Lição 9 - Ética Cristã e Planejamento Familiar

RETIRADO DO LIVRO - VALORES CRISTÃOS -
Enfrentando as questões morais do nosso tempo.
Douglas Baptista.

O casamento cristão pressupõe a formação de uma nova família e, como resultante,  o  nascimento  de  filhos.  Está  inserida  na  criação  dos  filhos, a responsabilidade familiar de prover o sustento e todo o cuidado indispensável para o desenvolvimento do ser humano. Por conseguinte, entre outros deveres e obrigações do casal, inclui-se o planejamento familiar. A Declaração de Fé das Assembleias de Deus professa que “a família é uma instituição criada por Deus, imprescindível à existência, formação e realização integral do ser humano, sendo composta de pai, mãe e filho(s) — quando houver”. Reitera ainda a Declaração que “o pai e a mãe integram, de forma originária, determinante e estruturante, a família, e a eles a Bíblia impõe o dever de sustentar, formar, disciplinar os filhos e instruí-los moral e espiritualmente” (SOARES, 2017, p. 205). No caso de infertilidade em, pelo menos, um dos cônjuges, nas Assembleias de Deus pode-se recorrer às técnicas reprodutivas, desde que a fertilização ocorra no interior do corpo da mulher e os gametas utilizados pertençam ao próprio casal (SOARES, 2017, p. 206). Quanto ao uso de métodos contraceptivos no planejamento familiar, as Assembleias de Deus preferem o método natural, mas não se opõem ao uso dos métodos artificiais, desde que não sejam abortivos (BARROS, 1997, p. 93).
Assim sendo, o posicionamento ético cristão quanto à procriação e o planejamento familiar baseiam-se no equilíbrio entre esses dois institutos. De um lado, não se deve procriar de modo imprudente e irrefletido, e, de outro, não se deve deliberadamente, por questões moralmente injustificáveis,  evitar ou impedir toda e qualquer concepção e a consequente procriação da espécie humana.
I.  CONCEITO GERAL DE PLANEJAMENTO FAMILIAR
Neste capítulo, analisaremos o conceito de “controle de natalidade” e “planejamento familiar”. Embora, algumas vezes, essas expressões sejam usadas como sinônimos, entre esses dois institutos existem diferenças  cruciais que não podem ser confundidas ou abarcadas pelo relativismo cultural.
1.   Controle de Natalidade
São procedimentos de políticas demográficas com o objetivo de diminuir e até impedir o nascimento de crianças. Tais medidas são adotadas pelos governos para refrear o aumento da população de um país. Nesse  caso, regular o número dos filhos é visto como solução para erradicar os níveis de pobreza, bem como alternativa para a preservação e o melhor uso dos  recursos naturais. Por ordem do Estado, o número de filhos é limitado à revelia da vontade dos pais. Para esse fim, são utilizados métodos contraceptivos e até esterilização permanente. Em países totalitários ocorrem denúncias do uso do aborto e até do infanticídio como soluções para o controle de natalidade. Em sentido mais amplo, o controle de nascimento de seres humanos pode ser considerado como:

Qualquer ato ou aparelho que mantenha separada duas pessoas de sexo oposto que tenham o potencial de procriar, qualquer ato ou aparelho que mantenha a pessoa, o macho ou fêmea, incapaz de realizar a totalidade da função sexual, qualquer ato ou aparelho que mantenha separados os espermatozoides e os óvulos durante ou após a relação sexual, e    qualquer ato ou aparelho que destrua o produto da concepção (o zigoto formado pelos gametas masculino e feminino), não obstante a idade do produto de concepção. (HENRY, 2007, p.140)

Nesse contexto, o controle de natalidade visa manter o índice populacional dentro dos parâmetros estabelecidos pela autoridade estatal. Alguns pesquisadores diferenciam o controle de natalidade do controle populacional. Alegam que o primeiro contempla apenas os métodos contraceptivos que impedem a procriação e que o segundo atua, inclusive, na eliminação de pessoas que já nasceram. Seja como for, trata-se de controle da reprodução humana que, se não observados os princípios éticos e morais, atentam contra a soberania divina e a inviolabilidade da vida.
O Relatório de Kissinger
O “Relatório de Kissinger”, datado de 30 de setembro de 1974, foi redigido pelo então secretário de Estado dos Estados Unidos Henry Kissinger. Para entender os atuais programas de natalidade, é indispensável o conhecimento do referido relatório norte-americano. O documento recebeu o título “Implicações do Crescimento da População Mundial para a Segurança e os Interesses Externos dos Estados Unidos”, classificado como “confidencial” sob o código NSSM 200. O texto foi desclassificado pela Casa Branca e deixou de ser sigiloso em 1989. O relatório estabelece políticas e estratégias para a redução do crescimento populacional dos países em desenvolvimento. As ações recomendadas para o “controle de natalidade” envolvem a ampla divulgação e comercialização indiscriminada de anticonceptivos orais, uso do dispositivo intrauterino (DIU), esterilização de homens e mulheres e o uso de preservativos. E, dentre outras políticas de controle, o documento destaca a prática do aborto:
Embora os órgãos que estão participando deste estudo não tenham recomendações específicas para propor em relação ao aborto, acredita-se que as questões seguintes são importantes e devem ser consideradas no contexto de uma estratégia global de população: – nunca um país reduziu o crescimento da sua população sem recorrer ao aborto. (NSSM 200, 1974,  p. 182)

Ressalta também o relatório a importância do papel da mulher no controle dos nascimentos. Ideias como o empoderamento feminino, direito sobre o próprio corpo, disputa com os homens na esfera política e no mercado de trabalho são apontados como essenciais para o sucesso do programa:

A condição e a utilização das mulheres nas sociedades dos países subdesenvolvidos são particularmente importantes na redução do tamanho da família […] As pesquisas mostram que a redução da fertilidade está relacionada com o trabalho da mulher fora do lar. (NSSM 200, 1979, p. 1301)

Estudiosos do controle populacional avaliam que foi a partir desse relatório que assustadoramente se implantaram, nos países em desenvolvimento, diversos e variados processos políticos para a redução dos nascimentos. Incluem-se como consequência do “Relatório de Kissinger” as propostas para a institucionalização da educação sexual nas escolas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Desse modo, o controle de natalidade nos países subdesenvolvidos estaria a serviço dos interesses econômicos das grandes potências, e não apenas com a manutenção ambiental do planeta. Apesar das controvérsias acerca do assunto, ressalta-se sua contribuição, positiva e negativa, para a redução populacional.
Taxa de natalidade no Brasil
Em 26 de outubro de 2016, dados divulgados pelo IBGE avaliaram que o envelhecimento da nação, não excluíndo a melhoria da qualidade de vida, estaria relacionado com a queda de nossa taxa de fecundidade. Na década de 1980, a taxa de nascimento era estimada em 4,12 filhos por mulher. No ano 2000, a taxa caiu para 2,39 filhos. E, de acordo com as estimativas do IBGE, esse número deverá cair para 1,51 em 2030 e chegará ao índice de 1,50 no ano de 2060.
Coincidência ou não, nossa taxa de fecundidade diminuiu drasticamente após o documento norte-americano conhecido como “Relatório de  Kissinger”. Desde 1974, o Brasil adota medidas para fins de controle das taxas de natalidade. Analistas apontam que “estabeleceu-se, através da mídia principalmente, que uma família ideal teria o número máximo de dois filhos por casal. Além disso, acontece até hoje a distribuição de pílulas anticoncepcionais e camisinhas, bem como a venda desses produtos a preços acessíveis e sem controle médico” (PENA, 2017, p. 1).
2.   Planejamento Familiar
Diferente do “controle de natalidade”, que consiste em evitar o nascimento dos filhos por meio do controle estatal, a proposta do “planejamento familiar” é de instituir a paternidade-maternidade responsável. Trata-se de uma decisão voluntária e sensata por parte dos pais quanto ao número de filhos  que possam criar e educar com dignidade. No planejamento familiar, fatores diversos são analisados, tais como, a saúde dos pais, as condições e a renda  da família, o tempo entre uma e outra gestação e o espaçamento de nascimento entre um e outro filho. No contexto cristão, quanto ao número de filhos, o casal deve buscar orientação divina por meio da oração e submeter- se à direção do Espírito Santo.
O planejamento familiar é algo restrito à realidade de cada lar constituído. Algumas famílias terão condições econômicas, psicológicas e estruturais para criar um único filho e outras podem criar um número maior de filhos. E isso, quando respeitadas as condições e ou as limitações particulares, não enaltece e nem deprecia as famílias. Alguns lares lutam contra a infertilidade e se submetem a tratamentos diversos para viabilizar a gravidez. Em certos casos, o tratamento é eficaz e a gravidez acontece, e em outros não. Existem ainda  as situações em que a fecundidade é tamanha que se faz necessário o uso de métodos contraceptivos. Portanto, ratifica-se que cada família deve, sob o temor de Deus, adequar-se às suas particularidades para planejar  o nascimento de seus filhos.
Métodos contraceptivos
Denomina-se de “métodos contraceptivos” os procedimentos que são empregados para evitar a concepção ou a gravidez. Em outras palavras, tais métodos, impedem que os espermatozoides fertilizem o óvulo. Dentre os métodos atualmente disponíveis existem os irreversíveis ou permanentes (esterilização cirúrgica) e os reversíveis ou temporários (utilizados durante o ato sexual). Diante dos variados métodos existentes, a Igreja posiciona-se contrária ao uso do DIU (Dispositivo Intrauterino) e a denominada pílula do “dia seguinte” por possuírem características abortivas. Quanto ao uso do  DIU, cientistas da área médica e estudiosos da ética cristã, avaliam que:

Não existe consenso completo sobre o modo de funcionamento do DIU. Sabe-se que a peristalse tubária aumenta e passa rapidamente o óvulo das trompas para o útero. O DIU mantém as partes do útero separadas e pode interferir na implantação normal do óvulo. Não foi demonstrado que óvulos fertilizados tivessem sido abortados do útero, contudo a ovulação ocorre, os espermatozóides não são impedidos de entrar na trompa do falópio e as trompas não são bloqueadas aos óvulos — e a implantação não ocorre. (HENRY, 2007, p. 138)

Diante dessa controvérsia, entende-se que o DIU não impede a fertilização e sim a implantação do óvulo fertilizado. Nesse caso, trata-se de técnica condenada pelas Escrituras por atentar contra a inviolabilidade da vida. Quanto à pílula do “dia seguinte”, a oposição da Igreja para o seu uso relaciona-se com as mesmas questões éticas do DIU, pois a citada pílula é usada          após o            coito, e   “não    tem         como            objetivo  o   isolamento do espermatozoide e do óvulo, mas procura alterar, por meio do uso de hormônios, a parede do útero para tornarem impossível a implantação do óvulo” (HENRY, 2007, p. 139), tornando-se em condenável técnica abortiva. Por fim, assume-se neste tópico que a contraconcepção em análise é aquela que se pratica no âmbito do casamento bíblico, sem mancha, sem mácula, monogâmico e heterossexual (Hb 13.4). O pressuposto adotado para o uso de métodos contraceptivos no planejamento familiar refere-se ao entendimento de que o sexo não é exclusivamente procriação. Entende-se também que a procriação deve ser responsável e fundada no amor para com o cônjuge e os filhos que virão a nascer. Condena-se o uso dos métodos contraceptivos quando usado fora do casamento, para encobrir as consequências de atividade sexual ilícita, quando usado como ideologia meramente humana, quando não se quer assumir a responsabilidade da maternidade e paternidade divinamente instituída, e quando as técnicas possuem características abortivas.

II.   O QUE AS ESCRITURAS DIZEM SOBRE O PLANEJAMENTO FAMILIAR
O planejamento familiar não é um tema exclusivo de nossa época. Ele está presente nas páginas do Antigo e do Novo Testamento. E todos os exemplos bíblicos ratificam a inviolabilidade da vida e a intervenção divina em favor das famílias de acordo com sua soberana vontade.
1.   A Família e a Procriação da Espécie
Após criar o primeiro casal, Deus os abençoou e lhes disse: “Frutificai, e multiplicai-vos, e enchei a terra” (Gn 1.28). Nesse primeiro mandamento, Deus requereu à reprodução do gênero humano. Após o dilúvio, o sobrevivente Noé e seus filhos também receberam mandamento acerca da procriação: “Frutificai, e multiplicai-vos, e enchei a terra” (Gn 9.1). Note-se que essa é uma ordem universal direcionada às gerações pré e pós-diluviana. Repara-se que Deus não especificou qual seria o fator multiplicador e nem quantos filhos deveriam ser gerados por família. Observa-se ainda que os propósitos são idênticos: homens e mulheres devem se reproduzir para “encher a terra”.
O modelo bíblico para a procriação
A procriação nas páginas da Bíblia Sagrada envolve um homem e uma mulher que, unidos pelos laços do matrimônio e por meio do ato sexual, reproduzem a espécie humana. As Escrituras ensinam que suscitar a descendência é uma responsabilidade da família, intimamente ligada à perpetuação da raça humana. A reprodução humana é um processo divinamente criado que depende da união dos gametas masculino e feminino. Cada um — o macho e a fêmea — possui a sua própria célula reprodutora: a do homem é o espermatozoide e a da mulher é o óvulo. Essas células reprodutoras possuem cada uma 23 cromossomos, o que corresponde à metade encontrada em outras células do organismo. Por isso, para gerar um novo ser vivo, é indispensável à união dos gametas do macho e da fêmea. Essa união resulta em 46 cromossomos, gerando a primeira célula do ser  vivo, chamada de zigoto ou célula-ovo. A partir daí, a combinação do material genético do homem e da mulher dará origem a uma terceira combinação, que resultará na perpetuação da descendência e da raça humana. Portanto, a procriação bíblica requer naturalmente a relação sexual entre   um homem e uma mulher.
Quanto  ao  modelo  de  procriação  artificial,  nossa  Declaração  de     assevera o seguinte:

As técnicas em que a fertilização ocorre fora do corpo da mulher, com a respectiva manufatura do embrião, são condenáveis por desrespeitarem o processo de fecundação natural que deve ocorrer no interior do ventre materno […] Condenamos as técnicas reprodutivas que requerem o descarte de embriões e doação. Rejeitamos a maternidade de substituição, mediante a qual se doa temporariamente o útero, por ferir a pureza monogâmica. Não admitimos a reprodução post-mortem em virtude da cessação do vínculo matrimonial. (SOARES, 2017, p. 206)

Sob essa questão, a igreja posiciona-se favorável ao uso das demais técnicas artificiais de reprodução desde que não atentem contra a pureza da relação sexual monogâmica. O texto normativo reconhece a reprodução artificial desde que a fertilização (processo no qual tem início a vida humana) ocorra no interior do corpo da mulher e os gametas utilizados pertençam ao próprio casal (SOARES, 2017, p. 206).
2.   O Planejamento Familiar no Antigo Testamento
Na Antiga Aliança, a fertilidade era vista como uma dádiva: “Eis que os filhos são herança do Senhor, e o fruto do ventre, o seu galardão” (Sl 127.3). Nesse contexto, ter muitos filhos era sinal de benevolência do Altíssimo e sinônimo de felicidade (Sl 127.5). A esterilidade era motivo de discriminação (1 Sm 1.6,7), provocava desavenças (Gn 30.1,2) e era vista como vergonha (Gn 30.23). Em contraste a essa cultura, as esposas dos patriarcas foram estéreis e sofreram muito até que Deus lhes abriu a madre. Sara concebeu na velhice  e  gerou  apenas  um  filho:  Isaque  (Gn  21.2).  Isaque,  ao  casar-se, durante 20 anos orou pelo ventre de Rebeca, e ela gerou dois filhos: Jacó e Esaú (Gn 25.21). Raquel, a esposa amada de Jacó, após anos de espera também concebeu apenas dois filhos: José e Benjamim (Gn 35.24). Percebe- se, então, no caso dos patriarcas, a intervenção divina e as diferenças do multiplicador de família para família.
A lei do levirato
Para o povo hebreu, suscitar descendência era algo primordial para a família e para o cumprimento da promessa abraâmica (Gn. 12.3; 13.16).  Gerar filhos era uma bênção divina que representava prestígio social e continuidade dos laços sanguíneos (Sl 128.1-6; Pv 31.28). Por isso, desde o princípio foi instaurado entre os hebreus a lei do levirato. O vocábulo vem do latim levir, que significa “cunhado”, e consiste no ato de suscitar descendência ao homem que tenha morrido sem deixar filhos. Nesse caso, o cunhado deveria se casar com a viúva e gerar com ela uma descendência para seu irmão. Desse modo, o filho que nascesse seria considerado filho do falecido, fazendo com que a memória deste jamais fosse esquecida.
O primeiro caso bíblico relata que Er era casado com Tamar e morreu sem deixar descendentes. Então, Judá, seu pai, ordenou ao seu segundo filho, Onã, que tomasse a viúva para suscitar com ela descendência ao seu irmão (Gn 38.7,8). Porém, diz o texto que Onã “toda vez que possuía a mulher do seu irmão, derramava o sêmen no chão para evitar que seu irmão tivesse descendência” (Gn 38.9b, NVI). Realizava ele o que hoje é chamado de “coito interrompido”, considerado no texto como um mal pelo qual o  Senhor o matou (Gn 38.10). Contudo, o castigo de Onã não se deu pelo fato de ele usar um método contraceptivo — aliás, um dos menos eficazes —, mas pela sua postura egoísta por saber que “a descendência não seria sua” (Gn 38.9a, NVI). Cerca de 500 anos depois, essa cultura foi incorporada na Lei mosaica com um adendo de não obrigatoriedade. O cunhado poderia recusar o casamento com a viúva do irmão (Dt 25.7a). A mulher então deveria levar   o caso ao conhecimento dos anciãos (Dt 25.7b). Se o homem persistisse em não tomar a cunhada por esposa, a viúva deveria pegar uma das sandálias dos pés do cunhado e cuspir no seu rosto em sinal de protesto (Gn 25.9). A partir dessa ação, a casa do descumpridor de seu dever passaria a ser conhecida como “a casa do descalçado” (Gn 25.10).
3.   O Planejamento Familiar no Novo Testamento
Na Nova Aliança, a fertilidade também é exaltada. Ao visitar Maria e anunciar a sua gravidez, o anjo lhe disse: “Salve agraciada; o Senhor é contigo; bendita és tu entre as mulheres” (Lc 1.28). Na mesma ocasião, ao contar para Maria acerca da gravidez de Isabel, o anjo enfatizou: “Isabel, tua prima, concebeu um filho em sua velhice; e é este o sexto mês para aquela que era chamada estéril” (Lc 1.36). Isabel gerou um único filho, João, o batista (Lc 1.59-60), e Maria, após o nascimento de Jesus, gerou ao menos quatro filhos e duas filhas (Mt 13.55,56). Repara-se, em ambos os casos, a intervenção divina e a diferença no fator multiplicador de uma casa para outra casa.
Os deveres da família cristã
Em sua Epístola aos Efésios, Paulo trata dos deveres dos maridos, das esposas e dos filhos (Ef 5.21-33; 6.1-4). Como fundamento para esses deveres, o apóstolo estabelece a regra da sujeição mútua (Ef 5.21). Nem o marido é sem a mulher e nem a mulher é sem o marido (1 Co 11.11). No  texto bíblico, as mulheres recebem a incumbência de serem submissas aos esposos (Ef 5.22), os maridos são exortados a amar suas mulheres do mesmo modo como Cristo amou a Igreja (Ef 5.25), e os filhos são orientados a obedecer e honrar pai e mãe (Ef 6.1,2). Uma família cristã que observa esses princípios vive em harmonia, e as deliberações são tomadas de comum  acordo entre o marido e a mulher, cabendo a decisão final à cabeça do lar (Ef 5.23). Não  obstante,  as decisões  no  âmbito do  lar têm como  pressuposto o amor, e não a arbitrariedade ou autoritarismo. Com essa percepção, o planejamento familiar não é ignorado ou negligenciado, ao contrário, o número de filhos e as condições para criá-los são avaliados por meio do diálogo, da oração e do temor ao Senhor.
III.   ÉTICA CRISTÃ NA LIMITAÇÃO DO NÚMERO DE FILHOS
A limitação do número dos filhos requer aprovação divina por meio  da oração e motivações que sejam coerentes com a ética cristã. Por meio da  prole dos patriarcas e das famílias registradas no Novo Testamento, percebe- se que o fator multiplicador era variado de geração a geração.
1.   A Questão do Fator Multiplicador
Quem se opõe ao planejamento familiar considera a limitação do número dos filhos uma desobediência ao mandamento de procriação (Gn 1.28). Por isso ensinam que a mulher deve gerar filhos indefinidamente. Contrariando essa ideia, a mulher não é fértil todos os dias. O Criador agraciou a mulher com apenas três dias férteis a cada mês, indicando que ela não tem o dever de gerar filhos a vida toda. Deus não estipulou qual deveria ser o número de filhos. Portanto, o mandamento de multiplicação é cumprido quando o casal gera um filho, pois eram duas pessoas e agora passaram a ser três. Deve-se ainda entender que a ordem de procriação é “geral” e não “específica”, ou seja, Deus ordenou a reprodução da raça, e não obrigatoriamente que cada pessoa se reproduza. Em consequência, algumas pessoas vão reproduzir muito, outras vão reproduzir pouco e outras não vão reproduzir.
Não gerar filhos é pecado?
Gerar filhos é uma ordenança do Criador para toda a humanidade (Gn 1.22). Trata-se de um projeto divino para a perpetuação da espécie humana criada à imagem e semelhança de Deus (Gn 1.26). No entanto, deixar de  gerar filhos não caracteriza desobediência a uma norma que é “geral”, e não “específica”. Não gerar filhos não é pecado desde que os motivos alegados não atentem contra a soberania divina. Do contrário, os solteiros e os viúvos (1 Co 7.8), os eunucos (Mt 19.12) e os casados estéreis (Lc 23.29) estariam em pecado. E, se fosse pecado não procriar, até a privação sexual voluntária, autorizada nas Escrituras, estaria em contradição (1 Co 7.5). Desse modo, gerar ou não filhos, bem como o fator multiplicador, depende da vontade e do projeto do Senhor para cada família.
2.   A Questão Ética no Planejamento Familiar
Planejar não é pecado. Cristo elogiou o planejamento do construtor e do rei guerreiro (Lc 14.28-32). O pecado está na presunção em não pedir a aprovação divina no projeto (Tg 4.13-15). O cristão deve aconselhar-se com Deus para tomada de qualquer decisão (Tg 1.5; 1 Jo 5.14). Nossas  motivações devem ser apresentadas ao Senhor em oração e devem ser desprovidas de vaidade e de egoísmo (Tg 4.2,3). Assim, é vaidade a mulher não querer procriar para não alterar a beleza e a estrutura do corpo. Infelizmente, em nossos dias, o culto ao corpo seduz algumas mulheres a se posicionarem contra a maternidade. Igualmente se classifica como egoísmo não gerar filhos para fugir da responsabilidade paterno-materna. O esquivar- se das obrigações da paternidade é uma postura presente no hedonismo. Também incorrem em erro aqueles que, pela falta de planejamento, procriam em demasia e não conseguem prover o suficiente e indispensável para os filhos. Desse modo, a paternidade irresponsável torna-se culpada pelas mazelas a que sua prole estará exposta durante toda a vida.
É pecado limitar o nascimento dos filhos?
O       homem     não   peca pela  simples     limitação  ou     espacejamento do nascimento  de  seus  filhos.  Comete  pecado  quando  suas  motivações   são presunçosas e utilitaristas. Portanto, postergar o nascimento dos filhos até que se possa cuidar melhor da família, limitar o número dos filhos para que se possa criá-los com dignidade e espaçar o tempo de nascimento entre um e outro filho para melhor acolher mais uma criança não podem ser  considerados como pecado, pois as Escrituras ensinam ao homem cuidar bem de sua família (1 Tm 5.8). As famílias que se preocupam em planejar são mais bem-sucedidas na criação e no sustento de seus filhos. O resultado tem sido satisfatório sob vários aspectos, tais como: possibilidade de propiciar um adequado plano de saúde, educação apropriada, alimentação equilibrada e saudável, compatível vestuário e calçados, e tempo de qualidade para estar com os filhos. Para tanto, ao planejar o nascimento dos filhos, sempre se faz necessário consultar a vontade soberana do Senhor (Mt 6.10). O cristão que consulta ao Senhor e aceita a vontade divina na limitação do número de seus filhos é abençoado em toda a sua família (Sl 128.1-6).

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