Extraído do livro: A obra da Salvação.
Autor da obra: Claiton Ivan
Pommerening.
As
principais características da mente de Cristo estão evidenciadas em Filipenses
2.5-8, bem como em 1 Coríntios 2.16. No primeiro texto, refere-se ao seu
esvaziamento da condição divina assumindo todas as dimensões e características
humanas, num gesto de extrema humildade, submissão, obediência e sacrifício com
o objetivo de concretizar a salvação humana. No segundo texto, Paulo tem em
vista as atitudes, as palavras e as ações tomadas por aqueles que vivem a lei
do amor, porque não agem nem reagem de maneira natural às circunstâncias da
vida, mas em tudo realizam movimentos que impressionam pela singularidade da
manifestação de Deus através desses gestos, pois não levam em conta o egoísmo e
o individualismo, tão comuns na sociedade, mas, sim, o altruísmo e a
benevolência.
HUMILDADE: O
SENTIMENTO DE CRISTO
Há
um grande desafio quando se explica o que é humildade, pois parte-se do
princípio de que quem fala sobre esse assunto é humilde, mas nem sempre isso
acontece. Geralmente, fala-se do que se quer ser ou alcançar, como é o caso aqui.
A origem da palavra vem de humus, que significa solo,
terra; aquele que está equiparado a terra, pois provém dela. Humano
deriva-se da palavra humus, significando que a principal característica
humana é ser humilde, em contrapartida ao querer ser Deus. Quando os seres humanos
pretensamente invadem essa dimensão, que não lhes pertence, incorrem no mesmo
erro de Adão e Eva influenciados por Lúcifer. Isso é teologicamente chamado de hybris,
quando o ser humano, ao invés de ter sua centralidade em Deus e depender dEle,
desloca-a para si mesmo, autoinvestindo-se da prerrogativa divina. Somente
Cristo pôde ser as duas coisas ao mesmo tempo sem que isso aniquilasse a
estrutura do seu ser. Quando as pessoas assumem esse lugar, elas
automaticamente caminham para a autodestruição de seu ser, porque, sendo
humanos, é-lhes impossível serem Deus. Somente Ele pode ser o todo centrado em
si mesmo. A diferença é que não significa ser orgulhoso ou vaidoso para Ele
como seria para os seres humanos, pois Ele é o único ser completo e perfeito.
Portanto, deve centrar-se em si mesmo, pois não há outro ser no qual Ele possa
afirmar-se para ser. Ele é o todo e o tudo; Ele pode tudo. Amar a Deus sobre
todas as coisas é deixar que toda glória seja dEle.
Quando
Lúcifer quis ser alguém, ele não levou em conta que havia outro alguém maior.
Portanto, a individuação do seu eu levou-o à sua ruína. Por isso, o
orgulho é considerado, em algumas teologias, o pecado dos pecados, pois dá
origem a todos os demais pecados. O problema do orgulho é que este
supervaloriza o eu em detrimento do outro, e ninguém consegue ser alguém
a não ser que se deixe interagir com outros. O orgulho é um pecado solitário
porque o orgulhoso sempre quererá ficar acima dos outros e sempre quererá olhar
para os outros de cima para baixo. Ele não consegue olhar para cima, não
precisa de Deus, mesmo achando que está com Ele. O orgulhoso, por ser
solitário, tem um ego absoluto, pensa saber mais que os outros, acha-se melhor do que todos e não aceita
ser criticado ou contrariado. Ele precisa ser agradado sempre. Nos
relacionamentos, o orgulhoso aniquila o outro e sempre exige do outro além do
que ele pode dar. Por isso, o orgulho sempre é competidor e dificilmente
consegue pedir perdão, pois ele pensa que nunca erra.
Geralmente,
por trás de uma virtude, há um orgulho velado por ser quem é. Assim, a virtude pode tornar-se um vício por alimentar o orgulho. Sendo assim, o orgulho pode atingir a
qualquer um e normalmente está mais presente do que se possa imaginar. Pode
estar desde o púlpito da igreja até o mais simples e pretensamente humilde
crente. No púlpito, pode estar presente em testemunhos mirabolantes irreais de
pessoas que se gabam de como a vida dá certo em todas as coisas e de como é um
sucesso em tudo. Pode estar por trás de uma pretensa espiritualidade
desencarnada e de uma humildade impressionista fabricada.
Quem,
a todo custo, aspira à fama e o reconhecimento acaba deixando de lado a ética e
o respeito, pois, para alcançar a fama, torna-se aceitável ferir, lograr,
manipular e mentir. Atrás da fama, vem o poder e o orgulho, e esses destroem
relacionamentos, a confiança, o diálogo e a integridade. Quando se atinge a fama e o poder, a pessoa geralmente se
convence de que o que faz é igual ao Reino de Deus e que qualquer pessoa que se
oponha estará errada e sendo usada pelo Diabo. Atinge-se, assim, um estado de
falsa perfeição (At 12.21-23). Jesus foi tentado a começar o ministério com fama : “Então
o diabo o transportou à Cidade Santa, e colocou-o sobre o pináculo do templo, e
disse-lhe: Se tu és o Filho de Deus, lança-te daqui abaixo; porque está
escrito: Aos seus anjos dará ordens a teu respeito, e tomar-te-ão nas mãos,
para que nunca tropeces em alguma pedra” (Mt 4.5-6). Mas Ele venceu essa
tentação com uma determinação certeira à humildade. Não acalentou pensamentos
de possibilidade de executar tal ato orgulhoso, mas, sim, combateu-o pela raiz
com a Palavra de Deus: “Também está escrito” (Mt 4.7).
É
a cruz de Cristo que inverte a ordem das coisas, porque Deus Filho não
precisava humilhar-se, mas Ele o fez (Fp 2.5ss). Humildade nada mais é do que
reconhecer nossa humanidade. Querer ser humilde é ser humano, querer ser como
Deus é maligno. Humildade não é um pensamento altruísta apenas; também não é um
sentimento de inferioridade em relação aos outros, mas, antes, um estilo de
vida em que a identidade do crente é estabelecida a partir do modelo do Cristo
encarnado. Não parte somente do modelo do Christus Victor, o sempre
vencedor e vitorioso, que está triunfantemente assentado à destra do Pai, que
foi colocado acima de todo principado e potestade; modelo este que serve de
base para o crente vencer o pecado e Satanás. Mas parte especialmente do modelo
do Cristo humilde e sofredor, que fez a vontade do Pai de maneira submissa,
sem se impor sobre ninguém,
mas, ao mesmo tempo, sem se deixar manipular ou subjugar a qualquer
forma de escravidão, às estruturas religiosas, culturais, econômicas ou
sociais.
A
Bíblia afirma que é a humildade que precede a honra (Pv 15.33; 18.12); que é
com os humildes que está a sabedoria (Pv 11.2); Deus exalta o humilde e humilha
o soberbo (Ez 21.26). Os apóstolos aconselharam a serem todos humildes uns para
com os outros, porque “Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes” (1 Pe 5.5);
e com humildade, cada um considere os outros superiores a si mesmo (Fp 2.3).
Jesus tornou bem-aventurado o humilde de espírito, porque dele é o Reino dos
céus (Mt 5.3). Nesse sentido, outra versão da Bíblia afirma: “Abençoados são
vocês, que nada mais têm para oferecer. Quando vocês saem de cena, há mais de
Deus e do seu governo”. A humildade é condição primeira para que Deus possa
realizar sua obra na vida do crente, conforme Isaías afirmou: “Em um alto e
santo lugar habito e também com o contrito e abatido de espírito, para
vivificar o espírito dos abatidos e para vivificar o coração dos contritos” (Is
57.15).
Paulo
afirmou que pode haver apenas um motivo de orgulho: “Mas longe esteja de mim
gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo
está crucificado para mim e eu, para o mundo” (Gl 6.14). Entretanto, esse
aparente orgulho de Paulo nada mais é do que estar crucificado com Cristo, que
é a única maneira de vencer o orgulho, pois a cruz aponta para o que é
humilhante e vil, para os nossos pecados levados sobre Cristo, para o estado em
que não pertencemos mais a nós mesmos, mas unicamente a Cristo, onde o orgulho,
de fato, é vencido. “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas
Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do Filho de
Deus, o qual me amou e se entregou a si mesmo por mim” (Gl 2.20).
Viver
em humildade é saber valorizar o outro sem perder a própria dignidade. Assim,
tem-se a possibilidade de permanecer com o coração puro e altruísta. A
humildade revela bom senso, sempre será bem vista, tem capacidade de gerar
coisas novas e boas nos outros, consegue persuadir mais facilmente e tem o
poder de inspirar outros a seguir a Cristo.
SERVIÇOS E
CUIDADOS: A MENTE DE CRISTO
As
atitudes de qualquer pessoa revelam seu estado mental; por mais que alguém
tente disfarçar o mal, em algum momento ele aparecerá. Ter a mente de Cristo é
desenvolver os mesmos pensamentos e atitudes que Ele teve. Não se trata apenas
de uma aquiescência mental ou desejo esporádico, mas de um estilo de vida, de
uma reordenação dos pensamentos, das vontades, dos desejos e das atitudes, no
sentido de refletirem a pessoa de Cristo (Jo 13.15).
Organizar
a vida em torno desse modelo de Cristo é desenvolver empatia e compaixão para
com todos os que sofrem e necessitam da misericórdia divina, mesmo para com os
inimigos e opositores. Essa atitude não é fácil, mas Jesus agiu assim com aqueles
que se levantaram contra Ele quando
bradou na cruz: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23.34).
Jesus
usou sua autoridade para abençoar as pessoas, não para ser servido (Mt 20.28).
Sua autoridade era a exsousia, no sentido de alargar e ampliar as
possibilidades humanas, e era exercida para beneficiar as pessoas, e não para prevalecer,
disputar ou subjugá-las. Seu poder era exercido a favor das pessoas, alargando
suas possibilidades de ser e de atuar. Essa forma de poder e autoridade é uma
das mais usadas no Novo Testamento e aparece 108 vezes. Já o sentido do verbo kratós,
como poder e dominação exercidos pela força, no sentido físico ou por imposição
moral, nunca é atribuído a Jesus, e Ele argumenta contra o seu uso
(Mc 10.41-43).
A
chave hermenêutica para compreender a mente de Cristo nos evangelhos é aprender
a observar delicadamente as atitudes, palavras e milagres de Jesus como gestos
de cura, perdão e acolhimento, e não somente sob a ótica de moralismos ou
religiosidades; não que isso não esteja presente porque também são necessárias.
No contexto em que Paulo define que devemos ter a mente de Cristo, ele afirma
que “o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe
parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Mas o que é espiritual discerne bem tudo, e ele de ninguém é
discernido” (1 Co 2.14-15). Significa que, para ter a mente de Cristo, é
necessária essa hermenêutica do Espírito Santo, que abre os olhos às realidades
antes não percebidas.
Assim,
Ele deseja ver as pessoas livres de regras religiosas que tiram a vida (Mc
2.27); o coração deve estar livre de ídolos, pois acabamos nos
tornando exatamente como os ídolos
que veneramos (Lc 12.34). Jesus
é capaz de gestos carinhosos para curar (Lc 4.39). Ele chamou o homem da
mão mirrada para o meio, ensinando que quem quer fugir de seus problemas
precisa aprender a encará-los (Mc 3.4-5). Os sobrecarregados pelos fardos da
vida são chamados a olharem (prosphonein – falar olho no olho) para
Jesus e andarem eretos (Lc 13.10-13). Prova disso foi quando Ele defrontou-se
com o paralítico no tanque de Betesda e perguntou-lhe: “queres ficar são?”.
Cristo quer libertar-nos de comodismos, medos e do aparente benefício que o
sofrimento pode trazer (Jo 5.5-9); o contato com Deus isenta-nos da
contaminação, mesmo quando precisamos tocar nas enfermidades das pessoas (Mc 1.40-42). Na cura dos dez leprosos, Jesus quer
que percebamos o extraordinário da transformação cotidiana
mesmo fazendo o que é ordinário, além de ensinar-nos a sermos
gratos pelo ordinário, ainda que seja difícil cumprir certas liturgias
engessadas e costumes ultrapassados (Lc 17.11-16); descobrir quem de fato ocupa
o coração humano, porque quem não sabe quem é perdeu a sua identidade, e esta
precisa ser restaurada (Mc 5.68). A pergunta
de Jesus ao cego Bartimeu
(“que queres que te faça?”) instiga-o a largar o manto, que servia de máscara na qual se escondia. A pergunta de Jesus fez com que o cego
entrasse em contato consigo mesmo e com o anseio mais profundo
da sua alma (Mc 10.49-51). Jesus, em outro momento, separa o surdo-mudo da
multidão, num gesto de respeito à individualidade e intimidade, e dá atenção
especial num espaço protegido dos críticos e censuradores. Jesus, então, cospe
e coloca um pouco de saliva na língua do homem, mas Ele percebe a
impossibilidade de aquele surdo-mudo expressar-se. Jesus dá um suspiro abrindo
o seu coração em luta por ele (Mc 7.32.35). Em outra ocasião, Ele toma outro
cego pela mão e leva-o para longe do povo. Num espaço de confiança e individualidade, toca nos olhos
de forma espantosa (saliva), porém carinhosa; depois lhe impõe as mãos e
envia- o para sua casa — a casa do pai, onde é o nosso lugar, pois a cegueira
pode impedir-nos de ir para casa (Mc 8.23-26). Enfim, nas inúmeras atitudes de
Jesus, vimos seu desejo de servir e cuidar.
Não
é um método específico que traz a solução, mas o encontro, o relacionamento, a
sensibilidade para com cada um. Além dos gestos vistos anteriormente, Jesus
utilizou-se do poder das palavras que curam e trazem vida. Através
delas, Ele perdoou
pecados, trouxe novas possibilidades de vida, apontou novos rumos e caminhos
antes desconhecidos, consolou os que sofriam as mais terríveis dores da vida,
trouxe esperança aos desalentados e espalhou uma cultura de amor.
Essas
atitudes e palavras de Jesus, que também devem estar presentes na vida do cristão, é o que Paulo chama de homem espiritual em seu texto, aquele que entende as coisas do
Espírito e sabe discerni-las bem, que não mede a si nem aos outros com as
medidas do mundo, nem cogita das coisas do mundo, porque elas invertem a lógica
do Reino de Deus, “porque
o Reino de Deus não é comida nem
bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo” (Rm 14.17).
“Ora, o homem natural
não compreende as coisas do Espírito de Deus,
porque lhe parecem loucura; e não pode
entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (1 Co 2.14)
OBEDIÊNCIA: A
VONTADE DO PAI
O ministério de Jesus foi pautado pela obediência ao
Pai. Todas as suas ações eram uma realidade daquilo que Ele via o pai fazer. As
suas palavras eram oriundas daquilo que Ele ouvia o Pai falar (Jo 5.19); não
que Jesus fosse um robô autômato, mas, sim, que havia uma concordância com o Pai em
tudo, pois Ele estava na terra em obediência ao Pai; portanto, para cumprir
plenamente o eterno propósito divino, Cristo sujeitou-se completamente em
obediência. Ele sabia que a vontade do Pai era boa, agradável e perfeita (Rm
12.2), e isso lhe dava segurança e tranquilidade para sujeitar-se inteiramente.
Esse mesmo sentimento deve ocupar também a mente e o coração dos discípulos de
Cristo hoje.
A
obediência de Jesus não se sujeitou a estruturas humanas, políticas ou
religiosas, mas estritamente ao Pai. Sempre que havia conflitos entre a vontade
do Pai e das estruturas, sua opção era ouvir a vontade de Deus. Por esse
motivo, Ele desafiou as autoridades políticas e religiosas com suas hipocrisias
e preceitos mortos para estabelecer um novo jeito de adorar ao Pai em espírito
e em verdade (Jo 4.23-24), confrontando as estruturas pesadas e impossíveis de
serem obedecidas.
Nossa
obediência deve seguir essa mesma lógica de Jesus quanto à obediência
primeiramente a Deus Pai. Entretanto, é preciso tomar cuidado e deixar-se
discernir pelo Espírito Santo para não confundir a vontade do Pai com rebeldias
e teimosias próprias de nossos corações, contra as estruturas com as quais
compartilhamos a vida. A obediência ao Pai poderá até confrontar as estruturas;
porém, jamais o fará com rebeldias, amarguras, rancores ou qualquer maldade
humana. Ainda que sob ameaças de morte e riscos, a obediência ao Pai sempre
trará vida, como a de Cristo.
Ter
a mente de Cristo em obediência ao Pai significa também estar ciente das responsabilidades como cidadão nesta
terra, bem como cumprir com todas as responsabilidades que cabem,
para que possamos refletir a imagem do Cristo. Ao mesmo tempo, saber que, a
partir do momento que se entrega a vida para Deus, a conduta de vida precisa
ser mais espiritual do que natural, conforme anteriormente descrito. Ter a
mente de Cristo significa estar menos focado em coisas e projetos naturais e
mais naquilo que é do Reino de Deus. Significa compreender que não nascemos
para ser o melhor profissional da área, ou para ganhar muito dinheiro, ou para
galgar posições sociais e políticas. Tudo isso, no entanto, pode até acontecer
como consequência do que realmente significa a vontade do Pai.
Nascemos para representar Cristo nessa terra, para transmitir, através da mensagem do evangelho, que existe um Deus além dessa vida que vale a
pena aceitar e seguir e que não há como representá-lo se o que prevalece ainda
é a carnalidade, os maus desejos e os sonhos e projetos egoístas. Ter a mente de Cristo significa deixar que todas
essas coisas, se for necessário, morram, para que os projetos e
sonhos dEle sejam instaurados como prioridade.
Extraído do
livro: A obra da Salvação.
Por:
Claiton Ivan Pommerening.
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