RETIRADO DO LIVRO - VALORES CRISTÃOS -
Enfrentando as questões morais do nosso tempo.
Douglas Baptista.
O “cilindro de Ciro” é historicamente considerado a primeira
Declaração dos Direitos Humanos. O cilindro é uma peça arredondada, feita a
partir da argila, dividida atualmente em vários fragmentos, no qual está
escrita uma declaração em grafia cuneiforme acadiana que contém uma declaração
do rei persa Ciro II após sua conquista do Império Babilônico. Em um trecho do
cilindro, o imperador mandou registrar: “quanto aos habitantes de Babilônia
[...] eu aboli o jugo que era contrário à sua condição. Trouxe melhoria às suas
degradadas condições de habitação, acabando com as suas razões de queixa”
(MELO, 2014, p. 55-58). Esse decreto foi emitido no primeiro ano de seu governo
após a conquista de Babilônia, isto por volta do ano 538 a.C. e 537 a.C. O
documento também autorizava os povos exilados na Babilônia a regressarem às
suas terras de origem. Os textos bíblicos informam que Ciro recebeu essa
mensagem da parte de Deus, que o ordenava a enviar de volta à Palestina todos
os judeus cativos naquela cidade (Ed 1.2-4). O decreto de Ciro II pôs fim ao
cativeiro babilônico dos judeus.
Apesar de o cilindro de Ciro ser considerado o primeiro documento
oficial a tratar de direitos humanos, muito antes disso, outro conquistador da Babilônia,
o rei Hamurabi, estabeleceu um dos mais importantes códigos jurídicos da
antiguidade. Hamurabi reinou aproximadamente de 1792 a 1750 a.C. As leis
contidas no Código de Hamurabi estavam precedidas de um longo prólogo no qual o
rei representava a si mesmo como um pastor e um príncipe piedoso, fazendo com
que a estela do código fosse gravada e colocada em um lugar público para que “o
forte não oprimisse ao débil, e que para que a justiça prevalecesse no reino”
(THOMPSON, 1999, p. 1572). No entanto, em grande parte da história da
humanidade, os direitos foram prerrogativas de uma minoria privilegiada. Em
tempos modernos, surgiu o conceito do homem como portador de direitos
considerados como inerentes ou fundamentais para a dignidade humana. Apesar de
tais conceitos florescerem em tempos atuais, desde a criação do homem, as
Escrituras Sagradas têm revelado a vontade de Deus acerca daquilo que é direito
e errado nas relações humanas.
I. A ORIGEM DOS DIREITOS HUMANOS
No período
da Idade Moderna (séculos XV até XVIII), a revolução científica e literária que
se deu durante o Renascimento (movimento cultural, econômico e político)
contribuiu para o surgimento do Humanismo (movimento intelectual focado no homem).
Os humanistas valorizavam os direitos individuais do cidadão e acreditavam no
progresso e na capacidade humana. Suas ideias se espalharam e foram aceitas
graças à invenção da imprensa. Os ideais dos humanistas despertaram nos
cristãos a necessidade de reformar a igreja, especialmente o clero.
Como
resultado desse e de outros fatores, a reforma religiosa foi deflagrada em
1517, na Alemanha. A reforma do monge agostiniano Martinho Lutero rompeu a
unidade religiosa da Europa Ocidental e quebrou o monopólio mantido até então
pela Igreja de Roma. Esse processo de abertura permitiu a “consideração dos
indivíduos como cidadãos livres e iguais” (CHEHOUD, 2012, p. 32). Esses ideais
passaram a ser pensados e construídos, não necessariamente executados. Porém,
foi a partir da Reforma que os conceitos de liberdade e tolerância tornaram-se
visíveis.
O
Iluminismo, também chamado de “século das luzes” (movimento cultural da elite
intelectual europeia do século XVIII), ensinava que “os homens tinham direitos
iguais e que, para corrigir a desigualdade, a sociedade deveria ser modificada”
(ARRUDA, 1982, p. 137, 138). Para efetivar essas mudanças, o Iluminismo
difundiu os ideais de liberdade de expressão e de culto, proteção contra a
escravatura e a injustiça social.
1. Definição de Direito
A raiz da
palavra “direito” tem origem no latim rectus, que significa “aquilo que é reto,
correto, justo”. Na perspectiva da ética, aquilo que é direito torna-se modelo
daquilo que é bom e correto. Nesse contexto, a ética ou a moral comum a todas
as culturas pode ser expressa em termos de direitos do homem. Esses direitos se
relacionam com a dignidade do ser humano tendo a proteção da vida, da liberdade
e da igualdade como pressuposto principal.
2. Declaração Universal dos Direitos Humanos
Foi adotada
em 10 de dezembro de 1948, após a Segunda Guerra Mundial, pela Organização das
Nações Unidas (ONU). Ela foi uma resposta aos milhões de vítimas do conflito e
do extermínio deliberado de judeus (principalmente), ciganos e outras etnias
promovido pelos nazistas (SILVA, 2014, p. 110). A declaração contém 30 artigos
e reconhece os direitos “fundamentais” e “universais” do ser humano como o
ideal a ser atingido por todos os povos sem distinção de raça, sexo, língua ou
religião.
No entanto,
a partir do ponto de vista das Ciências Sociais, a construção dos direitos
humanos não deve ser desassociada dos “direitos de cidadania”, que são
divididos em três grupos ou em três gerações:1 os civis, os políticos e os
sociais. Os “direitos civis” começaram a aparecer nos séculos XVII e XVIII, e
são identificados com a igualdade perante a lei, o direito de ir e vir, a
liberdade de expressão e outros. Esses direitos são “fundamentais”, e não “universais”,
e se aplicam às leis de uma determinada nação. Os “direitos políticos” foram
reivindicados no século XVIII e também são considerados fundamentais. Entre
eles estão o direito de votar e ser votado, filiar-se a partidos políticos e
sindicatos, realizar manifestações, etc. Esses direitos atingiram o seu apogeu
no século XX, quando o direito de voto foi estendido às mulheres. E, por fim,
ainda no século XX começam a despontar “os direitos sociais” que buscam
assegurar a igualdade de condições indispensáveis para a sobrevivência e o
exercício dos demais direitos.
A ênfase
desses direitos recai sobre a educação básica, assistência à saúde, programas
de moradia, transporte coletivo, sistema previdenciário e outros.
3. Declaração Universal dos Direitos Humanos
Foi adotada
em 10 de dezembro de 1948, após a Segunda Guerra Mundial, pela Organização das
Nações Unidas (ONU). Ela foi uma resposta aos milhões de vítimas do conflito e
do extermínio deliberado de judeus (principalmente), ciganos e outras etnias
promovido pelos nazistas (SILVA, 2014, p. 110). A declaração contém 30 artigos
e reconhece os direitos “fundamentais” e “universais” do ser humano como o
ideal a ser atingido por todos os povos sem distinção de raça, sexo, língua ou
religião. Com essa ideia
universalista, Tomazi considera que “os direitos humanos estão acima de
qualquer poder existente, seja do Estado, seja dos governantes. Em caso de violação,
os responsáveis devem ser punidos” (2010, p. 136).
No entanto,
a partir do ponto de vista das Ciências Sociais, a construção dos direitos
humanos não deve ser desassociada dos “direitos de cidadania”, que são
divididos em três grupos ou em três gerações:2 os civis, os políticos e os
sociais. Os “direitos civis” começaram a aparecer nos séculos XVII e XVIII, e
são identificados com a igualdade perante a lei, o direito de ir e vir, a
liberdade de expressão e outros. Esses direitos são “fundamentais”, e não “universais”,
e se aplicam às leis de uma determinada nação. Os “direitos políticos” foram
reivindicados no século XVIII e também são considerados fundamentais.
Entre eles estão o direito de votar e ser votado, filiar-se a partidos
políticos e sindicatos, realizar manifestações, etc. Esses direitos atingiram o
seu apogeu no século XX, quando o direito de voto foi estendido às mulheres. E,
por fim, ainda no século XX começam a despontar “os direitos sociais” que
buscam assegurar a igualdade de condições indispensáveis para a sobrevivência e
o exercício dos demais direitos.
A ênfase
desses direitos recai sobre a educação básica, assistência à saúde, programas
de moradia, transporte coletivo, sistema previdenciário e outros.
Assim,
apesar daquilo que é assegurado na “Declaração Universal dos Direitos Humanos”,
os direitos civis, políticos e sociais, embora fundamentados no princípio de
igualdade, para o sociólogo inglês T. H. Marshal (1893-1981), eles não podem
ser considerados universais “pois são vistos de modo diferente em cada Estado e
em cada época” (TOMAZI, 2010, p. 138). Não obstante, os direitos contidos nessa
Declaração passaram a ser o ideal para todas as pessoas e foram introduzidos
nas legislações dos países democráticos. O Brasil participou ativamente da
elaboração da Declaração e tem sido signatário de todas as suas resoluções, e,
portanto, os direitos humanos estão contemplados em nossa Constituição Federal.
4. Direitos Humanos no Brasil
Em nosso
país, a expressão “direitos humanos” foi popularizada durante a década de 80.
Nessa época, militantes políticos de esquerda passaram a usar a expressão em
oposição ao regime militar. Em 5 de outubro de 1988, foi promulgada a
Constituição Cidadã. No escopo dos direitos e garantias fundamentais presentes
no texto constitucional estão elencados os princípios de liberdade, igualdade,
tolerância, solidariedade e neutralidade estatal:
Art. 5º -
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes:
VI - é
inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre
exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos
locais de culto e a suas liturgias;
VII - é
assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas
entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII - ninguém será privado de direitos por
motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as
invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a
cumprir prestação alternativa, fixada em lei (CF/1988).
Visando
ampliar a promoção dos Direitos Humanos no Brasil, o decreto nº 7.037/2009
instituiu o “Programa Nacional de Direitos humanos” (PNDH), que já está em sua
terceira versão. O PNDH-3 está estruturado em 6 (seis) eixos orientadores que
se subdividem em 521 ações programáticas que tratam dos direitos universais.
Ocorre que desde a sua primeira versão o PNDH vem recebendo críticas de
variados setores. A principal oposição diz respeito às ações que pretendem
tutelar a sociedade e impor ideologias ao cidadão. No âmbito da religião, os
pontos mais controversos são a legalização do aborto e a ideologia de gênero.
Nos meios de comunicação, a insatisfação se refere à fiscalização da mídia por
parte do governo como um meio de censura.
Quanto ao
sistema prisional, as discordâncias se concentram no direito de voto para os
presos, na proibição de divulgação pública de informações sobre o perfil de
criminosos e no direito as visitas íntimas inclusive as homoafetivas. Por isso,
após a redemocratização do Brasil e a concessão de amplos direitos ao cidadão,
constantemente a expressão “direitos humanos” tem sido associada como “direitos
de bandidos”. Discute-se, por exemplo, que os “direitos humanos” deveriam valer
unicamente para os “humanos direitos”.
II. A BÍBLIA E OS DIREITOS HUMANOS
Cremos que a
Bíblia Sagrada possui dois propósitos essenciais: revelar o próprio Deus e
expressar a sua vontade à humanidade. Dessa forma, tudo o que precisamos saber
sobre a vontade de Deus, inclusive em nosso relacionamento com o próximo, está
suficientemente revelado em sua Palavra. É mediante a revelação divina que
aprendemos os padrões morais e éticos de conduta preconizados pelo Criador para
com as suas criaturas. A Bíblia contém vários ensinos sobre o que é “bom” e “mal”,
sobre o que é “direito” ou “errado”. Neste tópico, veremos os direitos dos
homens revelados e registrados nos livros do Pentateuco, nos Evangelhos e nos escritos
de Paulo.
1. Direitos Humanos no Pentateuco
Os cinco
livros de Moisés revelam o código divino e indicam a maneira de viver de seu
povo (Dt 6.1-9). Observa-se nesses escritos um arcabouço de concepções
libertárias e igualitárias que antecedem muitos direitos que iriam reaparecer
apenas na modernidade. Na revelação, Deus requer que o estrangeiro não seja
maltratado (Êx 22.21). Essa orientação significa que a pessoa de cultura, raça
ou etnia diversa não deve ser tratada com discriminação e nem de modo
indiferente. Assegura-se ao forasteiro o direito de não ser explorado e nem de
ser perseguido. Ao contrário, o estrangeiro tem o direito de receber tratamento
igualitário e humano. Com esse elevado padrão moral, as Escrituras condenam a
prática da xenofobia (aversão ou antipatia com os estrangeiros).
Os
mandamentos bíblicos ainda determinam que a viúva e o órfão sejam protegidos
(Êx 22.22), e que o pobre não seja explorado (Êx 22.25,26).
Observa-se
nesses textos o gentil cuidado da revelação divina para com as pessoas com
necessidades. Aqui a preocupação se volta para um grupo que normalmente era
alvo de tirania e injustiça social — pobres, viúvas e órfãos.
A pobreza se
relaciona com “a insuficiência de renda” para subsistência pessoal e da
família. As viúvas e os órfãos, além da dor e tristeza pela perda sofrida,
ainda penavam com a falta de assistência social. Para coibir e corrigir essas
violações para com os desafortunados, Deus asseverou que derramaria da sua ira
e imprimiria a mesma dor aos opressores: “a minha ira se acenderá, e vos
matarei à espada; e vossas mulheres ficarão viúvas, e vossos filhos órfãos” (Êx
22.24). Sob a tutela desses preceitos do Pentateuco, os cristãos mantêm
especial atenção para com os desprovidos (Tg 1.27).
No caso
específico dos estrangeiros, pobres, viúvas e órfãos, a lei tinha uma provisão
especial (Dt 10.18,19; 24.19,20). Após a posse da Terra Prometida, a sociedade
dos israelitas tornou-se agrícola e a lei da generosidade requeria benevolência
com o produto da terra para com o próximo necessitado. Por ocasião da festa da
colheita, em meio à alegria dos frutos e grãos em abundância, os infortunados
não podiam ser esquecidos.
Eles também
tinham direito a colheita. Para isso, uma parte do campo não podia ser colhida,
não podendo ser menos do que uma sexta parte de toda a plantação. Esse canto do
campo e também as espigas que caiam eram reservadas para os necessitados (Lv
19.9,10).
Ainda em
relação ao cuidado com os pobres, a lei mosaica proibia os ricos de tirar
vantagens do infortúnio de seus semelhantes: “se emprestares dinheiro ao meu
povo, ao pobre que está contigo, não te haverás com ele como um usurário; não
lhe imporeis usura” (Êx 22.25). A ordenança bíblica não autorizava a cobrança
de juros para o empréstimo que visava saciar a fome do pobre. A premissa dos
juros aqui proibidos não se refere aos empréstimos de cunho comercial. Esses
preceitos eram estranhos ao mundo antigo e constitui-se numa espécie de síntese
da Torá: o cuidado divino para com os menos
favorecidos e o valor da dignidade humana.
2. Direitos Humanos nos Evangelhos
A mensagem
de Cristo presente nos evangelhos resume-se na prática do amor a Deus e ao
próximo (Mt 22.37-40; Mc 12.31). Os evangelistas enfatizam que Deus é a fonte
de todo o amor (Jo 3.16). A mensagem do evangelho considera hipocrisia a
religiosidade desprovida do amor ao próximo (1 Jo 4.20a). Por isso, as
Escrituras enfatizam que o amor cristão requer sacrifício em favor dos seres humanos
(Jo 15.13). Ainda, ensinam os evangelhos que o amor cristão é antídoto contra o
mal, o ódio e a vingança contra o semelhante (Mt 5.44). O amor não deve ser
seletivo, e sim despretensioso (Mt 5.46). Na conhecida
parábola do bom samaritano (Lc 10.25-37) narrada por Jesus, o amor e a
misericórdia para com o outro prevaleceram contra o ódio e o preconceito
racial. Dessa maneira, o amor cristão é imperiosamente altruísta e humanitário,
incapaz de desrespeitar os direitos de seu próximo.
Durante seu
ministério, Jesus quebrou vários paradigmas da cultura reinante entre os judeus
na palestina. Cristo entrou em uma sinagoga e, em pleno sábado, curou um homem
que tinha a mão atrofiada (Mt 12.9-11) e acrescentou o seguinte ensino: “é
perfeitamente correto fazer o bem em dia de sábado” (Mt 12.12, ACF). Em
consequência, ao curar no sábado, Cristo colocou a dignidade humana acima do
legalismo (Mt 12.10-13).
Em outra
ocasião, ao conversar com uma mulher junto ao poço de Jacó, Cristo se opôs ao
preconceito de gênero, a intolerância religiosa, a discriminação racial e a
hostilidade cultural existente entre judeus e samaritanos (Jo 4.9,10). Cabe
ainda destacar a ênfase do evangelho no combate à segregação social. Durante o
jugo romano, os judeus desejavam libertar-se dos aguilhões de Roma, e, por
causa do forte zelo nacional, os coletores de
impostos (publicanos) eram odiados, desprezados e considerados traidores.
Assim, ao jantar em casa de Levi e também na casa de Zaqueu — ambos publicanos
— Cristo rechaçou atitudes discriminatórias entre as classes sociais judaicas
(Mc 2.14-17; Lc 19.1-10). E, ainda em conotação com os ideais de igualdade e
liberdade sem distinção alguma, ao receber e abençoar os meninos, Cristo
defendeu os direitos da criança e dos adolescentes (Lc 18.15,16). Portanto,
esses exemplos e outros registrados nas Escrituras Sagradas indicam que a fé
cristã não está dissociada da preocupação com as necessidades humanas.
Ressalta-se, porém, que todos esses oprimidos foram transformados e mudaram de
atitude após o encontro que tiveram com Jesus.
3. Direitos Humanos em Paulo
Em seus
escritos, o apóstolo dos gentios reconhece o direito de igualdade entre raças,
classe social e gênero. Ele escreveu aos Gálatas: “Nisto não há judeu nem
grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um
em Cristo Jesus” (Gl 3.28). Ao remover essas distinções, o cristianismo situou
os seres humanos em nível de igualdade e promoveu uma mudança de paradigmas
totalmente estranhos naquele contexto histórico.
Além de
defender a igualdade entre os seres humanos, o apóstolo também legitimou o uso
dos direitos civis. Ao ser preso em Jerusalém, evocou sua cidadania romana para
não ser açoitado (At 22.25-29). O apóstolo exigiu obediência à lei romana
chamada Lex Sempronia, que não permitia ao cidadão romano ser condenado sem o
direito de defesa. Em uma situação posterior, ao perceber as manobras dos
judeus para condená-lo sumariamente, reivindicou o direito de um julgamento
justo e apelou para César (At 25.9- 12). Pode-se então constatar nos escritos e
feitos de Paulo a defesa dos direitos humanos e os valores da cidadania.
III. A IGREJA E OS DIREITOS HUMANOS
A Igreja de
Cristo na terra é atuante e militante. A igreja batalha pela fé que uma vez foi
dada aos santos e pelos preceitos bíblicos divinamente revelados (Jd 3).
Formada por todos aqueles que seguem a Cristo, a Igreja luta contra as depravações
da carne e as injustiças no mundo, luta contra o Diabo e seus ardis, e contra o
pecado e suas terríveis consequências (Ef 6.12). Nesse papel, a Igreja tem como
pressuposto a prática do amor, que é o elemento motivacional de conduta para
todo cristão. Desse modo, a Igreja de Cristo é agente de transformação social e
espiritual da sociedade.
As
Escrituras Sagradas é o livro texto utilizado como única regra infalível de fé
e prática para a Igreja. E nenhum outro livro tem enaltecido tanto a dignidade
e os direitos do ser humano como o faz a Bíblia Sagrada. As Escrituras revelam
o amor de Deus sem acepção de pessoas (Jo 3.16; Rm 2.11). A Palavra de Deus
condena as injustiças sociais e a exploração do cidadão (Tg 5.4). A Igreja é
advertida em perseverar na prática do bem ao próximo (2 Ts 3.13). E aqueles que
ficam impassíveis diante da violação dos direitos humanos são considerados
pecadores (Tg 4.17).
1. A Igreja e o Trabalho Escravo
O trabalho é
essencial para o sustento da vida. Desde a criação, o trabalho está presente na
raça humana (Gn 2.15). Sustentar a si mesmo e à família por meio do trabalho é
uma dádiva divina e dignifica o homem (Ec 3.13; Ef 4.28). O próprio Senhor
Jesus desempenhou a função de carpinteiro para o seu sustento e de sua família
terrena (Mc 6.3). Quanto à importância da atividade laboral, Cristo declarou:
“Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” (Jo 5.17). A exemplo de
Cristo, o apóstolo Paulo também não viveu dependente dos trabalhos dos outros
(At 20.33-35, 1 Ts 2.9) e aos que viviam
desordenadamente
exortou: “se alguém não quiser trabalhar, que não coma também” (2 Ts 3.10).
Tornou-se
bastante notável a transformação histórica da posição do trabalho por meio da
postura protestante. E, conforme constatou McGrath, “não foi por acidente que
as regiões europeias que adotaram o protestantismo logo se viram prosperando
economicamente” (2012, p. 333). Por outro lado, se o trabalho for entendido
como um fim em si mesmo, segue-se a isso um conjunto de prioridades distorcidas
cujo inevitável resultado é negativo para os relacionamentos sociais,
familiares e pessoais. O trabalho se torna um fardo pesado, quando a carga
horária é exaustiva, os salários são baixos, a competividade é desleal, o
crescimento profissional é nulo e as condições de trabalho são
degradantes. Quando isso acontece, a dignidade humana é violada e o trabalho se
torna em escravidão.
Certamente,
que a Igreja de Cristo não pode ficar insensível diante da exploração do
trabalhador ou do trabalho escravo. O povo de Deus não pode ser conivente com a
exploração da mão-de-obra infantil, da mulher, das pessoas na lavoura, dos
estrangeiros e dos operários em geral. O apóstolo Tiago condenou a opressão e a
injustiça praticada contra os trabalhadores em sua época. O meio-irmão de Jesus
repudiou o comportamento dos ricos que angariavam altas somas em dinheiro e
aumentavam seus lucros à custa do pagamento de parcos salários aos
trabalhadores. E ainda, o líder da Igreja em Jerusalém alertou aos empregadores
gananciosos que os clamores de tristeza dos pobres eram ouvidos por Deus (Tg
5.4). Paulo também escreveu posicionando-se contra a vexação a que eram
expostos os trabalhadores. Na carta
dirigida a Filemom, o apóstolo apresenta claras orientações acerca do tratamento
benevolente que se deveria dispensar a Onésimo — um escravo fugitivo (Fm
15-18). Aos Efésios, Paulo estabelece o princípio do respeito mútuo entre
empregados e patrões (Ef 6.5-9).
2. A Igreja e os Prisioneiros
Em 2014, o
Conselho Nacional de Justiça do Brasil divulgou que a nossa população
carcerária era de 563.526 presos e que estavam encarcerados 206.307 pessoas
além da capacidade de vagas. Somado ao problema da superlotação, os presídios
públicos também não oferecem as condições mínimas de dignidade humana, higiene
e salubridade. Nosso índice de reincidência no crime é de 70%, o que demonstra
a ineficiência do Estado na ressocialização dos prisioneiros. Ressocializar
significa reintegrar o detento ao convívio em sociedade. A violência e a reincidência
no crime indicam falhas nesse processo de ressocialização promovido pelo
Estado. Isso acontece pelo fato de a ressocialização de um presidiário depender
de diversos fatores fora do alcance do braço estatal.
As vidas
encarceradas em presídios e demais unidades de internação são extremamente
carentes de afeto, perdão, e de transformação no caráter, na alma e no espírito. Por isso, a Igreja, por
meio da Bíblia Sagrada, acompanhada de orações e aconselhamento dos capelães e
visitadores deve cumprir o que preconiza as Escrituras: “Lembrai-vos dos
presos, como se estivésseis presos com eles, e dos maltratados, como sendo-o
vós mesmos também no corpo” (Hb 13.3). Sob essa premissa, a Igreja, por meio do
trabalho de capelania prisional, desempenha a nobre missão de levar o refrigério
às almas angustiadas e encarceradas de nossa nação.
Essa
atividade de capelania prisional desenvolvida pela Igreja preocupa-se com a
assistência espiritual aos encarcerados e também com a ressocialização dos
presos ou dos egressos da prisão. Portanto, a Igreja é orientada a realizar seu
trabalho concentrado na salvação, cura e libertação das almas. O aspecto moral
do cristianismo, no que diz respeito ao criminoso, é que Cristo veio ao mundo
para salvar os pecadores (1 Tm 1.15).
3. A Igreja e o Problema Social
Os
principais problemas sociais do Brasil são o desemprego, precariedade de moradia,
saúde, segurança, educação, desigualdades sociais, má distribuição de renda,
dentre outros. Como resultado da ineficiência do Estado, os índices de
violência e criminalidade aumentam a cada dia. É consenso que tais problemas
são agravados pelo desvio das verbas públicas, pela nefasta prática da
corrupção. Como agência do Reino de Deus na terra, a Igreja do Senhor possui
uma responsabilidade social e não pode viver alienada aos problemas enfrentados
na vida em sociedade. O cristão vive tanto na igreja quanto no mundo, e tem
responsabilidades para com ambos. É papel da igreja evangelizar o mundo todo
por meio da pregação do evangelho (Mt 28.19), mas também é função da igreja
aliviar o sofrimento alheio por meio de sua atuação na sociedade, como
instrumento de transformação da realidade social que a rodeia. Acerca da fé
desacompanhada de ações práticas, o líder da Igreja em Jerusalém questiona aos
fiéis: “se o irmão ou a irmã estiverem nus e tiverem falta de mantimento
cotidiano, e algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos e fartai-vos; e
não lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito virá daí?” (Tg
2.15,16).
O profeta
Habacuque, em sua época, constatou que os problemas sociais eram causados por
fatores similares aos que vivemos hoje: opressão, violência, litígio,
impunidade, suborno e juízo distorcido (Hc 1.1-4). Diante dessa lamentável
situação, como nos ensina o apóstolo Tiago, a Igreja deve se comprometer com as
ações sociais com o propósito de aliviar a fome, a sede, o frio e a carência do
ser humano. Trabalhos sociais podem ser desenvolvidos nas mais diversas áreas,
tais como: campanha de agasalhos, distribuição
de sopas e cestas básicas, implantação de escolas, creches, asilos, centros de
recuperação e tantas outras ações. Contudo, apesar de todo o esforço social
promovido pela Igreja (que deve continuar até Cristo voltar), precisamos ter
consciência de que o verdadeiro mal a ser combatido é o pecado. Como fez
Habacuque e como ensina o cronista, a Igreja deve unir forças para restaurar a
nação por meio do clamor e da consagração (2 Cr 7.14). Por meio de um
avivamento espiritual e do combate ao pecado, o despertar da Igreja de Cristo
pode corrigir e superar os problemas sociais.
1 É
importante salientar que o instituto é mormente denominado de gerações ou
dimensões. Contudo, o autor entende que a nomenclatura não abarrota os direitos
ali garantidos. Pelo escasso espaço, bem como pela pretensão da presente obra,
o autor não tratará das demais gerações dos direitos fundamentais difundidas
por alguns autores constitucionais.
2 É
importante salientar que o instituto é mormente denominado de gerações ou
dimensões. Contudo, o autor entende que a nomenclatura não abarrota os direitos
ali garantidos. Pelo escasso espaço, bem como pela pretensão da presente obra,
o autor não tratará das demais gerações dos direitos fundamentais difundidas por
alguns autores constitucionais.
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