Romanos 9.1-5
Em Cristo digo a verdade,
não minto (dando-me testemunho a minha consciência no Espírito Santo): tenho
grande tristeza e contínua dor no meu coração. Porque eu mesmo poderia desejar
ser separado de Cristo, por amor de meus irmãos, que são meus parentes segundo
a carne; que são israelitas, dos quais é a adoção de filhos, e a glória, e os
concertos, e a lei, e o culto, e as promessas; dos quais são os pais, e dos
quais é Cristo, segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito
eternamente. Amém!
O Amor tudo Sofre...
“Porque eu mesmo poderia
desejar ser separado de Cristo, por amor de meus irmãos, que são meus parentes
segundo a carne” (9.3). A fama que o
apóstolo tinha de ser alguém que pregava contra as tradições judaicas chegou
aos lugares mais remotos. Paulo teve que esclarecer algumas das suas posições
com respeito à lei de Moisés para não transparecer que ele era contra a mesma.
Ele explicou que o problema não estava na lei, que era de origem divina, mas
naqueles que buscavam justificação por meio dela.
Outra coisa precisa ser ainda
esclarecida: Paulo não era um antissemita. Ele não renegou seu antigo povo.
Aqui ele mostra que não só amava seu povo como também sofria pela situação
espiritual na qual se encontravam seus compatriotas. Não era um mal ser judeu;
pelo contrário, constituía-se um grande privilégio já que foi a eles que Deus
confiou seus oráculos. O que doía no coração do apóstolo era a dureza de
coração que havia cegado seus irmãos, impedindo-os de enxergar o Messias que
lhes fora prometido.
Romanos 9.6-13
Não que a palavra de Deus
haja faltado, porque nem todos os que são de Israel são israelitas; nem por
serem descendência de Abraão são todos filhos; mas: Em Isaque será chamada a
tua descendência. Isto é, não são os filhos da carne que são filhos de Deus,
mas os filhos da promessa são contados como descendência. Porque a palavra da
promessa é esta: Por este tempo virei, e Sara terá um filho. E não somente
esta, mas também Rebeca, quando concebeu de um, de Isaque, nosso pai; porque,
não tendo eles ainda nascido, nem tendo feito bem ou mal (para que o propósito
de Deus, segundo a eleição, ficasse firme, não por causa das obras, mas por aquele
que chama), foi-lhe dito a ela: O maior servirá o menor. Como está escrito:
Amei Jacó e aborreci Esaú.
Duas Crianças, Dois Povos
Essa seção de Romanos apresenta
um dos temas mais profundos das Escrituras: a soberania de Deus e a liberdade
humana. No entanto, “é importante perceber logo de início”, destaca Joseph A.
Fitzmeyer, “nesta parte de Romanos, que a perspectiva de Paulo é coletiva. Ele
não está expondo a responsabilidade de indivíduos. Além disso, ele não está
discutindo o problema moderno da responsabilidade dos judeus pela morte de
Jesus. Nenhuma dessas questões deveria ser importada para a interpretação
destes capítulos”.1
Com esse entendimento em mente,
devemos perceber que os versículos 6 a 13 apresentam o argumento de que a
escolha de Deus por Israel não se baseou nas obras, mas na fé. O primeiro
exemplo dado é o dos patriarcas. Nos versículos 6 a 9, temos o caso de Ismael e
Isaque, ambos filhos de Abraão. Deus, na sua soberania e graça, escolheu Isaque
e seus descendentes para a realização de seus propósitos. Prevendo que alguém
pudesse objetar que a rejeição de Ismael seria totalmente justificável por não
ser ele filho de Abraão e Sara, o apóstolo apresenta outro exemplo — Esaú e
Jacó.2 Ambos eram filhos de Isaque, todavia Deus, na sua soberania, escolhera
Jacó e rejeitara a Esaú. Essa escolha, que não foi uma escolha para a salvação,
foi feita quando eles ainda eram crianças para que prevalecesse a eleição pela
graça e não pelas obras.
Eleição Corporativa
No versículo 11 do capítulo 9
de Romanos, como foi mostrado no capítulo 7 deste livro, o apóstolo usa pela
primeira vez a palavra eleição. Essa palavra, como foi mostrado anteriormente,
é eklogé. Esse
termo aparece sete vezes no
Novo Testamento grego, sendo quatro delas na seção que vai do capítulo 9 ao 11
de Romanos.3 É, portanto, apropriado tratar do seu uso aqui. Nesse contexto,
ela é definida como sendo o propósito de Deus, em Cristo, para salvar a
humanidade.4 As outras referências são Atos 9.15, 1 Tessalonicenses 1.4 e 2
Pedro 2.10. Á luz do contexto dessas passagens, que nas epístolas são usadas em
referência à igreja, fica bastante evidente que essa palavra possui um sentido
corporativo.5 Como foi demonstrado, esse sentido coletivo é claramente
percebido quando observamos que Paulo interpreta as figuras de Jacó e Esaú em
Romanos 9 à luz de Malaquias 1.2-4. Nessa última passagem, Edom, outro nome de
Esaú, é usado como referência a um povo, os edomitas, e não ao indivíduo Esaú.
Dale Moody destaca que “em Malaquias, Jacó e Esaú não são indivíduos, mas
grupos, como claramente indica a identificação de Esaú com Edom (Ml 1.4). Jacó
e Esaú há muito tempo estavam mortos como indivíduos, de forma que isto é o que
Dodd chamou de ‘um todo corporativo’. Da mesma forma Jacó é tomado no seu
sentido coletivo, o povo de Israel, e não a pessoa de Jacó”.6 Argumento
semelhante é apresentado pelo expositor bíblico Harold L. Willmington.
Willmington destaca que esse exemplo “não se refere aos dois meninos, mas às
nações que eles fundaram, a saber Israel e Edom! Essa citação não se encontra
em Gênesis, mas em Malaquias 1.2-5. O profeta Obadias nos diz, claramente, por
que Deus odiou a Edom”.7
A crença no determinismo tem
levado alguns a acreditarem que Romanos 9 afirma a soberania divina e nega o
livre-arbítrio.8 Para esses intérpretes, essa passagem ensina que Deus escolhe
arbitrariamente algumas pessoas e da mesma forma pretere outras. Como já foi
demonstrado, esse entendimento não reflete uma boa exegese do texto. O escritor
Roger Olson, conceituado teólogo e historiador da igreja, destaca que essa
interpretação equivocada sobre o capítulo 9 de Romanos “jamais foi ouvida antes
de Agostinho, e isso no século V. Toda a patrística grega interpretava Romanos
9 de maneira diferente”.9 Olson ainda observa com muita propriedade que “uma
interpretação alternativa perfeitamente sensata diz que a passagem de Romanos 9
não está se referindo a indivíduos ou à salvação pessoal, mas a grupos e ao
serviço. Deus é soberano em escolher Israel e então a igreja gentia para que cumpram
seus respectivos papéis em seu plano de redenção”.
A meu ver, há ainda outro
efeito colateral produzido pela crença na eleição incondicional. Ela afirma que
uma vez que uma pessoa foi salva continuará salva para sempre. Para se manter
de pé, esse ensino precisa atribuir um novo sentido a determinados ensinos das
Escrituras. É o caso, por exemplo, do ensino bíblico sobre a “apostasia”, que
nessa concepção teológica passa da esfera real para a hipotética.11 Esse é, por
exemplo, o sentido atribuído à passagem de Hebreus 6.4-6. De acordo com esse
entendimento, o texto não se refere a um acontecimento real, mas apenas
hipotético ou que expressa apenas uma possibilidade. Essa é, por exemplo, a
posição defendida pelo expositor bíblico Donald Guthrie, que acredita que
Hebreus 6.4-6 trata de um “caso hipotético”.12 Apesar de essa exegese ser a via
mais usada na interpretação desse texto, não é a mais contextualizada. Essa
posição de Guthrie é negada, por exemplo, pelo batista de convicção calvinista
Millard J. Erickson. Erickson procura um meio termo reconhecendo que Hebreus
6.4-6 realmente admite a possibilidade da queda na fé.13 Para o expositor
William Lane, essas pessoas [Hb 6.4-6] haviam testemunhado “o fato de que a
salvação era a realidade inquestionável em suas vidas”.14 Um dos mais
conceituados eruditos em Novo Testamento, I. Howard Marshall, conclui afirmando
que: “Um estudo das descrições oferecidas aqui em uma série de quatro
particípios (aoristo grego) sugere de modo conclusivo que uma experiência genuína
está sendo descrita”.15
Romanos 9.14-33
Que diremos, pois? Que há
injustiça da parte de Deus? De maneira nenhuma! Pois diz a Moisés:
Compadecer-me-ei de quem me compadecer e terei misericórdia de quem eu tiver
misericórdia. Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas
de Deus, que se compadece. Porque diz a Escritura a Faraó: Para isto mesmo te
levantei, para em ti mostrar o meu poder e para que o meu nome seja anunciado
em toda a terra. Logo, pois, compadece-te de quem quer e endurece a quem quer.
Dir-me-ás, então: Por que se queixa ele ainda? Porquanto, quem resiste à sua
vontade? Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura, a coisa
formada dirá ao que o formou: Por que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro
poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para
desonra? E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o
seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a
perdição, para que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos
de misericórdia, que para glória já dantes preparou, os quais somos nós, a quem
também chamou, não só dentre os judeus, mas
também dentre os gentios? Como também diz em Oseias: Chamarei meu povo ao que
não era meu povo; e amada, à que não era amada. E sucederá que no lugar em que
lhes foi dito: Vós não sois meu povo, aí serão chamados filhos do Deus vivo.
Também Isaías clamava acerca de Israel: Ainda que o número dos filhos de Israel
seja como a areia do mar, o remanescente é que será salvo. Porque o Senhor
executará a sua palavra sobre a terra, completando-a e abreviando-a. E como
antes disse Isaías: Se o Senhor dos Exércitos nos não deixara descendência,
teríamos sido feitos como Sodoma e seríamos semelhantes a Gomorra. Que diremos,
pois? Que os gentios, que não buscavam a justiça, alcançaram a justiça? Sim,
mas a justiça que é pela fé. Mas Israel, que buscava a lei da justiça, não
chegou à lei da justiça. Por quê? Porque não foi pela fé, mas como que pelas obras
da lei. Tropeçaram na pedra de tropeço, como está escrito: Eis que eu ponho em
Sião uma pedra de tropeço e uma rocha de escândalo; e todo aquele que crer nela
não será confundido.
Coração de Pedra
Nos versículos 14 a 33, Paulo
cita mais exemplos que ilustram como a graça de Deus se manifesta dentro do seu
propósito soberano. Primeiramente temos o exemplo de Israel e o Faraó do Egito.
A graça amoleceu a servidão de Israel ao mesmo tempo em que endureceu o coração
de faraó. O sol que derrete o gelo é o mesmo que endurece o concreto. A lição
trazida aqui por Paulo, observam os intérpretes da Bíblia, é que “da mesma
forma como a palavra de Deus endureceu Faraó quando ele resistiu, ela endureceu
os de Israel que não atenderam quando foram chamados (9.7; cf. SI 95.7,8; Hb
3.7,15; 4.7). A resposta à questão da justiça de Deus é que Deus é não apenas
justo: ele é misericordioso e justo”.16
Dizer que Deus “endureceu” a
Faraó, não permitindo que o governante egípcio não tivesse nenhuma escolha
nesse processo, não reflete o argumento do texto. Esse texto não está falando
no destino eterno das pessoas, mas da manifestação da soberania e graça de Deus
na concretização de seu propósito. O comentarista Joseph A. Fitzmeyer comentando
a expressão “endurece a quem quer” (Rm 9.18), destaca que: “No AT, o
endurecimento do coração de faraó é, às vezes, atribuído a Deus (Ex 4.21; 7.3;
9.12) e, outras vezes ao próprio faraó (Êx 7.14; 8.11,15,28). O ‘endurecimento
do coração’ por Deus é uma forma protológica de expressar a reação divina à
obstinação humana persistente contra Ele — uma selagem de uma situação que Ele
não criou. Não é, portanto, resultado de alguma decisão arbitrária ou mesmo
planejada por parte de Deus, mas o modo
como o AT expressa o reconhecimento divino de uma situação que emana de uma
criatura que rejeita o convite de Deus”.17 Essa passagem, portanto, não serve
como fundamento para que se afirme que Deus, no
seu grande amor, escolheu alguns para
o céu enquanto preteriu a outros para o inferno.18
Norman Geisler, apologista
norte-americano, comenta Romanos 9.17 quando responde à pergunta: Como poderia
Faraó estar livre se Deus endureceu o coração dele? Geisler responde:
Primeiro, em sua onisciência, Deus sabia de antemão exatamente
como o Faraó iria agir, e usou isso para realizar os seus propósitos. Deus
prescreveu os meios da ação livre, porém teimosa, de Faraó, bem como o fim da
libertação de Israel. Em Êxodo 3.19, Deus disse a Moisés: “Eu sei, porém, que o
rei do Egito não vos deixará ir, nem ainda por uma mão forte”. Faraó rejeitou o
pedido de Moisés e somente depois de dez pragas foi que finalmente deixou o
povo ir.
Segundo, é importante notar que Faraó primeiramente endureceu o
seu próprio coração. No início, quando Moisés aproximou-se de Faraó com vistas
à libertação dos israelitas (Êx 5.1), Faraó respondeu: “Quem é o Senhor, cuja
voz eu ouvirei, para deixar ir Israel? Não conheço o Senhor, nem tampouco
deixarei ir Israel” (Êx 5.2). A passagem que Paulo cita (em Rm 9.17) é Êxodo
9.16, a qual, no contexto, refere-se à praga das úlceras, a sexta praga. Mas
Faraó endurecera o seu coração antes de Deus afirmar o que afirmou. Somente
porque Deus levantou Faraó, isso não quer dizer que Faraó não seja responsável
por suas ações.
Terceiro, Deus usa a injustiça dos homens para mostrar a sua
glória. Deus ainda considera Faraó responsável, mas no processo do
endurecimento do seu coração o Senhor usou Faraó para manifestar a sua grandeza
e glória. Deus às vezes faz uso de atos maus para obter bons resultados. A
história de José é um bom exemplo disso. José foi vendido por seus irmãos, e
mais tarde tornou-se o governante do Egito. Lá ele salvou muitas vidas durante
o tempo de fome. Quando mais tarde ele se revelou aos seus irmãos e os perdoou,
disse-lhes: “Vós bem intentastes mal contra mim, porém Deus o tornou em bem,
para fazer como se vê neste dia, para conservar em vida a um povo grande” (Gn
50.20). Deus pode usar atos perversos para manifestar a sua glória (veja também
o que é exposto sobre Êxodo 4.21).19
Os Dois Vasos
A metáfora dos dois vasos em
Romanos 9.19-24 parece ensinar um determinismo radical. Mas fica apenas na
aparência, pois o texto está longe disso.20 A literatura evangélica registra
que nos Estados Unidos um grupo que se autointitulava batistas
Presdestinarianos das Duas Sementes advogava que esse texto comprovava por
A + B que Deus havia feito um grupo para a salvação e outro para a
condenação.21 Eles fizeram seguidores. Algumas observações que refutam essa exegese
devem ser levadas em conta:
1. No texto de 2 Timóteo
2.20,21, Paulo usa uma analogia semelhante quando se refere a alguns tipos de
vasos. Ele até usa as mesmas palavras gregas de Romanos 9.21-23, traduzidas
como honroso e desonroso.22 Na passagem de 2 Timóteo 2.20,21,
fica claro que esses vasos, que representam pessoas, podem se consagrar ao
verdadeiro culto a Deus. A metáfora, portanto, não exclui a livre-escolha.
2. O termo grego usado por
“preparado” citado na expressão “preparados para a perdição” (Rm 9.22) é katertismena.
A. T. Robertson, um dos mais conceituados gramáticos de grego bíblico de
todos os tempos, observa que esse verbo “é o particípio perfeito passivo de katari^o,
o verbo que significa “equipar” (veja Mt 4.21 e 2 Co 13.11), estado de estar
preparado. Paulo não diz aqui que Deus fez o que eles fizeram. Que eles são
responsáveis pode-se ver em 1 Ts 2.15ss”.23 Em outras palavras, Deus não foi a
causa da condição na qual se encontravam esses vasos. O tempo perfeito grego,
que significa uma ação feita no passado com consequências no presente, mostra
que houve uma trajetória percorrida por esses “vasos” até chegar aonde
chegaram.24 Dale Moody destaca que isso indica que “no caminho da perdição,
certo estágio foi alcançado”.25 Isso significa também que Deus foi paciente e
misericordioso com um povo rebelde e contumaz até que chegou o momento de
executar a sua justiça. James Moffat, em sua clássica tradução do Novo
Testamento, captou bem o sentido desse texto: “Que quer dizer, se Deus, embora desejoso
de exibir sua ira e mostrar o seu poder, tolerou mui pacientemente os objetos
da sua ira, maduros e prontos para serem destruídos?”26 O enfoque recai sobre a
grande misericórdia e paciência divina.
3. O exegeta Joseph A.
Fitzmeyer, ao comentar a palavra “querendo” em Romanos 9.22, destaca que
“embora alguns comentaristas (Jerônimo, Tomás de Aquino, Barrett, Cranfield,
Michel) entendam o particípio thelon de forma causal, ‘porque quis’, parece melhor, pelo
contexto (especialmente em vista da expressão ‘com muita paciência’),
entendê-lo de forma concessiva, ‘embora tenha querido’, i.e., embora sua
ira pudesse tê-lo levado a tornar conhecido o seu poder, sua bondade amorosa o
conteve. Deus deu a faraó tempo para que se arrependesse [,.i\
prontosparaperdição: o particípio perfeito expressa o estado no qual esses
“vasos” se encontram — ‘prontos’ para o monte de lixo. Este versículo expressa
a incompatibilidade radical de Deus com os seres humanos rebeldes e
pecaminosos. Ele contém, também, uma nuança da predestinação, e a formulação de
Paulo é mais genérica do que o exemplo com o qual ele iniciou; é por isso que
estas palavras foram utilizadas nas controvérsias posteriores sobre a
predestinação. Entretanto, não se devería perder de vista sua perspectiva
coletiva”?1 (itálicos meus)
Romanos 10.1-21
Irmãos, o bom desejo do meu
coração e a oração a Deus por Israel é para sua salvação. Porque lhes dou
testemunho de que têm zelo por Deus, mas não com entendimento. Porquanto, não
conhecendo a justiça de Deus e procurando estabelecer a sua própria, não se
sujeitaram à justiça de Deus. Porque o fim da lei é Cristo para justiça de todo
aquele que crê. Ora, Moisés descreve a justiça que é pela lei, dizendo: O homem
que fizer estas coisas viverá por elas. Mas a justiça que é pela fé diz assim:
Não digas em teu coração: Quem subirá ao céu? (isto é, a trazer do alto a
Cristo)? Ou: Quem descerá ao abismo (isto é, a tornar a trazer dentre os mortos
a Cristo)? Mas que diz? A palavra está junto de ti, na tua boca e no teu coração;
esta é a palavra da fé, que pregamos, a saber: Se, com a tua boca, confessares
ao Senhor Jesus e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos,
serás salvo. Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz
confissão para a salvação. Porque a Escritura diz: Todo aquele que nele crer
não será confundido. Porquanto não há diferença entre judeu e grego, porque um
mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam. Porque todo
aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Como, pois, invocarão aquele em
quem não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram? E como ouvirão, se
não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados? Como está escrito:
Quão formosos os pés dos que anunciam a paz, dos que anunciam coisas boas! Mas
nem todos obedecem ao evangelho; pois Isaías diz: Senhor, quem creu na nossa pregação? De sorte que a fé é pelo ouvir, e o
ouvir pela palavra de Deus. Mas digo: Porventura, não ouviram? Sim, por certo,
pois por toda a terra saiu a voz deles, e as suas palavras até aos confins do
mundo. Mas digo: Porventura, Israel não o soube? Primeiramente, diz Moisés: Eu
vos meterei em ciúmes com aqueles que não são povo, com gente insensata vos
provocarei à ira. E Isaías ousadamente diz: Fui achado pelos que me não
buscavam, fui manifestado aos que por mim não perguntavam. Mas contra Israel
diz: Todo o dia estendi as minhas mãos a um povo rebelde e contradizente.
O Eco da Palavra de Deus
Essa seção que se estende por
todo o capítulo 10 de Romanos tem duas divisões principais. Na primeira delas o
apóstolo desenvolve o argumento de que a rejeição de Israel se deu por conta da
busca da justificação pelas obras e não pela fé. O apóstolo mostra a
impossibilidade da justificação pelos méritos da lei pela razão de que o fim da
lei é Cristo (v. 4).28 O expositor Charles Cousar destaca o fato de o versículo
4 do capítulo 10 de Romanos estar traduzido na versão americana NRSV como o
“fim” ou “término” da lei. “Paulo havia insistido que a lei é santa, justa e
boa (Rm 7.12) e que testemunha acerca da justiça de Deus que é recebida pela fé
(3.21). Ele tinha dito que Deus atuou na morte de Jesus Cristo para cumprir ‘o
requisito da lei’ (8.4), sugerindo que a melhor tradução é ‘meta’ ou ‘propósito’.0
que Paulo está afirmando nesta leitura é que a própria lei não tem outra coisa
como fundamento senão Cristo como a base da justiça para todos os que creem (1
Tm 1.4)”.29
Ao assim fazer, estavam
buscando a sua própria justiça em vez de aceitarem a que lhes foi outorgada por
Deus em Cristo Jesus. Eles tropeçaram na lei. O segundo argumento do apóstolo
mostra que essa rejeição não se deu por falta de testemunho da parte de Deus
(Rm 10.8-21). Pelo contrário, as Escrituras eram a prova documental das advertências
que Deus lhes fizera no passado. Aqui os judeus tropeçaram na palavra de Deus
quando se recusaram ou se fizeram de surdos para não ouvirem os ecos de sua
voz.
Romanos 11.1-10
Digo, pois: porventura,
rejeitou Deus o seu povo? De modo nenhum! Porque também eu sou israelita, da
descendência de Abraão, da tribo de Benjamim. Deus não rejeitou o seu povo, que
antes conheceu. Ou não sabeis o que a Escritura diz de Elias, como fala a Deus
contra Israel, dizendo: Senhor, mataram os teus profetas e derribaram os teus
altares; e só eu fiquei, e buscam a minha alma? Mas que lhe diz a resposta
divina? Reservei para mim sete mil varões, que não dobraram os joelhos diante de Baal. Assim, pois, também agora
neste tempo ficou um resto, segundo a eleição da graça. Mas, se é por graça, já
não é pelas obras; de outra maneira, a graça já não é graça. Pois quê? O que
Israel buscava não o alcançou; mas os eleitos o alcançaram, e os outros foram
endurecidos. Como está escrito: Deus lhes deu espírito de profundo sono; olhos
para não verem e ouvidos para não ouvirem, até ao dia de hoje. E Davi diz:
Torne-se-lhes a sua mesa em laço, e em armadilha, e em tropeço, por sua
retribuição; escureçam- se-lhes os olhos para não verem, e encurvem-se-lhes
continuamente as costas.
Deus Tem suas Reservas
Recorrendo novamente ao método
de diatribe, Paulo responde às possíveis objeções sobre a rejeição de
Israel. Essa seção introduz a figura do remanescente que deu continuidade ao
propósito eletivo de Deus. Se era um fato que Israel havia falhado como dissera
Paulo, então como ficariam as promessas que Deus fizera no passado a seu povo?
Elas se extinguiram? Não havia mais nada que Deus pudesse tratar com Israel? O
apóstolo mostra que a grande maioria de Israel havia rejeitado a justiça que
vem da fé em Cristo, mas que essa rejeição não era total nem definitiva. Em
meio a esse processo de rejeição, Deus sempre contou com um remanescente fiel a
quem escolheu. Como em Romanos 9.11, aqui a eleição (gr. eklogé) se deu
inteiramente pela graça e não pelas obras (Rm 11.5,7). A graça sempre tem suas
reservas. Paulo cita seu próprio exemplo e do profeta Elias como remanescente
que foram fiéis a Deus.
Romanos 11.11-24
Digo, pois: porventura,
tropeçaram, para que caíssem? De modo nenhum! Mas, pela sua queda, veio a
salvação aos gentios, para os incitar à emulação. E, se a sua queda é a riqueza
do mundo, e a sua diminuição, a riqueza dos gentios, quanto mais a sua
plenitude! Porque convosco falo, gentios, que, enquanto for apóstolo dos
gentios, glorificarei o meu ministério; para ver se de alguma maneira posso
incitar à emulação os da minha carne e salvar alguns deles. Porque, se a
sua:rfejeição é a reconciliação do mundo, qual será a sua admissão, senão a
vida dentre os mortos? E, se as primícias são santas, também a massa o é; se a
raiz é santa, também os ramos o são. E se alguns dos ramos foram quebrados, e
tu, sendo zambujeiro, foste enxertado em lugar deles e feito participante da
raiz e da seiva da oliveira, não te glories contra os ramos; e, se contra eles
te gloriares, não és tu que sustentas a raiz, mas a raiz a ti. Dirás, pois: Os
ramos foram quebrados, para que eu fosse enxertado. Está bem! Pela sua
incredulidade foram quebrados, e tu estás em pé pela fé; então, não te ensoberbeças, mas teme. Porque, se
Deus não poupou os ramos naturais, teme que te não poupe a ti também.
Considera, pois, a bondade e a severidade de Deus: para com os que caíram,
severidade; mas, para contigo, a benignidade de Deus, se permaneceres na sua
benignidade; de outra maneira, também tu serás cortado. E também eles, se não
permanecerem na incredulidade, serão enxertados; porque poderoso é Deus para os
tornar a enxertar. Porque, se tu foste cortado do natural zambujeiro e, contra
a natureza, enxertado na boa oliveira, quanto mais esses, que são naturais,
serão enxertados na sua própria oliveira!
A Oliveira e seu Enxerto
O expositor bíblico Lawrence
Richards destaca que “a rejeição judaica da justiça pela fé em Deus abriu
espaço para um número muito grande de gentios a serem enxertados na árvore
enraizada na antiga aliança de Deus com Abraão. Esta não deveria ser objeto de
orgulho gentio, mas de advertência. Nunca abandone o princípio de salvação pela
graça através da fé”.30
A exortação de Paulo nessa
porção das Escrituras é clara — os judeus, ilustrados pelo exemplo da oliveira
verdadeira, em razão de quererem cumprir a justiça divina através das obras,
foram rejeitados. A oliveira não foi arrancada, apenas teve seus galhos
quebrados e no lugar destes enxertados os gentios. Nenhum gentio podia se
gloriar desse fato porque, assim como os ramos naturais foram quebrados, o
enxerto da mesma forma poderia ser arrancado. Era, portanto, motivo de temor e
não de exaltação.
Romanos 11.25-36
Porque não quero, irmãos,
que ignoreis este segredo (para que não presumais de vós mesmos): que o
endurecimento veio em parte sobre Israel, até que haja a plenitude dos gentios
haja entrado. E, assim, todo o Israel será salvo, como está escrito: De Sião
virá o Libertador, e desviará de Jacó as impiedades. E este será o meu concerto
com eles, quando eu tirar os seus pecados. Assim que, quanto ao evangelho, são
inimigos por causa de vós; mas, quanto à eleição, amados por causa dos pais.
Porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento. Porque assim como
vós também, antigamente, fostes desobedientes a Deus, mas, agora, alcançastes
misericórdia pela desobediência deles, assim também estes, agora, foram
desobedientes, para também alcançarem misericórdia pela misericórdia a vós
demonstrada. Porque Deus encerrou a todos debaixo da desobediência, para com
todos usar de misericórdia. O profundidade das riquezas, tanto da sabedoria,
como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão
inescrutáveis, os seus caminhos! Porque quem compreendeu o intento do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe
deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele, e por ele, e
para ele são todas as coisas; glória, pois, e ele eternamente. Amém!
A Graça Restauradora
Qualquer exegese que não
contempla uma restauração em massa que acontecerá com Israel no futuro
contradiz a argumentação de Paulo em Romanos 11.25-36. O escritor O. Palmer
Robertson gastou 200 páginas de seu livro argumentando que “todo o Israel”
citado por Paulo não significa “o todo Israel”. Explico. Palmer foi minucioso
na sua exegese a fim de provar que o projeto de Deus não é com o Israel nação,
mas com o Israel cristão. Em outras palavras, o projeto de Deus não é com o
Israel étnico, mas somente com o Israel eleito. No seu entendimento, o “todo
Israel” que Paulo citou não se refere à nação judaica, mas a “todos os judeus
eleitos em Cristo”. A referência seria, portanto, aos judeus messiânicos que
receberam a Cristo como Salvador. A exegese de Palmer entra em rota de colisão
com outros intérpretes de renome, como por exemplo, Leon Morris. A meu ver, o
argumento de Palmer se torna frágil quando o faz depender quase que
inteiramente da tradução da conjunção grega kai e do pronome outos em
Romanos 11.26. Segundo ele, a tradução correta dessa expressão é “dessa forma”,
e não “e então” como traz a maioria das versões da Bíblia. Fundamentado nessa
convicção, ele completa: “a conclusão a que se pode legitimamente chegar é a de
que “todo Israel” refere-se a todos os judeus eleitos. Todos do verdadeiro
Israel de Deus, o eleito do Pai, serão salvos”.31
A teoria de O. Palmer Robertson
é bem construída, mas não se enquadra naquilo que Paulo procurou mostrar entre
os capítulos 9 e 11 de Romanos. A palavra “todos” é entendida pela grande
maioria dos intérpretes como sendo uma referência clara ao Israel étnico. E
desse Israel étnico que Paulo vem falando como sendo amados por causa dos
patriarcas e não apenas a “todos” os israelitas eleitos (Rm 11.28). A exegese
de Palmer ignora a expectativa escatológica claramente mostrada pelo apóstolo
nesse capítulo. No entendimento do apóstolo, o Messias, que fora rejeitado,
voltará novamente como Libertador, e quando ele voltar “apartará de Jacó as
impiedade/’ (Rm 11.26). Esse versículo só tem sentido dentro de um contexto
escatológico futuro. Esse fato é claramente demonstrado por Paulo quando ele
afirma que a vinda do Messias Libertador acontecerá somente após haver se cumprido a plenitude dos gentios. “Até que haja entrado a plenitude dos gentios” (Rm 11.25). Isso evidentemente ainda não aconteceu. Ao
contrário da tese de Palmer, em que “todo Israel” se limita apenas aos judeus
messiânicos, o “todo Israel” de Paulo é uma referência ao Israel étnico que se
voltará em massa quando o Messias voltar.32
A graça que alcançou os
gentios, a graça que alcançou os judeus messiânicos, é a mesma graça que
reservou um futuro glorioso para Israel. “Orai pela paz de Jerusalém!
Prosperarão aqueles que te amam” (SI 122.6).
Retirado do livro Maravilhosa Graça
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de Deus. Aprovado pelo Conselho de Doutrina.
Preparação dos originais:
Daniele Pereira Capa e projeto gráfico: Wagner de Almeida Editoração: Anderson
Lopes
CDD: 220 — Comentário Bíblico
ISBN: 978-85-263-1317-0
As citações bíblicas foram
extraídas da versão Almeida Revista e Corrigida, edição de 1995, da Sociedade
Bíblica do Brasil, salvo indicação em contrário.
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