Adoração, Santidade e Serviço. “ Os Princípios de Deus Para Sua Igreja Em Levítico”.
Autor: Claudionor de Andrade.
![]() |
Fonte da imagem LBM Digital. |
Em cada livro da Bíblia
Sagrada, há uma teologia implícita. Minha experiência pessoal é que, em alguns
deles, só viremos a descobri-la por meio de uma leitura atenta, piedosa,
reflexiva e clamante. A partir daí, ser-nos-á possível ouvir o que o Espírito
Santo diz às igrejas. No Evangelho de João, a teologia é patente (Jo 20.31). No
Levítico, é tácita; requer-se esforço concentrado para se alcançá-la.
Neste capítulo, consideraremos
a teologia que subjaz ao terceiro livro do Pentateuco. Em suas celebrações e
ordenanças, repousam princípios eternos aplicáveis tanto à congregação de
Israel, no deserto, quanto à Igreja de Cristo, em sua militância rumo à
Jerusalém celeste.
Logo de início, estabeleceremos
um contraste entre a religião de Israel e a do Egito. Se a primeira tinha a
Deus por Senhor, a segunda, desprezando-o também como Criador, adorava a
criatura, como se a criação fosse, em si mesma, uma divindade.
I. ISRAEL VERSUS EGITO
Quando Israel desceu ao Egito,
o Faraó ainda conservava algum resquício do monoteísmo adâmico e noético.
Bastaram, porém, quatro séculos para que a religião egípcia viesse a
degenerar-se num politeísmo bizarro, indecente, cruel e blasfemo. Se os
primeiros reis egípcios mostravam temor a Deus, o Faraó do Êxodo ergue-se como
o arqui-inimigo de Jeová.
Vejamos, pois, como ambos os
povos viam o mundo, a partir de sua religião.
1. A excelência da teologia
hebreia. Os filhos de Israel professavam ousadamente a sua crença no Deus de
Abraão, de Isaque e de Jacó. Nesse credo simples e até despretensioso,
demonstravam aos demais povos que o seu Deus, embora transcendente, era também
imanente. Se, por um lado, estava além da criação, por outro, não se confundia
com nada criado. Mas, nem por isso, omitia-se em se revelar às suas criaturas
morais: anjos e homens.
Se perguntássemos a um hebreu
do Antigo Testamento se Deus existe, responder-nos-ia ele que o Todo-Poderoso
não se limita a existir; Jeová simplesmente; assim revelara se a Moisés: “Eu
sou o que sou” (Êx 3.14).
Caso, porém, fizéssemos igual
pergunta a um egípcio dessa mesma época, ouviríamos uma resposta desencontrada
e teologicamente confusa: “Que deus?”. Para esse homem, até Faraó era uma
divindade; um deusinho entre milhares de outros. E quanto ao “poderoso”
Rá-Atum? Honrado como o criador dos céus, da terra e do ser humano, só mostrava
a cara ao meio-dia. Às 13 horas, ei-lo a desaparecer até ser encoberto pela
escuridão.
E Isis e Osíris? Filhos de Geb
e Nut, ignorando as leis do incesto, casaram-se entre si. Apesar de suas
relações tortuosas, saíram a cavilar a adoração dos egípcios. Como estes eram
também incestuosos e moralmente enfermos, não tiveram qualquer problema ético
em aceitá-los como padroeiros. Cada povo tem a divindade que merece.
Desprezando o Deus Vivo e Verdadeiro, foram os egípcios plasmando deuses mortos
e falsos; deuses que se conformavam às suas lascívias, iniquidades e pecados.
Se fôssemos apresentados a Set,
ficaríamos ainda mais confusos. Adorado como o responsável pelo caos e pelas
guerras, era representado, no panteão egípcio, como um porco-formigueiro. Já
ideou um deus com tal aparência?
Não imagine qualquer pericorese
entre as divindades do Egito. Ciumentos e raivosos viviam às turras; brigavam
muito. Em nada diferiam dos moradores do Olimpo: adulteravam, matavam,
roubavam; eram piores do que os seres humanos. Como poderiam eles ordenar aos
seus devotos: “Sede santos, porque nós, vossos deuses, somos santos?”.
2. A coerência da cosmologia
hebreia. Além de acreditarem na realidade de um Deus Único e Verdadeiro, os
hebreus acreditavam também que esse mesmo Deus, no princípio da História
Sagrada, criara os Céus, a Terra e o ser humano. De forma singela, o profeta
Moisés narra a criação de tudo quanto existe:
No princípio, criou Deus os
céus e a terra. A terra, porém, estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a
face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas. Disse Deus:
Haja luz; e houve luz. Chamou Deus à luz Dia e às trevas, Noite. Houve tarde e
manhã, o primeiro dia. (Gn 1.1-5)
A cosmologia hebreia pode ser
condensada numa declaração teológica que se fez credo: “Pela fé, entendemos que
foi o universo formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a
existir das coisas que não aparecem” (Hb 11.3, ARA). Pode haver explicação mais
lógica e coerente para o aparecimento de tudo quanto existe? Nem mesmo a teoria
do Big Bang, embora tão decantada academicamente, reúne a explicação necessária
para uma cosmologia que nos atenda aos reclamos mínimos da mente. Somente a
Bíblia Sagrada pode dar-nos as respostas de que precisamos.
Voltemos à cosmologia egípcia.
Antes de tudo, consideremos as fragilidades e limitações do deus egípcio que
tudo criou; não tinha ele sequer o atributo da eternidade. Embora criador, fora
criado a partir de águas inquietas e turbulentas. Saindo destas, transformou-se
no sol do meio-dia.
Em seguida, Rá-Atum gerou,
conjugando-se à própria sombra, a deusa Tefnut, a umidade. Não demorou a
chegar-lhe outro filho: Shu, o ar. Estes, por sua vez, tiveram seus próprios
descendentes. Vieram Geb e Nut que, respectivamente, são a Terra e o Céu.
Para mim, a cosmologia egípcia
não passa de uma parábola científica de qualidade duvidosa; inferior mesmo.
Infelizmente, tal parábola mitologizou-se, gerou deuses e deusas, aqueles
nefastos e estas despudoradas. A propósito, que família de bem receberia Hathor
em casa? Mestra na prostituição que se deleitava em destruir lares.
3. A antropologia egípcia. O
hebreu via a si próprio como imagem e semelhança de Deus; não ignorava as
palavras do Gênesis: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa
semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus,
sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que
rastejam pela terra” (Gn 1.26, ARA).
Mais adiante, Moisés, inspirado
pelo Espírito Santo, narra a feitura de Adão: “Então, formou o SENHOR Deus ao
homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem
passou a ser alma vivente” (Gn 2.7, ARA). Pode haver mais candura e
simplicidade na descrição de nossa origem? Sem recursos mitológicos e sem o
concurso de fantasias, o profeta descreve o aparecimento do homem sobre a
Terra. Até hoje, não encontrei explicação melhor. Concentremo-nos, agora, na
antropologia egípcia, que, na verdade, não passa de um trecho confuso de sua
cosmologia. Segundo a mitologia egípcia, o deus Rá-Atum também foi o
responsável pela criação do ser humano. Iracundo e carregado de lascívia, ira,
inveja e orgulho, plasmou ele, a partir de águas nada calmas, um ser que lhe
refletisse o caráter: o homem já caído da graça. Vejo-me obrigado a repetir a
pergunta: como um deus como Atum podia requerer de seus adoradores: “Sede
santos, porque eu sou Santo?”. As fofocas de Heoliópolis, onde moravam os deuses
do Egito, dizem que ele era um onanista viciado. Como orar a um deus, cuja
folha corrida era tão extensa e vergonhosa?
II. A TERRA É DO SENHOR
O livro de Levítico reafirma,
por meio de suas ações litúrgicas, as teologias do Gênesis e do Êxodo; mostra
que Deus, sendo o Criador dos Céus e da Terra, tem de ser adorado por tudo
quanto existe e por tudo o que temos.
1. Deus é o Criador dos Céus e
da Terra. Se o Gênesis mostra que Deus criou tudo quanto existe, o Levítico
reivindica dos israelitas que consagrem tudo ao Senhor (Gn 1.1; Lv 1.1-17). Ao
mesmo tempo, exorta-os didaticamente, por meio das ofertas e sacrifícios, a
jamais oferecer honras a ídolo algum (Lv 19.4).
No panteão faraônico, a Terra
era idealizada pelo deus Geb; um representante bem-apanhado do sexo masculino.
E, para acompanhá-lo, ali estava a deusa Nut, responsável pelo bom andamento do
céu. Diante dessa extravagante narrativa, o que esperar dos egípcios? Não é de
admirar que eles adorassem o seu país, como se este fosse o centro do Universo
e a morada de todos os deuses. Mas para eles, suas divindades, ao invés de se
espalharem pelo Egito, concentravam-se relaxadamente em Heliópolis, onde
reinava Rá-Atum sobre todos.
Nesse processo idolátrico,
residia um projeto de poder, que consistia em eternizar os Faraós sobre o
governo do Egito. O mandatário egípcio, tendo à sua disposição toda uma
academia de astrólogos, magos e bruxos, mitologizava habilmente a própria
imagem. Esse marketing era tão poderoso que, com exceção dos “sábios”, todos
imaginavam que o Faraó descendia diretamente de Osíris. A lógica política, que
subjazia a essa propaganda oficial, era ardilosa, cruel e mentirosa. Sendo o
rei um deus, a terra sobre a qual reinava também era uma divindade. Por que
contrariar os deuses? A fim de esvaziar o panteão egípcio, Deus enviou às
terras de Faraó dez formidáveis pragas. Nesse décuplo castigo, todas as
divindades egípcias viram-se por terra. Nem o Nilo escapou. E, como derradeiro
castigo, o Senhor puniu a própria casa de Faraó, matando-lhe o primogênito. Com
a morte deste, caía o mito de Osíris.
Consideremos as dez pragas não
apenas como açoite ao Egito, mas principalmente como preciosa lição aos filhos
de Israel. Apesar de sua crença monoteísta, o seu contato prolongado com a
religião egípcia levou-os a uma espécie de henoteísmo. E, agora, apesar de
ainda crerem no Deus de Abraão, não deixavam de crer nos deuses de Faraó. Não
foi sem razão que caíram em diversas apostasias durante a caminhada à Terra
Prometida. É claro que, entre os hebreus saídos do Egito, havia um núcleo fiel,
que jamais se deixou embair pela mitologia egípcia. A maior parte, todavia,
acabou por cair no deserto.
Na verdade, não foi difícil
tirar Israel do Egito. Difícil mesmo foi arrancar o Egito de Israel. O que
esperar de um povo que estava disposto a trocar a sua liberdade por melões e
pepinos? Essa mesma gente acabaria por barganhar o seu Deus por um mísero
bezerro de ouro; reminiscência da idolatria egípcia.
O Egito, como as demais nações,
não pertencia ao Faraó nem ao seu querido primogênito; o mundo todo pertence a
Deus. Logo, nenhuma terra em particular pode ser idolatrada.
Se do Senhor é a Terra, como
devemos proceder?
Hoje os pecados ligados à Terra
são estranhos e muitos. Vão desde a posse criminosa de vastas e preciosas
glebas, que poderiam nutrir milhões de famílias, até à ecolatria. Que o planeta
deve ser preservado, ninguém discorda. Mas daí a adorar a criação em lugar do
Criador é um absurdo. Nos dias de hoje, a Terra é adorada como a deusa Gaia.
Ontem, uma divindade masculina; hoje, feminina. Até o planeta foi submetido ao
processo pós-moderno de afeminação. Para evitar tais arroubos, o livro de
Levítico mostra o nosso planeta, em seus sacrifícios e oferendas, como obra de
Deus. Todo israelita é exortado a adorar somente ao Senhor.
2. Deus é o libertador de
Israel. O livro de Levítico patenteia aos filhos de Israel que Deus é o seu
único libertador. Por esse motivo, nenhum israelita poderia comparecer diante
do Senhor de mãos vazias (Êx 23.15).
A teologia de Levítico tinha
uma lógica simples e perfeitamente compreensível: se toda a Terra é do Senhor,
logo todos os seus moradores devem adorá-lo com os produtos de suas rendas.
Nesse sentido, a religião do Antigo Testamento ia além da mera liturgia. Toda
vez que um israelita oferecia um sacrifício a Jeová, quer pacífico, quer por
sua iniquidade, ele confessava dramaticamente reconhecer o senhorio divino
sobre tudo que existe.
O adorador agradecia também ao
Senhor pelo Êxodo. Por esse motivo, a teologia de Levítico era essencialmente
memorialista; o Libertador de Israel jamais poderá ser esquecido. Ele será
lembrado em cada sacrifício, oferta e apresentação.
Por que não agimos assim
também? Deveríamos apresentar nossos dízimos e ofertas ao Senhor de forma
litúrgica e memorial. Em oração e profundas ações de graças, levemos as
primícias de nosso lavor à sala do tesouro, conforme recomenda-nos o Senhor,
por intermédio de seu profeta (Ml 3.10). Os princípios do terceiro livro do
Pentateuco não foram sepultados no Antigo Testamento, mas revivem no espírito
da Nova Aliança. Não quero dizer, com isso, que devamos judaizar-nos; isso
seria apostatar da verdadeira fé. Mas que temos de reconhecer os benefícios
recebidos do Senhor, não há dúvida.
Jesus Cristo, por intermédio de
seu sangue, libertou-nos do pecado, do mundo e do próprio Diabo. Por que não
honrá-lo com as primícias de nossas primícias?
3. Israel é o templo de Deus. A
teologia de Levítico tinha por objetivo, ainda, conscientizar Israel de sua
vocação divina (Lv 20.26). Logo, toda a nação israelita era um templo de
adoração ao Senhor. (Lv 10.3). O povo hebreu não era uma mera teocracia; era a
congregação de Jeová. (Lv 9.23).
Tenho para mim que a maior
teocracia atual é a Coreia do Norte. Suplanta até mesmo o país dos aiatolás.
Pelo menos foi a impressão que tive ao assistir a um documento sobre esse
hermético país do Extremo Oriente. Apesar de seu ateísmo militante, a religião,
ali, é praticada radical e ostensivamente. Altares e nichos são encontrados em
todos os lugares. Se formos a Pyongyang, teremos a impressão de que a cidade
toda é um grande e suntuoso templo. Mas não pense você que, neste altar, há um
santo católico, e, naquele, um budista, e, naquele outro, um hindu. O único
deus encontradiço naquele perímetro silente e ameaçador é o grande líder e seus
“onipresentes” antepassados. A mesma impressão teremos se visitarmos alguns
países da América Latina. Haja vista o ocorrido na Venezuela. O falecido
presidente Hugo Chaves foi de tal forma idolatrado, que chegaram inclusive a
adaptar-lhe uma oração do “pai nosso”. Até o nosso país já correu semelhante
risco. Se é para adorar a Deus, estamos aqui. Mas, se é para adorar o homem ou
o demônio, que o Senhor nos guarde.
Se nos fosse possível voltar à
cidade egípcia de Tebas, veríamos que, ali, nos dias de Moisés, era mais fácil
topar com um deus do que com um homem. Aqui, estava Rá-Atum. Lá, Osíris. E,
mais adiante, a deslavada Hathor. A capital do Egito mais parecia um santuário
a céu aberto do que um centro urbano. Se estendêssemos a excursão até
Heliópolis, seríamos tomados pela revolta que levou Paulo a enojar-se de
Atenas. Mas, entre tantos deuses e deusinhos, não encontraríamos um único altar
consagrado ao Deus Desconhecido.
Ora, se o Egito era um templo
dedicado a deuses que, rigorosamente, nem deuses eram, por que a herança de
Jacó, em Canaã, não poderia ser também um santuário consagrado ao Deus de
Abraão e de Isaque? Essa era a proposta da teologia levítica. Mas, para que
isso se fizesse realidade, alguns estágios eram imprescindíveis. Antes de tudo,
o povo hebreu teria de assumir sua identidade como congregação de Jeová. Isso
significa que os israelitas precisavam superar, com urgência, as diferenças
tribais, as arestas culturais e dialetais e, principalmente, as barreiras
políticas que, a essa altura, já eram bem visíveis. Sem comunhão, não pode
haver povo de Deus.
A congregação de Jeová teria de
ser tão unida que, aos olhos dos gentios, deveria parecer um único povo. Dessa
forma, ao adentrarem a Terra Prometida, os israelitas não enfrentariam maiores
dificuldades em transformá-la num templo a céu aberto.
Nalguns momentos de sua
história, os israelitas estiveram perto de alcançar tal meta. Reis como Davi,
Salomão (na primeira etapa de seu reinado), Josafá, Ezequias e Josias muito
lutaram por esse ideal. Pelo que lemos no profeta Ezequiel, a comunhão plena e
messiânica entre os hebreus somente virá a ocorrer com o estabelecimento do
Reino Milenial, após a Grande Tribulação.
Numa leitura mais atenta de
Levítico, aprendemos que a intenção do autor sagrado era conduzir didática e
profeticamente Israel a ser a congregação e a Casa do Senhor. Alcançado esse
ideal, por que precisariam eles de uma edificação tão suntuosa como a de Salomão?
Como os israelitas eram tardos em assimilar as lições divinas, acabariam por
idolatrar até mesmo o primeiro Templo (Jr 7.4).
III. OS ANIMAIS E OS VEGETAIS
SÃO DO SENHOR
A teologia do Levítico mostra a
criação como serva do Criador. Por esse motivo, os animais e os vegetais, em
Israel, não eram adorados, mas serviam para glorificar a Deus.
1. No Egito, os animais eram
deuses. Os egípcios não faziam distinção entre o Criador e a criação, nem
estavam preocupados em distinguir os animais limpos dos impuros. Por isso,
adoravam o boi, o crocodilo, o falcão e até o gato (Rm 1.25). Eis porque Deus,
ao punir o Egito com as dez pragas, mostrou quão inúteis eram os deuses
egípcios.
O panteão egípcio,
diferentemente do grego, parecia mais um zoológico do que um depósito de
deuses. Examinemos o caso de Thot. Patrono dos estudos, da escrita e dos
cálculos, era representado por um homem com uma imensa cabeça de macaco. No
Levítico, o babuíno nem mencionado é. Mas os egípcios veneravam-no como
divindade.
2. Os animais e a adoração a
Deus. Ao contrário dos egípcios, os israelitas não se davam ao culto dos
animais. Mas os apresentavam em sacrifício ao Senhor (Lv 1.2). Além disso,
faziam distinção entre os animais limpos e impuros (Lv 11). O povo de Israel sabia
que os animais não são deuses, e, sim, criaturas do Deus que as sustenta (Sl
104.14).
Quanto aos egípcios, tinham
eles como deus o boi que, em sua mitologia, representava dois deuses: Osíris e
Ptá. A primeira divindade era, às vezes, descrita como um morto-vivo; um
amedrontador zumbi. Em Israel, de acordo com as recomendações levíticas, o gado
vacum tinha apenas três finalidades: trabalho, alimentação e adoração ao
Senhor.
Lembremo-nos do carneiro. Na
mitologia faraônica, era o deus Knum, cuja função era moldar, qual oleiro, a
aparência de deuses e dos homens. No sistema levítico, iria logo para o altar,
quer para representar um sacrifício pacífico, quer para oficiar uma oferenda
pelo pecado.
3. Os vegetais e a adoração a
Deus. O mesmo Deus que preconiza a preservação da natureza condena a sua
idolatria; prática corriqueira entre os antigos cananeus (1 Rs 14.23). Já em
Israel, os frutos da terra serviam para duas coisas: nutrir o povo e adorar a
Deus; gratidão àquEle que “[faz] a terra dar a sua messe e, a árvore do campo,
o seu fruto” (Lv 23.10; 26.4,5, ARA).
Que Deus nos guarde da
idolatria. Às vezes, sem o percebermos, tornamo-nos tão idólatras quanto os
egípcios do Faraó. Se retivermos o fruto da terra, e deixarmos o faminto
perecer de fome, o que é isso senão avareza; abjeta idolatria (Cl 3.5)? A Terra
é do Senhor. Logo, todas as suas novidades e produtos lhe pertencem. Então, que
tudo seja-lhe apresentado em ações de graça.
IV. O SER É DO SENHOR
A teologia levítica realça a
sacralidade da vida humana como imagem e semelhança de Deus. Em Israel, ao
contrário das culturas cananeias, estava proibido o sacrifício humano, pois o
verdadeiro sacrifício a Deus é um coração humilde e contrito (Is 57.15).
1. O ser humano é a imagem de
Deus. O livro de Levítico corrobora a teologia do Gênesis ao mostrar que o ser
humano foi criado por Deus (Gn 1.26). Em suas páginas, há vários dispositivos,
visando promovê-lo como a obra-prima das mãos divinas. Por essa razão, o crente
israelita era exortado a zelar do corpo e da alma (Lv 14.8a; 15.13; 20.7). Só
agradaremos a Deus se vivermos com a excelência que Ele requer de cada um de
nós.
No Egito, a única vida sagrada
era a do Faraó. Segundo alguns mitólogos, descendia ele de Osíris; de acordo
com outros, do prepotente Rá-Atum. Por essa razão, como já dito, toda a
medicina egípcia era voltada a cuidar tanto da vida quanto da morte desse
soberano. Na verdade, a primeira ocupação dos médicos da corte egípcia era
preparar o rei, a fim de que, na outra vida, pudesse ele reinar com igual
ventura e felicidade. Haja vista o cuidado dispensado ao embalsamamento de um
Faraó.
2. A vida humana é sagrada. O
crente israelita era exortado a ver a vida de todos os homens como sagrada. Por
isso, não poderia, sob hipótese alguma, consagrar sua descendência aos ídolos
(Lv 18.21). Todos os filhos de Israel tinham de ser consagrados ao Senhor;
propriedade peculiar do Senhor. No início de sua história, os egípcios de fato
davam-se à prática de sacrifícios humanos. Mas, com o tempo, foram abandonando
tal hábito. Quando os filhos de Israel lá chegaram, por volta de 1900 a.C., já
não se tinham notícias de semelhantes oferendas. Isso não significa, porém, que
os reis egípcios fossem clementes ou benévolos com seus adversários. Se lhes
fosse conveniente, até recém-nascidos lançavam ao Nilo.
3. O ser humano é servo e
adorador de Deus. Se os israelitas observassem a Lei de Moisés, não teriam
dificuldades em viver a essência de sua teologia. No livro de Levítico, seriam
conduzidos a uma vida de santidade, pureza e serviço ao Senhor. Mas, em
consequência de suas muitas apostasias, não puderam alcançar o cerne teológico
das celebrações e sacrifícios prescritos.
No tempo de Isaías, a situação
espiritual da nação estava de tal forma degenerada, que Deus censurou-a
energicamente:
Visto que este povo se aproxima
de mim e com a sua boca e com os seus lábios me honra, mas o seu coração está
longe de mim, e o seu temor para comigo consiste só em mandamentos de homens,
que maquinalmente aprendeu continuarei a fazer obra maravilhosa no meio deste
povo; sim, obra maravilhosa e um portento; de maneira que a sabedoria dos seus
sábios perecerá, e a prudência dos seus prudentes se esconderá. (Is 29.13,
ARA).
Como os israelitas foram
incapazes de viver a essência teológica da Lei de Moisés, o Senhor
anunciou-lhes as consequências de sua rebelião e apostasia.
V. A ESCATOLOGIA LEVÍTICA
No capítulo 26 do livro de
Levítico, estampa-se o futuro de Israel. A escatologia dessa passagem, apesar
de seus rigores e disciplinas, é amorosa e redentora; não deixa os judeus sem
esperança.
1. Um chamado à obediência. Já
de início, o Senhor exorta Israel a evitar dois graves pecados: a idolatria e a
profanação do sábado. A primeira transgressão sempre acabava por levar à
segunda. Ouçamos a advertência divina:
Não fareis para vós outros
ídolos, nem vos levantareis imagem de escultura nem coluna, nem poreis pedra
com figuras na vossa terra, para vos inclinardes a ela; porque eu sou o SENHOR,
vosso Deus. Guardareis os meus sábados e reverenciareis o meu santuário. Eu sou
o SENHOR. (Lv 26.1, ARA)
2. A promessa da obediência. Se
os israelitas se ativessem à Lei de Moisés seriam abençoados em todas as
coisas, conforme lhes promete o Senhor:
Se andardes nos meus estatutos,
guardardes os meus mandamentos e os cumprirdes, então, eu vos darei as vossas
chuvas a seu tempo; e a terra dará a sua messe, e a árvore do campo, o seu
fruto. A debulha se estenderá até à vindima, e a vindima, até à sementeira;
comereis o vosso pão a fartar e habitareis seguros na vossa terra.
Estabelecerei paz na terra; deitar-vos-eis, e não haverá quem vos espante;
farei cessar os animais nocivos da terra, e pela vossa terra não passará
espada. Perseguireis os vossos inimigos, e cairão à espada diante de vós. Cinco
de vós perseguirão a cem, e cem dentre vós perseguirão a dez mil; e os vossos
inimigos cairão à espada diante de vós. Para vós outros olharei, e vos farei
fecundos, e vos multiplicarei, e confirmarei a minha aliança convosco. Comereis
o velho da colheita anterior e, para dar lugar ao novo, tirareis fora o velho.
Porei o meu tabernáculo no meio de vós, e a minha alma não vos aborrecerá.
Andarei entre vós e serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo. Eu sou o SENHOR,
vosso Deus, que vos tirei da terra do Egito, para que não fôsseis seus
escravos; quebrei os timões do vosso jugo e vos fiz andar eretos” (Lv 26.3-13,
ARA).
3. O castigo pela
desobediência. Mas se Israel ignorasse os mandamentos divinos, seria castigo
dentro e fora de seus termos.
Tornar-se-ia motivo de zombaria
e escárnio perante os gentios:
Mas, se me não ouvirdes e não
cumprirdes todos estes mandamentos; se rejeitardes os meus estatutos, e a vossa
alma se aborrecer dos meus juízos, a ponto de não cumprir todos os meus
mandamentos, e violardes a minha aliança, então, eu vos farei isto: porei sobre
vós terror, a tísica e a febre ardente, que fazem desaparecer o lustre dos
olhos e definhar a vida; e semeareis debalde a vossa semente, porque os vossos
inimigos a comerão. Voltar-me-ei contra vós outros, e sereis feridos diante de
vossos inimigos; os que vos aborrecerem assenhorear-se-ão de vós e fugireis,
sem ninguém vos perseguir. Se ainda assim com isto não me ouvirdes, tornarei a
castigar-vos sete vezes mais por causa dos vossos pecados. Quebrantarei a
soberba da vossa força e vos farei que os céus sejam como ferro e a vossa
terra, como bronze. Debalde se gastará a vossa força; a vossa terra não dará a
sua messe, e as árvores da terra não darão o seu fruto. E, se andardes
contrariamente para comigo e não me quiserdes ouvir, trarei sobre vós pragas
sete vezes mais, segundo os vossos pecados. Porque enviarei para o meio de vós
as feras do campo, as quais vos desfilharão, e acabarão com o vosso gado, e vos
reduzirão a poucos; e os vossos caminhos se tornarão desertos. (Lv 26.14-22,
ARA).
4. A escatologia da esperança.
No arrependimento nacional, o Deus de Abraão manifestar-se-á novamente aos
filhos de Israel:
Mas, se confessarem a sua
iniquidade e a iniquidade de seus pais, na infidelidade que cometeram contra
mim, como também confessarem que andaram contrariamente para comigo, pelo que
também fui contrário a eles e os fiz entrar na terra dos seus inimigos; se o
seu coração incircunciso se humilhar, e tomarem eles por bem o castigo da sua
iniquidade, então, me lembrarei da minha aliança com Jacó, e também da minha
aliança com Isaque, e também da minha aliança com Abraão, e da terra me
lembrarei. Mas a terra na sua assolação, deixada por eles, folgará nos seus
sábados; e tomarão eles por bem o castigo da sua iniquidade, visto que
rejeitaram os meus juízos e a sua alma se aborreceu dos meus estatutos. Mesmo
assim, estando eles na terra dos seus inimigos, não os rejeitarei, nem me
aborrecerei deles, para consumi-los e invalidar a minha aliança com eles,
porque eu sou o SENHOR, seu Deus. Antes, por amor deles, me lembrarei da
aliança com os seus antepassados, que tirei da terra do Egito à vista das
nações, para lhes ser por Deus. Eu sou o SENHOR. (Lv 26.40-45, ARA).
CONCLUSÃO
A teologia de Levítico pode ser
resumida numa única expressão: obediência e fé. Se o nosso culto não for
acompanhado de fé e obediência, Deus jamais se agradará de nós. De nada adianta
uma liturgia bonita e imponente; liturgia sem piedade é coisa inútil. Se o
nosso culto, porém, vier acompanhado pelo amor, haverá, então, resgate de
preciosas almas e promoção do Reino dos Céus na Terra. Que o Senhor nos ajude
em nossa peregrinação. Aqui, quantas lutas e tribulações. Ali, junto a Deus,
desancaremos de todos os nossos pesares.
Nenhum comentário:
Postar um comentário