Lição 8 - A Vida Cristã e a Estima pela Liberdade



Retirado do livro : A Igreja do Arrebatamento
O Padrão dos Tessalonicenses para estes Últimos Dias
Thiago Brazil.

O que  será de cada um de nós quando não pudermos mais colaborar em nossas igrejas locais de modo tão ativo e produtivo como fazemos hoje?
Seremos simplesmente esquecidos em um banco de nossas comunidades?  Ou, ainda pior, abandonados em nossas casas, restritos por limitações  físicas e de saúde?
Bem, é sobre esse tipo de reconhecimento que Paulo está a debater com  seus amigos em Tessalônica. Ainda que tudo naquela cidade não tenha ocorrido de forma ideal, algumas lideranças foram estabelecidas mesmo assim; de tal forma que, em nome do respeito e do reconhecimento às pessoas que desempenharam atividades tão relevantes em um contexto tão adverso, o apóstolo dirige algumas orientações à Igreja tessalonicense.
É pensando sobre este papel do reconhecimento da igreja local — tanto em seu aspecto de honra aos que trabalharam para a expansão do Reino, como com relação à autoridade da coletividade em reconhecer os chamados e as vocações individuais — que discutiremos neste capítulo.
Sobre a Necessidade de Anunciar constantemente a Verdade Vivemos em tempos de muitas mentiras, erros, falsificações. A crise que nos rodeia é tão grande que muitos insistem hoje que os critérios de verdade, justiça e bondade foram todos relativizados; e, se assim for, deve valer    tudo em nossa sociedade. Na verdade, esses dois aspectos da contemporaneidade estão intimamente relacionados, ou seja, a causa de todo relativismo é a profusão de mentiras que se propagam com uma enorme velocidade em nosso contexto histórico.
Uma mentira não precisa ser contada mais de mil vezes para tornar-se uma verdade; as milhares de mentiras coexistentes já emudeceram as parcas verdades que ainda sobrevivem.
Dessa forma, como restabelecer a verdade a seu lugar? Dando-lhe lugar de fala, redirecionando nossas estratégias de combate ao erro. Ao invés de insistirmos em apontar para as falácias, de tal modo que, num mundo midiático, estas ganhem os holofotes continuamente, devemos estar concentrados em clarificar e proclamar a verdade.
Um exemplo muito claro da necessidade deste novo modo de enfrentamento da  mentira  é  o  desafio  que  qualquer  liderança  enfrenta  hoje  no contexto religioso. Os vários escândalos de natureza sexual, as inúmeras denúncias de envolvimento com corrupção pública, o uso imoral do dinheiro de muitas comunidades para a compra de roupas de grife a jatinhos; tudo isso, no julgamento da imensa maioria da população, põe todas as lideranças  religiosas na mesma vala comum.
Se reduzirmos essa análise ao mundo evangélico brasileiro, tudo fica muito pior. A credibilidade de pastores e líderes é baixíssima no senso comum da maioria das pessoas. Mas isso tudo porque, numa avaliação generalizante, todos são considerados iguais em suas posturas e intenções.
É claro que esse tipo de ponderação sobre o enorme universo de homens e mulheres que se dedicam ao Reino de Deus é injusto. O que acontece, como já anteriormente apontamos, é que o mal e o erro têm maior visibilidade que  o bem e aquilo que é correto. Uma minoria de indivíduos comete erros reprováveis, e suas atitudes vêm a público; contudo, todo um universo de pessoas é pejorativamente mal avaliado.
O escândalo dos mal-intencionados faz com que a imensa maioria dos que exercem serviços de liderança em nossa comunidade sejam malvistos, quando, na verdade, existe um exército de servos que, de maneira desprendida, doam suas vidas, tempo e até mesmo finanças para o desenvolvimento do Reino aqui na terra.
Sobre a necessidade de ponderação e mediação sobre o trabalho dos que lideram, Boor afirma-nos:
 Nessa multidão viva e ativa existem pessoas “que labutam em vosso meio”. Porque   a longo prazo nenhuma comunhão de pessoas pode subsistir somente com os respectivos serviços voluntários. Carece das ordens e igualmente dos membros que assumem certos serviços de forma duradoura. Nessa questão a igreja precisa levar  em conta o permanente perigo de que essas ordens se enrijeçam como fins em si mesmos e de que esses membros da igreja se tornem “papas” (com ou sem talar e tiara!) que transformam o serviço em dominação. Esse perigo precisa ser constantemente  superado  com  reiterados  avivamentos  e  reformas.  Mas  não       é possível existir sem serviços organizados e permanentes. (BOOR, 2007, p.  47)
 
Paulo, os Tessalonicenses e o Reconhecimento das Lideranças Diante desse quadro problemático que se impõe hoje, as orientações paulinas nunca se fizeram tão necessárias. Ao escrever para os tessalonicenses, o apóstolo faz um último rogo àquela comunidade: que reconheçam os que trabalham entre os irmãos e que também lideram conforme as orientações do Senhor (ver 1 Ts 5.12).
Um dos elementos centrais no pedido de Paulo à Igreja em Tessalônica é que o reconhecimento deve ser feito às pessoas, e não ao trabalho realizado. O que se percebe continuamente em nosso contexto evangélico brasileiro é que, muitas vezes, se fala muito sobre o trabalho dos líderes, as obras que  eles realizaram, seus feitos; contudo, esquece-se de suas pessoas.
A despessoalização daqueles que se doam aos ministérios de liderança é algo muito sério. Num processo de abuso e uso dos sujeitos, instituições aproveitam-se do coração generoso, das inexperiências juvenis e, muitas vezes, exploram pessoas para, simplesmente, num momento posterior, lançá- las fora.
São incontáveis as histórias de líderes — não apenas de pastores, mas também de irmãs de oração, dirigentes de congregação, piedosos servos e servas — que, durante anos, se entregaram completamente ao apoio a uma determinada obra, mas que, ao envelhecerem ou mesmo apenas ao não serem capazes de doarem-se o quanto faziam antes, são simplesmente afastados, isolados, esquecidos.
Quantos abnegados pioneiros da obra de Deus aqui no Brasil, especialmente do pentecostalismo protestante, estão completamente ostracizados em suas residências, alguns inválidos, outros simplesmente machucados demais na alma para conseguirem, ao menos, congregar-se novamente.
O raciocínio de compreensão do envelhecer em nossas igrejas está abandonando  os  padrões  bíblicos  para  adequar-se  à  lógica  perversa     da sociedade contemporânea. Em nosso mundo, quando as coisas não produzem o resultado que as demais são capazes de gerar, elas são descartadas de pronto.
Existem inúmeros textos sagrados que apontam para a valorização e honradez da velhice. Envelhecer, segundo os padrões bíblicos, não deve ser visto como um suplício ou declínio, mas, antes, como uma benção, como um privilégio que o SENHOR Deus concede aos seres humanos.
O ancião, com sua bagagem de experiências e dons, tem a capacidade de instruir os mais novos em suas ações e pretensões. A sabedoria de quem já passou por situações semelhantes e encarnou dilemas análogos deveria ser sempre muito bem-vinda. Entretanto, não é assim que muitas igrejas funcionam; em muitos casos, elas estão subordinadas a conceitos humanos de produtividade, resultados e racionamento.
Por isso, a produção em massa de bens fundamenta o princípio da “obsolescência programada”, isto é, os objetos e ferramentas que utilizamos no cotidiano são fabricados com um prazo previsto para seu desuso; por isso, ainda que tal bem não esteja avariado ou quebrado, ele será descartado do mesmo modo, pois é necessário que ele dê lugar a um novo objeto, ainda que este não seja — na maioria dos casos — em nada melhor que o outro.
Quando pessoas são inseridas na lógica da obsolescência programada, tudo se torna mais perverso ainda. Pessoas são “sugadas” em sua força e ânimo até o último estágio — por isso, em muitas pesquisas contemporâneas, há a constatação do elevado índice de stress e exaustão entre líderes evangélicos no Brasil e no mundo. No momento em que tais pessoas já não são mais capazes de “dar o retorno” esperado pela instituição ou por aqueles que a comandam, elas são rapidamente trocadas, substituídas, desvalorizadas.
Quantas santas mulheres de Deus, anônimas para o grande público, porém bastante conhecidas em suas comunidades locais, padecem de esquecimento  e isolamento em suas próprias casas, pois seus joelhos, que se dobraram durante anos para clamar pelo Reino de Deus, não suportam mais o peso da idade.
Quantos piedosos pregadores — daqueles que nunca receberam cachês, mas que, durante toda a vida, anunciaram o Reino dos céus por meio da graça que lhes alcançou —, apesar de tudo o que já construíram para igrejas e comunidades locais, estão desprezados em seus lares, sem uma visita de  apoio sequer, emudecidos em suas dores.
Não há nenhuma necessidade de culto ao passado e de saudosismos baratos; o     que necessitamos, decerto, é de uma compreensão presente de que as pessoas não podem nem devem ser descartadas.
Os efeitos desse tipo de relação objetivante são devastadores não apenas para o indivíduo em si, mas também para todo o seu círculo familiar mais próximo. A quantidade de familiares de líderes que rejeitam de maneira absoluta a hipótese de também tornarem-se líderes é altíssima.
Se pararmos para pensar, isto é um completo escândalo: aqueles que conviveram mais próximo de líderes desconsideram a ideia de também servir como líderes em virtude do histórico de desprezo e abandono antes, durante e depois da atuação ministerial.
Por isso, Paulo exorta os irmãos em Tessalônica a acolherem aqueles que foram responsáveis pelo serviço ministerial durante um dos momentos mais difíceis da trajetória espiritual daquela comunidade. Reconhecer as pessoas ali naquela cidade significaria tratá-las como servas e servos de Deus, como pessoas que, encarregadas de continuar o que Paulo iniciou, se dedicaram com amor e prontidão.
A Igreja Contemporânea e o Reconhecimento às Lideranças
E hoje, de que modo uma igreja local pode reconhecer o trabalho daqueles que se doam a ela amorosamente? Em primeiro lugar, mantendo um compromisso com a memória da coletividade; histórias inteiras de uma comunidade não devem ser apagadas ao bel-prazer de um líder inseguro  que, para autoafirmar-se, precisa desconsiderar toda uma trajetória histórica que lhe antecedeu.
Outra medida prática e de simples implantação, porém de destacável relevância, seria o empenho comunitário no acompanhamento sistemático dos anciãos existentes na igreja local. Tanto como num esforço de servir a um público-alvo específico — e cada vez mais em crescimento —, como num ministério de acolhimento, auxílio e valorização do idoso como grupo social relevante dentro de toda e qualquer igreja.
Outra medida de natureza mais específica diz respeito ao trato com aqueles que se dedicaram ao serviço de liderar igrejas. Se uma igreja local desenvolveu um conjunto de atividades de tal forma que exigiu — explícita ou implicitamente — a dedicação integral de seu líder àquelas atividades, essa mesma igreja deve responsabilizar-se por providenciar as garantias para um envelhecimento digno.
Tais responsabilidades de uma igreja local passam tanto pelos aspectos espirituais, como também pelos sociais e emocionais. Não se deve abandonar um líder, mais especialmente quando este, pelo avançar de sua idade, já não consegue exercer da mesma maneira as atividades que realizava anteriormente.
Esse tipo de atitude que toda igreja deve tomar reflete diretamente uma verdade espiritual enunciada por Paulo nesse contexto de sua primeira carta aos tessalonicenses: o ministério que realizamos na obra de Cristo foi-nos dado pelo Pai, mas deve ser chancelado pela comunidade local onde o desenvolvemos.
A Igreja como Instrumento de Reconhecimento Ministerial
No meio evangélico brasileiro, há uma série de anomalias extremamente perigosas, associadas exatamente à quebra desse princípio apresentado por Paulo. Por exemplo, existem indivíduos que, no afã de afirmarem sua suposta vocação ministerial, saem em turnês por vários lugares. São personagens   de vários extratos ministeriais: cantores, pregadores, profetas, etc. Gente que não possui, de fato, uma igreja local para congregar-se.
Como tais pessoas poderão desenvolver qualidades inerentes ao serviço cristão, mas que se evidenciam ou até mesmo se manifestam na vida em coletividade? Valores como submissão, serviço e senso de coletividade somente serão desfrutados numa experiência que envolva um  grupo específico de pessoas que congreguem em um local particular.
Como alguém que não se submete a autoridades constituídas, que é incapaz de receber exortações por seus atos, ou até mesmo que não recebe acompanhamento espiritual de ninguém poderá desfrutar de um crescimento equilibrado e maduro? Necessariamente, somos parte de um todo; no caso do exercício de nossos dons e ministérios, eles são para a glória do Reino como um todo, mas tornam-se efetivos circunscritos a comunidades que são geográfica e historicamente localizáveis.
Dessa maneira, é importante destacar que todo esforço para um ministério autossuficiente é satânico e diabólico. Pessoas que se bastam a si mesmas estão adoecidas, maculadas pelo vírus luciferiano da adoração a si mesmo. No cristianismo, a comunidade tem prerrogativas sobre o indivíduo. Por isso, em vários momentos do Novo Testamento, os escritores sagrados atestam que os chamados e ministérios pessoais são todos frutos de demandas reais de igrejas específicas (1 Co 12.27-31; Rm 12.5-8; Ef 4.11-13).
Não foi para a vanglória de homens que a Igreja nasceu; antes, foi para o serviço daqueles que foram vocacionados por Deus à salvação que o Senhor Jesus estabeleceu líderes — homens e mulheres — de caráter e qualidade.
Se alguém não tem testemunho entre os seus (1 Tm 3.6,7), o que ele pretende levar aos demais que estão distantes? Instituições podem até certificar pessoas como líderes; no entanto, é o testemunho da pessoa entre os santos em uma comunidade local que atesta o real fundamento divino de seu chamado.

Como, então, alguém reivindicará para si autoridade ministerial? Tal respeito não se impõe; deve ser outorgado pela comunidade na qual se serve. Foi assim com os diáconos (At 6) e com os encarregados de obras evangelístico-missionárias (At 13). Conforme se percebe no contexto neotestamentário, nenhuma figura expoente do Reino é autônoma quanto a uma igreja local. Todos os grandes homens e mulheres de Deus sempre foram partícipes de uma comunidade que lhes atestava o valor de suas vocações.
Sobre esse caráter comunitário dos carismas, afirma-nos Lazier:
 Cada membro do corpo de Cristo tem uma função para desempenhar. Os carismas  são dados com este propósito. Esta frase indica que todos os membros da Igreja   estão envolvidos no ministério da mesma, não apenas pastores e pastoras. ‘Aqui  temos a evidência indiscutível de como o Novo Testamento vê o ministério: não como a prerrogativa de uma elite clerical, mas como a vocação privilegiada de todo o povo de Deus’ [STOTT, John R. W., A Mensagem de Efésios, São Paulo, ABU, 1979, p. 120.]. (LAZIER, 2006, p.  89)
 
Infelizmente, grande parte dos escândalos que ocorrem hoje deriva de pessoas que não tem uma congregação a quem se reportar e que não prestam contas a ninguém — tanto social como espiritualmente. Esses errantes da fé podem até fazer sucesso, emocionar multidões, enganar comunidades  inteiras; entretanto, seu caráter é facilmente detectado por meio do convívio social.
É por isso que tais pessoas que estão adoecidas espiritualmente vivem de culto em culto, de igreja em igreja. Por seu caráter decadente e adoecido, jamais atuariam numa igreja local por anos a fio. É muito fácil ser a estrela da noite, sendo cada noite em uma igreja diferente — a racionalidade do  estrelato já entrou e muito na mente de várias pessoas na igreja. Difícil é ser profeta de uma geração com endereço fixo e pregar cotidianamente no mesmo local onde também se vive.

Desconfiemos de pessoas que priorizam mais seus ministérios do que seus relacionamentos; que desejam mais a fama e o poder do que o serviço e o ministrar a vida dos outros. Todas as vezes que o rosto de um  homem estampa a porta de entrada de uma comunidade, a coletividade está sendo sacrificada em detrimento da individualidade.
É claro que, falando em termos práticos, dependendo do sistema de governo eclesiástico, o reconhecimento comunitário oficial dar-se-á de modos diferentes. Entretanto, não estamos aqui nos atendo a mecanismos específicos de reconhecimento institucional, mas, sim, à natureza comunitária dos dons e ministérios espirituais, os quais emanam, funcionam e finalizam-se por meio da ação de Jesus Cristo com vistas às necessidades locais da igreja.
Por isso, por exemplo, ainda num governo episcopal, os ministérios e serviços que são exercidos por cada pessoa recebem o reconhecimento comunitário, o qual, no caso de governo eclesiástico específico, é coordenado pelo pastor local, que é responsável pelo exercício da liderança espiritual naquela comunidade específica.
O ideal de vida comunitária, no entanto, é um claro pressuposto neotestamentário. Conforme Hackmann e Gomes:
 O ideal de vida comunitária descrito por Atos dos Apóstolos se caracteriza pelo desprendimento, a partilha dos bens e a fraternidade,  não  havendo  necessitados entre eles, o que dá a entender que o enfoque de sua  abordagem  sublinha  a  dimensão antropológico-social da mensagem cristã. “Todos os fiéis estavam unidos    e tinham tudo em comum; vendiam tanto as propriedades quanto  os  bens  e  repartiam entre todos, conforme a necessidade de cada um” (At 2,44-45). Não se  trata apenas de disposições interiores puramente sentimentais, a comunhão de bens    é material, e supõe que os mais ricos repartam seus bens com os mais pobres. É uma comunhão profética que aponta para a necessidade  do  restabelecimento  da dignidade humana fundamental comum a todos. (HACKMANN e GOMES, 2015,    p. 289)

Viver em comunidade é uma experiência de fundamentos eminentemente cristãos. A vida em coletividade faz parte da própria condição de existência daqueles que arvoram sobre si a missão de seguir a Cristo. Todo aquele que insiste numa condição de isolamento e autoafirmação contínua ainda não experimentou a verdadeira vida que transborda do sacrifício do calvário.

Conclusão

Não é sem razão que nosso chamado é para viver em comunidade. É na igreja local que nossas vocações e talentos ganham significado e relevância. Não existem pessoas inúteis no Reino dos céus. Se alguém se encontra inativo e infrutífero na obra de Deus, isso certamente não é consequência de uma falha do Senhor.

Cada um de nós é comissionado pelo Senhor Jesus para realizar a melhor obra possível por meio da operação do Espírito Santo em nós. Dessa forma, congregar não é uma opção; na verdade, é o único caminho para a efetivação e promoção dos dons que foram depositados em nossas vidas.

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