Classe de Jovens - Lição 07-Nossa Esperança na Vinda do Senhor.

Retirado do livro : A Igreja do Arrebatamento
O Padrão dos Tessalonicenses para estes Últimos Dias
Thiago Brazil.

Paulo é um escritor muito atento ao seu tempo; não é à toa que, quando esteve entre os gregos no Areópago, como registra Lucas em Atos, o apóstolo utilizou de toda sua retórica, certamente advinda de sua formação          educacional  num contexto romano. Agora, escrevendo aos tessalonicenses, o missionário sabe que a temática relativa às últimas coisas é uma questão a ser encarada de forma complexa, pois, em virtude da presença do forte politeísmo existente ali naquela cidade e com muito mais atenção à questão do orfismo e do culto a Dioniso, Paulo precisa esclarecer bem os tessalonicenses sobre problemas escatológicos.
Reflitamos, então, sobre a abordagem acerca das coisas futuras presente em 1 Tessalonicenses, tomando como pano de fundo a informação de que, por influência de sua tradição cultural, aqueles irmãos já possuíam crenças sobre ressurreição, vida post mortem, num conceito de parusia, etc., todas atreladas à veneração das divindades ali reverenciadas.

A Imensa Variabilidade Cúltica em Tessalônica

Sendo a cidade de destaque na região da Macedônia — considerada por alguns como a “segunda Roma12 —, Tessalônica abrigava uma infinidade  de tradições e práticas cúlticas. Havia uma forte influência da religiosidade egípcia e greco-romana; na verdade, instalou-se naquela cidade um conjunto de ações religiosas sincréticas, chegando ao ponto de construir-se naquela cidade um templo destinado à adoração simultânea de deuses romanos e egípcios.13
As divindades reverenciadas majoritariamente em Tessalônica até antes do primeiro século da era cristã eram Apolo, Atena e Hércules. Todavia, já no contexto da escrita da carta, as religiões mistéricas, assim como o culto a Dioniso, Asclépio e Deméter, ganharam grande espaço no seio daquela comunidade. Como nos afirma Ramos:

O mundo religioso de Tessalônica “compilava” religiões  estrangeiras  juntamente com os cultos locais. As evidências históricas que nos chegam falam-nos  da  adoração ou veneração de muitos dos deuses do panteão grego, tais como: Zeus, Apolo, Atena, Héracles, Afrodite, Deméter, Perséfone, Poseidon, Pan (Fauno) e Hades, entre outros. Várias divindades gozavam, em Tessalônica, de uma proeminência  especial,  destacando-se,  neste  sentido,  Cabirus  [...],  Dionísio  e   os deuses Egípcios, aos quais também nos referiremos. (RAMOS, 2014,  p.32)

Ao tomarmos conhecimento desse aspecto histórico da comunidade em Tessalônica, podemos refletir no enorme desafio missionário que se impôs a Paulo na evangelização daquela cidade. Se o anúncio das Boas-Novas não houvesse sido feito debaixo da orientação e graça divinas, Jesus seria apenas mais um dos deuses a entrar na lista da religiosidade sincrética dos tessalonicenses.
É por isso que a conversão daqueles irmãos constitui-se como um enorme milagre em si mesmo. Em primeiro lugar, porque o anúncio do amor sacrificial de Jesus, que, literalmente, se entregou pela humanidade, foi capaz de tocar os corações entenebrecidos dos tessalonicenses a ponto de estes acreditarem na mensagem salvífica.
É necessário lembrar que havia todo um repertório de histórias fantásticas associadas aos deuses que eram cultuados ali. Diante da extraordinária narrativa de Paulo sobre Jesus de Nazaré, aquela população poderia identificá-la apenas como mais uma narrativa mítica dentre várias contadas e recontadas naquela cidade. O poder da Palavra, todavia, fez com que a fé para a salvação brotasse no coração daqueles irmãos.
A proximidade temporal, de menos de 30 anos, corroborou para o estabelecimento do cristianismo entre os tessalonicenses. A verdade do evangelho ante a ficcionalidade dos mitos greco-romanos constituiu-se como o       alicerce     para   edificar     uma    igreja    viva    e    dinâmica    naquela    região culturalmente politeísta.
Outro enorme desafio enfrentado por Paulo para concretizar o discipulado dos tessalonicenses era a naturalidade com que estes entendiam o sincretismo religioso. Uma vez sendo o discurso dos missionários cristãos apresentado àquela comunidade, corria-se o risco de que o mesmo fosse apenas  assimilado e associado às outras práticas religiosas já vigentes.
Entre os cultos e exercícios espirituais praticados em Tessalônica, havia vários conceitos que poderiam muito bem ser equiparados ao do recém- chegado cristianismo. Coube a Paulo e a sua equipe, no pouco tempo que lhe foi possível ficar ali, defender a necessidade de um exclusivismo cúltico para Jesus. Diferentemente dos deuses do paganismo egípcio-greco-romano que os tessalonicenses estavam acostumados, a adoração a Jesus Cristo exigia separação e consagração total.
Sobre o caráter sincrético da religiosidade tessalonicense, afirma-nos  Abreu:

A terceira característica era seu caráter plurirreligioso, pois, como outras cidades de sua época, ela mantinha certa dependência ideológica para com  a  capital  do  Império; isso obrigava seu povo a cumprir os cultos ao imperador, mas não lhe  proibia de cultivar suas próprias práticas religiosas, de modo que a cidade prestava culto a divindades egípcias, gregas e asiáticas, possibilitando uma convivência entre essas crenças e favorecendo o sincretismo (ABREU, 2015,  p.83).

Diante de um choque de realidade tão grande, a possibilidade de haver uma rejeição completa de tudo o que estava sendo anunciado era muito grande. Contudo, o efeito foi muito eficaz na vida de uma parcela considerável de pessoas de Tessalônica. Houve uma significativa adesão, e, como o próprio apóstolo testemunha, os tessalonicenses converteram-se dos ídolos a Deus (ver 1 Ts 1.9).
A variabilidade cúltica impunha-se a Paulo como um enorme desafio a ser superado, uma vez que a religiosidade, como se sabe, transcende os aspectos litúrgicos ou ritualísticos da própria religião, associando-se, na maioria dos casos e de maneira íntima, a componentes sociais e culturais de um povo.
Dessa forma, não bastava anunciar Cristo como salvador das almas — o orfismo muito difundido em Tessalônica já fazia isso. Era necessário demonstrar  que  Jesus  mudava  o  modo  de  viver  das  pessoas.  Daí, tantas orientações práticas que se podem encontrar no curso de todas as duas epístolas.
Conheçamos, então, algumas das divindades e dos cultos reverenciados em Tessalônica para, assim, compreendermos ainda mais o significado de algumas exortações e orientações paulinas em 1 Tessalonicenses.

Cabiros e o Mito da Divindade que Socorre os Vulneráveis

Cabiros são entidades da religião pública grega que paulatinamente foram apropriadas pelos cultos dos mistérios. Segundo a tradição helênica, eram divindades mistéricas (de quantidade variável; conforme algumas narrativas três; em outras, quatro ou seis) e filhos de Hefestos. Seu culto estava associado a rituais sexuais e eram protetores dos navegantes.14 Já de acordo com as lendas oriundas da Samotrácia (At 16.11) — região de onde provavelmente o culto a essas entidades migrou para Tessalônica e popularizou-se —, os Cabiros eram três, sendo que um dos irmãos foi assassinado de maneira covarde e cruel pelos outros dois.15
Após o assassinato, a cabeça do morto foi enterrada no sopé do Monte Olimpo para que jamais fosse encontrada. Todavia, por benevolência dos deuses, este ser volta à vida, devotado, agora, a ajudar àqueles que enfrentam dificuldades no mar, os que são escravizados e oprimidos militarmente.16
O culto aos Cabiros estava intimamente associado a possessões violentas, com manifestações de agressividade e gritos amedrontadores. Segundo uma tradição antiga, apenas os iniciados nos mistérios poderiam invocá-los, sob a pena de serem sacrificados aqueles que, de maneira inadvertida, ousavam chamar essas divindades.
Dessa maneira, foi mais do que natural tal culto popularizar-se e tornar-se o mais importante entre a maior parte da população, que era majoritariamente pobre e escrava. Havia, assim, a crença de que o Cabiro assassinado  regressou da morte para ajudar os mais frágeis e vulneráveis. Destaque-se aqui, ainda que sinteticamente, que a ideia de uma divindade que retorna para

ajudar os desvalidos e perseguidos não era uma novidade entre os tessalonicenses. A grande questão no discurso de Paulo diz respeito à motivação do retorno de Jesus e aos acontecimentos que se desencadearão a partir desse fato.
Como afirma WANAMAKER (1990, p.5), com o passar do tempo, o culto  a essas divindades acabou sendo incorporado pela aristocracia — que, naquele contexto histórico, governava Tessalônica localmente — e, dessa maneira, foi institucionalizado, a ponto de haver registro de moedas cunhadas com a efígie do deus.
Nesse novo contexto, os Cabiros tornaram-se as divindades favoritas dos ricos, que, por sua vez, as utilizavam como elemento de unificação comunitária e defendiam que o ataque a tais seres era sinônimo de ataque à própria comunidade. Entretanto, os Cabiros tornaram-se rejeitados pela população mais pobre exatamente por sua associação com a aristocracia que a oprimia.17 Em determinado momento histórico, os Cabiros tornaram-se as divindades patronas de Tessalônica (Green, 2002, p.3).
Sobre os testemunhos antigos acerca dos rituais celebrativos aos Cabiros, Ramos afirma:

Estrabão descreve os crentes ou adoradores neste culto e noutros similares como
«uma espécie de pessoas inspiradas, sujeitas ao delírio báquico, e, disfarçados de ministros, que espalham o terror na celebração de ritos sagrados por meio de danças de guerra, acompanhadas de armas e clamores». Não é possível determinarmos com exatidão como era celebrado o culto de Cabiros em Tessalônica, porém, aparentemente o Falo tinha um papel preponderante nas celebrações.  (RAMOS, 2014, p.32)

Diante desse quadro religioso, Paulo ainda enfrentava outro sério problema: a associação entre o mito dos Cabiros e a história de Jesus. Que credibilidade receberia um pregoeiro que anunciasse uma nova divindade com uma história

tão similar a do deus local? Um Deus que se associasse aos mais vulneráveis, que fora morto por seus irmãos, que ressuscitara e agora vivia para ajudar pobres e escravos. De fato, esse era um enorme desafio, pois, ao que parece, naturalmente haveria uma rejeição, em virtude da opção de permanecer com  o deus local.
Além disso, a institucionalização do culto aos Cabiros por parte da aristocracia e a rejeição da parcela mais pobre da população conduziriam a outro grave problema: a introdução de outro culto soaria aos responsáveis pelo comando da cidade como um desrespeito à divindade local; já entre os mais frágeis, a associação entre Jesus de Nazaré e os Cabiros produziria um desprezo imediato ao primeiro.
Conforme lemos na epístola aos tessalonicenses, houve, no entanto, uma boa parcela da população da cidade que creu no anúncio das Boas-Novas trazidas por Paulo e seu grupo de cooperadores. De forma que Paulo escreve àquela igreja assegurando que a salvação que eles receberam teria seu ápice não num ritual de iniciação misterioso, com a necessidade de práticas sexuais coletivas, e sim num encontro triunfal com o redentor nos ares, juntamente com todos os santos que ressuscitarão.18

Dioniso como Simulacro de Jesus

O estabelecimento do culto a Jesus passava ainda pelo desafio de superar a forte imagem de Dioniso entre os tessalonicenses. Assim como os Cabiros, Dioniso é um deus “importado” pela comunidade de Tessalônica, muito provavelmente como resultado das múltiplas interações sociais e culturais estabelecidas naquela destacada cidade da província da Macedônia.
Assim como no mito de Cabiros, há muitas similaridades entre a história de Jesus e os mitos que se relacionam a Dioniso; senão, vejamos: Dioniso/Baco é filho de Zeus — potestade máxima do Olimpo — e nasceu de forma miraculosa. Fruto de um adultério, Zeus, disfarçado em forma humana, engravidou a mortal Sêmele; Hera, a esposa do soberano do Olimpo,  quando soube do fato, também se disfarçou de humana e manipulou Sêmele para que esta exigisse que seu amante apresentasse a sua verdadeira face.
Ora, diante da insistência enlouquecedora da humana, o deus do relâmpago manifesta-se, sendo que o resplendor de sua glória fulmina Sêmele. Todavia, antes de permitir que a criança seja também destruída ainda na barriga, Hermes salva-a e esconde-a, costurando-a na coxa, o que permitirá não apenas a continuação de sua gestação, mas, na verdade, uma nova gestação e um novo nascimento, porém, agora, divinos. Por essa causa, Dioniso é, dentre os deuses do panteão grego, um genuíno filho de Zeus, carne da mesma carne do rei do Olimpo.
Em razão da fúria de Hera, Dioniso torna-se um deus errante, fugitivo e, mais tarde, um ocioso. Inicialmente, ele é disfarçado sob a forma de bode para esconder-se da mulher de Zeus. Por viver sob os cuidados das ninfas, ele cresce com trejeitos afeminados. Em suas muitas andanças, torna-se companheiro de Sátiros e Mênades, que lhe servem, além de patrono do  vinho e dos bacanais.
Segundo as tradições da Grécia arcaica, isto é, na primeira referência a Dioniso na Ilíada (Canto VI, 130-140), este é descrito ainda na adolescência sob forte perseguição de Licurgo, rei dos Edônios na Trácia. Diante dessa situação desesperadora, tomado pela mania (loucura divina), Dioniso lança- se no mar — como num atormentado ato de desprezo pela vida —, mas acaba sendo salvo por Tétis (uma das divindades do mar) e vingado por Zeus.19
Sobre o caráter contraditório de Dioniso, defende Almeida:

Diônisos confunde as fronteiras que poderiam parecer tão estabelecidas, entre  homem e mulher, grego e bárbaro, deus, homem e animal; tudo se amalgama, tudo muda. [...] Não se trata de algo contraditório, é complementar. [...] Ao avaliarmos o deus do vinho como ksénos, não um bárbaro, um estrangeiro  que  pertence  ao  mundo helênico, visualizamos melhor porque Diônisos está tanto na esfera pública quanto na cênica. Ele é outro e este outro não deixa de ser um grego... (ALMEIDA, 2014, p. 36)


É por isso que, já na Antiguidade, diversos autores debruçaram-se sobre a tarefa de descrever e refletir sobre o êxtase báquico. De ano em ano, as três festas que se celebravam oficialmente a Dioniso eram regadas de  muito vinho, de procissões fálicas, de danças e êxtases coletivos.20 Se as outras divindades são celebradas na intimidade de templos, cavernas ou lugares secretos, o culto a Dioniso é feito a céu aberto, diante de todos, envolvendo especialmente mulheres e escravos — estes eram tão desprestigiados socialmente que sequer possuíam direitos de cidadania —, aos quais se apresenta a possibilidade de vivência não apenas de deslumbramento individual, mas também de um êxtase coletivo e contagiante, sempre e necessariamente, vivenciado em grupo.
O persistente uso da imagem do falo nos rituais dionisíacos tinha, como  bem nos atesta, uma dupla finalidade: associar-se à imagem campestre da fertilidade, voltada mais para a população pobre do campo, e a autoridade patriarcal familiar, muito forte no espaço urbano, especialmente com relação ao desenvolvimento da política.
Estando sob o domínio de Baco, os excessos e descontroles de qualquer pessoa seriam vistos como aceitáveis, compreensíveis e, em alguns casos, desejáveis. Diante de um contexto como esse, Paulo precisa anunciar uma santidade que denuncia diretamente os excessos do dionisismo.
Além desses importantes fatos da biografia de Dioniso, há dois acontecimentos que a tradição mítica narra e que serão de extrema importância para a compreensão do discurso de Paulo sobre as últimas coisas: a morte e a ressurreição de Dioniso.
Segundo outro mito sobre o nascimento e infância de Dioniso, sendo este o mais amado entre os filhos do deus do Olimpo, ele estava destinado a suceder Zeus no trono; todavia, por medo de Hera, o pai dos deuses do Olimpo pôs o pequeno Dioniso sobre os cuidados de Apolo, que o escondeu nas florestas do Parnaso. A enfurecida mulher de Zeus, entretanto, encontrou a criança divina e ordenou aos Titãs — divindades pré-olímpicas — que o matassem.
Disfarçados, os Titãs atraem a criança divina por meio da oferta de brinquedos. Seduzida, a criança divina é raptada, morta, despedaçada, cozida e devorada pelos Titãs, que deixam apenas o coração de Dioniso como prova de seu ato malévolo. Zeus, irado, fulmina os Titãs. Das cinzas destes, surgem os homens — parcialmente maus, por sua ancestralidade titânica e parcialmente bons, por sua ascendência dionisíaca. Resta dizer que, do coração não devorado, Zeus faz ressurgir o imortal Dioniso.
Esse movimento de morte e ressurreição, queda e ascensão, era uma característica das religiões mistéricas descrita comumente por meio dos termos katábasis e anábasis. Paulo, ao falar sobre o retorno de Jesus, que “descerá do céu” (1 Ts 4.16), usa o consagrado termo
As semelhanças do mito de Dioniso com a história de Jesus de Nazaré são gritantes: São duas crianças perseguidas, que precisam fugir e esconder-se para sobreviver. Diante de suas fragilidades, seus pais livram-lhes da morte que constantemente o cerca. São covardemente assassinados; todavia, ressurgem de maneira sobrenatural. O fato de o texto aos tessalonicenses ressaltar essas semelhanças em vários momentos serviria como elemento de aproximação discursivo-retórica — estratégia esta utilizada por Paulo em Atenas (At 17), por exemplo — para melhor anúncio do evangelho entre os cidadãos de Tessalônica.
Paulo, o Império e a Pregação do Evangelho em Tessalônica Como já anteriormente discutido, Tessalônica gozava de um alto prestígio junto ao Império Romano na época da missão paulina na cidade. Em virtude desse fato, ela possuía um conjunto de instituições que se reunia para as decisões de repercussão coletiva.21  Foi tomando esse status como    elemento de justificação que algumas lideranças locais da cidade armaram-se contra Paulo e sua equipe. O discurso era de que a pregação do evangelho tanto causava distúrbios sociais, como disseminava um discurso anti-imperial (At 17.6,7).
Como já foi afirmado em capítulos anteriores, havia um forte culto imperial em Tessalônica; por isso, é importante lembrar que algumas das denominações que Jesus recebe nessas duas cartas paulinas são as mesmas utilizadas para o culto dos imperadores em Roma: “filho de Deus”, “Salvador”, “Senhor”. O que se tem a partir desse uso cristão dos mesmos termos do culto ao imperador é o estabelecimento de um conflito político- religioso: se chamar César de “filho de Deus” e “Salvador” seria divinizar a imagem de um homem, denominar Jesus como “Senhor” é, por outro lado, o mesmo que o declarar imperador e governante não apenas de Tessalônica ou do império romano, mas de todo o mundo.
Sobre esse caráter confrontador do evangelho de Paulo em Tessalônica, conclui Green:

O Evangelho de Cristo (1.5) é a proclamação de que Jesus, e não o imperador ou a autoridade política, é o poder último e soberano. A mensagem é anti-imperial e significa o juízo da idolatria de qualquer que exalte o poder político e a posição absoluta do Estado. O evangelho proclamado em Tessalônica não pode ser separado das realidades históricas e políticas da cidade. (GREEN, 2006, p.  21)

Pode-se, assim, compreender que o anúncio do evangelho entre os tessalonicenses teve não apenas repercussões espirituais-religiosas, mas também consequências sociais e políticas. Esse é o caráter do verdadeiro evangelho de Cristo. O Senhor que os tessalonicenses deveriam esperar viria do céu, e não de Roma!
A crítica de Jesus ao falso anúncio de paz e segurança desmascara diretamente o conjunto de práticas político-militares que o Império tomou para instaurar aquilo que se notabilizou como a Pax Romana. Declarada   em
28  a.C.  por  César  Augusto,  essas  medidas  tinham  como  pretexto   trazer

unidade e paz aos territórios do vasto Império Romano; todavia, o que se testemunhou foi a implementação voraz e violenta de um imperialismo que massacrava e silenciava as vozes discordantes do Império. Sem qualquer sombra de dúvidas, nesse contexto, Paulo e seus cooperadores constituíram- se sérios inimigos da relação de privilégios e subordinação de Tessalônica com Roma.
Mais uma vez, Green, refletindo sobre essa relação das instituições romanas e a igreja em Tessalônica, ajuda-nos a compreender alguns argumentos presentes no texto paulino:

Possivelmente “paz e segurança” era a resposta sobre o anúncio de juízo que viria sobre eles e sobre aquele que se adorava como divino (2 Ts 1.6-10; 2.1-12). A  palavra “paz” denota uma realidade política, a ausência de guerra, mas também uma condição social, a garantia de tranquilidade que traria alegria  e  prosperidade  ao povo. A                             “segurança” pública e política, era a condição dos que estavam a salvo de qualquer dano e a estabilidade que provinha desta condição. A combinação das palavras encontra-se frequentemente nos textos antigos. [...] Mas a combinação era particularmente um slogan imperial, e, portanto, o versículo 3 se deve entender como um ataque de frente contra o programa imperial que prometia Pax  et  Securitas. Representa uma nota da pregação política de Paulo.  (GREEN,  2007, p.16).

Por fim, pode-se ainda fazer referência aos conceitos de parusia e apantesis que, apropriados pelo cristianismo, passaram a ter um determinado sentido no texto bíblico, mas que originalmente eram oriundos do mundo político romano. Denominava-se de parusia a entrada triunfal e festiva de uma autoridade política (imperador, senador, etc.); apantesis, por sua vez, é a  parte mais importante da cerimônia da parusia, onde a população em procissão celebrativa saía da cidade para encontrar-se com a autoridade que estava para chegar. Segundo esses cerimoniais, a apantesis constituiria uma escolta de  honra  que conduziria  o  dignitário político  à cidade em que    ele

visitaria.
Se em 1 Ts 4.15, Paulo anuncia a parusia do Senhor Jesus, em 1 Ts 4.17, ele descreve a apantesis da Igreja com o seu Senhor nos ares.22 Dessa maneira, apropriando-se dos cerimoniais políticos que eram amplamente conhecidos pelos tessalonicenses, Paulo ressignifica-os para anunciar o retorno triunfal de Cristo para vir buscar sua Igreja.
Entretanto, diferentemente daquilo que acontecia nas cidades e colônias romanas antigas, no retorno de Cristo, Ele não virá para adentrar a uma província a ser visitada, mas, antes, levará consigo aqueles que foram esmagados e perseguidos por Roma durante a vida, mas que viverão eternamente na celestial cidade.
Talvez, o que angustiasse aqueles irmãos fosse o fato de como os santos já mortos iriam participar da apantesis ao Senhor Jesus; pois se só os participantes deste celebrativo encontro seriam conduzidos pelo rei não de volta à Tessalônica, mas à vida eterna, o que aconteceria com os piedosos que já haviam morrido? É nesse instante que Paulo introduz a temática da ressurreição dos mortos para elucidar as dúvidas daqueles novos irmãos.
Como se percebe, naquele contexto histórico, conforme os termos técnico- políticos utilizados pelo apóstolo em 1 Tessalonicenses, era muito mais fácil para aqueles irmãos recém-convertidos entenderem como os súditos de Jesus de Nazaré ainda vivos — apesar da perseguição — encontrar-se-iam com seu Senhor do que entender como isso aconteceria com aqueles que já haviam morrido.
De uma só vez, Paulo reforça seu discurso de consolo ante as fortes perseguições e esclarece os tessalonicenses sobre o glorioso futuro da Igreja.

Conclusão

Feitas as devidas contextualizações histórico-sociais, as palavras apostólicas sobre  as  últimas  coisas  ganham  maior  significância.  É  claro  que  o texto paulino tem muito a falar-nos hoje; todavia, ao buscarmos a compreensão pormenorizada da situação dos tessalonicenses, alguns detalhes da fala de Paulo ganham mais clareza.
Não é pelo auxílio de nenhuma divindade helênica que esperamos, mas, sim, pelo socorro bem presente de Cristo. A ressurreição de nosso Senhor não foi um ato misericordioso de um deus que se envolveu em escândalos conjugais, mas a prova material da vitória sobre a morte. A chegada triunfal de Jesus, o Senhor, superará em glória e majestade a parusia do mais destacado governante humano. Não haverá alegria tal como no encontro, isto é, na apantesis, da Igreja com seu único e verdadeiro Rei. Ali, eternamente  no Reino celeste, haverá uma verdadeira paz que não passará.

Bibliografia

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PAGANOTTO, Diones Rafael. A parusia de Cristo segundo Paulo: Um estudo exegético-teológico de 1Ts 4,13-18. Dissertação (Mestrado em Teologia). São Paulo, 2015.RAMOS, José Patrício Seara Pereira. A salvação na história: o contributo de Paulo e da comunidade em Tessalônica para a reflexão escatológica. Dissertação (Mestrado em Teologia). Porto, 2014. 128f.

12 Cf. ASCOUGH, 1997, p. 48.
13O referido templo é o Grande Sarapeum, descoberto em escavações arqueológicas em 1920, no qual foram encontrados inúmeros objetos e imagens associados tanto à religiosidade egípcia como aos cultos da religião privada  grega.
14Cf. BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega. vol. III. Petrópolis: Editora Vozes, 2001. p. 179.
GRIMAL, P. Dicionário da Mitologia Grega e Romana. Trad.  V.  Jabouille.  Lisboa:  DIFEL, 2ª ed., 1993. P. 76,77.
15Para a maior parte dos especialistas, apenas uma das três entidades, especificamente a assassinada, denominada de Cabirus, era reverenciada com maior destaque; todavia, a despeito dessa possibilidade, sempre nos referiremos ao conjunto das divindades, nunca apenas a Cabirus.
16Cf. GREEN, Gene L. The Letters to the Tessalonians. The Pillar New Testament Commentary. Michigan: PNTC, Eerdmans, 2002, p.  43,44.
MURPHY-O’CONNOR, Jerome. Paulo de Tarso, História de um Apóstolo. São Paulo. Edições Loyola, 2007. p. 74,75.
17Cf. PAGANOTTO, Diones Rafael. A parusia de Cristo segundo Paulo. Um estudo exegético-teológico de 1 Ts 4.13-18. (Dissertação) Mestrado em Teologia. São Paulo, 2015. 200f (p.114).
18Se o encontro dos adoradores de Cabiro dava-se em cavernas escuras e isoladas, a volta   do Senhor Jesus será um evento público, através do qual todos saberão sobre o poder e a glória do Rei dos reis.
19  Para alguns autores, como Brandão (2001, p. 115), esse episódio em Homero associa-se

a duas informações sobre Dioniso: 1) Explicaria, de forma mítica, a origem estrangeira da divindade, que posteriormente acaba sendo apropriada pela cultura helênica de tal forma que, no início da era cristã, Dioniso já era enumerado entre as 12 principais potestades olímpicas que regiam o cosmos junto a Zeus; 2) Justificaria os rituais iniciáticos dos    cultos mistéricos ligados a Dioniso que se utilizavam da água como elemento de purificação, ou seja, catarse da alma.
20Perceba, aqui, a correlação que se pode estabelecer entre as procissões que se formavam para chegar até a Dioniso e o grande encontro do povo de Deus nos ares com Jesus    Cristo. Enquanto os tessalonicenses que celebravam a Baco faziam-no por meio de ações    e imagens sexuais, a procissão de santos que encontrará o Senhor no céu é constituída por aqueles que foram santificados e que superaram toda dependência do prazer para aguardarem a felicidade eterna com  confiança.
21A condição de cidade livre concedia à Tessalônica o direito de ter uma assembleia de cidadãos (demos) que tinha poder de decisões políticas, um conselho de anciãos (bulé)   que administrava os recursos da cidade e um grupo de líderes que exercia o governo (politárcos).
22Cf. excelente pesquisa de Paganotto (2015) sobre o conceito de parusia e apantesis em 1 Tessalonicenses.


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