Embora o livro de Jó só apareça bem
mais tarde no cânon agrado, há grande incerteza acerca de sua data e do tempo
em que Jó viveu. Incluímos aqui esse livro simplesmente porque representa bem o
período patriarcal. Por exemplo, à semelhança dos patriarcas, Jó oferece seus
próprios sacrifícios. As riquezas de Jó eram medidas como as de Abraão, em
termos de gado e de servos. E seu período de vida foi similar àquele registrado
em favor dos patriarcas. A oração assume toda uma nova dimensão neste que é o
mais notável relato de alguém que foi testado quase além da resistência humana.
De Jó podemos aprender tanto como não orar quanto como orar melhor, quando
confrontados por circunstâncias que desafiam toda explicação racional: “Quem
dera que se cumprisse o meu desejo, e que Deus me desse o que espero! E que
Deus quisesse quebrantar-me, e soltasse a sua mão, e acabasse comigo!” (Jó
6.8,9) Pessoas desesperadas perdem de vista a vida. Chega a ser comum que elas
orem pedindo para morrer (cf. Nm 11.11-15; 1 Rs 19-4; Jn 4.3). Não obstante,
nas Escrituras, em parte alguma há registro de que Deus tenha honrado
semelhante pedido. O problema de Jó, tal como acontece a todos os mortais, era
a sua incapacidade de discernir o propósito divino e ver além do presente
imediato. Em tais tempos, a verdade de Deus dificilmente consegue se
estabelecer no coração humano, e o crente precisa lutar contra Satanás, o
mestre que sabe acentuar as trevas. Mas nós temos o bendito Paracleto
(Consolador, Ajudador, Conselheiro), para dEle recebermos ajuda e conforto: “E
da mesma maneira também o Espírito ajuda as nossas fraquezas; porque não
sabemos o que havemos de pedir como convém, mas o mesmo Espírito intercede por
nós com gemidos inexprimíveis” (Rm 8.26).
Como, pois, devemos
nos aproximar, nas horas mais escuras da vida e nos testes mais severos? Que
fazer quando nos mostramos totalmente incapazes de encontrar uma resposta às
adversidades, quando toda esperança de recuperação foge de nós? Quando a morte
parece ser a única via de escape? Tiago nos diz: “Sabendo que a prova da vossa
fé produz a paciência. Tenha, porém, a paciência a sua obra perfeita, para que
sejais perfeitos e completos, sem faltar em coisa alguma. E, se algum de vós
tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e não o
lança em rosto; e ser-lhe-á dada” (Tg 1.3-5). Os propósitos de Deus Um
livramento imediato pode não corresponder à vontade de Deus; mas, sendo este o
caso, Deus pode nos dar sabedoria para assimilar qual é a sua intenção e nos
submetermos a ela. Circunstâncias difíceis levam as pessoas a fazer
inquirições; e podemos concluir, pelo menos em parte, que essa é uma das razões
de tais circunstâncias. Se não for submetido uma condição de extrema pressão,
nenhum diamante de real valor e brilho pode ser formado. Que é o homem, para
que tanto o estimes, e ponhas sobre ele o teu coração, e cada manhã o visites,
e cada momento o proves? Até quando me não deixarás, nem me largarás, até que
engula a minha saliva? Se pequei, que te farei, ó Guarda dos homens? Por que
fizeste de mim um alvo para ti, para que a mim mesmo me seja pesado? E por que
me não perdoas a minha transgressão, e não tiras a minha iniquidade? Pois agora
me deitarei no pó, e de madrugada me buscarás, e não estarei lá (Jó 7.17-21).
Jó, nessa instância, procura inquirir Deus acerca da atenção por Ele dispensada
aos meros seres humanos. Por que, afinal, deveria o Deus eterno preocupar-se
com Jó? Por que, afinal, o Deus eterno iria se preocupar com criaturas tão
insignificantes quanto nós? Os filósofos gregos epicureus afirmavam que Deus
não prestava qualquer atenção a este mundo, ou sobre o que acontecia nele, mas
antes habitava em segurança e tranquilidade, sem nada que o vexasse,
perturbasse ou desagradasse. Mas, percebendo que o oposto é que era a condição
verdadeira, Jó queria saber por quê. “Por que, ó Deus, vigias tanto as pessoas?
Por que dás tanta importância a um indivíduo como eu?” indagava ele. Podemos
nos flagrar fazendo a mesma oração em meio a provas e tribulações aparentemente
intermináveis. Mas, a despeito de nossas inquirições, Deus realmente se
preocupa com o bem e o mal acerca de nós, às vezes tão inextricáveis que nem
podemos decidir entre um e outro. O ponto de vista oposto, que Deus não sabe ou
não se importa com as circunstâncias humanas, em vez de exaltar sua condição
divina, efetivamente a degrada. Expressão em tempos de desespero A pessoa
oprimida por circunstâncias além da capacidade humana de solução é tentada a
queixar-se de Deus pelos seus sofrimentos. Se Deus pode aliviar os sofrimentos
e não o faz, raciocina, Ele deve aceitar a responsabilidade pela dor não
aliviada. Inflamada e confusa com seus próprios conflitos, a mente humana cede
às pressões de frustração e desespero. Assim aconteceu com Jó, cuja extrema
tristeza era como uma névoa, distorcendo sua visão de Deus: Se eu disser: Eu me
esquecerei da minha queixa, mudarei o meu rosto e tomarei alento; receio todas
as minhas dores, porque bem sei que me não terás por inocente. E, sendo eu
ímpio, por que trabalharei em vão? Ainda que me lave com água de neve, e
purifique as minhas mãos com sabão, mesmo assim me submergirás no fosso, e as
minhas próprias vestes me abominarão. Porque ele não é homem, como eu, a quem
eu responda, vindo juntamente a juízo. Não há entre nós árbitro que ponha a mão
sobre nós ambos. Tire ele a sua vara de cima de mim, e não me amedronte o seu
terror (Jó 9.27-34). O sofrimento pode levar uma pessoa bem perto de perder o
equilíbrio mental e emocional. Não podemos desprezar Jó por causa da amargura
de sua alma, refletida em suas orações: A minha alma tem tédio de minha vida;
darei livre curso à minha queixa, falarei na amargura da minha alma. Direi a
Deus: Não me condenes; faze-me saber por que contendes comigo. As tuas mãos me
fizeram e me entreteceram; e, todavia, me consomes. Se for ímpio, ai de mim! E
se for justo, não levantarei a cabeça; cheio estou de ignomínia e olho para a
minha miséria. Porque se me exalto, tu me caças como a um leão feroz, e de novo
fazes maravilhas contra mim. Por que, pois, me tiraste da madre? Ah! Se, então,
dera o espírito, e olhos nenhuns me vissem! Então fora como se nunca houvera
sido; e desde o ventre seria levado à sepultura! Porventura, não são poucos os
meus dias? Cessa, pois, e deixa-me para que por um pouco eu tome alento; antes
que me vá, para nunca mais voltar, à terra da escuridão e da sombra da morte
(Jó 10.1,2,8,15,16,18-21). Jó reconheceu prontamente a ascendência de Deus
sobre ele. Não obstante, foi incapaz de resolver o mistério de suas próprias circunstâncias.
As pessoas, algumas vezes, ficam tão ocupadas com suas circunstâncias que não
podem ver além delas. Se Jó pudesse ter visto o fim de sua experiência, a sua
atitude teria mudado completamente. Ao mesmo tempo, o glorioso propósito de
Deus não seria legitimamente concretizado, e o próprio Jó nunca alcançaria o
melhor de Deus para ele. Aqueles que conhecem a Deus também sabem que nas mãos
dEle está um fim glorioso. Essa certeza gera confiança e paz. Ao enfrentar uma
provação como a de Jó, devemos atentar para o dilema presente, mas sem perder a
certeza de que seu fim foi designado por um Deus amoroso. Pessoas desesperadas
oram para morrer, ou, no mínimo, para conseguir um escape ou fuga (cf. Sl
55.6). Mas o escapismo raramente produz uma solução digna. Pense no que Jó
perderia se esta sua oração fosse respondida: “Tomara que me escondesses na
sepultura, e me ocultasses até que a tua ira se desviasse, e me pusesses um
limite, e te lembrasses de mim! Morrendo o homem, porventura, tornará a viver?
Todos os dias de meu combate esperaria, até que viesse a minha mudança” (Jó
14.13,14). Embora existam elementos contrastantes nessa oração, cujas palavras
evidenciam um justo desnorteio em função de sofrimentos intensos, Deus não se
ofende e nem se ira. Até parece que Jó estava lutando por causa do sentido
pleno da vida e da morte. Ele pediu luz quanto ao futuro: “Morrendo o homem,
porventura, tornará a viver?” As tribulações profundas, bem como as lutas
ferozes, levam-nos a enfrentar honestamente as questões. O cristão, contudo,
tem uma grande vantagem, pois nosso Salvador, Jesus Cristo, “aboliu a morte e
trouxe à luz a vida e a incorrupção, pelo evangelho” (2 Tm 1.10). Em momentos
assim, fazemos bem em relembrar a admoestação de Salomão: “Confia no Senhor de
todo o teu coração e não te estribes no teu próprio entendimento” (Pv 3.5). No
tempo certo, as nuvens desaparecerão, conforme sucedeu a Jó, e Deus será visto
como de fato é: grande em sabedoria e misericórdia. Submissão à soberania de
Deus Mas o tom mórbido e amargurado da oração de Jó de repente mudou. Algo
precipitou uma meia-volta. O próprio Jó o explica: “Com o ouvir dos meus
ouvidos ouvi, mas agora te vêem os meus olhos” (Jó 42.5). Toda a sua
perspectiva de vida, e até de morte, foi drasticamente alterada quando ele
contemplou Deus conforme Ele é de fato: Então Jó respondeu ao Senhor e disse:
Eis que sou vil; que te responderia eu? A minha mão ponho na minha boca. Uma
vez tenho falado e não replicarei; ou ainda duas vezes, porém não prosseguirei
(Jó 40.3-5)
Perguntas para
Estudo
1. Quais exemplos,
extraídos dos patriarcas, mostram que a oração e a fé estão relacionadas?
2. E que exemplos
mostram a relação entre a oração e a obediência?
3. Há
características nas orações de Abraão que constituem um bom exemplo para nós hoje
em dia? Justifique.
4. Qual o valor da meditação, e como podemos
incorporá-la de maneira eficaz à nossa vida de oração?
5. Será que nós,
como Jacó, devemos lutar em oração? Como incrementar positivamente as nossas
orações? 6. Quais as principais lições que podemos extrair das orações de Jó?
Extraído do livro
Teologia bíblica da oração.
Robert L. Brandt e Zenas J. Bicket
Todos os direitos reservados. Copyright ©
2007 para a língua portuguesa da Casa
Publicadora das Assembléias de Deus.
Aprovado pelo Conselho de Doutrina.
Título do original em inglês: The Spirit Help Us Pray
Logion Press, Springfield, Missouri
Primeira edição em inglês: 1993
Tradução: João Marques Bentes
Revisão: Gleyce Duque
Editoração: Flamir Ambrósio
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