Romanos 1.1-6
Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para apóstolo, separado
para o evangelho de Deus, o qual antes havia prometido pelos seus profetas nas
Santas Escrituras, acerca de seu Filho, que nasceu da descendência de Davi
segundo a carne, declarado Filho de Deus em poder, segundo o Espírito de
santificação, pela ressurreição dos mortos, —Jesus Cristo, nosso Senhor, pelo
qual recebemos a graça e o apostolado, para a obediência da fé entre todas as
gentes pelo seu nome, entre as quais sois também vós chamados para serdes de
Jesus Cristo.
Paulo, o Apóstolo da Graça
“Paulo... ” (1.1). A Carta aos Romanos tem início com
a identificação do nome de seu autor, Paulo. Há uma unanimidade entre os
intérpretes conservadores da autoria paulina de Romanos. Stanley Clark, autor
de um excelente comentário sobre Romanos, observa que “a carta afirma que seu
autor é Paulo o apóstolo (1:1). Esta afirmação tem sido questionada seriamente.
A evidência interna (estilo, conteúdo, circunstâncias do autor) a confirma e
tem sido a convicção entre os crentes desde os primeiros tempos. C. H. Dodd tem
declarado que a autenticidade da Epístola aos Romanos é uma questão já
resolvida”.1
O nome Paulo é uma forma latina do hebraico Saul. Sabemos
através do livro de Atos dos apóstolos que ele era natural de Tarso, cidade da
Cilicia, hoje território turco. Paulo nasceu em um lar judeu e herdou por
direito de nascimento a cidadania romana. Ele mesmo informa que
seus pais eram fariseus (At 23.6) e por influência destes se tornou fariseu,
estudando na Escola de Gamaliel (At 5.34; 22.3). Isso fez com que o seu zelo
pelo judaísmo aumentasse e que se tornasse um ferrenho defensor de suas
tradições. Motivado por esse zelo, passou a fazer uma perseguição sangrenta aos
cristãos, levando muitos deles ao cárcere e à morte. E esse homem implacável
que se torna posteriormente o maior defensor e propagador do cristianismo. Foi
no encontro com Jesus ressuscitado no caminho de Damasco, capital da Síria, que
Paulo teve sua vida totalmente mudada (At 9.1- 22). A graça de Deus
superabundou em sua vida.
"... servo de Jesus Cristo, chamado para apóstolo,
separado para o evangelho de Deus” (1.1). Duas coisas Paulo diz acerca
desse seu chamamento: ele agora era um “servo” de Jesus Cristo e que foi
“separado” para o evangelho. A palavra “servo” traduz o termo grego doulos,
cujo sentido é “aquele que pertence a outro”.2 A vida de Paulo não pertencia
mais a ele mesmo, mas a Jesus Cristo, o Senhor! Em segundo lugar, Paulo, além
de servo de Jesus Cristo, foi também “separado” para ser um apóstolo. O
particípio perfeito passivo do verbo grego aphorisçp (separado) mostra
que ele havia sido separado para Deus e continuava dentro dessa nova fronteira
que fora demarcada para seu chamamento. Sua missão agora era ser um enviado de
Deus para onde Ele o mandasse. O termo “apóstolo” assume uma conotação
teológica no Novo Testamento, cujo sentido é “enviar (para fora) para servir a
Deus com a própria autoridade de Deus”.3 Sim, Paulo não era agora um mero
zeloso da lei, mas um apóstolo, um enviado pelo Senhor para conquistar o mundo
para Deus.4
"... pelo qual recebemos a graça” (1.5). Aqui
aparece pela primeira vez na carta aos Romanos a palavra “graça” (gr. charis).
Essa palavra, que sem dúvida predomina no pensamento teológico de Paulo,
ocorre 164 vezes no texto do Novo Testamento grego, sendo 23 vezes somente em
Romanos.5 Sem exagero algum, Romanos é uma carta cheia da graça! A graça se
torna um tema fundamental na teologia paulina. Na verdade, o principal eixo de
sua teologia. Paulo se sentia devedor dessa graça! Qualquer leitor atento
observará que a graça está no início e no fim das suas obras literárias. Por
exemplo, em 1 Coríntios, Paulo mostra que a graça impede que o passado o
machuque. “Porque eu sou o menor dos apóstolos, que não sou digno de ser
chamado apóstolo, pois que persegui a igreja de Deus. Mas, pela graça de Deus,
sou o que
sou” (1 Co 15.9,10a). Paulo não negou o seu passado e já
sabemos que seu passado não foi nada agradável. Todavia, ele, totalmente imerso
na graça de Deus, sabia que seu passado tinha ficado para trás. Mas a graça fez
mais! A graça não permitiu que ele ficasse choramingando pelos cantos, caindo
na inércia por se sentir um “Zé Ninguém”. Não, a graça não permitiu que ele
ficasse inoperante. Ela o impulsionou para o trabalho. “E a sua graça para
comigo não foi vã; antes, trabalhei muito mais do que todos eles; todavia, não
eu, mas a graça de Deus, que está comigo” (1 Co 15.10). Essa mesma graça o
ajudou a superar os obstáculos e a conviver com as adversidades. “E disse-me: A
minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa
vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o
poder de Cristo. Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas
necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque,
quando estou fraco, então, sou forte” (2 Co 12.9,10). Que mais fez a graça por
ele? Ela o salvou: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso não
vem de vós; é dom de Deus” (Ef 2.8); fez com que fosse um vencedor: “Mas graças
a Deus, que nos dá a vitória por nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Co 15.57) e um
embaixador do Reino de Deus: “E dou graças ao que me tem confortado, a Cristo
Jesus, Senhor nosso, porque me teve por fiel, pondo-me no ministério” (1 Tm
1.12). Tudo feito pela graça!
Romanos 1.7-15
A todos os que estais em Roma, amados de Deus,
chamados santos: Graça e paz de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo.
Primeiramente, dou graças ao meu Deus, por Jesus Cristo, acerca de vós todos,
porque em todo o mundo é anunciada a vossa fé. Porque Deus, a quem sirvo em meu
espírito, no evangelho de seu Filho, me é testemunha de como incessantemente
faço menção de vós, pedindo sempre em minhas orações que, nalgum tempo, pela
vontade de Deus, se me ofereça boa ocasião de ir ter convosco. Porque desejo
ver-vos, para vos comunicar algum dom espiritual, a fim de que sejais
confortados, isto é, para que, juntamente convosco eu seja consolado pela fé
mútua, tanto vossa como minha. Não quero, porém, irmãos, que ignoreis que
muitas vezes propus ir ter convosco (mas até agora tenho sido impedido) para
também ter entre vós algum fruto, como também entre os demais gentios. Eu sou
devedor tanto a gregos como a bárbaros, tanto a sábios como a ignorantes. E
assim, quanto está em mim, estou pronto para também vos anunciar o evangelho, a
vós que estais em Roma.
Amados Romanos
“A todos os que estais em Roma... ” (1.7). Paulo não
foi o fundador da igreja que estava em Roma, mas possuía um desejo ardente de
visitá-la. Ele sabia que seu apostolado era para os gentios e sabia também que
a igreja de Roma era formada predominantemente de gentios (Rm 1.6). Todavia,
endereça sua carta a “todos os crentes” de Roma. William McDonald observa que a
expressão “todos” deve ser entendida no contexto de que em Roma, capital do
império, não havia apenas um local de culto, mas vários, e Paulo queria que
todos tomassem conhecimento dessa carta.6 Mas se Paulo, que fundou quase todas
as igrejas do Novo Testamento, não foi quem levou o evangelho para Roma, quem
foi então? Não há elementos que nos permitem ser dogmáticos nesse assunto, mas
os intérpretes acham indícios que permitem fazer deduções. Por ocasião do Dia
de Pentecostes, entre os que receberam o batismo no Espírito Santo estavam
“romanos que aqui residem” (At 2.10, ARA). Teriam sido esses crentes romanos
que se encontravam em Jerusalém, depois de serem cheios do Espírito Santo, que
voltaram para Roma com a preciosa semente do evangelho. Roma, portanto, era uma
igreja que nasceu do Pentecostes.
“... Chamados santos” (1.7). Como costuma fazer em
outras cartas, Paulo se dirige aos crentes usando o adjetivo “santos”. “Santo”
(gr. hagios) era aquilo que fora separado para um serviço especial. Aqui
significa dedicado a Deus, santo e sagrado7 Os crentes são santos porque
foram separados para pertencerem a Deus. O conceito de santificação posicionai
já aparece aqui nessa expressão. Em Cristo todos os crentes são santos porque
foram comprados com seu sangue e, portanto, pertencem a Ele (1 Co 6.19,20). O
conceito de santificação progressiva, aquela na qual o crente tem sua
participação efetiva, aparecerá na argumentação de Paulo no capítulo 8 dessa
carta. Infelizmente, o conceito de santidade se encontra de tal forma
relativizado que quase não é mais possível se distinguir o santo do profano. Santidade
tem a ver com o estabelecimento de limites e a diferença clara entre o que é
certo e o que é errado. O parâmetro é sempre dado pela palavra de Deus.
Infelizmente, quem está ditando os padrões para as igrejas não é mais a Bíblia,
e sim a cultura secular. E impressionante a facilidade que têm muitos crentes
de se moldarem por aquilo que o mundo dita. Se o mundo permite se divorciar por
qualquer motivo, então muitos crentes acham que devem fazer o mesmo. Quem se
levantar contra
é logo taxado de falso moralista! Todavia, a Escritura chama
isso de mundanismo! Mundanismo é pecado.
"... em todo o mundo é anunciada a vossa fé” (1.8). Esse
versículo mostra a influência que a igreja de Roma exercia. Paulo reconhece que
a fé deles já era notícia no mundo todo. Era uma igreja que todo mundo sabia
que ela existia. Talvez a tragédia da igreja hoje esteja no fato de ela passar
despercebida na sociedade. Poucos sabem da sua existência e os poucos que sabem
não se sentem mudados por ela. Qual seria, pois, a razão da pouca influência da
igreja contemporânea? Não podemos ser simplistas, mas evidentemente que existem
causas para esse fenômeno de esfriamento das igrejas. Um pneumatismo
anárquico, que tem lançado a igreja numa verdadeira corrida sensorial é uma
das razões. A busca desenfreada por realização, por prazer, tem transformado a
igreja em uma comunidade de consumidores, e não de adoradores. A busca por mais
adrenalina não está acontecendo apenas em esportes radicais, mas também em
muitos cultos. Infelizmente, as igrejas neopentecostais estão na vanguarda
dessa nova espiritualidade. Por outro lado, as ortodoxias engessantes também
são nocivas da mesma forma. Cultos frios, em que o ritual não dá a mínima
liberdade para o exercício dos dons espirituais, é um veneno para a
espiritualidade da igreja. Não devemos ser contra a liturgia, pois todo culto a
Deus necessita possuir um ritual litúrgico. Todavia, foi o mesmo Paulo quem
esboçou os princípios de uma liturgia de uma igreja onde o Espírito não está
engessado. “Que fareis, pois, irmãos? Quando vos ajuntais, cada um de vós tem
salmo, tem doutrina, tem revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo
para edificação” (1 Co 14.26).
incessantementefaço
menção de vós,pedindo sempre em minhas orações" (1.9,10). Uma das marcas da
espiritualidade de Paulo é sua profunda piedade cristã. Paulo era um homem
devotado à oração. Mesmo não conhecendo ainda a igreja de Roma, ele se lançava
em um trabalho de intercessão por ela. Alguns pensam que a oração ficou
restrita aos menos letrados, aos místicos. Todavia, aqui encontramos um homem
com uma profunda formação teológica, um verdadeiro erudito, que não
negligenciava sua vida devocional. O teólogo anglicano Alan Jones observou que
quem pensa não ora e quem ora não pensa! Essa parece ser a lógica da
espiritualidade dos clérigos do século XXI. Não é de admirar que se encontrem
tantos clérigos vazios, mas cheios de si mesmos. A devoção foi substituída pela
busca da posição. Como disse o filósofo Antonio Cruz, a carne sufocou o
espírito.8
“...para vos
comunicar algum dom espiritual” (1.11-13). A expressão “dom espiritual”
traduz o grego charisma pneumatikon. O expositor bíblico Stanley Clark
observa três usos dessa palavra no contexto de Romanos. Primeiramente, ela é
usada em referência ao dom da graça, Cristo Jesus, que Deus deu a todos os
homens (Rm 5.15,16). Em segundo lugar, a referência aos dons que Deus outorgou
ao povo de Israel (Rm 11.29). Em terceiro lugar, uma capacidade especial que
Deus deu a um membro da igreja para que seja usado no ministério (Rm 12.6). Eu
me junto àqueles que veem aqui o terceiro sentido. A expressão charismapeneumatikon
é a mesma encontrada nos capítulos 12 a 14 da Primeira Carta de Paulo aos
Coríntios, onde a referência é aos dons espirituais. Não há dúvida de que aqui
essa expressão tem significação similar ao encontrado ali. Muitos intérpretes,
quando leem as cartas de Paulo, as leem com os óculos da cultura onde vivem.
Não se dão conta do contexto espiritual da igreja do primeiro século. A igreja
de Roma, como foram todas as outras do Novo Testamento, era filha do
Pentecostes. Ela entendia a linguagem do apóstolo sobre os carismas do Espírito
porque também os vivenciava. Paulo queria naquela visita compartilhar os frutos
de sua experiência com Deus e da mesma forma queria se sentir abençoado com
aquilo que Deus também havia feito na vida daqueles crentes. Há muita gente
criticando experiências espirituais sem nunca as ter vivido.
Romanos 1.16,17
Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o
poder de Deus para salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também
do grego. Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está
escrito: Mas o justo viverá da fé.
A Graça que não Decepciona
“Porque
não me envergonho do evangelho..." (1.16,17). Em seu célebre comentário de
Romanos, o expositor bíblico C. E. B. Cranfield observa que a forma “negativa
em que Paulo se exprime deve ser explicada não como exemplo de atenuação
(significando que ele, Paulo, está orgulhoso do evangelho), mas como refletindo
o seu sóbrio reconhecimento do fato de que o evangelho é algo de que, neste
mundo, os cristãos serão constantemente tentados a envergonhar-se.
(Podemos cf. Mc 8.38; Lc 9.26; 2 Tm 1.8.) A presença desta
tentação como característica constante da vida cristã é inevitável, não só por
causa da contínua hostilidade do mundo para com Deus, mas também por causa da
nature2a do próprio evangelho, o fato de que Deus (porque Ele determinou deixar
espaço aos homens para tomarem decisão pessoal livre, em vez de compeli-los)
interveio na história para a salvação dos homens, não com poder e majestade
manifestos, mas de maneira velada, era destinado a ser visto pelo mundo como
fraqueza e insensatez vis”.9
Essa, evidentemente, é a graça que não decepciona. A graça de
Deus não é motivo para vergonha nem tampouco envergonha ninguém. Todavia, há
algo por aí se passando por “graça” que não tem graça alguma. Essa “graça”,
além de envergonhar o evangelho, está produzindo grandes escândalos. Todo tipo
de aberração ética, teológica, comportamental e até mesmo espiritual estão
sendo justificados por essa suposta graça. E uma graça que não tem graça.
Quando a graça perde a graça, ela já não é mais graça, mas uma desgraça. A
propósito, a palavra grega traduzida aqui como “envergonhar” é epaischynomai,
que é formada pela junção da preposição epi e o verbo aiscbyno.w A
palavra composta tem seu sentido intensificado, significando desonrado,
desgraçado. Em outras palavras, refere- se a alguém que caiu em desgraça ou
que foi desonrado. Ao colocar a negativa “não” antes desse vocábulo, Paulo diz
que se sente honrado pela mensagem que abraçou. Ela não o decepciona.
“... é o poder de Deus para salvação de todo aquele que
crê” (1,16). O evangelho é motivo de honra, e é muito mais. O evangelho é o
poder de Deus que traz salvação a todo que crer. “Poder” traduz o termo grego dynamis,
de onde provém o nosso vocábulo dinamite, Essa palavra é usada 120 vezes no
Novo Testamento e significa capacidade para executar. E uma referência à
habilidade de Deus no processo da salvação.
O
propósito dessa “explosão” do evangelho é salvação dos homens. O significado da
preposição grega eis (para) tem o sentido de “tendo em vista a”,
mostrando o propósito do evangelho. Ele é de fato o poder de Deus, mas não é um
poder que busca o engrandecimento do homem, mas a glória de Deus. Infelizmente
muitos parecem não saber disso e não se deixam usar pelo evangelho, mas em vez
disso fazem uso do poder do evangelho para se autopromoverem. Buscam as suas
próprias glórias e realizações.
Ao afirmar que o evangelho é o poder de Deus, o apóstolo tem
em mente mostrar a razão do envio de sua carta aos romanos. Já tendo feito as
cordialidades costumeiras que eram comuns nesse tipo de correspondência
pessoal, ele agora introduz o assunto do qual passará a tratar a seguir. Ele
vai explicar como a graça de Deus, objetivando a salvação de todos os pecadores
perdidos, se manifestou de forma mais que abundante na pessoa bendita de Jesus
Cristo. No dizer do poeta:
A graça de Deus revelada Em Cristo Jesus, meu Senhor,
Ao mundo perdido é dada Por Deus d’infinito favor.
Graça, graça,
A mim basta a graça de Deus: Jesus;
Graça, graça,
A graça eu achei em Jesus.
A graça de Deus é mais doce,
Do que bens terrestres daqui;
Em gozo meu choro tornou-se Correndo Sua graça p’ra mim.
Mais alta que nuvens celestes,
Mais funda que profundo mar,
A fonte da vida fizeste,
Na qual nos podemos fartar.
A graça de Deus hoje prova Tu que vives na perdição,
Pois Ele te salva, renova,
Também
limpa teu coração.1 11
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