Amar o próximo como a si mesmo (Mt 22.37-40). Isso posto, doar órgãos é o exercício do amor  cristão para com o outro.

2.     O Princípio do Verdadeiro Amor
Amar a Deus e ao próximo como a si mesmo é o resumo da revelação (Mt 22.37-40). Cristo ensinou que não existe maior amor do que doar a sua vida ao próximo (Jo 15.13). O Salvador não doou apenas um ou outro órgão para salvar nossas vidas. Ele entregou a sua vida por inteiro para que fossemos absolvidos da morte. João nos recorda o ato e nos exorta a fazer o mesmo: “Conhecemos o amor nisto: que ele deu a sua vida por nós, e nós devemos  dar a vida pelos irmãos” (1 Jo 3.16). Portanto, doar órgãos para salvar outras vidas é um sublime ato de amor.
A excelência do amor
O capítulo 13 da Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios é considerado o “grandioso capítulo do amor”. Nos versículos 2 e 3, Paulo enfatiza que o exercício dos dons espirituais e os atos de autossacrifício nada valem sem o amor. Nos versículos seguintes (1 Co 13.4-8), encontramos as características do amor em quinze sublimes declarações. Destacamos aqui as expressões “é sofredor”, “é benigno” e “não busca os seus interesses”. A excelência do verdadeiro amor repousa na disposição de se sacrificar e sofrer com base no amor pelos outros. A benignidade aparece quando se  responde generosamente  às  necessidades  dos  outros.  O  amor  preocupa-se  com    o próximo e, de bom grado, desiste dos seus próprios interesses em benefício dos outros (RIBAS, 2009, p.164, 165).

A essência do amor cristão
A doação de órgãos e tecidos em vida ou post-mortem é um elevado gesto de amor. Essa ação em nada contraria os preceitos éticos ou bíblicos, exceto no caso de células-tronco que requerem a morte do embrião. Contudo, ninguém deve ser forçado à prática de tão nobre e elevado gesto. A ação deve ser voluntária e altruísta sem esperar recompensa alguma. O ser humano e o seu corpo não podem ser coisificados ou comercializados e nem a sua vontade pode ser desrespeitada. Doador e receptor são seres humanos que expressam a imagem e a semelhança de Deus.