quinta-feira, 12 de abril de 2018

Classe de Jovens - Lição 3 - O fruto de um trabalho zeloso

Retirado do livro:
A Igreja do Arrebatamento.
O Padrão dos Tessalonicenses para estes Últimos Dias.
Thiago Brazil.



Introdução
Paulo inicia o segundo capítulo de sua primeira epístola aos tessalonicenses destacando a natureza abnegada de seu ministério entre  aqueles  irmãos.  Mais  que  um  autoelogio  narcisista,      essa apologia paulina ao seu ministério pessoal — atitude que ele também toma ao escrever para outras igrejas (2 Co 12.11-21; Gl 6.14-18) — é um registro histórico do modelo inspirativo de ministro no cristianismo primitivo. Mesmo tendo vivenciado uma experiência extremamente traumática em Filipos (acusação de perturbação pública, prisão, açoite, detenção inapropriada, etc.),o apóstolo persistiu na obediência à visão que Deus concedera a ele (At 16.9) e iniciou a evangelização em Tessalônica.
Não era ganância ou benefícios pessoais que moviam o coração de Paulo para a realização desse serviço ao Reino de Deus, e sim o amor às pessoas e a confiança de que o Senhor que vocaciona também é o que supre todas as necessidades daquele que se dedica liberalmente à obra.
Compreender como se deu esse processo de evangelização, quais os fundamentos da mensagem anunciada por Paulo entre os tessalonicenses e, principalmente, qual o comportamento adotado pelo apóstolo entre os habitantes daquela cidade serão os objetos de estudo para nossa discussão e reflexão neste capítulo.
O Esforço Pessoal de Paulo para Garantir a Evangelização dos Tessalonicenses
Qual seria a reação normal de alguém que, seguindo uma intuição pessoal, ao iniciar um novo empreendimento, encontra de pronto um forte revés? Logicamente, desistir. É por isso que tantas empresas fecham nos seus três primeiros anos de funcionamento; muitas pessoas abandonam a faculdade ainda no primeiro ano estudo. Entretanto, é isso que se esperaria de um missionário que, logo no início de sua atuação evangelística num território desconhecido, tivesse enfrentado cárcere, perseguição e tortura? Segundo uma avaliação humana, sim; talvez, alguém ainda dissesse: “Essa missão não era de Deus!” ou “A vocação desse missionário acaba de ser desqualificada!”. Deve-se esclarecer, no entanto, que, em primeiro lugar, Paulo não seguia um pressentimento pessoal; sua ida à Macedônia fora resultado de uma orientação divina (At 16.9). Ora, a obediência à vocação divina não nos isenta dos sofrimentos da vida. Deve-se lembrar, inclusive, que a ida de Paulo àquela região tinha como objetivo auxiliar os irmãos que, segundo a visão divina, passavam por dificuldades e necessitavam de ajuda.
Sobre o entendimento acerca do sofrimento paulino registrado nas suas epístolas e, especialmente neste caso, aos tessalonicenses, afirma-nos Barreira:

Por isso, a melhor maneira de se esperar a parusía é uma fé que não pretende dar conta de realidades objetivas e “a-históricas”, ou mesmo de uma fé de imperativos éticos, pois, em ambos os casos, nega-se o caráter histórico da revelação e se produz uma forma de idolatria (Vattimo, 2004, p. 110-112). Paulo associa seu destino soteriológico ao destino dos tessalonicenses (1 Ts 2, 20). Os sentidos da pregação    de Paulo, como sua própria salvação, ancoram-se no testemunho de que estes derem até a parusía. [...] Na carta aos Tessalonicenses, de acordo com Gesché, a tribulação  e o sofrimento da experiência cristã vinculam-se ao destino soteriológico (1 Ts 2,   12; Rm 8, 17; 8,18; Cl 3,4). Este autor também esclarece que a precariedade existencial associa-se à experiência de filiação ao Pai, filiação que, na carta aos Romanos, é o grande mistério revelado e oculto desde toda a eternidade (Rm 3, 21- 22 Rm 16, 25-26; ver Cl 1, 26; 2 Tm 1, 10; Tt 1, 3 e 2, 11). (BARREIRA, 2008, 261-262)

Soteriologia e Escatologia estão imbricadas por meio da temática do sofrimento no pensamento de Paulo apresentado aos tessalonicenses. Ao entender-se a dor humana — muito mais complexa no seu aspecto existencial-fundante do que no físico-circunstancial — por meio desses prismas, altera-se qualquer análise valorativa sobre uma suposta negatividade do sofrimento e vislumbra-se uma rica positividade nesse contexto.
A Bíblia está repleta de exemplos de pessoas que, mesmo no cumprimento da perfeita vontade de Deus, tiveram que passar por momentos angustiantes. O próprio Jesus é o perfeito exemplo sobre essa questão. O seu sofrimento  em vários níveis (intenso, contínuo, episódico) e tipos (emocional, físico, espiritual) era um dos elementos inevitáveis no curso do pleno   cumprimento do plano de Deus.
Sobre essa relação entre o cristão, Cristo e o sofrimento, declara-nos Dietrich Bonhoeffer:

Ser cristão não significa ser religioso de uma  determinada  maneira,  tornar-se  alguém (um pecador, um penitente ou um santo) com base em alguma metodologia, mas significa ser pessoa; Cristo não cria em nós um tipo de ser humano, mas o  próprio ser humano. Não é o ato religioso que produz o cristão, mas a participação   no sofrimento de Deus na vida mundana. Esta é a metanoia: não pensar primeiro    nas próprias necessidades ou aflições, perguntas, pecados e medos, mas deixar-se arrastar para o caminho de Jesus, para dentro do evento messiânico... (BONHOEFFER, 2003, p.489)

Como bem argumenta o teólogo alemão, o sofrimento não é uma opção para o verdadeiro cristão, mas, antes, um fundamento condicionante de sua fé em Cristo Jesus. Não há Cristo sem cruz, assim como não há cristão sem o Cristo crucificado, e muito menos cristão sem a vivência existencial de Mateus 16.24.
No momento da dor, naturalmente, não conseguimos avaliar qualquer aspecto positivo nas tormentas da vida; contudo, após a vivência e superação de tais problemas, segundo a graça constante que nos concede Deus, somos capazes de reavaliar os acontecimentos e identificar a ação de Deus em tudo  o que envolve nossa vida. É o que nos afirma os autores dos Salmos 118.18; 119.71, por exemplo; tal compreensão não está acessível a todos os indivíduos, mas apenas àqueles que, tendo sido provados, atravessam o processo avaliativo com louvor, isto é, são aprovados. Pois, após todo esse encadeamento de acontecimentos, certamente se colherão os devidos prêmios de tal amadurecimento (Tg 1.12). Tal tipo de contexto situacional é o que alguns comentadores chamarão de “sofrimento educativo”. A dor, a angústia e o medo — avaliados de modo bruto, apenas em si — são extremamente negativos; todavia, ao serem devidamente contextualizados e imersos num conjunto de acontecimentos patrocinados pela misericórdia de Deus, tornam- se absolutamente pedagógicos. Esta parece ser a virtude paulina a ser elogiada nesse contexto: a visão de conjunto (Rm 8.28).
Não foram as adversidades de Filipos que desestimularam Paulo, muito menos a intolerante recepção em Tessalônica. O apóstolo continuava firme e empolgado com a orientação dada por Deus.
Uma Prática Ministerial Centrada em Cristo nunca É Infrutífera
Diante desse quadro de adversidades que se estabeleceu, Paulo fez questão de registrar que sua ida aos tessalonicenses não foi em vão. Mais uma vez, se a análise da situação for feita a partir de elementos humanos, os resultados    da viagem da equipe missionária à Tessalônica foram pífios e inúteis: a presença apostólica na cidade foi de apenas alguns meses — talvez, meramente, de semanas; não houve tempo para a consolidação da fé daqueles irmãos, além de restarem numerosas dúvidas no processo do discipulado, etc.
A avaliação, contudo, deve ser feita segundo o critério da fé. Por isso, os instrumentos de mensuração e classificação são completamente outros; desse modo, Paulo pode alegremente afirmar para aqueles irmãos: a presença entre os tessalonicenses não foi inútil (v. 1). Conforme nos declara Glubish:

... [kenos]. Onde quer que Paulo ministrasse, não importando aquilo que fizesse,   tudo deveria ser avaliado de acordo com uma medida de serviço: Trabalhei arduamente para Jesus? Fui fiel? Cumpri o meu dever? Como um servo obediente    de Cristo, trabalhou com todo o seu coração (Cl 3-23). Os convertidos foram o fruto de seu trabalho, que provou que ele não correu nem labutou em vão [kenos] (Fp  2.16). Paulo está confiante no sucesso de sua visita a Tessalônica... (GLUBISH,  2006, p. 1372)

Elege-se o serviço como instrumento de medida ministerial. Segundo tal critério, o apóstolo pode ficar confortável quanto a sua avaliação, pois, sabendo ele o quanto se doou, sua auto-avaliação ocorrerá de modo mais  claro e objetivo. Quando se trata da apreciação sobre determinado conjunto de ações ministeriais, os resultados quantificáveis são, na maior parte dos casos, menos relevantes que a repercussão espiritual, não enumerável, do que se realizou.
Se os inimigos da sinagoga judaica estabelecida em Tessalônica tinham dúvidas sobre o que estava sendo feito por intermédio de Paulo e de sua equipe ministerial, não se estabelecera nenhuma incerteza no coração do apóstolo, mas, antes, uma pacificadora convicção de que aquilo que poderia ser feito — segundo as limitações daquele contexto — foi realizado. Em Cristo, nada que fazemos é em vão.
As Diferenças Litúrgicas entre o Evangelho e a Religiosidade Pagã dos Tessalonicenses

 

 

 
A    natureza da   mensagem paulina  em   Tessalônica  é   eminentemente missionária. Há o uso de expressões como                     (falar) em 1 Ts 1.8; 2.2,4,8, (anunciar) em 1 Ts 2.9 e            (exortar) em 1 Ts 2.12; 3.2-7;  4.10.
Pode-se, assim, comparar a essência kerigmática da missão paulina entre os tessalonicenses com a ambição monetária que alguns falsos pregadores já demonstravam em pleno nascedouro da Igreja Primitiva. É contra tais falsos obreiros que Paulo compara-se ao declarar que anunciou o evangelho entre aqueles irmãos sem engano, imundícia ou fraudulência (v. 3) e também sem bajulação ou pretensão gananciosa (v. 5).

 

 
O termo que Paulo utiliza em 1 Ts 2.3, que, em língua portuguesa, é geralmente  traduzido  por  imundícia  ou   impureza,  é                              Na  cultura politeísta helenista daquele  contexto histórico, tem  um uso técnico, referindo-se ao estado daqueles que necessitavam de purificação. No orfismo, havia a tradição de um culto que fazia referência ao sacrifício e morte de Dioniso, bem como sua ressurreição, os quais serviriam como atos de kátharsis (purificação) para a alma e o corpo dos indivíduos.
É, provavelmente, numa referência a essas categorias religiosas tão próprias  da cultura dos tessalonicenses que Paulo faz uso desse conceito amplamente utilizado nas religiões mistéricas do mundo greco-romano, para apresentar- lhes um modelo de culto que os libertasse de todo o comprometimento sexual que o culto a Dioniso exigia. Como nos informa Claro:

... as festas rústicas ou Dionísias rurais, pautadas pelas diversões, pelo sacrifício de touros e cabras, e ainda pelas faloforias, ou seja, cortejos  rituais  com  a representação de um falo; e o festival Katagogia ou grande Dionysia, que continha também as procissões fálicas, os ditirambos e as performances dramáticas com uma forte atmosfera sexualizada. Vemos assim, como Dionísio é reverenciado como o deus da natureza, da fertilidade, do prazer (vinho, festa, erotismo, etc.), num culto com capacidades para fazer esquecer os males presentes e transcender para lá deste mundo, através das danças, do consumo de álcool, dos êxtases, e das  práticas  sexuais libertinas, bem como embrenhava-se pelas questões da morte e  da  vida futura. (CLARO, 2017, p. 25)

Ao contrário daquilo apenas prometido pelas sacerdotisas de Dioniso, Paulo apregoava um evangelho de purificação da alma e do corpo dos indivíduos, mas que os permitissem apropriarem-se de seus corpos com as devidas  honras que estes mereciam. Algo bem diferente das escandalosas procissões fálicas e cultos sexuais promovidos, até então, em Tessalônica.
Há, ainda, outro aspecto relevante que o apóstolo faz questão de apresentar para diferenciar-se dos falsos profetas que já se introduziam naquela comunidade. A transmissão das verdades do Reino foi feita sem segundas intenções. Diferentemente de determinados contemporâneos seus, Paulo anunciava as palavras de Jesus sem a expectativa de um “retorno financeiro”. Não havia bajulação ou charlatanismo na mensagem apostólica (v. 5).
Além de suas próprias consciências e corações que estavam diante de Deus, Paulo e sua equipe dispunham ainda do unânime testemunho dos tessalonicenses que referendavam uma postura não mercenária e não ambiciosa. Paulo não fora a Macedônia para entesourar riquezas humanas; não era seu objetivo fazer um “pé-de-meia” para sua vida apostólica. O evangelho foi anunciado sem ganância ou bajulação, tendo Deus como testemunha.
A crítica contemporânea ao conjunto de indivíduos que insistem no enriquecimento por meio da espiritualidade cristã apresenta-se, na verdade, como um eco da denúncia paulina já no primeiro século. Ambição financeira e avidez por lucro são posturas que acompanham há muito o cristianismo.
Sobre essa postura de Paulo com relação à necessidade de pureza na pregação do evangelho e comprometimento pessoal com o trabalho individual, defende Barbosa:

Naquela época trabalho árduo não era para pessoas livres e, estes, ressalta-se não trabalhavam. E é essa ideologia que sustentava o sistema escravagista, pois as  pessoas livres que significava uma minoria, não trabalhavam e viviam às custas do trabalhador, do escravo, que representavam a maioria. É essa ideologia de que o Apóstolo Paulo condena... (BARBOSA, 2014,  p.408)

É por isso que, seguindo tais pressupostos práticos, Paulo pôde testemunhar que jamais foi preguiçoso ou aproveitador das comunidades que evangelizou. Ele sempre produziu o necessário para sua própria subsistência com o trabalho de suas mãos. Foram posturas como essas do apóstolo Paulo que tornaram o cristianismo tão popular entre os mais pobres desde aquela época. Dessa forma, ainda que o anúncio do evangelho colidisse diretamente com as tradições e cultos daquela cidade, especialmente em virtude de um enorme distanciamento das tradições litúrgicas, Paulo cumpre sua vocação estando cônscio de que seu chamado não visa à popularidade, mas à fidelidade (v. 4).
Ah, como seria bem diferente grande parte dos cultos e das práticas celebrativas no mundo protestante contemporâneo se o principal objetivo de tais ações fosse a glória de Deus, e não a repercussão midiática das mesmas! Em cultos cada vez mais narcisistas, muitas comunidades locais já  perderam o foco do anúncio do evangelho para simplesmente se concentrarem na manutenção do entretenimento de pessoas.
A quem os pregoeiros de hoje pretendem agradar com seus sermões retoricamente bem articulados, porém vazios de conteúdos? Quais os limites de uma comunidade que vive da aparência do cristianismo, porém distanciada da essência deste? Já que vivemos numa sociedade das aparências, das efemeridades, o evangelho precisa ser o total inverso dessa lógica do descartável que se impõe contemporaneamente; contudo, não é bem isso que testemunhamos nos nossos dias.
Sobre esse status quo da religiosidade contemporânea, aqui exemplificado pela lógica de marketing agressivo de certas igrejas, assevera Campos:

O templo, como espaço de um “espetáculo de fé”, tornou-se uma espécie de supermercado, onde os consumidores recolhem os bens simbólicos que lhes interessam, enquanto transitam pelos corredores internos, como se estivessem no interior de um shopping center. Surge então uma religião à  la carte  ou  em  sua versão brasileira, uma “religião por quilo”. Nelas, novas formas de pagamento são usadas para esse intercâmbio entre os fiéis e o especialista religioso. (CAMPOS, 2006, p.109,110)

Em Tessalônica, mesmo diante de todas as adversidades impostas, Paulo preferiu permanecer centrado na vocação que lhe foi confiada, ainda que, para isso, sua impopularidade chegasse a tal nível que tivesse de fugir da cidade; todavia, a boa semente sempre produzirá os seus preciosos frutos ao cair na boa terra.
Paulo, as Metáforas Parentais e o Exercício do Amor Fraternal em 1 Tessalonicenses
Conforme nos aponta McNeel (2014), há no pensamento paulino, especialmente em 1 Tessalonicenses, uma série de comparações relativas às relações familiares — grande parte delas é feminina —, que aponta tanto para o cuidado pastoral como para a desenvoltura retórica do apóstolo. As expressões “como a ama que cria seus filhos” (1 Ts 2.7), “como o pai a seus filhos” (2.11) e “como as dores de parto àquela que está grávida” (5.3) apontam para esse uso de imagens parentais nos capítulos de 1 Tessalonicenses.
Segundo essa autora, o uso de comparações familiares e de cuidado — numa referência às imagens medicinais associadas à pregação do   evangelho faz parte de um sofisticado arcabouço retórico-argumentativo do apóstolo. O comprometimento de Paulo com os tessalonicenses não era uma questão burocrático-religiosa, mas, sim, uma relação de amor e cuidado para com aquela jovem igreja que nascia; tal amor envolvia a doação de si para com os outros sem constrangimento. Talvez, 1 Tessalonicenses 2.8 seja uma das afirmações mais profundamente cheias de amabilidade que Paulo utiliza-se para referir-se a uma comunidade local em sua tradição epistolar.
Não havia apenas uma preocupação humano-material com a Igreja em Tessalônica, mas também um relacionamento de amor e cuidado mútuos de tal nível, que Paulo sacrificou-se por aqueles irmãos, correu riscos de morte, esforçou-se no nível de um esgotamento pessoal; contudo, não pensou em desistir em momento algum.
O objetivo de Paulo em Tessalônica não é simplesmente compartilhar uma mensagem ou apresentar àquela população mais uma religião dentre tantas outras que já havia naquela cidade. O apóstolo estava convicto em desenvolver relacionamentos, compartilhar as verdades profundas do próprio eu; mercenários interessados apenas no enriquecimento pessoal são incapazes de ter atitudes assim. O padrão de liderança neotestamentário estabelecido  por Paulo em Tessalônica é este: deseja-se tão afetuosamente a felicidade do outro que, para tanto, o doar-se completamente, assim como fez o próprio Cristo, é algo natural.

Conclusão
Nossa vocação divina não visa à obtenção de objetivos pessoais ou financeiros, mas, sim, o desenvolvimento de relacionamentos interpessoais sadios e edificantes mutuamente, por meio dos quais possamos glorificar a Deus muito mais pelo que somos do que por qualquer tipo de obra que façamos. O princípio jesuânico da plena doação de si vivenciado por Paulo em Tessalônica deve ser o fundamento de nossa prática ministerial cotidiana. Não temos mais nada a perder; podemos doar-nos por completo, pois somos absolutamente de Deus.

Bibliografia
BARBOSA, João Cândido. O Trabalho e a Escravidão na Visão do Apostolo Paulo. Fragmentos de Cultura (Online), v. 24, p. 403-411, 2014.
BARREIRA, Marcelo Martins. A Versenkung mística diante da ética hermenêutica de Vattimo. Filosofia Unisinos, v. 9, p. 258-268, 2008.
BONHOEFFER, Dietrich. Resistência e submissão: cartas e anotações escritas na prisão. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2003.
CAMPOS, L. S. Cultura, liderança e recrutamento em organizações religiosas: o caso da Igreja Universal do Reino de Deus. Organizações em Contexto, v. Ano II, p. 102-138, 2006.
CLARO, Francisco Eloi Martinho Prior. Marcas helenistas na Primeira Carta de São Paulo aos Tessalonicenses: A inculturação no primeiro escrito bíblico cristão. Dissertação (Mestrado em Teologia). Porto, 2017. 116f.
GLUBISH, Brian. 1 Tessalonicenses. In: ARRINGTON, F. L. e STRONSTAD, R. Comentário Bíblico Pentecostal – Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2006.
McNEEL, J. H. Paul as Infantand Nursing Mother. Metaphor, Rhetoric,  and Identityin 1 Thessalonians 2:5–8. Atlanta: SBL Press, 2014.
STAAB, K. Cartas a los Tesalonicenses. Barcelona: Editora Herder, 19




quarta-feira, 11 de abril de 2018

Classe de Adulto – L 03 - Ética Cristã e Direitos Humanos.


RETIRADO DO LIVRO - VALORES CRISTÃOS -
Enfrentando as questões morais do nosso tempo.
 Douglas  Baptista.

O “cilindro de Ciro” é historicamente considerado a primeira Declaração dos Direitos Humanos. O cilindro é uma peça arredondada, feita a partir da argila, dividida atualmente em vários fragmentos, no qual está escrita uma declaração em grafia cuneiforme acadiana que contém uma declaração do rei persa Ciro II após sua conquista do Império Babilônico. Em um trecho do cilindro, o imperador mandou registrar: “quanto aos habitantes de Babilônia [...] eu aboli o jugo que era contrário à sua condição. Trouxe melhoria às suas degradadas condições de habitação, acabando com as suas razões de queixa” (MELO, 2014, p. 55-58). Esse decreto foi emitido no primeiro ano de seu governo após a conquista de Babilônia, isto por volta do ano 538 a.C. e 537 a.C. O documento também autorizava os povos exilados na Babilônia a regressarem às suas terras de origem. Os textos bíblicos informam que Ciro recebeu essa mensagem da parte de Deus, que o ordenava a enviar de volta à Palestina todos os judeus cativos naquela cidade (Ed 1.2-4). O decreto de Ciro II pôs fim ao cativeiro babilônico dos judeus.
Apesar de o cilindro de Ciro ser considerado o primeiro documento oficial a tratar de direitos humanos, muito antes disso, outro conquistador da Babilônia, o rei Hamurabi, estabeleceu um dos mais importantes códigos jurídicos da antiguidade. Hamurabi reinou aproximadamente de 1792 a 1750 a.C. As leis contidas no Código de Hamurabi estavam precedidas de um longo prólogo no qual o rei representava a si mesmo como um pastor e um príncipe piedoso, fazendo com que a estela do código fosse gravada e colocada em um lugar público para que “o forte não oprimisse ao débil, e que para que a justiça prevalecesse no reino” (THOMPSON, 1999, p. 1572). No entanto, em grande parte da história da humanidade, os direitos foram prerrogativas de uma minoria privilegiada. Em tempos modernos, surgiu o conceito do homem como portador de direitos considerados como inerentes ou fundamentais para a dignidade humana. Apesar de tais conceitos florescerem em tempos atuais, desde a criação do homem, as Escrituras Sagradas têm revelado a vontade de Deus acerca daquilo que é direito e errado nas relações humanas.

I. A ORIGEM DOS DIREITOS HUMANOS
No período da Idade Moderna (séculos XV até XVIII), a revolução científica e literária que se deu durante o Renascimento (movimento cultural, econômico e político) contribuiu para o surgimento do Humanismo (movimento intelectual focado no homem). Os humanistas valorizavam os direitos individuais do cidadão e acreditavam no progresso e na capacidade humana. Suas ideias se espalharam e foram aceitas graças à invenção da imprensa. Os ideais dos humanistas despertaram nos cristãos a necessidade de reformar a igreja, especialmente o clero.
Como resultado desse e de outros fatores, a reforma religiosa foi deflagrada em 1517, na Alemanha. A reforma do monge agostiniano Martinho Lutero rompeu a unidade religiosa da Europa Ocidental e quebrou o monopólio mantido até então pela Igreja de Roma. Esse processo de abertura permitiu a “consideração dos indivíduos como cidadãos livres e iguais” (CHEHOUD, 2012, p. 32). Esses ideais passaram a ser pensados e construídos, não necessariamente executados. Porém, foi a partir da Reforma que os conceitos de liberdade e tolerância tornaram-se visíveis.
O Iluminismo, também chamado de “século das luzes” (movimento cultural da elite intelectual europeia do século XVIII), ensinava que “os homens tinham direitos iguais e que, para corrigir a desigualdade, a sociedade deveria ser modificada” (ARRUDA, 1982, p. 137, 138). Para efetivar essas mudanças, o Iluminismo difundiu os ideais de liberdade de expressão e de culto, proteção contra a escravatura e a injustiça social.

1. Definição de Direito
A raiz da palavra “direito” tem origem no latim rectus, que significa “aquilo que é reto, correto, justo”. Na perspectiva da ética, aquilo que é direito torna-se modelo daquilo que é bom e correto. Nesse contexto, a ética ou a moral comum a todas as culturas pode ser expressa em termos de direitos do homem. Esses direitos se relacionam com a dignidade do ser humano tendo a proteção da vida, da liberdade e da igualdade como pressuposto principal.

2. Declaração Universal dos Direitos Humanos
Foi adotada em 10 de dezembro de 1948, após a Segunda Guerra Mundial, pela Organização das Nações Unidas (ONU). Ela foi uma resposta aos milhões de vítimas do conflito e do extermínio deliberado de judeus (principalmente), ciganos e outras etnias promovido pelos nazistas (SILVA, 2014, p. 110). A declaração contém 30 artigos e reconhece os direitos “fundamentais” e “universais” do ser humano como o ideal a ser atingido por todos os povos sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.
No entanto, a partir do ponto de vista das Ciências Sociais, a construção dos direitos humanos não deve ser desassociada dos “direitos de cidadania”, que são divididos em três grupos ou em três gerações:1 os civis, os políticos e os sociais. Os “direitos civis” começaram a aparecer nos séculos XVII e XVIII, e são identificados com a igualdade perante a lei, o direito de ir e vir, a liberdade de expressão e outros. Esses direitos são “fundamentais”, e não “universais”, e se aplicam às leis de uma determinada nação. Os “direitos políticos” foram reivindicados no século XVIII e também são considerados fundamentais. Entre eles estão o direito de votar e ser votado, filiar-se a partidos políticos e sindicatos, realizar manifestações, etc. Esses direitos atingiram o seu apogeu no século XX, quando o direito de voto foi estendido às mulheres. E, por fim, ainda no século XX começam a despontar “os direitos sociais” que buscam assegurar a igualdade de condições indispensáveis para a sobrevivência e o exercício dos demais direitos.
ênfase desses direitos recai sobre a educação básica, assistência à saúde, programas de moradia, transporte coletivo, sistema previdenciário e outros.

3. Declaração Universal dos Direitos Humanos
Foi adotada em 10 de dezembro de 1948, após a Segunda Guerra Mundial, pela Organização das Nações Unidas (ONU). Ela foi uma resposta aos milhões de vítimas do conflito e do extermínio deliberado de judeus (principalmente), ciganos e outras etnias promovido pelos nazistas (SILVA, 2014, p. 110). A declaração contém 30 artigos e reconhece os direitos “fundamentais” e “universais” do ser humano como o ideal a ser atingido por todos os povos sem distinção de raça, sexo, língua ou religião. Com essa ideia universalista, Tomazi considera que “os direitos humanos estão acima de qualquer poder existente, seja do Estado, seja dos governantes. Em caso de violação, os responsáveis devem ser punidos” (2010, p. 136).
No entanto, a partir do ponto de vista das Ciências Sociais, a construção dos direitos humanos não deve ser desassociada dos “direitos de cidadania”, que são divididos em três grupos ou em três gerações:2 os civis, os políticos e os sociais. Os “direitos civis” começaram a aparecer nos séculos XVII e XVIII, e são identificados com a igualdade perante a lei, o direito de ir e vir, a liberdade de expressão e outros. Esses direitos são “fundamentais”, e não “universais”, e se aplicam às leis de uma determinada nação. Os “direitos políticos” foram reivindicados no século XVIII e também são considerados fundamentais. Entre eles estão o direito de votar e ser votado, filiar-se a partidos políticos e sindicatos, realizar manifestações, etc. Esses direitos atingiram o seu apogeu no século XX, quando o direito de voto foi estendido às mulheres. E, por fim, ainda no século XX começam a despontar “os direitos sociais” que buscam assegurar a igualdade de condições indispensáveis para a sobrevivência e o exercício dos demais direitos.
ênfase desses direitos recai sobre a educação básica, assistência à saúde, programas de moradia, transporte coletivo, sistema previdenciário e outros.
Assim, apesar daquilo que é assegurado na “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, os direitos civis, políticos e sociais, embora fundamentados no princípio de igualdade, para o sociólogo inglês T. H. Marshal (1893-1981), eles não podem ser considerados universais “pois são vistos de modo diferente em cada Estado e em cada época” (TOMAZI, 2010, p. 138). Não obstante, os direitos contidos nessa Declaração passaram a ser o ideal para todas as pessoas e foram introduzidos nas legislações dos países democráticos. O Brasil participou ativamente da elaboração da Declaração e tem sido signatário de todas as suas resoluções, e, portanto, os direitos humanos estão contemplados em nossa Constituição Federal.

4. Direitos Humanos no Brasil
Em nosso país, a expressão “direitos humanos” foi popularizada durante a década de 80. Nessa época, militantes políticos de esquerda passaram a usar a expressão em oposição ao regime militar. Em 5 de outubro de 1988, foi promulgada a Constituição Cidadã. No escopo dos direitos e garantias fundamentais presentes no texto constitucional estão elencados os princípios de liberdade, igualdade, tolerância, solidariedade e neutralidade estatal:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;
 VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei (CF/1988).
Visando ampliar a promoção dos Direitos Humanos no Brasil, o decreto nº 7.037/2009 instituiu o “Programa Nacional de Direitos humanos” (PNDH), que já está em sua terceira versão. O PNDH-3 está estruturado em 6 (seis) eixos orientadores que se subdividem em 521 ações programáticas que tratam dos direitos universais. Ocorre que desde a sua primeira versão o PNDH vem recebendo críticas de variados setores. A principal oposição diz respeito às ações que pretendem tutelar a sociedade e impor ideologias ao cidadão. No âmbito da religião, os pontos mais controversos são a legalização do aborto e a ideologia de gênero. Nos meios de comunicação, a insatisfação se refere à fiscalização da mídia por parte do governo como um meio de censura.
Quanto ao sistema prisional, as discordâncias se concentram no direito de voto para os presos, na proibição de divulgação pública de informações sobre o perfil de criminosos e no direito as visitas íntimas inclusive as homoafetivas. Por isso, após a redemocratização do Brasil e a concessão de amplos direitos ao cidadão, constantemente a expressão “direitos humanos” tem sido associada como “direitos de bandidos”. Discute-se, por exemplo, que os “direitos humanos” deveriam valer unicamente para os “humanos direitos”.

II. A BÍBLIA E OS DIREITOS HUMANOS
Cremos que a Bíblia Sagrada possui dois propósitos essenciais: revelar o próprio Deus e expressar a sua vontade à humanidade. Dessa forma, tudo o que precisamos saber sobre a vontade de Deus, inclusive em nosso relacionamento com o próximo, está suficientemente revelado em sua Palavra. É mediante a revelação divina que aprendemos os padrões morais e éticos de conduta preconizados pelo Criador para com as suas criaturas. A Bíblia contém  vários ensinos sobre o que é “bom” e “mal”, sobre o que é “direito” ou “errado”. Neste tópico, veremos os direitos dos homens revelados e registrados nos livros do Pentateuco, nos Evangelhos e nos escritos de Paulo.

1. Direitos Humanos no Pentateuco
Os cinco livros de Moisés revelam o código divino e indicam a maneira de viver de seu povo (Dt 6.1-9). Observa-se nesses escritos um arcabouço de concepções libertárias e igualitárias que antecedem muitos direitos que iriam reaparecer apenas na modernidade. Na revelação, Deus requer que o estrangeiro não seja maltratado (Êx 22.21). Essa orientação significa que a pessoa de cultura, raça ou etnia diversa não deve ser tratada com discriminação e nem de modo indiferente. Assegura-se ao forasteiro o direito de não ser explorado e nem de ser perseguido. Ao contrário, o estrangeiro tem o direito de receber tratamento igualitário e humano. Com esse elevado padrão moral, as Escrituras condenam a prática da xenofobia (aversão ou antipatia com os estrangeiros).
Os mandamentos bíblicos ainda determinam que a viúva e o órfão sejam protegidos (Êx 22.22), e que o pobre não seja explorado (Êx 22.25,26).
Observa-se nesses textos o gentil cuidado da revelação divina para com as pessoas com necessidades. Aqui a preocupação se volta para um grupo que normalmente era alvo de tirania e injustiça social — pobres, viúvas e órfãos.
A pobreza se relaciona com “a insuficiência de renda” para subsistência pessoal e da família. As viúvas e os órfãos, além da dor e tristeza pela perda sofrida, ainda penavam com a falta de assistência social. Para coibir e corrigir essas violações para com os desafortunados, Deus asseverou que derramaria da sua ira e imprimiria a mesma dor aos opressores: “a minha ira se acenderá, e vos matarei à espada; e vossas mulheres ficarão viúvas, e vossos filhos órfãos” (Êx 22.24). Sob a tutela desses preceitos do Pentateuco, os cristãos mantêm especial atenção para com os desprovidos (Tg 1.27).
No caso específico dos estrangeiros, pobres, viúvas e órfãos, a lei tinha uma provisão especial (Dt 10.18,19; 24.19,20). Após a posse da Terra Prometida, a sociedade dos israelitas tornou-se agrícola e a lei da generosidade requeria benevolência com o produto da terra para com o próximo necessitado. Por ocasião da festa da colheita, em meio à alegria dos frutos e grãos em abundância, os infortunados não podiam ser esquecidos.
Eles também tinham direito a colheita. Para isso, uma parte do campo não podia ser colhida, não podendo ser menos do que uma sexta parte de toda a plantação. Esse canto do campo e também as espigas que caiam eram reservadas para os necessitados (Lv 19.9,10).
Ainda em relação ao cuidado com os pobres, a lei mosaica proibia os ricos de tirar vantagens do infortúnio de seus semelhantes: “se emprestares dinheiro ao meu povo, ao pobre que está contigo, não te haverás com ele como um usurário; não lhe imporeis usura” (Êx 22.25). A ordenança bíblica não autorizava a cobrança de juros para o empréstimo que visava saciar a fome do pobre. A premissa dos juros aqui proibidos não se refere aos empréstimos de cunho comercial. Esses preceitos eram estranhos ao mundo antigo e constitui-se numa espécie de síntese da Torá: o cuidado divino para com os menos favorecidos e o valor da dignidade humana.

2. Direitos Humanos nos Evangelhos
A mensagem de Cristo presente nos evangelhos resume-se na prática do amor a Deus e ao próximo (Mt 22.37-40; Mc 12.31). Os evangelistas enfatizam que Deus é a fonte de todo o amor (Jo 3.16). A mensagem do evangelho considera hipocrisia a religiosidade desprovida do amor ao próximo (1 Jo 4.20a). Por isso, as Escrituras enfatizam que o amor cristão requer sacrifício em favor dos seres humanos (Jo 15.13). Ainda, ensinam os evangelhos que o amor cristão é antídoto contra o mal, o ódio e a vingança contra o semelhante (Mt 5.44). O amor não deve ser seletivo, e sim despretensioso (Mt 5.46). Na conhecida parábola do bom samaritano (Lc 10.25-37) narrada por Jesus, o amor e a misericórdia para com o outro prevaleceram contra o ódio e o preconceito racial. Dessa maneira, o amor cristão é imperiosamente altruísta e humanitário, incapaz de desrespeitar os direitos de seu próximo.
Durante seu ministério, Jesus quebrou vários paradigmas da cultura reinante entre os judeus na palestina. Cristo entrou em uma sinagoga e, em pleno sábado, curou um homem que tinha a mão atrofiada (Mt 12.9-11) e acrescentou o seguinte ensino: “é perfeitamente correto fazer o bem em dia de sábado” (Mt 12.12, ACF). Em consequência, ao curar no sábado, Cristo colocou a dignidade humana acima do legalismo (Mt 12.10-13).
Em outra ocasião, ao conversar com uma mulher junto ao poço de Jacó, Cristo se opôs ao preconceito de gênero, a intolerância religiosa, a discriminação racial e a hostilidade cultural existente entre judeus e samaritanos (Jo 4.9,10). Cabe ainda destacar a ênfase do evangelho no combate à segregação social. Durante o jugo romano, os judeus desejavam libertar-se dos aguilhões de Roma, e, por causa do forte zelo nacional, os coletores de impostos (publicanos) eram odiados, desprezados e considerados traidores. Assim, ao jantar em casa de Levi e também na casa de Zaqueu — ambos publicanos — Cristo rechaçou atitudes discriminatórias entre as classes sociais judaicas (Mc 2.14-17; Lc 19.1-10). E, ainda em conotação com os ideais de igualdade e liberdade sem distinção alguma, ao receber e abençoar os meninos, Cristo defendeu os direitos da criança e dos adolescentes (Lc 18.15,16). Portanto, esses exemplos e outros registrados nas Escrituras Sagradas indicam que a fé cristã não está dissociada da preocupação com as necessidades humanas. Ressalta-se, porém, que todos esses oprimidos foram transformados e mudaram de atitude após o encontro que tiveram com Jesus.

3. Direitos Humanos em Paulo
Em seus escritos, o apóstolo dos gentios reconhece o direito de igualdade entre raças, classe social e gênero. Ele escreveu aos Gálatas: “Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gl 3.28). Ao remover essas distinções, o cristianismo situou os seres humanos em nível de igualdade e promoveu uma mudança de paradigmas totalmente estranhos naquele contexto histórico.
Além de defender a igualdade entre os seres humanos, o apóstolo também legitimou o uso dos direitos civis. Ao ser preso em Jerusalém, evocou sua cidadania romana para não ser açoitado (At 22.25-29). O apóstolo exigiu obediência à lei romana chamada Lex Sempronia, que não permitia ao cidadão romano ser condenado sem o direito de defesa. Em uma situação posterior, ao perceber as manobras dos judeus para condená-lo sumariamente, reivindicou o direito de um julgamento justo e apelou para César (At 25.9- 12). Pode-se então constatar nos escritos e feitos de Paulo a defesa dos direitos humanos e os valores da cidadania.

III. A IGREJA E OS DIREITOS HUMANOS
A Igreja de Cristo na terra é atuante e militante. A igreja batalha pela fé que uma vez foi dada aos santos e pelos preceitos bíblicos divinamente revelados (Jd 3). Formada por todos aqueles que seguem a Cristo, a Igreja luta contra as depravações da carne e as injustiças no mundo, luta contra o Diabo e seus ardis, e contra o pecado e suas terríveis consequências (Ef 6.12). Nesse papel, a Igreja tem como pressuposto a prática do amor, que é o elemento motivacional de conduta para todo cristão. Desse modo, a Igreja de Cristo é agente de transformação social e espiritual da sociedade.
As Escrituras Sagradas é o livro texto utilizado como única regra infalível de fé e prática para a Igreja. E nenhum outro livro tem enaltecido tanto a dignidade e os direitos do ser humano como o faz a Bíblia Sagrada. As Escrituras revelam o amor de Deus sem acepção de pessoas (Jo 3.16; Rm 2.11). A Palavra de Deus condena as injustiças sociais e a exploração do cidadão (Tg 5.4). A Igreja é advertida em perseverar na prática do bem ao próximo (2 Ts 3.13). E aqueles que ficam impassíveis diante da violação dos direitos humanos são considerados pecadores (Tg 4.17).

1. A Igreja e o Trabalho Escravo
O trabalho é essencial para o sustento da vida. Desde a criação, o trabalho está presente na raça humana (Gn 2.15). Sustentar a si mesmo e à família por meio do trabalho é uma dádiva divina e dignifica o homem (Ec 3.13; Ef 4.28). O próprio Senhor Jesus desempenhou a função de carpinteiro para o seu sustento e de sua família terrena (Mc 6.3). Quanto à importância da atividade laboral, Cristo declarou: “Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” (Jo 5.17). A exemplo de Cristo, o apóstolo Paulo também não viveu dependente dos trabalhos dos outros (At 20.33-35, 1 Ts 2.9) e aos que viviam
desordenadamente exortou: “se alguém não quiser trabalhar, que não coma também” (2 Ts 3.10).
Tornou-se bastante notável a transformação histórica da posição do trabalho por meio da postura protestante. E, conforme constatou McGrath, “não foi por acidente que as regiões europeias que adotaram o protestantismo logo se viram prosperando economicamente” (2012, p. 333). Por outro lado, se o trabalho for entendido como um fim em si mesmo, segue-se a isso um conjunto de prioridades distorcidas cujo inevitável resultado é negativo para os relacionamentos sociais, familiares e pessoais. O trabalho se torna um fardo pesado, quando a carga horária é exaustiva, os salários são baixos, a competividade é desleal, o crescimento profissional é nulo e as condições de trabalho são degradantes. Quando isso acontece, a dignidade humana é violada e o trabalho se torna em escravidão.
Certamente, que a Igreja de Cristo não pode ficar insensível diante da exploração do trabalhador ou do trabalho escravo. O povo de Deus não pode ser conivente com a exploração da mão-de-obra infantil, da mulher, das pessoas na lavoura, dos estrangeiros e dos operários em geral. O apóstolo Tiago condenou a opressão e a injustiça praticada contra os trabalhadores em sua época. O meio-irmão de Jesus repudiou o comportamento dos ricos que angariavam altas somas em dinheiro e aumentavam seus lucros à custa do pagamento de parcos salários aos trabalhadores. E ainda, o líder da Igreja em Jerusalém alertou aos empregadores gananciosos que os clamores de tristeza dos pobres eram ouvidos por Deus (Tg 5.4). Paulo também escreveu posicionando-se contra a vexação a que eram expostos os trabalhadores. Na carta dirigida a Filemom, o apóstolo apresenta claras orientações acerca do tratamento benevolente que se deveria dispensar a Onésimo — um escravo fugitivo (Fm 15-18). Aos Efésios, Paulo estabelece o princípio do respeito mútuo entre empregados e patrões (Ef 6.5-9).

2. A Igreja e os Prisioneiros
Em 2014, o Conselho Nacional de Justiça do Brasil divulgou que a nossa população carcerária era de 563.526 presos e que estavam encarcerados 206.307 pessoas além da capacidade de vagas. Somado ao problema da superlotação, os presídios públicos também não oferecem as condições mínimas de dignidade humana, higiene e salubridade. Nosso índice de reincidência no crime é de 70%, o que demonstra a ineficiência do Estado na ressocialização dos prisioneiros. Ressocializar significa reintegrar o detento ao convívio em sociedade. A violência e a reincidência no crime indicam falhas nesse processo de ressocialização promovido pelo Estado. Isso acontece pelo fato de a ressocialização de um presidiário depender de diversos fatores fora do alcance do braço estatal.
As vidas encarceradas em presídios e demais unidades de internação são extremamente carentes de afeto, perdão, e de transformação no caráter, na  alma e no espírito. Por isso, a Igreja, por meio da Bíblia Sagrada, acompanhada de orações e aconselhamento dos capelães e visitadores deve cumprir o que preconiza as Escrituras: “Lembrai-vos dos presos, como se estivésseis presos com eles, e dos maltratados, como sendo-o vós mesmos também no corpo” (Hb 13.3). Sob essa premissa, a Igreja, por meio do trabalho de capelania prisional, desempenha a nobre missão de levar o refrigério às almas angustiadas e encarceradas de nossa nação.
Essa atividade de capelania prisional desenvolvida pela Igreja preocupa-se com a assistência espiritual aos encarcerados e também com a ressocialização dos presos ou dos egressos da prisão. Portanto, a Igreja é orientada a realizar seu trabalho concentrado na salvação, cura e libertação das almas. O aspecto moral do cristianismo, no que diz respeito ao criminoso, é que Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores (1 Tm 1.15).

3. A Igreja e o Problema Social
Os principais problemas sociais do Brasil são o desemprego, precariedade de moradia, saúde, segurança, educação, desigualdades sociais, má distribuição de renda, dentre outros. Como resultado da ineficiência do Estado, os índices de violência e criminalidade aumentam a cada dia. É consenso que tais problemas são agravados pelo desvio das verbas públicas, pela nefasta prática da corrupção. Como agência do Reino de Deus na terra, a Igreja do Senhor possui uma responsabilidade social e não pode viver alienada aos problemas enfrentados na vida em sociedade. O cristão vive tanto na igreja quanto no mundo, e tem responsabilidades para com ambos. É papel da igreja evangelizar o mundo todo por meio da pregação do evangelho (Mt 28.19), mas também é função da igreja aliviar o sofrimento alheio por meio de sua atuação na sociedade, como instrumento de transformação da realidade social que a rodeia. Acerca da fé desacompanhada de ações práticas, o líder da Igreja em Jerusalém questiona aos fiéis: “se o irmão ou a irmã estiverem nus e tiverem falta de mantimento cotidiano, e algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos e fartai-vos; e não lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito virá daí?” (Tg 2.15,16).
O profeta Habacuque, em sua época, constatou que os problemas sociais eram causados por fatores similares aos que vivemos hoje: opressão, violência, litígio, impunidade, suborno e juízo distorcido (Hc 1.1-4). Diante dessa lamentável situação, como nos ensina o apóstolo Tiago, a Igreja deve se comprometer com as ações sociais com o propósito de aliviar a fome, a sede, o frio e a carência do ser humano. Trabalhos sociais podem ser desenvolvidos nas mais diversas áreas, tais como: campanha de agasalhos, distribuição de sopas e cestas básicas, implantação de escolas, creches, asilos, centros de recuperação e tantas outras ações. Contudo, apesar de todo o esforço social promovido pela Igreja (que deve continuar até Cristo voltar), precisamos ter consciência de que o verdadeiro mal a ser combatido é o pecado. Como fez Habacuque e como ensina o cronista, a Igreja deve unir forças para restaurar a nação por meio do clamor e da consagração (2 Cr 7.14). Por meio de um avivamento espiritual e do combate ao pecado, o despertar da Igreja de Cristo pode corrigir e superar os problemas sociais.

1 É importante salientar que o instituto é mormente denominado de gerações ou dimensões. Contudo, o autor entende que a nomenclatura não abarrota os direitos ali garantidos. Pelo escasso espaço, bem como pela pretensão da presente obra, o autor não tratará das demais gerações dos direitos fundamentais difundidas por alguns autores constitucionais.
2 É importante salientar que o instituto é mormente denominado de gerações ou dimensões. Contudo, o autor entende que a nomenclatura não abarrota os direitos ali garantidos. Pelo escasso espaço, bem como pela pretensão da presente obra, o autor não tratará das demais gerações dos direitos fundamentais difundidas por alguns autores constitucionais.


quarta-feira, 4 de abril de 2018

CLASSE JOVENS- L 02 - A ALEGRIA PELA NOVA VIDA EM CRISTO.


O capítulo inicial de 1 Tessalonicenses pode ser natural- mente subdividido em três temáticas centrais:
1) Palavras de gratidão de Paulo. Gratidão pela vida dos cristãos emTessalônica, pela preservação da fé destes, mesmo em meio a uma situação adversa complexa, e pelo desenvolvimento espiritual daqueles irmãos;
2) Um emocionado testemunho do apóstolo sobre a fé contagiante dos  tessalonicenses. O cristianismo apregoado por Paulo e praticado pelos tessalonicenses constituiu-se como o fundamento de uma prática de vida restaurada e inspiradora; e
3) Uma síntese daquilo que Paulo compreende como natureza, desenvolvimento e finalidade do evangelho. Ao final desse primeiro capítulo de 1 Tessalonicenses, o apóstolo apresenta os elementos constitutivos do evangelho que se tornou fundamento de fé para aqueles cristãos. Analisemos, assim, pormenorizadamente, cada um desses aspectos do capítulo introdutório da epístola.

O Cristianismo como Amor Fraterno:
A Saudade de Paulo e dos Tessalonicenses
Há uma característica no ministério paulino que, já aqui no seu primeiro texto epistolar, sobressai-se de maneira bastante desta- cada: Paulo é muito mais que um pregador itinerante — figura tão comum no ambiente religioso daquela época, muito em função de uma compreensão apocalíptica daquele contexto histórico que influenciava, inclusive, o judaísmo da época1 —, ele era um plantador de igrejas, um pastor.
O comprometimento de alguém com tal vocação com as pessoas para quem o evangelho é anunciado é algo muito forte. Não basta apregoar, não é suficiente demonstrar a razoabilidade do discurso que se anuncia; é necessário mais. O comprometimento de Paulo com as comunidades que pastoreou e, em especial, Tessalônica, por ser objeto de nossa análise, envolve dedicação pessoal, atenção, acompanhamento, mentoria — em suma, discipulado. O cristianismo que Paulo apregoa àqueles irmãos não teria sentido algum se não fosse vivenciado em práticas efetivas, que resultassem em efeitos reais tanto na vida dos cristãos em Tessalônica como do próprio apóstolo. É por isso que as epístolas aos tessalonicenses podem ser lidas a partir de conceitos como, por exemplo, o anelo pela vida em comunidade ou a confiança mútua que foi estabelecida nos vários tipos e níveis de relacionamentos que são identificados nos textos — Deus para com Paulo/Paulo para com Deus; Paulo para com os membros de sua equipe mis sionária (Silvano e Timóteo)/Os auxiliares de Paulo e o apóstolo; Deus e os tessalonicenses/Os tessalonicenses e Deus; Paulo e os tessalonicenses/os tessalonicenses e Paulo; os tessalonicenses e os auxiliares de Paulo/Os auxiliares de Paulo e os Tessalonicenses. É bem verdade, como veremos capítulos a frente, que alguns relacionamentos não estavam desenvolvendo-se bem em Tessalônica; todavia, esse detalhe aponta, inclusive, para a centralidade dos conceitos de comunhão, comunidade e fé mútua nas epístolas aos Tessalonicenses. Paulo, ao referir-se a elementos básicos da fé compartilhada com os tessalonicenses, utiliza-se  exaustivamente do plural — não porque esteja em busca de auto gloriar-se por meio do uso de um plural majestático —, pois, em Tessalônica, a experiência primitiva de Atos 2.44-46 estava sendo novamente vivida.

 Entre os tessalonicenses, Jesus Cristo é nosso — nunca egoisticamente meu (1 Ts 1.3;2.19; 3.11,13; 5.9,23,28); o Deus adorado também é de todos — bem diferente das divindades mistéricas da religião greco-romana (2.2; 3.9,11,13); o evangelho não é objeto de posse exclusiva de ninguém e também é nosso (1.5); depois de anunciado o evangelho, a salvação iguala a todos; por isso, Paulo pode falar sobre verdades espirituais sempre no plural (5.5,8,10); o trabalho realizado para o Reino é de uma equipe para uma coletividade, jamais apenas de um indivíduo para outro indivíduo (2.13; 3.5); o maravilhoso resultado espiritual obtido nunca é propriedade de alguém, mas sempre um bem da comunidade (2.19,20); até os acontecimentos escatológicos que a Igreja presenciará serão numa vivência coletiva (4.15).
Paulo lembrava-se do esforço amoroso —  que havia entre os tessalonicenses (1.3). Ele era sofredor e estava disposto a enfrentar os revezes da vida para testemunhar o novo que Deus estava trazendo àquela comunidade. Não é possível seguir a Deus sem a consciência de que, diante das situações adversas, devemos vencer mediante o amor de Deus derramado em nossos corações.
Deve-se notar que, em 1 Tessalonicenses 1.3, tem-se a primeira menção das três virtudes teologais — fé, esperança e amor —, tão comuns nos textos paulinos. Sobre a tradução e interpretação desse versículo, o mesmo Hendriksen traz-nos um extenso, porém enriquecedor comentário:

As principais teorias estão melhor representadas pelas várias traduções que têm sido sugeridas, das quais, apresentamos três:
“Lembrando sem cessar” (ou outra frase semelhante):
1.     “sua obra de fé E labor de amor E paciência de esperança.”
Rejeita-se esta tradução pela simples razão de fazer pouco ou nenhum sentido. O que é mesmo uma “paciência de esperança”?
2.     “sua obra, isto é, fé E labor, isto é, amor E paciência, isto é, esperança.”
Além de haver objeções doutrinárias, rejeitamos esta porque, embora seja gramaticalmente possível, dificilmente pode ser julgada fiel à ênfase paulina. Também, o conceito “paciência, isto é, esperança”, é difícil.
3.     “sua fé atuante E amor diligente E esperança tenaz.”
Mas a ênfase aqui é colocada onde não deveria estar, pelo original. As palavras enfatizadas no original não são a fé, o amor e a esperança, e sim, trabalho, esforço (ou labor) e firmeza. A nosso ver, a construção gramatical da locução é a seguinte: Os substantivos “operosidade, diligência e firmeza” estão no genitivo objetivo e servem para completar o verbo “tendo em mente”. Portanto, a palavra sua modifica as três: sua operosidade, sua diligência, sua firmeza. Cada um desses substantivos tem um modificador no genitivo (sentido de posse). A ideia aqui é que a obra é decididamente uma obra de fé, isto é, uma obra que surge da fé, é realizada pela fé e revela fé. Não fosse a presença da fé viva, essa obra não estaria em evidência. E assim ocorre com os outros modificadores: o esforço é motivado pelo amor (e revela) amor: e a firmeza é inspirada pela esperança (e evidencia) esperança. (HENDRIKSEN, 2008, p.60)

Defendendo uma compreensão oposta a de Hendriksen, Staab afirma que:
Os primeiros frutos [dos tessalonicenses] são a fé, o amor e a esperança, que, entre os fiéis de Tessalônica, não são apenas um sentimento interior, senão uma força que penetra e preenche inteiramente suas vidas. Paulo fala da “atividade” da fé, do “esforço” do amor e da “constância” da esperança. Três termos que expressam certa gradação ascendente, como a que se dá entre as três virtudes mencionadas. A fé não chega a converter-se em força ativa senão pelo amor (Gl 5.6), e este não alcança seu fim próprio enquanto a esperança não tenha a suficiente vitalidade para poder traduzir-se em constância, resignação e confiança. (STAAB, p. 23)

Os argumentos de Staab parecem-nos mais coerentes como possibilidade de tradução e compreensão hermenêutica do que os de Hendriksen, em face de sua maior integralidade com aquilo que seria um pensamento paulino como um todo. Como se dará nos outros textos de Paulo, em que as três virtudes aparecem juntas, a ênfase conceitual dá-se nestas; sendo que as expressões adjuntas servem para qualificá-las.
A hipótese interpretativa de Staab assemelha-se muito a de Tomás de Aquino (1225–74) (2015, p.34), que, em seu comentário às epístolas aos tessalonicenses, argumenta que Paulo vê na igreja em Tessalônica uma fé operosa, um amor sofredor e uma esperança constante.
Duas naturais contra-argumentações que se podem apresentar a essa hipótese é a de que, em 1 Tessalonicenses, o pensamento paulino ainda está em contínua construção; logo, relacionar o que se afirma nesse momento do ministério de Paulo com todo o corpus paulinum seria uma inferência impossível de sustentar. Outro argumento, um tanto quanto mais radical, porém não menos plausível para alguns especialistas, é a defesa de que todo esforço de sistematização do pensamento de Paulo é uma operação completamente artificial, uma vez que cada texto tem seu contexto específico e natureza própria, não podendo, assim, haver qualquer tipo de hierarquização, interpolação conceitual ou mesmo qualquer tipo de apropriação semântica intertextual entre os textos paulinos contidos no Novo Testamento.

Os Tessalonicenses como Imitadores de Paulo e Exemplo dos Fiéis
Este caráter positivo do elemento mimético, imitativo, do cristianismo é um conceito extraído da cultura helênica e, depois, ressignificado por Paulo.4 A imitação entre os gregos e romanos tinha uma natureza absolutamente limitada, circunscrita apenas ao entretenimento ou a não criticidade. É por isso que, na Antiguidade greco-romana, há um esforço para separar a produção de conhecimento que se propaga por meio da imitação daquela que se fundamenta na reflexão.
O  imitador, é o ator que, de maneira representativa, finge ser quem ele não é. Tal natureza da mímesis pode ser exemplificada pelo uso obrigatório de máscaras nas encenações teatrais.

Como se pode perceber, a imitatio pauli tem como objetivo comunicar aos tessalonicenses um padrão de vida que se identifique com Cristo — pois, se o Mestre sofreu e foi perseguido, não há como o destino dos discípulos ser diferente. Ao contrário do que os críticos contemporâneos pretendem afirmar, a imitação na teologia de Paulo é um exercício de “depotencialização”, por meio do qual cada cristão deve assumir sua natureza frágil em si mesma, porém restaurada e fortalecida pela graça de Deus Pai.
Na verdade, o padrão não é Paulo, mas Cristo (Ef 5.1). Ao invés de um discurso hierarquizante, por meio do qual o apóstolo pudesse ascender a um nível não acessível aos demais indivíduos, aqui em 1 Tessalonicenses — assim como em outros escritos paulinos —, encontramos um Paulo que se identifica com as pessoas,
com seus sofrimentos e agruras cotidianas, convidando-as a um padrão de vida pautado na simplicidade, alegria e piedade a Deus.

O Testemunho de Paulo, a Conversão dos Tessalonicenses e a Esperança da Parusia
A parte final dessa perícope (1 Ts 1.2-10) termina com um resumo da operação do evangelho entre os tessalonicenses. Foi um movimento que apontou para o testemunho externo das cidades circunvizinhas, as convicções internas da nova igreja que a levou a romper com a ordem idolátrica vigente e as promessas futuras oriundas do evangelho anunciado. Os versículos 9 e 10 subdividem-se assim, naturalmente, em três partes:

1.     O testemunho da população de toda a Macedônia e Acaia sobre a eficácia da evangelização de Paulo e sua equipe entre os tessalonicenses. Os acontecimentos em Tessalônica tornam-se notórios para além dos limites da própria cidade. A repercussão sobre os efeitos do poder transformador do evangelho comove as cidades circunvizinhas. Essa infor- mação apresentada por Paulo corrobora a tese de que os acontecimentos entre os tessalonicenses foram divinamente guiados, a ponto de inspirar as igrejas vizinhas a manter o mesmo nível de perseverança e alegria no evangelho que aquela recém-fundada igreja desfrutava.

2.     O testemunho de Paulo sobre como a conversão dos tessalonicenses foi algo genuíno. Como já sabemos, o contexto cultural dos tessalonicenses expunha-os a um panteão, literal- mente, de deuses; as várias opções de divindades e os cultos das mais diversas naturezas impunham-se como um elemento de obstáculo ao estabelecimento de uma fé genuinamente cristã. Todavia, a experiência de salvação dos tessalonicenses foi algo tão profundo que — tal como ocorreu com os efésios (ver At 19.19) — eles resolveram abandonar publicamente a idolatria e declarar exclusivamente Jesus como Senhor. A decisão dos tessalonicenses torna-se mais radical ainda quando lembramos que o culto ao imperador romano era uma prática corriqueira e quase que imposta naquela sociedade.

Como nos afirma Green:

Os tessalonicenses haviam abraçado o evangelho anti-imperial e estavam sofrendo por sua lealdade ao “outro rei” chamado “Jesus”. Em sua correspondência com eles Paulo chama a mensagem que lhes havia pregado de εὐαγγέλιον, palavra que comumente traduzimos por “boas novas” ou “evangelho”. Naquele contexto de então este substantivo e verbo afim εὐαγγελίζομαι se usavam em referência a notícias de vitórias em guerras, as palavras de um oráculo ou as boas novas de uma boda. [...] Em Tessalônica, cidade que celebrava o poder imperial no seu templo dedicado a Júlio César e o “filho de deus” Augusto, εὐαγγέλιον soava nos ouvidos dos habitantes como as “boas novas” do culto imperial que exaltava o imperador como soberano, mas também como deus e salvador. (GREEN, 2007, p.10,11)

O rompimento dos tessalonicenses com a ordem religiosa vigente obviamente desencadeou uma série de perseguições sobre aquela jovem comunidade; porém, nem mesmo essa oposição popular e institucional que se arremeteu contra os tessalonicenses fizeram com que se desviassem do foco de servir ao Senhor Jesus apregoado por Paulo.

RETIRADO DO LIVRO DE APOIO: A IGREJA DO ARREBATAMENTO.
O Padrão dos Tessalonicenses para estes Últimos Dias  
Thiago Brazil