Extraído do livro: A
supremacia de Cristo , Fé,
esperança e ânimo na carta aos Hebreus.
José Gonçalves.
Os versículos 11-14 do capítulo 5
retratam os cristãos hebreus como estando ainda na infância da fé. Aqui, o
autor vê a urgência de fazê-los avançar nesse processo, pois ele quer tratar
sobre a doutrina do sacerdócio de Cristo no capítulo 7. Ele tem consciência de
que não será uma tarefa fácil fazer com que seus leitores assimilem o que ele
está prestes a ensinar. O autor tem plena convicção de que a doutrina do
sacerdócio de Jesus Cristo é de suma importância para O viver vitorioso.
Todavia, para que os seus pressupostos e princípios fossem apreendidos, seria
necessário ir além dos rudimentos da fé.
“Pelo que, deixando os rudimentos da
doutrina de Cristo, prossigamos até a perfeição, não lançando de novo o
fundamento do arrependimento de obras mortas e de fé em Deus" (v. 1). A
expressão “deixando os rudimentos da doutrina de Cristo’’ não é um convite ao
desprezo dos fundamentos da fé. As bases da fé são necessárias; são, porém, os
primeiros degraus a serem escalados numa longa escada da vida cristã. Não devem
ser o ponto final, mas, sim, o ponto de partida. Esse fato fica demonstrado com
o intenso desejo que o autor tem em conduzir seus leitores à perfeição cristã.
A palavra grega teleiotês (perfeição) é descrita no léxico de Bauer com o
sentido de “maturidade em contraste com o estágio do conhecimento
elementar".' Embora o teólogo Henry Orton Wiley veja, nessa palavra, uma
referência à doutrina da perfeição cristã ensinada por John Wesley, o contexto
favorece o alcance de uma maturidade espiritual em Cristo nesta vida, e não que
possamos chegar à perfeição completa que é reservada para o outro lado da
eternidade. O sentido de obras mortas
(v.l) deve ser o mesmo de Hebreus 9.14, que é o de uma consciência limpa e que
é alcançada através do arrependimento, enquanto a fé em Deus é uma referência à
fé cristã como o ingresso na comunidade dos salvos.
“E da doutrina dos batismos, e da imposição
das mãos, e da ressurreição dos mortos, e do juízo eterno" (v. 2). Em vez
de terem crescido em conhecimento espiritual, os crentes hebreus estacionaram.
Eles não passaram nem mesmo dos primeiros passos da iniciação à vida cristã. O
conhecimento deles limitava-se a um entendimento básico de algumas doutrinas
elementares da fé. O autor tinha por certo que seus leitores estavam
completamente familiarizados com os rituais por ele descritos. A palavra
"batismo” está no plural; sendo assim, é possível que o autor tivesse em
mente os vários rituais judaicos de lavamento cerimonial, e não apenas a
prática do batismo cristão.4 Tratando-se de uma comunidade formada por judeus
cristãos, não seria incomum haver entre eles quem estivesse disposto a querer
saber mais sobre esses rituais. O teólogo britânico F. F. Bruce, por exemplo,
observa que, em vez de usar o termo grego baptisma, comumente usado para
referir-se ao batismo cristão, o autor optou por usar o termo grego baptismos.
O léxico grego de Bullinger traduz o termo baptismos como o ato de lavar,
ablução, com. especial referência à purificação. Esse mesmo termo aparece em Hebreus 9.10 e é
traduzido pela Nova Versão Internacional como “cerimônias de purificação com
água" e “lavar as mãos cerimonialmente" em Marcos 7.4. No contexto do
Novo Testamento, a referência à imposição das mãos está associada ao
recebimento do Espírito Santo (At 19.6) e à ordenação de obreiros (1 Tm 4.14).
Por outro lado, a ressurreição de mortos e o juízo vindouro são doutrinas de
natureza escatológica e, por certo, cridas e aceitas por seus leitores.
“E
isso faremos, se Deus o permitir" (v. 3). O autor não nega a importância
desses ensinos, e sim os vê como os "fundamentos”, e não como todo o
edifício doutrinário. Era, portanto, mister avançar no seu doutrinamento.
"Porque
é impossível que os que já uma vez foram iluminados, e provaram o dom
celestial, e se fizeram participantes do Espírito Santo” (v. 4). O tom
exortativo da carta aos Hebreus chega a seu ápice aqui, no versículo quatro
deste capítulo. Com a palavra "impossível” (gr. adynatos), o autor dá
início a uma argumentação que culmina no versículo 6. Dentro desse contexto, o
termo “impossível” é usado em relação àqueles que caíram e não mais podem ser
restaurados ao arrependimento. Mas que tipo de queda o autor está-se referindo?
Não há dúvida de que não se trata de um desvio qualquer, mas, sim, daquilo que
o próprio autor já se referira em Hebreus 3.12 — o pecado da apostasia. A
interpretação que afirma que, aqui, o autor se estaria referindo a uma mera
hipótese, sem possibilidade de realização, não consegue ser convincente. Da
mesma forma, a interpretação que tenta transformar "os iluminados"
que "provaram o dom celestial" e que se "tomaram participantes
do Espírito Santo” em descrentes ou crentes salvos, porém não regenerados, não
se sustenta por razões contextuais, gramaticais e léxicas!
1. O termo "iluminado” é usado
tanto no contexto do Novo Testamento como aqui em Hebreus como se referindo a
pessoas salvas (Hb 10.32; Jo 8.12; 2 Pe 1.19).
2. A palavra grega dorea, traduzida
aqui como "dom”, é usada em outras passagens no Novo Testamento. É usada
em referência a Cristo, o Espírito Santo ou alguma coisa dada por Cristo. Esse
texto, portanto, fala daqueles que experimentam o dom do Filho (Jo4.10; Rm
5.15,17; 2 Co 9.15; E f 4.7) e do Santo Espírito (At 2.28; 8.20; 10.45; 11.17)
e que posteriormente caíram.
3. A expressão “participantes do
Espírito Santo” só tem sentido em relação a crentes (Rm 8.9). Hal Harless
destaca que os que caíram foram, de uma vez por todas, feitos participantes
(metochous genêthentas) do Espírito Santo (Hb 6.4). Esse particípio passivo
mostra que Deus fez que eles participassem do Espírito Santo e que isso não
partiu deles mesmos. O termo grego metochos significa: (1) "compartilhando/participando".
(2) "negócios”, “parceiro”, "companheiro”. O particípio acompanhante
favorece o primeiro. Eles participam do Espírito Santo, então eles são
regenerados (Rm 8.9, Tt 3.5-7).
“E provaram a boa palavra de Deus e as
virtudes do século futuro” (v. 5). Os crentes a quem o autor fez referência no
versículo 4 também provaram "a boa palavra de Deus” e os "poderes do
século vindouro". Esse versículo também só tem sentido quando visto em
referência a crentes. Eles já haviam sido iluminados, provado do dom celestial
e participado do Espírito Santo. Agora, é mostrado que eles também provaram da
palavra de Deus e conheceram as virtudes do século vindouro. Eram, portanto,
crentes de verdade.
“E recaíram sejam outra vez renovados
para arrependimento; pois assim, quanto a eles, de novo crucificam o Filho de
Deus e o expõem ao vitupério” (v. 6). O autor alertará que a queda na fé é uma
possibilidade real e que, nesse aspecto, a apostasia é um caminho sem volta.
Aqui, ele mostra a causa dessa tragédia espiritual. Tanto Bruce como Hughes
destacam que o particípio anastaurountas (crucificar de novo) aqui é causal,
indicando a impossibilidade de o apóstata arrepender-se e recomeçar de novo.
Fritz Rienecker (1897-1965) destaca que o particípio paradeigmatizontas (expor
à desgraça) soa como um alerta aos leitores para que o mesmo apóstata não volte
ao judaísmo, pois, se ele assim o fizesse, não haveria mais condições de
refazer sua vida espiritual. Esse fato requereria uma re-crucificação de Cristo
e a exposição dEle à vergonha pública.9 William Barclay vê a apostasia aqui
como um fato concreto, porém entende que a mesma acontecia no contexto de uma
perseguição onde o cristão era desafiado a negar sua fé. Ainda segundo Barclay,
o autor queria mostrar que “era a terrível seriedade de escolher a
sobrevivência neste mundo à custa da lealdade a cristo. O autor de Hebreus, na
continuação, diz uma coisa terrível. Os que cometem apostasia crucificam a
Cristo outra vez”. (veja o Apêndice, posto logo após o capítulo 14 deste
livro). “Porque a terra que embebe a chuva que muitas vezes cai sobre ela e
produz erva proveitosa para aqueles por quem é lavrada recebe a bênção de Deus”
(v. 7). O versículo 7 ilustra a vida frutífera do cristão que cresce
diariamente na graça e no conhecimento do Senhor.
“Mas a que produz espinhos e abrolhos é
reprovada e perto está da maldição; o seu fim é ser queimada” (v. 8).
Entretanto, por outro lado, o versículo 8 representa a vida do apóstata que
produz mau fruto.
“Mas de vós, ó amados, esperamos coisas
melhores e coisas que acompanham a salvação, ainda que assim falamos” (v. 9).
Alguns comentaristas usam esse versículo para tentar provar que a apostasia não
passa de uma mera possibilidade e que nunca ocorrerá, de fato, com um cristão.
Isso, no entanto, é ir além do que o texto está afirmando. Para o expositor
bíblico Charles A. Trenthan, o autor precisou usar um tom duro, dando uma
sacudida nas convicções de seus leitores, pois observou que eles estavam
considerando consigo a possibilidade de apostatar. Trenthan observa que o autor "acrescenta uma palavra de certeza
confortante. Ele usa um termo de carinho e encorajamento e chama-os de amados.
Essa é a única vez que ele usa esse termo. Não há romantismo sentimental neste
escritor. Contudo, as fortes palavras de advertência agora são suavizadas pela
certeza de que, embora eles estivessem pensando em afastar-se de Jesus, na
verdade não o fizeram. Não caíram, embora tivessem se demorado demais na
cartilha cristã."
“Porque Deus não é injusto para se
esquecer da vossa obra e do trabalho de amor que, para com o seu nome,
mostrastes, enquanto servistes aos santos e ainda servis" (v. 10). O autor
reconhece que esses crentes tinham serviços prestados na comunidade e
envia-lhes uma palavra pastoral ao mostrar o cuidado que Deus tinha por eles.
Entretanto, a vida cristã é uma caminhada que requer perseverança; por isso,
são encorajados a irem até o fim.
“Mas desejamos que cada um de vós
mostre o mesmo cuidado até ao fim, para completa certeza da esperança” (v. 11).
Essa perseverança tem em vista a promessa da vida eterna, que é herdada por
aqueles que imitam quem andou na senda da fé.
“Para que vos não façais negligentes,
mas sejais imitadores dos que, pela fé e paciência, herdam as promessas” (v.
12). O autor lembra o testemunho de Abraão, conforme registrado em Gênesis
22.16-17, quando este ofertou seu filho a Deus.
“Porque, quando Deus fez a promessa a
Abraão, como não tinha outro maior por quem jurasse, jurou por si mesmo” (v.
13). Sabendo que os juramentos são importantes para os homens, Deus, por meio
de juramento, garantiu a Abraão que ele herdaria as promessas. Essa promessa
envolvia a bênção da multiplicação.
“Dizendo: Certamente, abençoando, te
abençoarei e, multiplicando, te multiplicarei" (v. 14). Nesse contexto,
essa promessa transcende o aspecto físico e alcança todos aqueles que são
descendentes de Abraão pela fé. Quando as promessas foram feitas a Abraão, ele
teve que esperar com paciência. Quando Deus fez a promessa de uma grande
posteridade a Abraão, este estava com 75 anos. Vinte e quatro anos depois,
veio-lhe a promessa de um filho, que foi cumprida um ano depois.
“E assim, esperando com paciência,
alcançou a promessa" (v. 15). O hebreu Abraão era um exemplo de ânimo, fé
e esperança para os crentes hebreus. Pela fé, ele alcançou a promessa e viveu
na expectativa daquelas que ficaram para serem realizadas.
“Porque os homens certamente juram por alguém
superior a eles, e o juramento para confirmação é, para eles, o fim de toda
contenda" (v. 16). Deus deu a Abraão uma garantia legal de que sua palavra
seria cumprida.
“Pelo que, querendo Deus mostrar mais
abundantemente a imutabilidade do seu conselho aos herdeiros da promessa, se
interpôs com juramento” (v. 17). Neil R. Lightfoot observa que a intenção do
autor é mostrar que a promessa de Deus não vacila. Ela é sólida, irrevogável.
Mas, para mostrar a Abraão que, de fato, a sua promessa seria cumprida, deu a
sua palavra como garantia “Para que por duas coisas imutáveis,
nas quais é impossível que Deus minta, tenhamos a firme consolação, nós, os que
pomos o nosso refúgio em reter a esperança proposta” (v. 18). Se Deus
prometera, Ele cumpriria. Se Ele jurara, seu juramento seria mantido. Esse era
o fundamento de quem firma sua esperança em Deus.
“A qual temos como âncora da alma
segura e firme e que penetra até ao interior do véu" (v. 19). A esperança
do cristão é como uma âncora que está aportada no interior do santuário
celestial, isto é, além do véu onde Jesus encontra-se.
“Onde Jesus, nosso precursor, entrou
por nós, feito eternamente sumo sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque”
(v. 20). Cristo adentrou primeiramente nesse santuário celestial porque ele é o
Sumo Sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque.
Extraído do livro: A
supremacia de Cristo , Fé,
esperança e ânimo na carta aos Hebreus.
José Gonçalves.
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