“SUBSÍDIO” LIÇÂO 8 – 4º TRI- SALVAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO.

Extraído do livro: A obra da Salvação.
Autor da obra: Claiton  Ivan Pommerening.

Livre-arbítrio significa a tomada de decisão humana para a salvação conquistada por Jesus na cruz do calvário.
 A salvação é oferecida a todos os seres humanos indistinta e gratuitamente (Ap 22.17) e por uma escolha pessoal e livre de cada um. Todos os que a aceitam serão salvos e predestinados à vida eterna, pois Ele quer que todos sejam salvos (2 Pe 3.9). Essa maneira de pensar a Soteriologia é professada pelos pentecostais e teve sua origem em Jacó Armínio (1560–1609), sendo também explicada depois por John Wesley (1703–91) e John William Fletcher (1729–85). Logo, a doutrina calvinista é rejeitada por estes, tornando-se incompatível com a Teologia Pentecostal, não necessariamente por não poder conviver com esta, mas especialmente porque o calvinismo nega algumas dinâmicas do pentecostalismo, como será visto adiante, sendo, assim, irreconciliáveis. Essa declaração é necessária porque o calvinismo é, majoritariamente, cessacionista.111 Portanto, de forma subjetiva, estão fazendo os pentecostais abdicarem da doutrina mais cara ao pentecostalismo, que é o batismo no Espírito Santo.
Os pentecostais também rejeitam a doutrina de Calvino por ela ser fatalista, muito acomodatícia quanto ao evangelismo, supondo certa injustiça em Deus, além de sugerir uma robotização humana; pode levar à acomodação quanto à santificação e ao empenho para a salvação de outros. Por isso, aproximam-se mais da doutrina de Armínio, mas isso não significa que toda a Teologia arminiana possa ser aceita sem qualquer problema. Este capítulo, entretanto, não se propõe a encontrar essas falhas, mas simplesmente apontar a coerência existente entre a doutrina arminiana e a Teologia Pentecostal.
É bom recomendar que não se façam disputas entre calvinismo e arminianismo, mas que se exercite a tolerância cristã e o respeito nas questões divergentes, que são muitas. Até porque os irmãos calvinistas são acusados por alguns, dada a ênfase fundamentalista de suas doutrinas, que são intolerantes; eles são levados ao orgulho espiritual por serem os predestinados;112 sua ação evangelística é quase nula e isolam-se das demais igrejas.113 O calvinismo também confessa uma pureza doutrinária acima das demais teologias evangélicas, pureza esta que acaba tornando-se um meio de auto-salvação. Apesar disso, há, também, alguns pontos de contato entre as doutrinas. Silas Daniel afirmou “que o calvinismo honra a Deus tanto quanto o arminianismo, claramente estou me referindo ao calvinismo majoritário, compatibilista (o outro extremo é o fatalista).” Há pontos de contato especialmente no pentecostalismo mais popular, onde há “certo fatalismo quando se trata de ‘causas e consequências’”, especialmente diante de grandes tragédias. A frase “Deus assim quis” é muito comum sem levar em conta a lógica da afirmação em alguns contextos.”114
A título de resumo do calvinismo, pode afirmar-se que este segue a linha de pensamento de Agostinho quanto à salvação, onde a liberdade das escolhas humanas está limitada à vontade de Deus, afirmando que o homem é cativo ou de Deus ou do Diabo. Essa mesma linha de pensamento foi esboçada por Martinho Lutero (1486–1546) no início da Reforma (séc. XVI), embora Filipe Melâncton (1497–1560), seu sucessor, apoiasse o sinergismo.115
Armínio escreveu que não poderia concordar com o calvinismo, chamando- o, então, de repugnante, tendo em vista algumas contrariedades que são: Deus jamais criaria algo, como a predestinação, para a condenação, com o propósito de não ser unicamente bom, ou seja, “que Deus criou algo para a perdição eterna para o louvor da sua justiça”; se Deus predestinasse alguém à perdição, seria para demonstrar a glória de sua misericórdia e da sua justiça, mas Ele não pode demonstrar tal glória através de um ato contrário à sua misericórdia e justiça, como a predestinação à condenação; se Deus condenasse os seres humanos desde a sua criação, Ele quereria o maior mal para as suas criaturas e teria predeterminado, desde a eternidade, o mal para elas, mesmo antes de conceder-lhes qualquer bem; assim, Deus quis condenar e, para que pudesse fazer isso, Ele quis criar, embora a própria criação é uma demonstração de sua bondade; entretanto, contrariando essa ideia espúria, Deus confere bênçãos e benefícios sobre o mau e o injusto e até sobre aqueles que são merecedores de punição; o pecado é chamado de desobediência e rebelião; logo, Deus teria colocado alguns sob uma necessidade inevitável de pecar, o que seria impossível; a condenação é consequência do pecado; este, entretanto, sendo causa, não pode ser colocado como meio pelo qual Deus executa o decreto ou a vontade de reprovação dos seres humanos; a predestinação tem um paradoxo intransponível, que é o fato de os pecadores destinados à condenação terem sido condenados antes mesmo de Jesus ter sido predestinado, muito embora Ele tenha sido morto desde a fundação do mundo para ser o salvador; isso desonra a Cristo e sua obra; se a salvação de alguns já tinha sido preordenada, Ele, então, foi apenas um ministro e um instrumento para dar-nos a salvação, assumindo um protagonismo secundário, e sua morte foi desnecessária, pois, quem fosse destinado à salvação seria salvo do mesmo jeito.116
Recentemente, tem havido uma aproximação ao calvinismo por parte de alguns pentecostais mais intelectualizados, mas isso se deve mais a uma lacuna pentecostal histórica quanto à educação teológica sólida, que deixou uma classe intelectualizada mais abandonada,117 do que propriamente a habilidade de fazer coadunar as duas teologias.



A ELEIÇÃO BÍBLICA É SEGUNDO A PRESCIÊNCIA DIVINA

Eleição é a escolha que Deus faz para com grupos ou indivíduos com fins específicos determinados por Ele — no caso aqui abordado, para a salvação. Uma das palavras hebraicas para eleição, yãdha’,118 tem uma conotação amorosa no sentido de que Deus elege não simplesmente por uma mera escolha, mas especialmente porque seus afetos levam-no a escolher as pessoas para a salvação. Essa mesma palavra é usada quando o Antigo Testamento refere-se a um casal que teve relações sexuais, ou seja, há um envolvimento de afetos. A eleição amorosa também está presente num termo grego usado por Paulo (Rm 8.29), proginõskõ, que expressa o sentido de que Deus amou de antemão. Tendo em vista esse amor, Paulo escreveu poeticamente: “Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada? Como está escrito: Por amor de ti somos entregues à morte todo o dia: fomos reputados como ovelhas para o matadouro. Mas em todas estas coisas somos mais do que vencedores, por aquele que nos amou” (Rm 8.35-37). Assim, segundo a doutrina arminiana, Deus elegeu e destinou todos para a salvação (Jo 3.14-16; 1 Pe 2.9), “para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.15).
No Antigo Testamento, a Eleição tem um significado mais específico do que no Novo Testamento. Exemplo disso é a escolha de Abraão e sua descendência, que, depois, vieram a formar a nação de Israel. Deus chamou o patriarca e fez-lhe promessas, e este livremente respondeu ao chamado; porém, diante dele, estava a possibilidade de não atender ao convite. A eleição de Israel (Is 51.2; Os 11.1) e alguns indivíduos dela, de maneira específica, é pontual na história porque Deus tinha o propósito de, através dessa nação, trazer o Salvador. Por ser uma eleição pontual, ela não pode servir de base, em se tratando de salvação, para estabelecer uma eleição absoluta e específica apenas para determinadas pessoas e outras não. A liberdade de escolha para obedecer que Deus deu para Israel e a desobediência e rebeldia do povo fizeram eles perderem algumas das bênçãos prometidas (Jr 6.30; 7.29) e, assim, servissem-nos de exemplo para não repetirmos os mesmos erros (1 Co 10.6,11).
Por mais que pareça, a eleição não trouxe privilégios para a nação de Israel, mas, sim, responsabilidades. No entanto, por não conseguir cumprir sua parte na eleição, Israel nunca deixou de ser alvo do amor de Deus, embora sofresse as consequências (destruição da nação) por não agirem como povo escolhido. A eleição divina é o ato pelo qual Deus chama os pecadores para a salvação em Cristo e torna-os santos (Rm 8.29-30). Essa eleição é proclamada através da pregação do evangelho (Jo 1.11; At 13.46; 1 Co 1.9), e Deus deseja que todos sejam salvos e respondam afirmativamente ao chamado para a salvação (At 2.37; 1 Tm 2.4; 2 Pe 3.9). Os que crerem serão salvos; os que não crerem, porém, serão condenados (Mc 16.16). Alguns, ao ouvirem o evangelho, se endurecem ainda mais em seus pecados (Jo 1.11; At 17.32) e perdem a oportunidade de salvação.
Presciência é a capacidade que Deus tem de saber todas as coisas de antemão (At 22.14; Rm 9.23) e também de interferir na história humana (Ne 9.21; Sl 3.5; 9.4; Hb 1.3). Ele é soberano (Jó 42), provedor (Sl 104) e também sabe quem irá responder positivamente ao convite para a salvação (Rm 8.30; Ef 1.5). Ele proveu a salvação para todos, mas nem todos atendem ao seu convite, pois Ele mesmo, em sua bondade, deu para seus filhos a possibilidade da escolha. Assim, Deus cortou Israel (Mt 21.43) por escolha deles e enxertou os salvos em seu lugar, e foram esses salvos que se tornaram o Israel de Deus (Rm 11.17-24). Em sua soberania, estamos sob os cuidados e a presciência de Deus, mas também desfrutamos paradoxalmente da liberdade do livre-arbítrio dado por Ele, e isso aumenta a responsabilidade humana em obedecer aos seus mandamentos (Ap 3.20). “Mas o justo viverá da fé; e, se ele recuar, a minha alma não tem prazer nele” (Hb 10.38).
Eleição é uma decisão de Deus desde a eternidade, mas é condicionada à vontade humana. Entretanto, essa vontade não prejudica em nada a vontade de Deus. Ele não é pego de surpresa diante da livre vontade humana, pois Ele previu essa vontade. Podemos com toda a certeza afirmar que o que Deus predestinou foi, de fato, a vontade humana, no sentido de ela ser completamente livre, ou seja, Ele criou o homem determinando que este teria liberdade de escolhas. “Mas devemos sempre dar graças a Deus, por vós, irmãos amados do Senhor, por vos ter Deus elegido desde o princípio para a salvação, em santificação do Espírito e fé da verdade” (2 Ts 2.13)
Antonio Gilberto ensina que “na Bíblia, mencionam-se a eleição divina coletiva, como a de Israel (Is 45.4; 41.8-9) e a da Igreja (Ef 1.4); e a individual, como a de Abraão (Ne 7.9) e a de cada crente (Rm 8.29).”119 Severino Pedro propõe outra forma. Ele classifica a eleição de quatro maneiras: preventiva, quando Deus usa de vários meios para impedir o mal na vida dos que são chamados e atendem à sua salvação (Gn 20.6); permissiva, que diz respeito às coisas que Deus não proíbe nem restringe, mas fica na vontade do homem (Dt 8.2); diretiva, que se baseia na vontade perfeita de Deus dirigindo a vontade humana (Gn 50.20); e determinativa, que é quando Deus decide e executa conforme a sua soberana vontade (Jó 42.2).120

ARMÍNIO E O LIVRE-ARBÍTRIO
O livre-arbítrio foi desenvolvido por Jacó Armínio após ele ter sido chamado a refutar os escritos do teólogo Dirck Volkertsz. Koornhert (1522– 90), quando este atacou a doutrina calvinista da predestinação;121 mas, ao estudar profundamente o assunto e as soteriologias sinergistas dos pais da igreja como, por exemplo, Ambrósio (337–97 d.C.) e Tertuliano (160–220 d.C.), Armínio chegou à conclusão que Koornhert tinha razão e passou a defender a doutrina hoje chamada arminiana. Entretanto, perceba que mesmo o arminianismo é uma doutrina que estuda a predestinação humana, cujo ponto mais divergente do calvinismo é a atuação da graça para a salvação do homem, no sentido de se a decisão é humana ou divina para isso. A doutrina arminiana desse ponto afirma que, “não apenas, portanto, a cruz de Cristo é necessária para solicitar e obter a redenção, como a fé na cruz também é necessária para obter a posse dessa redenção.”122
Jacó Armínio (Jakob Hermanszoon) nasceu na Holanda em 1560, foi pastor de uma igreja em Amsterdã e recebeu o título de doutor em Teologia pela Universidade de Leiden. Sua principal defesa doutrinária é o livre-arbítrio humano. Por causa de seu posicionamento, enfrentou forte oposição, perseguição e falsas acusações por parte dos calvinistas. Sua reação, porém, sempre foi de uma postura tolerante e não combativa, embora convicto de suas opiniões.
Armínio escreveu inúmeras obras. Em português, temos três grandes volumes traduzidos pela CPAD que defendem o sinergismo na salvação (crença na cooperação divino-humana) contra o monergismo (Deus é quem determina a salvação e quem se salvará, excluindo a participação humana). A monergista foi retomada por João Calvino e seus seguidores a partir de Agostinho de Hipona.
O livre-arbítrio é a possibilidade que os seres humanos têm de fazer escolhas e tomar decisões que afetam seu destino eterno, especificamente quando se trata de sua salvação, ou seja, cabe a cada um deixar-se convencer pelo Espírito Santo e ser salvo por Jesus ou não, embora Deus dê para todos a oportunidade da salvação. Se não houvesse livre-arbítrio, a culpa humana seria algo quase impossível, pois não haveria também liberdade de escolha. No Jardim do Éden, Deus outorgou a possibilidade da escolha ao homem (Gn 2.16-17). A Caim, Ele afirmou que o pecado jaz à porta como primeira evidência de escolhas após o Jardim do Éden (Gn 4); a Israel, Ele deu a prerrogativa da escolha (Dt 30.19), e à toda a humanidade, Ele também deu a possibilidade de escolher entre salvação e perdição (Mc 16.16).
Uma vez que escolhemos a Deus, abrimos voluntariamente mão da dádiva do livre-arbítrio. A partir daí, não temos mais escolhas no sentido salvífico da questão. Deus é quem nos direciona, e continuar fazendo as próprias escolhas sem a direção divina não significa exercer livre-arbítrio, mas, sim, desobediência. Abrir mão do livre-arbítrio para viver e ser direcionado por Deus é uma das mais lindas provas de amor que podemos dar a Ele, muito embora ainda continuemos livres.
Deus criou-nos a sua imagem e semelhança (Gn 1.26); logo, por ser Ele um ser livre, seus filhos também escolhem livremente; a Israel, Ele incentivou escolher ouvir a sua voz (Dt 30.19-20). Em Adão, todos são predestinados para a perdição e, em Cristo, todos são predestinados para a salvação: “Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo” (1 Co 15.22; Jo 1.12). O Pr. Esequias Soares, na apresentação de “As Obras de Armínio”, fez um resumo da doutrina arminiana da seguinte forma:
No Brasil, prevalece o entendimento da teologia de Armínio no tocante à salvação, respaldado nos seguintes pontos: a predestinação se fundamenta na presciência de Deus, e não é um determinismo divino que aponta quem vai para o céu ou não; Cristo morreu por todos indistintamente, mas apenas aqueles que crerem serão salvos; a pessoa que vai ser salva depende da graça de Deus, pois, por si mesma, não tem a capacidade de crer; a graça de Deus no tocante à salvação pode ser resistida pelo pecador.
Alguns pontos centrais do arminianismo devem ser expostos, os quais são: que o homem não regenerado é escravo do pecado e incapaz de servir a Deus com suas próprias forças (Rm 3.10-12; Ef 2.1-10). É através da graça preveniente que a depravação total, resultante do pecado original, pode ser suplantada, de maneira que o ser humano poderá, então, corresponder com arrependimento e fé quando Deus atraí-lo a si. O livre-arbítrio é decorrente da ação da graça preveniente. Vem de Deus a capacidade de arrepender-se e ter fé para ser salvo.123 É a graça que inicia a salvação promovendo-a, aperfeiçoando-a e consumando-a, pois é ela que ordena os interesses, os sentimentos e a vontade; é ela que provê bons pensamentos, inspira bons desejos e ações, e faz a vontade inclinar-se para a ação de bons pensamentos e bons desejos.124 O ponto principal da teologia arminiana é, sem dúvida, o conceito de graça resistível da regeneração. A graça é necessária à salvação, mas ela não é condição suficiente e nem garante que a salvação acontecerá. Nesse sentido, Armínio afirma que:
Aqueles que são obedientes à vocação ou ao chamado de Deus livremente submeteram-se à graça; eles, porém, foram instigados, impelidos, atraídos e assistidos pela graça. E, no momento preciso em que eles realmente se submeteram, possuíam a capacidade de não se submeterem.125
Dessa forma, segundo Armínio, a graça preveniente capacita o homem a submeter-se a Cristo, mas o homem não precisa desejar a Cristo, pois o pecador até é capaz de desejar a Cristo, mas ele pode ainda não querer fazer isso. A capacidade de desejar é dada pelo Espírito Santo — portanto, uma obra monergista —,126 pois é Ele que instiga, mas o desejar real, o atender ao desejo, o consentir, é obra sinergista do pecador atuando em cooperação com o Espírito Santo e a graça preveniente de Deus. Assim, “conceder a graça é obra apenas de Deus; consentir com ela é obra do homem, que agora tem o poder de cooperar ou não com ela”.127 Nesse sentido, Armínio ainda afirma que:
Todas as pessoas não regeneradas têm liberdade de escolha, e uma capacidade de resistir ao Espírito Santo, de rejeitar a graça oferecida por Deus, ou de desprezar o conselho de Deus contra elas mesmas, de se recusar a aceitar o Evangelho da graça, e de não abrir àquEle que bate à porta do coração; e essas pessoas podem, realmente, fazer essas coisas, sem nenhuma diferença entre os eleitos e os reprovados. [...] A eficácia da graça de salvação não é consistente com aquele ato onipotente de Deus, pelo qual Ele age tão interiormente na mente e no coração do homem que aquele sobre quem tal ato acontece não pode deixar de consentir com Deus, que o chama; ou, o que a mesma coisa, a graça não é uma força irresistível.128
Armínio, portanto, defende a sinergia entre a atuação do Espírito Santo e a vontade humana quando afirma que o evangelho consiste da junção entre arrependimento e fé e “parcialmente da promessa de Deus de conceder o perdão dos pecados, a graça do Espírito e a vida eterna.129
Após a morte de Armínio (19 de outubro de 1609), alguns seguidores redigiram uma declaração de fé em cinco artigos que continham as principais ideias de Armínio, chamada de Os Remonstrantes.130 Eles criaram o acrônimo FACTS, grafado em inglês, que traduzidos são: Livre pela Graça para crer, Expiação para Todos, Eleição Condicional, Depravação Total e Segurança em Cristo.131 Desses, destacamos dois artigos que interessam ao nosso estudo e que são descritos parcialmente abaixo:
Artigo 3º - O homem não tem a fé salvadora de si mesmo nem pelo poder do seu próprio livre-arbítrio, uma vez que está no estado de apostasia e o pecado não pode pensar, desejar ou fazer qualquer bem que seja verdadeiramente bem (como é o caso da fé salvadora) por e mediante si mesmo; mas é necessário que ele seja regenerado por Deus, em Cristo, por meio do seu Santo Espírito, e renovado no entendimento, afeições ou vontade e em todos os poderes, a fim de que possa entender corretamente, meditar, desejar e realizar o que é verdadeiramente bom, de acordo com a palavra de Cristo, “Sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15.5).
Artigo 4º - [A] graça de Deus é o início, desenvolvimento e a finalização de todo o bem, também o homem regenerado não pode, à parte dessa graça prévia ou auxiliadora, despertadora, consequente e cooperativa, pensar, desejar ou fazer o bem ou resistir a qualquer tentação para o mal; assim é que todas as boas obras ou atividades que podem ser concebidas devem ser atribuídas à graça de Deus em Cristo. Mas, com relação ao modo dessa graça, ela não é irresistível, desde que está escrito a respeito de muitos que resistiram ao Espírito Santo (At 7.51) e em outras partes em muitos lugares.132
Uma das coisas que muito aproximam a doutrina arminiana do jeito de ser pentecostal é que, com a rejeição do determinismo divino por parte deste, tem-se uma possibilidade mais concreta de estabelecer-se um relacionamento pessoal, dinâmico e responsivo entre Deus, as criaturas humanas e o mundo.133

ARMÍNIO E O LIVRE-ARBÍTRIO
Paradoxalmente, a Bíblia afirma a predestinação e o livre-arbítrio em relação à salvação.
“A ênfase inconsequente à soberania de Deus no tocante à salvação leva a pessoa a crer que a sua conduta e procedimento nada têm a ver com a sua salvação. Por outro lado, a ênfase inconsequente ao livre-arbítrio do homem conduz ao engano de uma salvação dependente de obras, conduta e obediência humanas.”134
A eleição é uma escolha soberana de Deus (Ef 1.5,9), que tem por base o seu amor por todos os seres humanos (1 Tm 2.3-4). Não pode ser obra alcançável por qualquer mérito (Rm 9.11, 15-18) e é feita exclusivamente em Cristo (Ef 1.4). Essa eleição é operada para que nos tornemos a imagem de
Cristo (Rm 8.29) e para andarmos em santidade.
Deus elegeu a cada um de nós com propósitos específicos (Ef 1.18) e deseja que esses propósitos sejam atendidos. Ele também nos chamou para sermos de Cristo (Rm 1.6; 1 Co 1.9), para a santificação (Rm 1.7; 1 Pe 1.15; 1 Ts 4.7; Ef 1.4), para a liberdade (Gl 5.13), para a paz (1 Co 7.15), para o sofrimento (Rm 8.17-18) e para a glória (Rm 8.30).
A graça preveniente (Rm 5.18), estendida a todos os seres humanos, abre- lhes a oportunidade de crerem no evangelho. Isso descarta a possibilidade de a eleição ser uma ação fatalista de Deus, destinada apenas a alguns indivíduos, enquanto os demais se perderão no Inferno por uma escolha divina. Se isso fosse verdade, Deus seria muito cruel e atestaria contra seu amor. Por isso, Ele dá a oportunidade para que todos sejam salvos indistintamente (At 17.30), pois Deus não faz acepção de pessoas (At 10.34). Assim, a escolha humana colabora quanto à consequência eterna (Mc 16.16).
Vários textos bíblicos apontam para o fato de que o ser humano é livre para escolher: “[...] para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16); “[...] o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora” (Jo 6.37); “[...] todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (Rm 10.13);135 etc. Como Deus afirmaria todas essas coisas se os salvos já tivessem sido escolhidos? Deus não quer filhos que sejam robôs autômatos controlados por Ele, ou que se salvem simplesmente porque Ele predestinou apenas alguns para a salvação. O desejo dEle é que todos se salvem. O Senhor prefere a gratuidade do coração humano, que se volta para Ele não por aquilo que Ele dá ou determina previamente, mas por aquilo que Ele é. Nisso, Ele é glorificado.
É saudável para a Teologia e para a fé cristã que alguns temas permaneçam em tensão polarizada, pois nem tudo o que diz respeito a Deus é explicável, nem é possível destrinchar racionalmente — se o fosse, Ele deixaria de ser Deus e, então, o mistério seria perdido. Nesse sentido, algumas coisas divinas são paradoxais e, humanamente falando, não podem conviver de forma lógica. Ser paradoxal, no sentido de transcender a mente humana, é uma característica divina. Montar um “quebra-cabeça” divino com alguns textos bíblicos é forçar o texto a dizer o que ele não diz. Por isso, é preciso respeito quando existem paradoxos intransponíveis. Isso nos torna mais humildes diante do mistério. A melhor forma de lidarmos com questões complexas é deslocarmos essas questões para a vida, para a subjetividade da experiência e, assim, aprenderemos a tolerar quem pensa de forma diferente.
Abaixo, segue um quadro comparativo entre as três principais correntes da doutrina da salvação,136 quanto a vários temas que demonstram as tensões e questões conflitantes entre elas: 


Pelágio foi um monge (séculos IV e V) que ensinava que os seres humanos nasciam inocentes, sem a mancha do pecado original e nem com o pecado herdado. Ele acreditava que o pecado de Adão não tinha afetado as gerações futuras da humanidade, sendo conhecida como Pelagianismo. Sua doutrina afirmava ainda que: o pecado de Adão agrediu somente a ele, e não toda a raça humana; as crianças recém-nascidas estão no mesmo estado que Adão antes da Queda; toda a raça humana não morre por causa do pecado de Adão; e não irá ressuscitar por causa da ressurreição de Cristo; a lei oferece, tanto quanto o evangelho, entrada no Reino dos céus; antes mesmo da vinda de Cristo, havia homens completamente sem pecado.

 Extraído do livro: A obra da Salvação.
Por: Claiton  Ivan Pommerening.

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