Extraído do livro: A obra da Salvação.
Autor da obra: Claiton Ivan Pommerening.
Livre-arbítrio significa a tomada de decisão
humana para a salvação conquistada por Jesus na cruz do calvário.
A salvação é
oferecida a todos os seres humanos indistinta e gratuitamente (Ap 22.17) e por uma escolha pessoal e livre de cada um. Todos
os que a aceitam serão salvos e predestinados à vida eterna, pois Ele quer que
todos sejam salvos (2 Pe 3.9). Essa maneira de pensar a Soteriologia é
professada pelos pentecostais e teve sua origem em Jacó Armínio (1560–1609),
sendo também explicada depois por John Wesley (1703–91) e John William Fletcher
(1729–85). Logo, a doutrina calvinista é rejeitada por estes, tornando-se
incompatível com a Teologia Pentecostal, não necessariamente por não poder
conviver com esta, mas especialmente porque o calvinismo nega algumas dinâmicas
do pentecostalismo, como será visto adiante, sendo, assim, irreconciliáveis.
Essa declaração é necessária porque o calvinismo é, majoritariamente,
cessacionista.111 Portanto, de forma subjetiva, estão fazendo os pentecostais
abdicarem da doutrina mais cara ao pentecostalismo, que é o batismo no Espírito
Santo.
Os pentecostais também rejeitam a doutrina de
Calvino por ela ser fatalista, muito acomodatícia quanto ao evangelismo,
supondo certa injustiça em Deus, além de sugerir uma robotização humana; pode
levar à acomodação quanto à santificação e ao empenho para a salvação de
outros. Por isso, aproximam-se mais da doutrina de Armínio, mas isso não
significa que toda a Teologia arminiana possa ser aceita sem qualquer problema.
Este capítulo, entretanto, não se propõe a encontrar essas falhas, mas
simplesmente apontar a coerência existente entre a doutrina arminiana e a
Teologia Pentecostal.
É bom recomendar que não se façam disputas
entre calvinismo e arminianismo, mas que se exercite a tolerância cristã e o
respeito nas questões divergentes, que são muitas. Até porque os irmãos
calvinistas são acusados por alguns, dada a ênfase fundamentalista de suas
doutrinas, que são intolerantes; eles são levados ao orgulho espiritual por
serem os predestinados;112 sua ação evangelística é quase nula e isolam-se das
demais igrejas.113 O calvinismo também confessa uma pureza doutrinária acima
das demais teologias evangélicas, pureza esta que acaba tornando-se um meio de
auto-salvação. Apesar disso, há, também, alguns pontos de contato entre as
doutrinas. Silas Daniel afirmou “que o calvinismo honra a Deus tanto quanto o
arminianismo, claramente estou me referindo ao calvinismo majoritário,
compatibilista (o outro extremo é o fatalista).” Há pontos de contato especialmente
no pentecostalismo mais popular, onde há “certo fatalismo quando se trata de
‘causas e consequências’”, especialmente diante de grandes tragédias. A frase
“Deus assim quis” é muito comum sem levar em conta a lógica da afirmação em
alguns contextos.”114
A título de resumo do calvinismo, pode
afirmar-se que este segue a linha de pensamento de Agostinho quanto à salvação,
onde a liberdade das escolhas humanas está limitada à vontade de Deus,
afirmando que o homem é cativo ou de Deus ou do Diabo. Essa mesma linha de
pensamento foi esboçada por Martinho Lutero (1486–1546) no início da Reforma
(séc. XVI), embora Filipe Melâncton (1497–1560), seu sucessor, apoiasse o
sinergismo.115
Armínio escreveu que não poderia concordar
com o calvinismo, chamando- o, então, de repugnante, tendo em vista algumas
contrariedades que são: Deus jamais criaria algo, como a predestinação, para a
condenação, com o propósito de não ser unicamente bom, ou seja, “que Deus criou
algo para a perdição eterna para o louvor da sua justiça”; se Deus
predestinasse alguém à perdição, seria para demonstrar a glória de sua
misericórdia e da sua justiça, mas Ele não pode demonstrar tal glória através
de um ato contrário à sua misericórdia e justiça, como a predestinação à
condenação; se Deus condenasse os seres humanos desde a sua criação, Ele
quereria o maior mal para as suas criaturas e teria predeterminado, desde a
eternidade, o mal para elas, mesmo antes de conceder-lhes qualquer bem; assim,
Deus quis condenar e, para que pudesse fazer isso, Ele quis criar, embora a
própria criação é uma demonstração de sua bondade; entretanto, contrariando
essa ideia espúria, Deus confere bênçãos e benefícios sobre o mau e o injusto e
até sobre aqueles que são merecedores de punição; o pecado é chamado de
desobediência e rebelião; logo, Deus teria colocado alguns sob uma necessidade
inevitável de pecar, o que seria impossível; a condenação é consequência do
pecado; este, entretanto, sendo causa, não pode ser colocado como meio pelo
qual Deus executa o decreto ou a vontade de reprovação dos seres humanos; a
predestinação tem um paradoxo intransponível, que é o fato de os pecadores
destinados à condenação terem sido condenados antes mesmo de Jesus ter sido
predestinado, muito embora Ele tenha sido morto desde a fundação do mundo para
ser o salvador; isso desonra a Cristo e sua obra; se a salvação de alguns já
tinha sido preordenada, Ele, então, foi apenas um ministro e um instrumento para
dar-nos a salvação, assumindo um protagonismo secundário, e sua morte foi
desnecessária, pois, quem fosse destinado à salvação seria salvo do mesmo
jeito.116
Recentemente, tem havido uma aproximação ao
calvinismo por parte de alguns pentecostais mais intelectualizados, mas isso se
deve mais a uma lacuna pentecostal histórica quanto à educação teológica
sólida, que deixou uma classe intelectualizada mais abandonada,117 do que
propriamente a habilidade de fazer coadunar as duas teologias.
A ELEIÇÃO BÍBLICA É SEGUNDO A PRESCIÊNCIA
DIVINA
Eleição é a escolha que Deus faz para com
grupos ou indivíduos com fins específicos determinados por Ele — no caso aqui
abordado, para a salvação. Uma das palavras hebraicas para eleição, yãdha’,118
tem uma conotação amorosa no sentido de que Deus elege não simplesmente por uma
mera escolha, mas especialmente porque seus afetos levam-no a escolher as
pessoas para a salvação. Essa mesma palavra é usada quando o Antigo Testamento
refere-se a um casal que teve relações sexuais, ou seja, há um envolvimento de
afetos. A eleição amorosa também está presente num termo grego usado por Paulo
(Rm 8.29), proginõskõ, que expressa o sentido de que Deus amou de antemão.
Tendo em vista esse amor, Paulo escreveu poeticamente: “Quem nos separará do
amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a
nudez, ou o perigo, ou a espada? Como está escrito: Por amor de ti somos
entregues à morte todo o dia: fomos reputados como ovelhas para o matadouro.
Mas em todas estas coisas somos mais do que vencedores, por aquele que nos
amou” (Rm 8.35-37). Assim, segundo a doutrina arminiana, Deus elegeu e destinou
todos para a salvação (Jo 3.14-16; 1 Pe 2.9), “para que todo aquele que nele
crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.15).
No Antigo Testamento, a Eleição tem um
significado mais específico do que no Novo Testamento. Exemplo disso é a
escolha de Abraão e sua descendência, que, depois, vieram a formar a nação de
Israel. Deus chamou o patriarca e fez-lhe promessas, e este livremente
respondeu ao chamado; porém, diante dele, estava a possibilidade de não atender
ao convite. A eleição de Israel (Is 51.2; Os 11.1) e alguns indivíduos dela, de
maneira específica, é pontual na história porque Deus tinha o propósito de, através
dessa nação, trazer o Salvador. Por ser uma eleição pontual, ela não pode
servir de base, em se tratando de salvação, para estabelecer uma eleição
absoluta e específica apenas para determinadas pessoas e outras não. A
liberdade de escolha para obedecer que Deus deu para Israel e a desobediência e
rebeldia do povo fizeram eles perderem algumas das bênçãos prometidas (Jr 6.30;
7.29) e, assim, servissem-nos de exemplo para não repetirmos os mesmos erros (1
Co 10.6,11).
Por mais que pareça, a eleição não trouxe
privilégios para a nação de Israel, mas, sim, responsabilidades. No entanto,
por não conseguir cumprir sua parte na eleição, Israel nunca deixou de ser alvo
do amor de Deus, embora sofresse as consequências (destruição da nação) por não
agirem como povo escolhido. A eleição divina é o ato pelo qual Deus chama os
pecadores para a salvação em Cristo e torna-os santos (Rm 8.29-30). Essa
eleição é proclamada através da pregação do evangelho (Jo 1.11; At 13.46; 1 Co
1.9), e Deus deseja que todos sejam salvos e respondam afirmativamente ao
chamado para a salvação (At 2.37; 1 Tm 2.4; 2 Pe 3.9). Os que crerem serão
salvos; os que não crerem, porém, serão condenados (Mc 16.16). Alguns, ao
ouvirem o evangelho, se endurecem ainda mais em seus pecados (Jo 1.11; At 17.32)
e perdem a oportunidade de salvação.
Presciência é a capacidade que Deus tem de
saber todas as coisas de antemão (At 22.14; Rm 9.23) e também de interferir na
história humana (Ne 9.21; Sl 3.5; 9.4; Hb 1.3). Ele é soberano (Jó 42),
provedor (Sl 104) e também sabe quem irá responder positivamente ao convite
para a salvação (Rm 8.30; Ef 1.5). Ele proveu a salvação para todos, mas nem
todos atendem ao seu convite, pois Ele mesmo, em sua bondade, deu para seus
filhos a possibilidade da escolha. Assim, Deus cortou Israel (Mt 21.43) por
escolha deles e enxertou os salvos em seu lugar, e foram esses salvos que se
tornaram o Israel de Deus (Rm 11.17-24). Em sua soberania, estamos sob os
cuidados e a presciência de Deus, mas também desfrutamos paradoxalmente da liberdade
do livre-arbítrio dado por Ele, e isso aumenta a responsabilidade humana em
obedecer aos seus mandamentos (Ap 3.20). “Mas o justo viverá da fé; e, se ele
recuar, a minha alma não tem prazer nele” (Hb 10.38).
Eleição é uma decisão de Deus desde a eternidade,
mas é condicionada à vontade humana. Entretanto, essa vontade não prejudica em
nada a vontade de Deus. Ele não é pego de surpresa diante da livre vontade
humana, pois Ele previu essa vontade. Podemos com toda a certeza afirmar que o
que Deus predestinou foi, de fato, a vontade humana, no sentido de ela ser
completamente livre, ou seja, Ele criou o homem determinando que este teria
liberdade de escolhas. “Mas devemos sempre dar graças a Deus, por vós, irmãos
amados do Senhor, por vos ter Deus elegido desde o princípio para a salvação,
em santificação do Espírito e fé da verdade” (2 Ts 2.13)
Antonio Gilberto ensina que “na Bíblia,
mencionam-se a eleição divina coletiva, como a de Israel (Is 45.4; 41.8-9) e a
da Igreja (Ef 1.4); e a individual, como a de Abraão (Ne 7.9) e a de cada
crente (Rm 8.29).”119 Severino Pedro propõe outra forma. Ele classifica a
eleição de quatro maneiras: preventiva, quando Deus usa de vários meios para
impedir o mal na vida dos que são chamados e atendem à sua salvação (Gn 20.6);
permissiva, que diz respeito às coisas que Deus não proíbe nem restringe, mas
fica na vontade do homem (Dt 8.2); diretiva, que se baseia na vontade perfeita
de Deus dirigindo a vontade humana (Gn 50.20); e determinativa, que é quando
Deus decide e executa conforme a sua soberana vontade (Jó 42.2).120
ARMÍNIO E O LIVRE-ARBÍTRIO
O livre-arbítrio foi desenvolvido por Jacó
Armínio após ele ter sido chamado a refutar os escritos do teólogo Dirck
Volkertsz. Koornhert (1522– 90), quando este atacou a doutrina calvinista da
predestinação;121 mas, ao estudar profundamente o assunto e as soteriologias
sinergistas dos pais da igreja como, por exemplo, Ambrósio (337–97 d.C.) e
Tertuliano (160–220 d.C.), Armínio chegou à conclusão que Koornhert tinha razão
e passou a defender a doutrina hoje chamada arminiana. Entretanto, perceba que
mesmo o arminianismo é uma doutrina que estuda a predestinação humana, cujo
ponto mais divergente do calvinismo é a atuação da graça para a salvação do
homem, no sentido de se a decisão é humana ou divina para isso. A doutrina
arminiana desse ponto afirma que, “não apenas, portanto, a cruz de Cristo é
necessária para solicitar e obter a redenção, como a fé na cruz também é
necessária para obter a posse dessa redenção.”122
Jacó Armínio (Jakob Hermanszoon) nasceu na
Holanda em 1560, foi pastor de uma igreja em Amsterdã e recebeu o título de
doutor em Teologia pela Universidade de Leiden. Sua principal defesa
doutrinária é o livre-arbítrio humano. Por causa de seu posicionamento, enfrentou
forte oposição, perseguição e falsas acusações por parte dos calvinistas. Sua
reação, porém, sempre foi de uma postura tolerante e não combativa, embora
convicto de suas opiniões.
Armínio escreveu inúmeras obras. Em
português, temos três grandes volumes traduzidos pela CPAD que defendem o
sinergismo na salvação (crença na cooperação divino-humana) contra o monergismo
(Deus é quem determina a salvação e quem se salvará, excluindo a participação
humana). A monergista foi retomada por João Calvino e seus seguidores a partir
de Agostinho de Hipona.
O livre-arbítrio é a possibilidade que os
seres humanos têm de fazer escolhas e tomar decisões que afetam seu destino
eterno, especificamente quando se trata de sua salvação, ou seja, cabe a cada
um deixar-se convencer pelo Espírito Santo e ser salvo por Jesus ou não, embora
Deus dê para todos a oportunidade da salvação. Se não houvesse livre-arbítrio,
a culpa humana seria algo quase impossível, pois não haveria também liberdade
de escolha. No Jardim do Éden, Deus outorgou a possibilidade da escolha ao
homem (Gn 2.16-17). A Caim, Ele afirmou que o pecado jaz à porta como primeira
evidência de escolhas após o Jardim do Éden (Gn 4); a Israel, Ele deu a
prerrogativa da escolha (Dt 30.19), e à toda a humanidade, Ele também deu a
possibilidade de escolher entre salvação e perdição (Mc 16.16).
Uma vez que escolhemos a Deus, abrimos
voluntariamente mão da dádiva do livre-arbítrio. A partir daí, não temos mais
escolhas no sentido salvífico da questão. Deus é quem nos direciona, e
continuar fazendo as próprias escolhas sem a direção divina não significa
exercer livre-arbítrio, mas, sim, desobediência. Abrir mão do livre-arbítrio
para viver e ser direcionado por Deus é uma das mais lindas provas de amor que
podemos dar a Ele, muito embora ainda continuemos livres.
Deus criou-nos a sua imagem e semelhança (Gn
1.26); logo, por ser Ele um ser livre, seus filhos também escolhem livremente;
a Israel, Ele incentivou escolher ouvir a sua voz (Dt 30.19-20). Em Adão, todos
são predestinados para a perdição e, em Cristo, todos são predestinados para a
salvação: “Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão
vivificados em Cristo” (1 Co 15.22; Jo 1.12). O Pr. Esequias Soares, na
apresentação de “As Obras de Armínio”, fez um resumo da doutrina arminiana da
seguinte forma:
No Brasil, prevalece o entendimento da
teologia de Armínio no tocante à salvação, respaldado nos seguintes pontos: a
predestinação se fundamenta na presciência de Deus, e não é um determinismo
divino que aponta quem vai para o céu ou não; Cristo morreu por todos
indistintamente, mas apenas aqueles que crerem serão salvos; a pessoa que vai
ser salva depende da graça de Deus, pois, por si mesma, não tem a capacidade de
crer; a graça de Deus no tocante à salvação pode ser resistida pelo pecador.
Alguns pontos centrais do arminianismo devem
ser expostos, os quais são: que o homem não regenerado é escravo do pecado e
incapaz de servir a Deus com suas próprias forças (Rm 3.10-12; Ef 2.1-10). É
através da graça preveniente que a depravação total, resultante do pecado
original, pode ser suplantada, de maneira que o ser humano poderá, então,
corresponder com arrependimento e fé quando Deus atraí-lo a si. O
livre-arbítrio é decorrente da ação da graça preveniente. Vem de Deus a
capacidade de arrepender-se e ter fé para ser salvo.123 É a graça que inicia a
salvação promovendo-a, aperfeiçoando-a e consumando-a, pois é ela que ordena os
interesses, os sentimentos e a vontade; é ela que provê bons pensamentos,
inspira bons desejos e ações, e faz a vontade inclinar-se para a ação de bons
pensamentos e bons desejos.124 O ponto principal da teologia arminiana é, sem
dúvida, o conceito de graça resistível da regeneração. A graça é necessária à
salvação, mas ela não é condição suficiente e nem garante que a salvação
acontecerá. Nesse sentido, Armínio afirma que:
Aqueles que são obedientes à vocação ou ao
chamado de Deus livremente submeteram-se à graça; eles, porém, foram
instigados, impelidos, atraídos e assistidos pela graça. E, no momento preciso
em que eles realmente se submeteram, possuíam a capacidade de não se
submeterem.125
Dessa forma, segundo Armínio, a graça
preveniente capacita o homem a submeter-se a Cristo, mas o homem não precisa
desejar a Cristo, pois o pecador até é capaz de desejar a Cristo, mas ele pode
ainda não querer fazer isso. A capacidade de desejar é dada pelo Espírito Santo
— portanto, uma obra monergista —,126 pois é Ele que instiga, mas o desejar
real, o atender ao desejo, o consentir, é obra sinergista do pecador atuando em
cooperação com o Espírito Santo e a graça preveniente de Deus. Assim, “conceder
a graça é obra apenas de Deus; consentir com ela é obra do homem, que agora tem
o poder de cooperar ou não com ela”.127 Nesse sentido, Armínio ainda afirma
que:
Todas as pessoas não regeneradas têm
liberdade de escolha, e uma capacidade de resistir ao Espírito Santo, de
rejeitar a graça oferecida por Deus, ou de desprezar o conselho de Deus contra
elas mesmas, de se recusar a aceitar o Evangelho da graça, e de não abrir
àquEle que bate à porta do coração; e essas pessoas podem, realmente, fazer
essas coisas, sem nenhuma diferença entre os eleitos e os reprovados. [...] A
eficácia da graça de salvação não é consistente com aquele ato onipotente de
Deus, pelo qual Ele age tão interiormente na mente e no coração do homem que
aquele sobre quem tal ato acontece não pode deixar de consentir com Deus, que o
chama; ou, o que a mesma coisa, a graça não é uma força irresistível.128
Armínio, portanto, defende a sinergia entre a
atuação do Espírito Santo e a vontade humana quando afirma que o evangelho
consiste da junção entre arrependimento e fé e “parcialmente da promessa de
Deus de conceder o perdão dos pecados, a graça do Espírito e a vida eterna.129
Após a morte de Armínio (19 de outubro de
1609), alguns seguidores redigiram uma declaração de fé em cinco artigos que
continham as principais ideias de Armínio, chamada de Os Remonstrantes.130 Eles
criaram o acrônimo FACTS, grafado em inglês, que traduzidos são: Livre pela
Graça para crer, Expiação para Todos, Eleição Condicional, Depravação Total e
Segurança em Cristo.131 Desses, destacamos dois artigos que interessam ao nosso
estudo e que são descritos parcialmente abaixo:
Artigo 3º - O homem não tem a fé salvadora de
si mesmo nem pelo poder do seu próprio livre-arbítrio, uma vez que está no
estado de apostasia e o pecado não pode pensar, desejar ou fazer qualquer bem
que seja verdadeiramente bem (como é o caso da fé salvadora) por e mediante si
mesmo; mas é necessário que ele seja regenerado por Deus, em Cristo, por meio
do seu Santo Espírito, e renovado no entendimento, afeições ou vontade e em
todos os poderes, a fim de que possa entender corretamente, meditar, desejar e
realizar o que é verdadeiramente bom, de acordo com a palavra de Cristo, “Sem
mim, nada podeis fazer” (Jo 15.5).
Artigo 4º - [A] graça de Deus é o início,
desenvolvimento e a finalização de todo o bem, também o homem regenerado não
pode, à parte dessa graça prévia ou auxiliadora, despertadora, consequente e
cooperativa, pensar, desejar ou fazer o bem ou resistir a qualquer tentação
para o mal; assim é que todas as boas obras ou atividades que podem ser
concebidas devem ser atribuídas à graça de Deus em Cristo. Mas, com relação ao
modo dessa graça, ela não é irresistível, desde que está escrito a respeito de
muitos que resistiram ao Espírito Santo (At 7.51) e em outras partes em muitos
lugares.132
Uma das coisas que muito aproximam a doutrina
arminiana do jeito de ser pentecostal é que, com a rejeição do determinismo
divino por parte deste, tem-se uma possibilidade mais concreta de
estabelecer-se um relacionamento pessoal, dinâmico e responsivo entre Deus, as
criaturas humanas e o mundo.133
ARMÍNIO E O LIVRE-ARBÍTRIO
Paradoxalmente, a Bíblia afirma a
predestinação e o livre-arbítrio em relação à salvação.
“A ênfase inconsequente à soberania de Deus
no tocante à salvação leva a pessoa a crer que a sua conduta e procedimento
nada têm a ver com a sua salvação. Por outro lado, a ênfase inconsequente ao
livre-arbítrio do homem conduz ao engano de uma salvação dependente de obras,
conduta e obediência humanas.”134
A eleição é uma escolha soberana de Deus (Ef
1.5,9), que tem por base o seu amor por todos os seres humanos (1 Tm 2.3-4).
Não pode ser obra alcançável por qualquer mérito (Rm 9.11, 15-18) e é feita
exclusivamente em Cristo (Ef 1.4). Essa eleição é operada para que nos tornemos
a imagem de
Cristo (Rm 8.29) e para andarmos em
santidade.
Deus elegeu a cada um de nós com propósitos
específicos (Ef 1.18) e deseja que esses propósitos sejam atendidos. Ele também
nos chamou para sermos de Cristo (Rm 1.6; 1 Co 1.9), para a santificação (Rm
1.7; 1 Pe 1.15; 1 Ts 4.7; Ef 1.4), para a liberdade (Gl 5.13), para a paz (1 Co
7.15), para o sofrimento (Rm 8.17-18) e para a glória (Rm 8.30).
A graça preveniente (Rm 5.18), estendida a
todos os seres humanos, abre- lhes a oportunidade de crerem no evangelho. Isso
descarta a possibilidade de a eleição ser uma ação fatalista de Deus, destinada
apenas a alguns indivíduos, enquanto os demais se perderão no Inferno por uma
escolha divina. Se isso fosse verdade, Deus seria muito cruel e atestaria
contra seu amor. Por isso, Ele dá a oportunidade para que todos sejam salvos
indistintamente (At 17.30), pois Deus não faz acepção de pessoas (At 10.34).
Assim, a escolha humana colabora quanto à consequência eterna (Mc 16.16).
Vários textos bíblicos apontam para o fato de
que o ser humano é livre para escolher: “[...] para que todo aquele que nele
crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16); “[...] o que vem a mim de
maneira nenhuma o lançarei fora” (Jo 6.37); “[...] todo aquele que invocar o
nome do Senhor será salvo” (Rm 10.13);135 etc. Como Deus afirmaria todas essas
coisas se os salvos já tivessem sido escolhidos? Deus não quer filhos que sejam
robôs autômatos controlados por Ele, ou que se salvem simplesmente porque Ele
predestinou apenas alguns para a salvação. O desejo dEle é que todos se salvem.
O Senhor prefere a gratuidade do coração humano, que se volta para Ele não por
aquilo que Ele dá ou determina previamente, mas por aquilo que Ele é. Nisso,
Ele é glorificado.
É saudável para a Teologia e para a fé cristã
que alguns temas permaneçam em tensão polarizada, pois nem tudo o que diz
respeito a Deus é explicável, nem é possível destrinchar racionalmente — se o
fosse, Ele deixaria de ser Deus e, então, o mistério seria perdido. Nesse
sentido, algumas coisas divinas são paradoxais e, humanamente falando, não
podem conviver de forma lógica. Ser paradoxal, no sentido de transcender a
mente humana, é uma característica divina. Montar um “quebra-cabeça” divino com
alguns textos bíblicos é forçar o texto a dizer o que ele não diz. Por isso, é
preciso respeito quando existem paradoxos intransponíveis. Isso nos torna mais
humildes diante do mistério. A melhor forma de lidarmos com questões complexas
é deslocarmos essas questões para a vida, para a subjetividade da experiência
e, assim, aprenderemos a tolerar quem pensa de forma diferente.
Abaixo, segue um quadro comparativo entre as
três principais correntes da doutrina da salvação,136 quanto a vários temas que
demonstram as tensões e questões conflitantes entre elas:
Pelágio foi um monge (séculos IV e V) que
ensinava que os seres humanos nasciam inocentes, sem a mancha do pecado
original e nem com o pecado herdado. Ele acreditava que o pecado de Adão não
tinha afetado as gerações futuras da humanidade, sendo conhecida como
Pelagianismo. Sua doutrina afirmava ainda que: o pecado de Adão agrediu somente
a ele, e não toda a raça humana; as crianças recém-nascidas estão no mesmo
estado que Adão antes da Queda; toda a raça humana não morre por causa do pecado de Adão; e não irá ressuscitar por
causa da ressurreição de Cristo; a lei oferece, tanto quanto o evangelho,
entrada no Reino dos céus; antes mesmo da vinda de Cristo, havia homens
completamente sem pecado.
Extraído do livro: A obra da Salvação.
Por: Claiton Ivan Pommerening.
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