Por: Clainto Ivan Pommerening.
Extraído do livro: A obra da Salvação.
A salvação é um ato divinamente
iniciado na fundação do mundo e humanamente realizado por Cristo ao nascer em
Belém. O verbo divino precisou tomar a forma humana e passar por todas as
vicissitudes pertinentes a ela para satisfazer as exigências da redenção,
tomando sobre si o pecado de toda humanidade. O nascimento de Jesus marca o
início de uma nova era para a humanidade onde a promessa de perdão e salvação é
efetuada por Cristo. Deus tomou a iniciativa da salvação antes mesmo que
houvesse necessidade dela; assim, Deus pai decreta a salvação, o Filho
efetua-a, e o Espírito Santo aplica-a.
O
ANÚNCIO DO NASCIMENTO DO SALVADOR
O Antigo Testamento está repleto de
profecias e vaticínios que apontam para o nascimento de Jesus, o Messias, como
o Redentor. A própria vida de alguns profetas do AT é um antítipo de Cristo
como, por exemplo, Moisés e Elias, cujas vidas e obras apontam para a vida
abnegada e sacrificial de Cristo, especialmente Moisés como o libertador
nacional. Alguns reis de Israel também
servem de figura para o Rei dos reis, cujas lideranças promoveram a união
nacional e a expansão do povo de Deus. Davi pode ser colocado nesse grupo como
um homem segundo o coração de Deus e pelas promessas que Deus fez-lhe como
iniciador de uma dinastia de reis, apontando para Cristo, que nunca terminariam
seu reinado (2 Sm 7.16; Sl 45.6). Até mesmo Ciro (Is 45.1), um rei pagão a quem
Deus chama de “meu ungido”, tendo em vista seu trabalho de restauração da nação
de Israel, pode ser uma figura profética de Cristo porque permitiu a
restauração de Israel após o cativeiro. Dessa forma, vê-se, como em vários
textos do AT, que Cristo está presente (Lc 24.45; Gn 3.15; 22.18; 26.4; 49.10;
Nm 21.9; Dt 18.15; Sl 16.9-10; Jr 23.5; Ez 34.23; Dn 9.24; Mq 7.20; Ml 3.1; Jo
1.45), como afirma o evangelista: “E, começando por Moisés e por todos os
profetas, explicava-lhes o que dele se achava em todas as Escritura” (Lc
24.27).
João Crisóstomo afirmou que “ler todos
os livros proféticos sem enxergar Cristo neles seria extremamente insípido e
sem graça. Ver Cristo neles revela sua fragrância”. Portanto, toda beleza
poética e profética do AT remete, aponta e prefigura o nascimento e obra de
Cristo. A vinda do salvador é profetizada na Queda do homem (Gn 3.15); no
sacrifício de Isaque; no simbolismo do êxodo na saída do Egito e no sangue de
animais no umbral das portas na noite da páscoa; nos 26 salmos messiânicos,
como veremos adiante; na volta do exílio babilônico e nos profetas,
especialmente os messiânicos e, especificamente, em Isaías, num bloco dedicado
ao Messias (Is 7.1-12.6), chamado “O livro do Emanuel”.
Do AT, Isaías foi um dos profetas mais
específicos, profícuos e profundos sobre o Messias. Suas predições estão
repletas de poesia arrebatadora que fluem da inspiração divina de um profeta
culto que se colocou inteiramente à disposição do Senhor para, com detalhes,
vaticinar o nascimento e a vida de Cristo. Suas profecias são tão abrangentes
que o livro de Isaías é chamado de “O evangelho do Antigo Testamento”, pois
descortina diante do leitor a Cristo e seu evangelho 700 anos antes de Ele
nascer.
Dentre os profetas, ele é o mais
celebrado do Antigo Testamento, com muita profundidade teológica, especialmente
na Soteriologia, na Cristologia e na Escatologia, tendo em vista sua grande
capacidade literária em ser poeta e orador, um artista de palavras, um grande
estadista, reformador e teólogo.29 Isso tudo torna seu livro extremamente
gratificante de ler, mas também nos deparamos com a complexidade de seus
vaticínios, cujo fio condutor aponta para o nascimento e vida do Salvador.
O tema central de Isaías é o amor de
Deus demonstrado no socorro ao seu povo através do sacrifício do Servo
Sofredor, ou seja, a grande salvação de Deus, apesar da situação calamitosa do
povo de Israel. Por isso, um dos principais objetivos de Isaías ao escrever
era, dentre outros, anunciar a vinda do Messias, o único que seria capaz de
tirar o povo do pecado e trazer completa libertação. Em Isaías 6.13, Deus
alerta o profeta para que não fique frustrado, pois sua mensagem não seria
ouvida até que tudo ficasse desolado e desabitado, mas, depois, ela produziria
resultados, e suas profecias seriam cumpridas. Foram 40 anos de ministério e
grandes mensagens rejeitadas até que, finalmente, o tronco começaria a brotar
na volta do exílio. Paradoxalmente, a frutificação a partir de troncos feios e
queimados é um contraste humilhante diante da grandeza e glória do Deus que se
revelou a Isaías. Sobraria uma floresta de troncos decepados, mas, desses
troncos, brotaria uma semente que faria toda a diferença: Cristo, que salvaria
não somente o povo de Israel, como também todo o mundo (Jo 3.16).
Além do profeta
messiânico Isaías, temos outras profecias específicas que se cumpriram em
Cristo, especialmente nos salmos messiânicos, os quais enumeramos abaixo, sendo
a primeira referência a profecia, e a segunda, seu cumprimento: o Messias,
Jesus, seria Filho de Deus e declarado pelo Pai como tal (Sl 2.7 > Mt 3.17);
todas as coisas seriam postas debaixo dos pés do Messias (Sl 8.6 > Hb 2.8);
Jesus ressuscitaria da morte (Sl 16.10 > Mc 16.6- 7); Deus iria desampará-lo
na hora da necessidade (Sl 22.1 > Mt 27.46); seria zombado e insultado (Sl
22.7-8 > Lc 23.35); suas mãos e seus pés seriam perfurados (Sl 22.16 > Jo
20.25,27); lançariam sorte sobre suas vestes (Sl 22.18 > Mt 27.35-36); não
lhe seria quebrado nenhum osso (Sl 34.20 > Jo 19.32-33, 36); seria acusado
por testemunhas mentirosas e iníquas (Sl 35.11> Mc 14.57); seria odiado sem
motivo (Sl 35.19 > Jo 15.25); viria para fazer a vontade de Deus (Sl 40.7-8
> Hb 10.7); seria traído por um amigo (Sl 41.9> Lc 22.47-48); seu trono
seria eterno (Sl 45.6 > Hb 1.8); assentar-se-ia à destra de Deus (Sl 68.18
> Mc 16.19); o zelo pela casa de Deus consumi-lo-ia (Sl 69.9 > Jo 2.17);
receberia fel e vinagre para beber (Sl 69.21 > Mt 27.34); teria um reino
eterno (Sl 72.1-5, 17 > Lc 1.32-33) e mundial (Sl 72.8-11, 19 > Jo 1.5-9;
At 13.47-48); julgaria o povo e os pobres com justiça e equidade (Sl 72.2-4
> Lc 4.17-19); falaria em parábolas (Sl 78.2 > Mt 13.34); oraria em favor
dos seus inimigos (Sl 109.4 > Lc 23.34); o lugar do seu traidor seria tomado
por outro discípulo (Sl 109.8 > At 1.20); os seus inimigos seriam subjugados
debaixo dos seus pés (Sl 110.1 > Mt 22.44); seria um sacerdote segundo a
ordem de Melquisedeque (Sl 110.4 > Hb 5.6); seria a pedra angular (Sl 118.22
> Mt 21.42) e viria em nome do Senhor (Sl 118.26 > Mt 21.9).
O Novo Testamento diversas vezes afirma
que Jesus reivindicou para si o título de Salvador (Jo 4.26; 6.35; 8.12,18,23;
11.25; 13.13,19; 14.6), como havia sido prometido no Antigo Testamento. Embora
algumas profecias fizessem referência a Cristo como o Rei Vindouro, Jesus
permaneceu longe das tentações do poder temporal e da política exploradora. Seu
reinado seria eterno e atemporal (Jo 18.36). Seu Reino estaria no coração das
pessoas e teria um alcance global (1 Co 4.20). Algumas vezes, Ele até mesmo
proibiu aqueles que foram curados de espalharem sua fama e seus feitos para que
seu ministério não fosse mal interpretado por Roma (Mt 12.16),30 ou mesmo para
manter seu ministério em caráter subversivo, sem estardalhaços nem
exibicionismos (Lc 4.9). Na cruz e na ressurreição, Jesus venceu Satanás e os
poderes demoníacos que escravizavam toda a humanidade oferecendo-nos a
possibilidade da libertação e redenção. A dimensão da vitória de Cristo é
fundamental para a teologia pentecostal.
A
CONCEPÇÃO DO SALVADOR
Jesus foi anunciado pelos anjos, nasceu
de uma virgem e foi celebrado entre os homens. Seu nascimento foi um divisor de
águas na história da humanidade. Aquilo que havia sido profetizado e predito de
várias formas no Antigo Testamento tornou-se realidade com o seu nascimento. A
partir do nascimento do Rei Jesus — um evento único e não repetível —, há
esperança para a humanidade e inaugura-se, assim, a chegada do Reino de Deus a
terra, ainda que de forma invisível, porém plenamente factível nos corações,
nas atitudes e nos caminhos que o ser humano pode percorrer tendo Ele como Rei.
Para alcançar essa realidade, Ele
precisou vir ao mundo. Dessa forma, Ele nasceu longe de casa, peregrinando para
Jerusalém, sem acomodações adequadas e num ambiente inóspito e extremamente
humilde. Se fosse nos dias de hoje, talvez nascesse embaixo de um viaduto. Essa
é a demonstração que Deus lançou mão para mostrar que, de fato, o Filho
abandonou sua mais extrema glória para habitar entre os homens na mais extrema
humildade e pobreza. Esse esvaziamento de Cristo (Fp 2.7) é um gesto extremo de
doação de si mesmo, comprovando que não poderia haver maior entrega do que essa
para anunciar ao mundo aquilo que Deus é: amor!
Uma pergunta que permanece quando se
fala da concepção virginal de Jesus é: “Por que isso se fez necessário?” Uma
resposta plausível é que o nascimento de Jesus é incomum no sentido de Ele ser
pré-existente; os demais seres humanos são concebidos no ato sexual entre um
homem e uma mulher; Cristo, porém, não precisou ser concebido, pois já existia
como unigênito do Pai (1 Jo 4.9) desde a interminável eternidade.31
A protagonista principal do nascimento
do Salvador foi uma mulher. As mulheres eram consideradas uma propriedade do
homem e não podiam tomar decisões a não ser que o marido autorizasse-as a fazer
algo, mas Deus, querendo mostrar a importância e o lugar de igualdade da mulher
(Gl 3.28), tomou a iniciativa de fazer o Salvador nascer sem que Maria tivesse
relações sexuais com um homem. Dessa forma, já em seu nascimento, o Salvador
estava libertando as mulheres do pesado jugo imposto pelos homens da época.
Isso corrobora com a maneira gentil e acolhedora com que Jesus tratou as
mulheres durante seu ministério.
A concepção virginal de Jesus atesta também
para a infinita graça de Deus em dar seu único filho para experimentar as
mesmas dores e dificuldades da raça humana e ser o seu Salvador, pois essa
mesma raça jamais poderia ser salva por seus próprios esforços e méritos.
Assim, o nascimento virginal do Salvador ocorre sem qualquer intervenção
humana, atestando, além da graciosidade divina, seu ato milagroso.32 Sobre
isso, Gruden escreve:
O nascimento virginal de Cristo é um
lembrete inequívoco de que a salvação jamais pode vir por meio do esforço humano,
mas deve ser obra do próprio Deus. Nossa salvação deve-se apenas à obra
sobrenatural de Deus, e isso ficou evidente bem no início da vida de Jesus
quando “Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para
resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de
filhos.”33
O intercurso sem contato físico entre a
humanidade, representada em Maria, e a divindade possibilitou o nascimento de
Cristo de forma a ser Ele completamente homem e completamente Deus ao mesmo
tempo, numa paradoxal fusão e separação chamada de união hipostática. Assim,
esses elementos unidos manifestaram sua divindade e sua humanidade, tendo a
mesma substância que o constitui Deus infinitamente poderoso e a que nos
constitui humanos;34 entretanto, essa união não produz um terceiro ser como se
este fosse um híbrido humano divino, nem é uma metamorfose,35 mas, sim, um ser
divino e humano ao mesmo tempo em plena manifestação de vida pessoal.
A Declaração de Fé das Assembleias de
Deus no Brasil declara que: As Escrituras Sagradas apresentam diversas
características humanas em Jesus. O relato de sua infância enfoca o seu
desenvolvimento físico, intelectual e espiritual: “E crescia Jesus em
sabedoria, e em estatura, e em graça para com Deus e os homens [...]. E o
menino crescia e se fortalecia em espírito, cheio de sabedoria; e a graça de
Deus estava sobre ele” (Lc 2.40,52). O profeta Isaías anunciou de antemão sobre
Emanuel: “manteiga e mel comerá, até que ele saiba rejeitar o mal e escolher o
bem” (Is 7.15). Ele tornou-se homem para suprir a necessidade de salvação da
humanidade. O termo “Emanuel”, que o próprio escritor sagrado traduziu por
“DEUS CONOSCO” (Mt 1.23), mostra que Deus assumiu a forma humana e veio habitar
entre os homens: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos a sua
glória, como a glória do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo
1.14). A Bíblia ensina tanto a divindade como a humanidade de Cristo: “E todo o
espírito que confessa que Jesus não veio em carne não é de Deus” (1 Jo 4.3). A
humanidade de Cristo está unida à sua divindade, pois Ele possui duas
naturezas, e essa união mantém intactas as propriedades de cada natureza, o que
está claramente expresso no seu nome Emanuel.36
“O
VERBO SE FEZ CARNE E HABITOU ENTRE NÓS”
Entre os títulos messiânicos da
tradição veterotestamentária e interpretados como sendo de Jesus de Nazaré, um
em particular recebe destaque: “Emanuel”, que, no hebraico, é a junção de dois
termos: immánu, que significa “conosco” e El, que significa “Deus” ou “Senhor”,
literalmente “conosco [está] Deus”. O título foi uma apropriação teológica
atribuída ao profeta Isaías, já que a expressão aparece em dois versículos e
indiretamente em um versículo. Seguem: (1º) “Portanto, o mesmo Senhor vos dará
um sinal: eis que uma virgem conceberá, e dará à luz um filho, e será o seu
nome Emanuel” (Is 7.14). (2º) “[...] e passará a Judá, inundando-o, e irá
passando por ele, e chegará até ao pescoço; e a extensão de suas asas encherá a
largura da tua terra, ó Emanuel (Is 8.8)”. (3º) “Tomai juntamente conselho, e
ele será dissipado; dizei a palavra, e ela não subsistirá, porque Deus é
conosco” (Is 8.10).37
O Emanuel é a garantia de que, assim
como foi com o povo de Israel, Ele também está conosco, assim como Ele mesmo
prometeu: “Eis que eu estou convosco todos os dias, até à consumação dos
séculos” (Mt 28.20). Assim se cumpre em nós a promessa messiânica de que Ele,
de fato, estaria conosco. O apóstolo João escreveu: “E o Verbo se fez carne e
habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do Unigênito do Pai,
cheio de graça e de verdade” (Jo 1.14). O verbo “habitar” (armar a sua tenda)
utilizado por João tem o mesmo sentido que o Emanuel utilizado por Isaías, ou
seja, Deus agora habita definitivamente entre seu povo através de Cristo e de
seu sacrifício na cruz. “E, se o Espírito daquele que dos mortos ressuscitou a
Jesus habita em vós, aquele que dos mortos ressuscitou a Cristo também
vivificará o vosso corpo mortal, pelo seu Espírito que em vós habita” (Rm
8.11).
O apóstolo Paulo refere-se à encarnação
de Cristo como “aquele que foi manifestado na carne” (1 Tm 3.16), como Ele
sendo a “imagem de Deus” (2 Co 4.4), que realizou sua obra de reconciliação “no
corpo da sua carne” (Cl 1.22) e que Deus condenou o pecado na carne (Rm 8.3).
Pedro afirma que Cristo morreu por nós na carne (1 Pe 3.18; 4.1). Portanto, as
Escrituras estão repletas de confirmações de Jesus como Deus encarnado. João
avisa que o espírito do Anticristo atua naqueles que negam que Cristo veio em
carne (1 Jo 4.2; 2 Jo 7).
Quando Jesus tornou-se carne, Ele
assumiu toda a humanidade com suas fragilidades próprias. Assim sendo, sua
encarnação não foi uma farsa, mas, sim, a realidade concreta de que o ser
divino excelso escolheu sentir toda a dor, toda a aflição e toda a tentação
humana para, dessa forma, socorrer-nos em nossas fraquezas (Hb 4.15) e dar-nos
a salvação “enviando o seu próprio filho em semelhança da carne do pecado” (Rm
8.3), condenando o pecado que nos afligia na carne. A encarnação de Jesus é a
afirmação verídica de que Ele tornou-se completamente homem, mas que, ao mesmo
tempo, não deixou de ser completamente Deus (Jo 1.1-3; 10.30; Fp 2.6).
Portanto, sem ter deixado de ser Deus, Deus tornou-se homem.
A realidade de um Deus santo encarnar é
completamente anormal e impossível — é um paradoxo. Por isso, Paul Tillich
afirma que o “paradoxo cristológico [da encarnação] e o paradoxo da
justificação do pecador são um único e mesmo paradoxo — o paradoxo do Deus que
aceita um mundo que o rejeita”.38 Assim, diante da situação pecaminosa do homem
e diante da necessidade de a expiação ser feita por um ser humano perfeito,
somente uma solução foi possível: o Filho de Deus encarnar, ou seja, deixar sua
glória e majestade e tornar-se como um ser humano comum e sujeito às mesmas
falhas e erros, mas sem pecado (Lv 4.3; Hb 4.15). Para o plano de salvação ser
aceito por Deus, ele deveria ser executado por alguém que pudesse ser Deus e
homem ao mesmo tempo na função de mediador (1 Tm 2.5), alguém que pudesse
colocar-se entre Deus e a criatura pecadora e sem esperança; para ser mediador,
teria que ser Deus; para representar a humanidade, teria que ser homem. Somente
Jesus poderia preencher esses requisitos em sua automanifestação divina,
demonstrando o paradoxo de que aquEle que transcende o universo aparece no
universo e está sujeito às suas condições39 limitantes por decisão própria,
embora, a qualquer momento, pudesse utilizar seus atributos divinos
incomunicáveis40 (Mc 4.39).
Para Jesus cumprir a penalidade humana,
Ele teria que morrer. Para morrer, Ele teria que ter um corpo (Jo 1.14).41
Assim, conforme afirma a Confissão de Fé das Assembleias de Deus:
A encarnação do Senhor Jesus fez-se
necessária para satisfazer a justiça de Deus: o pecado entrou no mundo por um homem,
Adão, assim, tinha de ser vencido por um homem, Jesus. Em sua natureza humana,
Jesus participou de nossa fraqueza física e emocional, mas não de nossa
fraqueza moral e espiritual.42
As duas naturezas de Jesus permaneceram
inalteradas em sua essência; são revestidas de seus atributos inerentes43 e
apresentam Jesus como uma única pessoa indivisível na qual as duas naturezas
estão unidas, constituindo uma pessoa com uma só vontade e consciência. Essa
união somente é possível por causa do parentesco do homem com Deus, ou seja,
Deus soprou no homem o seu próprio fôlego de vida, instilando nele a sua
essência e semelhança. Ele não podia tornar-se árvore ou pedra, mas podia ser
homem, pois foi feito à sua imagem. Assim como a imagem de Deus foi aviltada no
homem pelo pecado, “Cristo, a imagem perfeita de Deus segundo a qual o homem
foi feito, restaura aquela imagem perdida, unindo-se à humanidade e enchendo-a
de vida e amor divinos”.44 A possibilidade da restauração da imagem de Deus,
corrompida radicalmente pelo pecado, nos é dada novamente naquele que refletiu
a perfeita imagem de Deus.
A plenitude da divindade (Cl 1.19; 2.9)
encarnou em finitude humana na plenitude dos tempos (Gl 4.4). Isso torna
possível que nós, simples mortais e sujeitos ao pecado, estejamos cheios de
toda a plenitude de Deus (Ef 3.19) para refletir sua glória ao mundo através do
amor com que nos amamos uns aos outros (Jo 13.35).
A encarnação foi a manifestação do
Logos (Palavra) divino em Jesus como o Cristo. Por esse motivo, a Teologia cristã
transcende outras teologias, pois “nenhum mito, nenhuma visão mística, nenhum
princípio metafísico, nenhuma lei sagrada tem a concretude de uma vida pessoal
[como a de Cristo]. Em comparação com uma vida pessoal, tudo o mais [outras
teologias e religiões] é relativamente abstrato. E nenhum desses fundamentos
relativamente abstratos da teologia tem a universalidade do Logos”.45
A encarnação da Palavra em Jesus não
era automática, mas, sim, fruto da obediência ao Pai em tudo. Jesus disse: “Eu
não posso de mim mesmo fazer coisa alguma; como ouço, assim julgo” (Jo 5.30).
Para obedecer à Palavra do Pai, Jesus teve que desobedecer às autoridades
religiosas da época várias vezes. Ele teve momentos difíceis, em que orava:
“Afasta de mim este cálice!” (Mc 14.36). Teve que pedir a ajuda dos amigos (Mt
26.38,40). Teve que orar muito para poder vencer (Hb 5.7; Lc 22.41-46). Apesar
de tudo, Ele venceu! Ele mesmo o confirma: “Eu venci o mundo!” (Jo 16.33). Como
diz a carta aos Hebreus: “O qual, nos dias da sua carne, oferecendo, com grande
clamor e lágrimas, orações e súplicas ao que o podia livrar da morte, foi
ouvido quanto ao que temia. Ainda que era Filho, aprendeu a obediência, por
aquilo que padeceu” (Hb 5.7-8).
Teologicamente, afirma-se que o
nascimento de Jesus é a sua encarnação e que sua morte é a expiação dos
pecados. Assim, a humilhação de Jesus tem início com o seu esvaziamento ao tomar
a forma de servo (Fp 2.7-8), culminando com seu sofrimento na cruz. Portanto,
sua humilhação está relacionada aos seus sofrimentos: a perseguição, o desprezo
das autoridades, a discriminação (Jo 1.46), o silêncio diante de seus
acusadores, os açoites impiedosos, o julgamento diante de Pilatos e Caifás e,
por fim, a sua morte. Em Jesus, cumpriu-se cada detalhe do Servo Sofredor (Is
53) e, por esse motivo, devemos agir conforme o texto adiante.
E cabe a nós, igreja, anunciar ao mundo
que em Cristo há um caminho para a salvação e para a vida abundante. Essa
compreensão impele a igreja a um despertamento da necessidade de “sair para
fora” e anunciar que há um juízo, mas que também há uma salvação em Cristo.46
Quando Jesus andou na terra,
ofereceu-nos o melhor exemplo, pois assumiu a forma humana plena e conviveu
humildemente com a fraqueza humana. Quando estava cansado, não sentiu vergonha
de dormir na popa do barco. Ele sentiu fome, chorou diante da miséria humana,
do sofrimento alheio e do seu próprio e tornou-se servo dos discípulos (Jo 13);
na cruz, porém, deu o brado final “está consumado” para que hoje pudéssemos
estar salvos. Dessa forma, devemos seguir o exemplo de humildade dEle e servir
nossos irmãos. Basta- nos desfrutar dos benefícios de sua encarnação de maneira
responsável e repartir essa benção infinita com o maior número possível de
pessoas para que o Reino de Deus esteja entre os homens.
Extraído do livro: A obra da Salvação.
Por: Clainto Ivan Pommerening.
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