Enfrentando as questões morais do nosso tempo.
Douglas Baptista.
A expressão suicídio vem do latim sui
(“a si mesmo”) e caedere (“matar”, “cortar”), que significa “matar a si mesmo”,
também conhecido como “morte auto infligida”. A palavra “suicídio” foi criada
em 1651 pelo médico e filósofo inglês Walter Charleton. Ele alegava
que “vindicar-se de uma calamidade extrema e, de outro modo, inevitável por
meio do suicídio não é um crime” (KAISER Jr, 2016, p. 181). O sociólogo francês
Émile Durkheim (1858-1917) acatou a seguinte definição:
Chama-se suicídio todo caso de morte
que resulta direta ou indiretamente de um ato, positivo ou negativo, realizado
pela própria vítima e que ela sabia que reproduziria este resultado. A
tentativa é o ato assim definido, mas interrompido antes que ele resulte a
morte. (DURKHEIM, 2000, p. 14)
Buscando descobrir quais condutas
sociais causavam o suicídio (nexo casual), Durkheim classificou os suicídios em
egoísta, altruísta, fatalista e anômico.
O
egoísta é aquele em que o bem-estar do
indivíduo ultrapassa o bem-estar da coletividade. As relações com a sociedade
se deterioram, o suicida se isola em uma atitude de autocomiseração a ponto de
considerar não ter mais sentido em viver.
O
altruísta é aquele que se dá por meio do exagero
da interação social. O cidadão sente-se no dever de oferecer a sua vida em
favor de uma causa própria.
O
fatalista não acredita que as coisas possam
melhorar. Ele decreta o fracasso como única possibilidade e decide tirar a
própria vida por sentir-se inferior em relação às outras pessoas.
O
anômico acontece em situação de anomia social,
ou seja, a ausência de regras e expectativas, decorrente de alguma crise
social, tais como na área política e na economia, que desregulam as normas
sociais. A prática do suicídio tem sido um mal silencioso e o índice de pessoas
que se matam vem crescendo assustadoramente. Porém, as causas do suicídio não
são apenas de origem sociais; elas possuem fortes elementos de natureza
espiritual.
I. O SUICÍDIO NAS ESCRITURAS E NO MUNDO
As Escrituras registram seis casos de
suicídio, cinco no Antigo e um no Novo Testamento. Entre os judeus ortodoxos,
existia um entendimento extremado do texto de Levítico: “E não profanareis o
meu santo nome, para que eu seja santificado no meio dos filhos de Israel. Eu
sou o Senhor que vos santifico” (Lv 22.32). A doutrina da “Santificação do
Nome” (Kiddush Ha-shem) exigia que o judeu fizesse todo o possível, até mesmo
tirar a própria vida, para glorificar o nome de Deus (KAISER Jr, 2015, p. 183).
1. No Antigo Testamento
Os casos de suicídio relatados no
Antigo Testamento revelam a incapacidade humana em enfrentar a vergonha e a
rejeição. O ser humano tem necessidade de sentir-se aceito, respeitado e amado.
Porém, sabe-se que é impossível viver sem nunca ser rejeitado e,
portanto, saber lidar com a rejeição é uma aprendizagem fundamental para o
equilíbrio do ser humano (MIRANDA, 2005, p. 10). Aqueles que não encontram esse
equilíbrio desenvolvem um forte sentimento de baixa autoestima que os leva a
prática do suicídio.
A controversa saga de Sansão
O livro de juízes estende-se por um
período de intervalo entre a morte de Josué e o começo da monarquia em Israel.
Ele narra um tempo conturbado da história dos israelitas compreendido entre
1200 até 1070 a.C. A narrativa de Juízes conta a saga de Sansão, o sétimo juiz, cuja tarefa era derrotar os filisteus. Sansão recebeu
atributos para ser um libertador de seu povo (Jz 13.5), mas preferiu alimentar
sua carne e envolveu-se em relacionamentos amorosos condenados pela lei mosaica
(Jz 14.3). Ele casou-se com uma das filhas dos filisteus a quem amava, mas
ainda durante a festa de casamento ela traiu a confiança dele (Jz 14.17).
Descontrolado, abandonou a festa e foi para a casa de seu pai. Quando retornou
para reconciliar-se com a esposa, descobriu que a tinham dado para outro homem
(Jz 14.19,20). Irritado, vingou-se dos filisteus por causa dessa ofensa (Jz
16.5).
Os filisteus lhe deram o troco, e
queimaram a casa e mataram a família e a mulher que Sansão amava (Jz 15.6). Ele
severamente tornou a vingar-se dos filisteus (Jz 15.8). Então, seus adversários
cercaram Judá e pediram sua cabeça, seus compatriotas o amarraram e o
entregaram aos filisteus (Jz 15.9- 13). Sansão libertou-se das amarras e com a
queixada fresca de um jumento matou mil filisteus (Jz 16.14-16). Depois disso,
ele foi até Gaza e deitou-se em casa de uma prostituta. Os gazitas cercaram a
cidade para matá-lo pela manhã. Porém, à meia-noite, Sansão se levantou e
carregou o portão da cidade, com seus umbrais e tranca (Jz 16.1-3). Não é difícil
compreender que as más escolhas de Sansão o conduziram por um tortuoso e
desgovernado caminho. Seus pais não o entenderam, sua esposa o traiu, seus
compatriotas o entregaram, uma nação inteira de filisteus o odiava e sua vida
corria risco de morte. Não obstante, Sansão não procurou alívio de seu
sofrimento no suicídio, ao contrário, ele lutava bravamente para se manter
vivo.
Após sofrer todos esses revezes, Sansão
apaixonou-se por uma mulher chamada Dalila (Jz 16.4). Tudo indica que estava em
busca de companhia, não era apenas desejo sexual; ele estava solitário e
castigado pela rejeição, precisava sentir-se amado, e então passou a morar em
casa de Dalila (Jz 16.5). Destarte, Sansão experimentaria a maior de
todas as suas decepções. Instigada pelos filisteus, Dalila insistia em
descobrir o segredo da sua força (Jz 16.15,16). Após confidenciar a verdade à
mulher que amava, os filisteus
arrancaram-lhe os olhos, aprisionaram-no com duas cadeias de bronze e
obrigaram-no a girar um moinho no cárcere (Jz 16.21). Quando seus cabelos
tornaram a crescer, decidido em cumprir sua missão, na festa a Dagom (um dos
deuses do panteão cananeu), ao se recostar nas colunas de sustentação, derrubou
o templo sobre si e seus inimigos (Jz 16.30).
É verdade que as Escrituras não
apresentam Sansão como modelo de piedade e santidade. Mas os problemas de
Sansão não eram exclusivamente a luxúria, e sim desobediência espiritual e
desajuste emocional. Ele não cumpriu o seu voto de nazireu, não controlou suas
paixões e se deixou manipular. Contudo, a humilhação que experimentara em poder
dos filisteus (a mutilação de seus olhos e o trabalho escravo na prisão) parece
que o fez cônscio de sua missão divina. Na derradeira oração de sua vida,
Sansão demonstra sua fé e acredita que Deus possa usá-lo uma última vez (Jz
16.28). Deus reunira em um só lugar todos os líderes filisteus inimigos de
Sansão e de Israel (Jz 16.30). Assim, sua tarefa de iniciar o livramento de seu
povo foi cumprida com a sua morte. Essa ação de Sansão não foi vista como
suicídio, e sim como um sacrifício. Seu último ato o transformou em um herói da
fé (Hb 11.32-34).
Os suicídios como fuga pessoal
O primeiro rei israelita, o benjamita
Saul, cometeu vários desatinos e distanciou-se completamente de Deus. Reinou
durante quarenta anos (At 13.21), mas já a partir do segundo ano trilhou o
caminho da desobediência (1 Sm 13.1). Seu primeiro grande erro foi o de usurpar
para si o ofício de sacerdote sobre Israel. Estava há sete dias no campo de
batalha aguardando por Samuel para a oferta do sacrifício; como o sacerdote
demorou, Saul precipitadamente decidiu oferecer o sacrifício (1 Sm 13.8,9). Ao
chegar ao arraial, o sacerdote o repreendeu severamente: “Agiste nesciamente
[…] agora, não subsistirá o teu reino” (1 Sm 13.13,14).
Dominado
pela inveja e ciúmes que sentia
por Davi, Saul vivia atormentado por um espírito mau (1
Sm 16.14). Por causa de seus erros e pecados, Deus não falava mais com ele (1
Sm 28.6). Insensato e inconsequente, rejeitou ao Senhor e buscou respostas no
ocultismo (1 Sm 28.7). Acuado na peleja contra os filisteus, não podendo
suportar a derrota e o fracasso de sua empreitada, lançou-se sobre a
própria espada e seu auxiliar fez o mesmo (1 Sm 31.4,5).
O suicídio do conselheiro Aitofel é outro caso registrado como fuga
para os problemas. Ele era um
gilonita, conselheiro de Davi. Sua reputação era tão alta que as suas palavras
tinham a autoridade de um oráculo divino (2 Sm 16.23.). Conjectura-se que
Aitofel estava zangado com Davi por causa do adultério do rei com sua neta
Bate-Seba e o consequente assassinato de Urias (2 Sm 11.3; 23.34). Por essa
razão, Aitofel teria ficado ao lado de Absalão quando este usurpou o reino de
Davi (2 Sm 15.31). Para mostrar ao povo que
o rompimento entre o filho e o pai era definitivo, Aitofel aconselhou Absalão a
possuir as concubinas de Davi aos olhos do povo (2 Sm 16.21,22). Aitofel também
aconselhara escolher doze mil homens, e perseguir a Davi naquela mesma noite.
Porém, o rebelde Absalão desejou ouvir uma segunda opinião. Chamaram a Husai, o
arquita, que aconselhou esperar, tendo como objetivo alertar a Davi acerca do
perigo. Absalão acatou o conselho de Husai, e quando Aitofel viu que seu
conselho fora rejeitado, desesperou-se, e, sem conseguir lidar com a situação,
voltou frustrado e deprimido para sua casa, colocou as suas coisas em ordem e
enforcou-se (2 Sm 17.1-23).
O outro registro é o caso do rei Zinri.
Ele foi o quinto monarca do Reino do Norte. Antes de se tornar rei, tinha sido
capitão da metade dos carros sob o reinado de Elá. Quando da ausência do
exército em Gibetom, por causa dos filisteus, Zinri aproveitou da ocasião e da
embriaguez do monarca e traiçoeiramente matou a Elá, também dizimou os membros
da família real e se autoproclamou rei. Contudo, seu reinado foi breve — apenas
sete dias —, pois o exército não o reconheceu e fez do capitão Onri o novo rei.
Onri marchou com o exército revoltado e
sitiou a cidade de Tirza, local onde Zinri reinava. Encurralado, derrotado e
apavorado, Zinri incendiou a casa do rei estando ele dentro e assim tirou a
própria vida por ato de incêndio criminoso (1 Rs 16.9-19). Ao não suportar a
rejeição sofrida, Zinri covardemente cometeu suicídio e por motivo fútil.
2. No Novo Testamento
O mais emblemático caso é o suicídio de
Judas Iscariotes. Ele fizera parte do colegiado apostólico (Lc 6.16). Sua
função de tesoureiro requeria integridade (Jo 13.29). No entanto, ele furtava
as ofertas que eram lançadas na bolsa (Jo 12.6). Sua ambição por dinheiro foi
uma das motivações para entregar Jesus (Mc 14.11). Culpado por entregar sangue
inocente, foi enforcar-se (Mt 27.4,5) e como resultado “caiu de cabeça,
seu corpo partiu-se ao meio, e as suas vísceras se derramaram” (At 1.18, NVI).
Cristo já o tinha alertado: “ai daquele homem por quem o Filho do Homem é
traído” (Mc 14.21), porém, Judas não resistiu ao Diabo e nem teve humildade
para buscar o perdão. Preferiu o suicídio em lugar de corrigir o erro cometido.
Em nossos dias, a banalização da vida e da fé tem contribuído para
comportamentos similares e consequente queda espiritual.
Judas foi salvo?
Essa pergunta é muito comum no meio
evangélico. A dúvida de alguns se baseia no conceito equivocado de
predestinação. A doutrina da predestinação fatalista ensina que Deus
predestinou uns para os céus e outros para o inferno. Os adeptos
dessa ideia questionam: “Se Judas estava predestinado para trair Jesus, o que
ele poderia fazer para evitar sua condenação?” De outro lado, usando esse mesmo
pressuposto, alguns consideram uma injustiça Judas não ter sido salvo, uma vez
que, segundo essa teoria, ele nada poderia fazer contra os desígnios divinos.
Sem entrar nos debates da erudição teológica acerca da
doutrina da salvação, especialmente entre
Calvino e Armínio,
reconhecemos pelas Escrituras que Deus é soberano (Is 41.21-24). Em sua
soberania, Ele concede a cada pessoa o livre-arbítrio para ser exercido
dentro de seu soberano projeto para o passado, presente e futuro. E as
Escrituras também asseveram que a presciência divina das futuras decisões de
alguém não é o resultado de sua predeterminação dessas escolhas. Portanto, cada
qual será responsabilizado e julgado por suas decisões, quer elas sejam boas,
quer sejam más escolhas (Sl 51.3,4, Rm 2.6-8, Ap 20.12).
Nesse caso, a presciência divina sabia
que Jesus morreria em uma cruz (Jo 12.32). Sabia que seria traído por Judas
Iscariotes (Jo 13.18-27) e também tinha ciência de que Pedro negaria o Cristo
(Mc 14.19-31). No entanto, a responsabilidade de cada um desses atos recaiu
sobre quem os decidiu executar. Quanto à morte de Cristo, Deus não levou as
autoridades e nem os algozes a crucificar Jesus, embora o Senhor tivesse
conhecimento prévio dos fatos, a culpa ainda era dos executores (At 4.27,28).
Isso significa dizer que “Deus não precisa predestinar para saber de antemão”
(HORTON, 1997, p. 364).
Quanto ao Iscariotes, sua má índole e
sua conduta reprovável não aconteceram de uma hora para outra. Não obstante,
Lucas e João escreverem que Satanás entrou em Judas (Lc 22.3; Jo 13.27), isso
significa dizer que embora agisse de modo próprio, inconscientemente o traidor
cooperou com o Diabo (ARRINGTON, 2003, p. 139). O discípulo amado informa que
Judas era um corrupto contumaz e furtava as ofertas que Jesus recebia (Jo
12.6). A sua motivação para entregar o Senhor envolveu uma transação monetária
— trinta moedas de prata — o preço de um escravo (Êx 21.32). Apesar disso,
considera-se que esse não fora o único motivo da traição. Talvez ele achasse
que Cristo fosse um embuste e, desacreditado da messianidade de seu líder,
resolveu lucrar com a situação (MOUNCE, 1996, p. 250). Entretanto, ao contrário
de Pedro — que também traiu a Jesus —, mas que após negar ao seu
Senhor encontrou perdão por meio do
arrependimento (Lc 22.62; Jo
21.17), Judas, cheio de remorso, resolveu tirar a própria vida (Mt 27.5). Por
conseguinte, tanto o “ato da traição” quanto o “ato do suicídio” foram escolhas
que selaram o seu destino. Assim sendo, Pedro foi salvo e o Iscariotes morreu
perdido.
3. O Suicídio no Mundo
Segundo a Organização Mundial da Saúde,
as mortes por suicídio aumentaram 60% nas últimas cinco décadas. Quase um
milhão de pessoas tira a própria vida todos os anos e cerca de outros
vinte milhões tentam ou pensam em suicidar-se. Para cada suicídio, cerca de
seis a dez outras pessoas são diretamente afetadas. Na maioria dos países
desenvolvidos, o suicídio é a primeira causa de morte não natural. Desde 2015,
as autoridades iniciaram o movimento “Setembro Amarelo”, estimulado pela
Associação Internacional pela Prevenção do Suicídio (IASP), que consiste em
iluminar ou sinalizar locais públicos com faixas ou símbolos amarelos a fim de
alertar e conscientizar do grande mal do suicídio.
II. OS TIPOS DE SUICÍDIOS
Aparentemente, os seres humanos são os
únicos animais que cometem o suicídio. A morte exerce sobre o homem, ao mesmo
tempo, medo e fascínio. Em 37 das peças de Shakespeare, por 54 vezes algum de
seus personagens comete suicídio (DRANE, 2013, p. 61). A prática do suicídio
acontece de modo variado. Neste tópico adotaremos os tipos classificados como
convencional, pessoal e sacrificial.
1. Suicídio Convencional
Dá-se o nome de “convencional” ao
suicídio provocado pela tradição cultural de uma sociedade ou povo, bem como a
coerção do grupo social na qual o indivíduo está inserido. Trata-se de uma
conduta consolidada pelo uso e pela prática. Na cultura dos esquimós —
grupo étnico que vive no gelo e na neve, submetidos a temperaturas de até -45º
C —, a doença e a incapacidade física, bem como a velhice avançada, podem levar
ao abandono e mesmo à morte. Para os Kutchin, na região do Alasca, a morte dos
inválidos era uma questão de sobrevivência para seus descendentes. Era costume
as pessoas de idade avançada, ao se sentirem um peso para a sociedade, pedirem
para serem mortas ou deixadas para trás para morrer. Um ano após a morte dos
velhos e incapacitados, uma cerimônia era celebrada em memória daqueles que se
sacrificaram pelo grupo. Esse tipo de comportamento se assemelha à eugenia, em
que somente os fortes podem e devem sobreviver.
No Japão, a prática do “hara-kiri”
(suicídio ritual) expressava orgulho do suicida em escapar de alguma situação
intolerável e era visto como um ato de nobreza e uma forma de heroísmo. Era
costume, por exemplo, que o devedor insolvente praticasse o suicídio na véspera
do Ano-Novo, como uma maneira de limpar o seu nome e o de sua família. Tal
costume justificou o aparecimento dos “pilotos suicidas” durante a Segunda
Guerra Mundial (LARAIA, 2015, p. 15). Em época recente, em maio de 2007, o
ministro da Agricultura do Japão, ao ser investigado por corrupção, sentiu-se
extremamente envergonhado e cometeu o suicídio por enforcamento. Em 2014, a
taxa média de suicídios no Japão era de 70 pessoas por dia. Especialistas
costumam citar essa antiga tradição de “suicídio em nome da honra” para
explicar que razões culturais tornam os japoneses mais propensos à morte
autoinfligida.
2. Suicídio Pessoal
Praticado
por iniciativa individual sem a influência de tradição cultural. As motivações
para esse tipo de suicídio são variadas e muitas vezes não é possível apontar
causas aparentes. Nesse caso, o suicídio é considerado uma fuga radical e
permanente dos problemas da vida, tais como, dificuldades financeiras,
desilusões amorosas, sentimentos de culpa, depressão, neuroses, desequilíbrios
mentais e espirituais, e outros. O único e último desejo do suicida é
supostamente aliviar o sofrimento por meio da morte. Tais pessoas comportam-se
de maneira egocêntrica e costumam pensar apenas em si mesmas. Não se importam
com o sofrimento que vão causar aos
outros tirando a própria vida. Imaginam que seus sofrimentos são
insuperáveis. Nessas circunstâncias de individualização exacerbada, a tristeza
e a melancolia afloram os sentimentos suicidas que, desprovidos de fé e
esperança, em um ato de desespero levam o homem atentar contra a própria vida.
3. Suicídio Sacrificial
Também conhecido como “morte em prol
dos outros”. Trata-se da tentativa altruísta de alguém salvar a vida alheia em
detrimento de sua própria vida. Para o sociólogo Émile Durkheim, o suicídio
altruísta é praticado por indivíduos que se veem sem importância e oprimidos
pela sociedade ou por indivíduos que veem o mundo social sem importância e
sacrificam a si próprios por um grande ideal. Nesse ponto, divergimos do
célebre sociólogo, pois reconhecemos que pessoas podem sacrificar suas vidas
não por desacreditarem de si mesmas ou por desprezarem a sociedade, mas por
pura abnegação e como meio de salvar a vida de outro ser humano que está em
iminente perigo.
Nesse caso enquadra-se o bombeiro, que
entra no fogo ciente de que corre risco de vida, e que por vezes acaba morrendo
como resultado de sua ação. Também aquele habilitado ou voluntário que se afoga
ao entrar na água para tentar salvar a vida do outro. Ainda o profissional
civil e militar ou voluntário que perde a vida combatendo o crime. Igualmente
fazem parte dessa lista os voluntários e os profissionais que atuam no socorro
às vítimas de acidentes e emergências, que muitas vezes sucumbem no exercício
de suas atividades.
Nessas circunstâncias, a morte de quem
arrisca a vida em favor do próximo é considerado um ato de amor. Não se trata
de suicídio deliberado, convencional, pessoal ou egoísta, mas sim de uma ação
caracterizada pelo desprendimento da própria vida em favor do outro. Foi Cristo
Jesus quem nos ensinou: “Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a
sua vida pelos seus amigos” (Jo 15.13). O próprio Senhor entregou a sua vida
por nós. Não foi suicídio, foi um sacrifício de amor (Jo 10.15).
III. O POSICIONAMENTO CRISTÃO PARA O SUICÍDIO
A posição teológica e ética do cristão
é totalmente desfavorável à prática do suicídio. Atentar contra a vida, a sua
ou a de outro, é atentar contra a soberania de Deus, o autor da vida. Cremos e
ensinamos que o poder absoluto sobre a vida e a morte pertence a Deus. Por
violar os propósitos divinos, repudiamos qualquer ideologia que propague o
direito do homem em exterminar a própria vida.
1. O posicionamento teológico
O cristão se posiciona contra o
suicídio fundamentado no sexto mandamento do Decálogo: “Não matarás” (Êx
20.13). O mandamento que proíbe o homem de assassinar o outro também o proíbe
de assassinar a si mesmo. A vida humana é uma dádiva divina e, portanto,
pertence a Deus (Sl 100.3). O Criador é quem determina o início e o término da
vida, e não a criatura (Ec 3.2). É Deus quem estabelece quando e como a vida
deve cessar, seja por doença, velhice, seja por acidente. Por conseguinte, o
fim da vida está sob o controle e a sabedoria divina.
A salvação e o suicida
Uma
pergunta comum indaga o destino final daquele que pratica o suicídio.
Para responder a essa questão, é
preciso ficar claro que o suicídio é pecado contra Deus, a vida, a dignidade, a
pessoa e a sociedade. As Escrituras advertem que a violação do mandamento “não
matarás” resulta em condenação ao infrator (1 Co 3.16,17; 1 Jo 3.15b; Ap 21.8).
Mercê da revelação inequívoca das
Escrituras, cometer homicídio contra outro ou contra si mesmo é pecado contra
Deus, e atentar contra o corpo que é templo do Espírito Santo implica a
condenação de quem comete tais atos. Aqueles que tentam inocentar o cristão que
tira a própria vida argumentam que Sansão, ao cometer suicídio, não perdeu a
salvação, pois seu nome integra a galeria dos Heróis da Fé (Hb 11.32).
Tal argumento, como já vimos, é um logro e pode ser desconstruído pelo fato de
Sansão ter realizado um ato heroico de fé, para vingar-se dos inimigos de
Israel, mesmo admitindo o risco de morrer com eles. Portanto, usar o exemplo de
Sansão para justificar o suicida é apenas uma falsa conjectura.
Outro argumento falacioso apresentado
por alguns no intuito de amenizar o pecado do suicídio consiste em afirmar que
a salvação é concedida ao suicida cristão sem a necessidade de arrependimento
de tal pecado. Aliás, essa posição é um desvirtuamento do ensino das Escrituras
Sagradas. Contradizendo essa audaciosa falácia, as Escrituras revelam que o
arrependimento precede a salvação (Lc 24.46,47; 2 Co 7.10a; 1 Jo 1.9,10).
Deus não requer de nós um estado de
perfeição plena. Se assim fosse, a salvação não seria por graça, e sim por
obras. Por outro lado, aquele que é nascido do Espírito é nova criatura e não
vive mais na prática do pecado, mas sim no processo de santificação sem a qual
ninguém verá a Deus (Hb12.14). Por conseguinte, é preciso entender que a
prática do suicídio não é um pecado involuntário ou inconsciente
inerente de nossa fraqueza carnal. Tirar a própria vida é um pecado deliberado,
consciente, pensado, premeditado, planejado e executado em detalhes. Ao fazer
uso do livre-arbítrio, o suicida intencionalmente decide atentar contra a
própria vida na ilusão de acabar com o sofrimento e assim afronta a soberania
divina. Estão inclusos aqui também aqueles que, segundo Paulo, serão julgados
por sua consciência (Rm 2.15,16).
A Bíblia afirma que o Espírito Santo é
quem convence o homem do pecado, e da justiça e do juízo (Jo 16.8). Quem
comete o suicídio não está convencido desse pecado; Ele resiste à ação do
Espírito Santo e decide dar cabo da própria vida. Entendemos o desespero da vida
de quem chega a esse ponto e reconhecemos que tal pessoa precisa de ajuda e de
compaixão, e não de incentivo para suicidar-se. Quem vive tal dilema, precisa
de apoio e de libertação. E nós sabemos pelas Escrituras que o homem não pode
libertar-se por si próprio e que tanto a salvação como o livre-arbítrio nos
foram propiciados por Deus. Portanto, quem comete o pecado do suicídio
necessita que seu livre-arbítrio seja conduzido pelo Espírito de Deus ao
arrependimento e assim ser alcançado pela graça salvadora. Lamentamos, porém,
que alguns religiosos no afã de defenderem um dogma de sua denominação
religiosa insistem em apresentar argumentos falaciosos, garantindo a salvação
de quem comete suicídio, e assim, de maneira insensata e inconsequente,
consciente ou inconsciente, fazem apologia à prática do suicídio.
Em contrapartida, cremos que no caso do
suicida ser convencido pelo Espírito de Deus acerca de seu pecado, e nos
últimos instantes de sua vida, tal qual o malfeitor da cruz, por meio da fé
arrepender-se de seu ato será salvo por meio da graça, o favor imerecido
concedido por Deus a pecadores arrependidos. E, esclareço, o arrependimento não
é obra humana; é obra do Espírito, que convence o homem do pecado e o capacita
ao arrependimento. Por conseguinte, somente Deus é quem conhece a situação
espiritual no último momento da partida de cada um de nós. Por isso, o
cristão não deve buscar e nem amenizar a prática do suicídio.
2. O Posicionamento Ético
O aumento do suicídio é resultado da
ideologia que enaltece a criatura em lugar do Criador e propõe a morte como
única saída para o sofrimento humano. O existencialismo, o secularismo e o
relativismo tão comuns na cultura pós-moderna insistirão que é direito do homem
exercer autonomia sobre o próprio corpo, a liberdade de fazer o que quiser,
inclusive suicidar-se. Essa filosofia é antiga. Os estoicos, por exemplo,
glorificavam o suicídio como a suprema independência do homem. Os atuais
adeptos de tais ideologias defendem que qualquer opinião contrária ao suicido é
ameaça e violação contra a liberdade humana. Quando o homem evoca
autonomia sobre o próprio corpo e a própria vida, desprezando e afrontando a
soberania divina, graves e funestas consequências ocorrem. A vida só tem
sentido quando está sob o controle irrestrito de seu Criador (Is 41.13). O
início da vida e também o quando e o modo do término da vida são prerrogativas
exclusivamente divinas.
Justificativas éticas
A posição da ética cristã é contrária à
prática e à apologia ao suicídio pelos seguintes e principais motivos:
a) o suicídio implica banalizar a vida e
afrontar a soberania divina, constituindo-se em último ato da falta de fé e de
esperança na vida de alguém;
b) o suicida viola o mandamento de amar a
si mesmo e ao próximo, constituindo-se em descaso com a dádiva da vida e
desamor para com o outro;
c) o suicídio é um ato egoísta de quem
pensa em aliviar seu sofrimento sem
se importar com os outros, constituindo-se em individualismo extremado;
d) suicidar-se denota inversão dos valores
da vida e falta de confiança em Deus, constituindo-se em conduta que relativiza
as verdades bíblicas;
e) o suicido é um gesto de ingratidão que
interrompe o ciclo e a missão da vida outorgada por Deus, constituindo-se em um
ato de desagravo ao favor divino.
A ética da prevenção
A ética da prevenção tem por objetivo
ser uma referência para a prática de conduta pessoal e profissional de todos os
colaboradores que visam impedir o suicídio e auxiliar pessoas com tendências
suicidas. Em 2006, a Organização Mundial da Saúde, alarmada com os índices de
suicídio no mundo, lançou um Manual de “Prevenção do Suicídio”. O Manual
afirma que “os comportamentos suicidas são mais comuns em certas circunstâncias
devido a fatores culturais, genéticos, psicossociais e ambientais” (Prevenção
do Suicídio, 2006, p. 3, 4), e ainda apresenta dicas que podem reduzir o risco
de suicídio, tais como, o apoio da família e de amigos, crenças religiosas,
culturais e étnicas; envolvimento na comunidade; vida social satisfatória e o
cuidado com a saúde mental, dentre outros.
Como cristãos, não podemos ignorar que
também somos seres humanos, e, portanto, não estamos imunes aos sofrimentos
psíquicos e angústias da alma. Precisamos cuidar uns dos outros por meio do
apoio mútuo, do diálogo franco, e não por meio de acusações ou atitudes
discriminatórias. Ao percebermos os sintomas aqui já listados, não podemos
tomar atitudes triunfalistas ou de negação dos fatos. Os sentimentos suicidas
são atos de desespero e profundo sofrimento. Por isso, é indispensável agir.
Dar atenção, estar disponível, conversar, aconselhar e interceder. Estimular a
fé e a esperança, cobrir de afeto e de carinho, sentir empatia e ser
compreensivo. Em caso de nenhuma dessas prevenções surtir efeito, deve-se
buscar ajuda qualificada. Não é nenhum demérito o cristão receber tratamento
profissional adequado.
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