A Bíblia está traduzida atualmente
para 2.935 línguas, segundo dados da Sociedade Bíblica do Brasil (A Bíblia no Brasil, nº 252 – agosto a outubro de
2016, Ano 68, p. 16).
Todas essas versões transmitem a
mesma mensagem dos antigos escritores bíblicos. Os oráculos divinos entregues a
eles foram preservados e estão disponíveis para toda a humanidade. Sua inspiração
divina e sua autoridade fazem dela um livro sui generis.
CÂNON E INSPIRAÇÃO
As
palavras “cânon” e “inspiração”, às vezes, significam a mesma coisa. O termo kanōn se origina do vocábulo hebraico qāneh, “cana”, que
se usava como “cana de medir” (Ez 40.3, 5; 41.8) e originalmente quer dizer “
vara de medir”. Na literatura clássica, significa “regra, norma, padrão”.
Aparece no Novo
Testamento com o sentido de regra
moral (Gl 6.16). É também traduzido
por “medida” (2 Co 10.13, 15). Nos três primeiros séculos do cristianismo, o
termo se referia ao conteúdo normativo, doutrinário e ético da fé cristã. A
partir do quarto século, os pais da Igreja aplicaram as palavras “cânon” e “canônico”
aos livros sagrados, para reconhecer sua autoridade como textos inspirados por
Deus e instrumentos normativos para a vida e a conduta dos cristãos, portanto
separados de outras literaturas. Eles constituíram a partir de então uma “lista
de livros com autoridade divina”, uma biblioteca que é a nossa medida, a nossa
regra de fé e prática. O cânon é, assim, a lista de livros já definidos e
reconhecidos como divinos para a vida e a conduta do cristão. Cada um dos
livros era reconhecido como inspirado por Deus desde a sua origem, mas a
coleção desses escritos
sagrados só aconteceu posteriormente.
A
inspiração divina é chamada de teopneustia, que significa “inspiração divina da
Bíblia” (Grande Dicionário Sacconi
da Língua Portuguesa) e “inspiração divina das
Escrituras – teoria segundo a qual Deus inspirou aos autores bíblicos todas as
palavras e todas as ideias” (Grande
e Novíssimo Dicionário da Língua Portuguesa,
de Laudelino Freire). O Moderno Dicionário da
Língua Portuguesa, de Michaelis, repete as
mesmas palavras de Laudelino Freire. O termo “teopneustia” vem da Bíblia: “Toda
Escritura divinamente inspirada é proveitosa para ensinar, para redarguir, para
corrigir, para instruir em justiça” (1 Tm 3.16) ou “Toda a Escritura é inspirada
por Deus e útil” (ARA). A palavra grega aqui traduzida por “inspirada por Deus”
ou “divinamente inspirada” é theopneustos, que vem de theos, “Deus”, e pneō, “respirar”.
Isso significa que a Bíblia é
respirada ou soprada por Deus. A construção grega nesse versículo permite ambas
as traduções, mas a tradução da Almeida Atualizada é mais precisa, uma vez que
a partícula grega kai vem entre os dois adjetivos “divinamente
inspirada” e “proveitosa”; também expressa melhor a intenção do Espírito Santo,
pois afirma duas verdades sobre a Bíblia: a Escritura é divinamente inspirada e
proveitosa. A
ausência do artigo antes de grafē em pasa grafē teopneustos kai
ōfélimos1 não deixa claro se a construção é atributiva, “Escritura
divinamente inspirada”, ou predicativa, “[a] Escritura é divinamente
inspirada”.
O
termo grego pasa, feminino de pas, “todo, tudo, cada”, afirma que a inspiração das Escrituras é
plena, total, por isso afirmamos a nossa fé na inspiração plenária da Bíblia.
Mas essa crença não se fundamenta apenas nisso, e o contexto do Novo Testamento
nos deixa à vontade nesse sentido. É verdade que no período apostólico a Bíblia
da Igreja era o Antigo Testamento (Lc 24.44). O termo “Escrituras”, ou
“Escritura” no singular, aparece inúmeras vezes no Novo Testamento como
referência específica ao Antigo Testamento ou a parte dele e entre elas podemos
citar (Mt 21.42; Mc 12.10/Sl 118.22, 23; Mt 26.56; Mc 15.28/Is 53.12; Lc 4.21/Is
61.1, 2; Lc 24.27).
A
expressão “Toda Escritura” (2 Tm 3.16) não se restringe apenas ao Antigo
Testamento; diz respeito também aos escritos apostólicos, ou seja, ao Novo
Testamento. A Bíblia inteira é divinamente inspirada, pois a autoridade dos
profetas e apóstolos é a mesma. Ambos os grupos de escritores bíblicos aparecem
alternadamente: “para que vos
lembreis das palavras que primeiramente foram ditas pelos santos profetas e do mandamento
do Senhor e Salvador, mediante os vossos apóstolos” (2 Pe 3.2). Mais adiante, o
apóstolo Pedro coloca as epístolas paulinas no mesmo nível nas Escrituras do
Antigo Testamento: “Falando disto, como em todas as suas epístolas, entre as
quais há pontos difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes torcem e
igualmente as outras Escrituras, para sua própria perdição” (2 Pe 3.16). O
apóstolo Paulo considerava os escritos apostólicos no mesmo nível das
Escrituras dos judeus:
“Porque diz a Escritura: Não
ligarás a boca ao boi que debulha. E: Digno é o obreiro do seu salário” (1 Tm
5.18). Há aqui duas citações. A primeira vem da lei de Moisés: “Não atarás a
boca ao boi, quando trilhar” (Dt 25.4); e a segunda não aparece em parte alguma
do Antigo Testamento, mas nos evangelhos: “porque digno é o operário do seu
alimento” (Mt 10.10); “pois digno é o obreiro de seu salário” (Lc 10.7). A
construção grega revela que o apóstolo está citando o evangelho de Lucas.2 Ambas as frases são chamadas de “Escritura”. Outras vezes Paulo
ousa dizer que seus escritos são de origem divina (1 Co 7.40; 2 Co 13.3; 1 Ts
4.8).
Assim,
a frase “Toda Escritura é inspirada por Deus” se refere à Bíblia inteira, aos
seus 66 livros. A inspiração da Bíblia é especial e única. Não existe na Bíblia
um livro mais inspirado e outro menos inspirado. Todos têm o mesmo grau de
inspiração e autoridade.
A
inspiração plenária se refere à totalidade dos 66 livros bíblicos, e a
inspiração verbal significa que cada palavra foi inspirada pelo Espírito Santo
(1 Co 2.13). Não somente as palavras, mas também as ideias são de origem
divina: “porque a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas os
homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo” (1 Pe 1.21). A
palavra grega usada aqui para “inspirados” é
o verbo pherō, que significa também “mover,
movimentar”. Os escritores bíblicos são homens santos que foram movidos pelo Espírito
Santo para falarem da parte de Deus.
A
inspiração verbal não elimina a individualidade de cada autor humano. Qualquer
leitor da Bíblia consegue ver sem muito esforço a diferença de linguagem e de
estilo em cada livro. Essa diversidade se revela ao comparar um profeta com
outro profeta do Antigo Testamento, ou um apóstolo com outro apóstolo do Novo
Testamento. Quem ler os profetas Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel, Oseias,
Amós ou os apóstolos Pedro, João e Paulo pode observar com clareza meridiana a
peculiaridade na estrutura de raciocínio de cada um deles, no seu grau de instrução,
no seu convívio, no seu gênio e contexto sociopolítico e religioso. Assim,
a Bíblia revela o aspecto natural
da individualidade e o aspecto sobrenatural da inspiração.
CREDIBILIDADE DOS TEXTOS BÍBLICOS
A
quantidade enorme de manuscritos antigos, o grande número de versões em outras
línguas e as citações da patrística nos primeiros séculos do cristianismo falam
por si como prova da autenticidade dos livros da Bíblia. É assunto que nem
mesmo os céticos questionam. Nenhuma obra da Antiguidade apresenta hoje tantos
manuscritos hebraicos, gregos, latinos e em outras línguas. Temos hoje em todo
o mundo mais de 25 mil manuscritos bíblicos produzidos antes do advento da
imprensa no século XV. Em segundo lugar, vem a Ilíada, de Homero, com apenas 457 papiros e 188
manuscritos, perfazendo um total de 645 exemplares. Nenhuma obra da Antiguidade
é mais bem confirmada que a Bíblia.
De
todas as obras literárias produzidas na Antiguidade, o manuscrito mais antigo
que sobreviveu apresenta um intervalo de 750 anos entre o tal manuscrito e a
possível data de sua autoria.
É uma obra de História, de Plínio, o Jovem,
historiador romano que viveu entre 61 e 113 d.C. Restaram apenas sete
manuscritos, e o mais antigo deles é datado de 850 d. C. Todos os demais, com exceção
de Suetônio, também historiador romano, com 950 anos de intervalo o manuscrito
mais antigo e a possível data de sua
autoria, apresentam um intervalo superior a mil
anos. É o caso de Platão, Tetralogias, sete cópias; e Heródoto, História,
oito cópias, entre outros que não são citados aqui por absoluta falta de espaço
(MCDOWELL, 2013, pp. 141, 142).
As
descobertas dos rolos do mar Morto revelam a credibilidade e a fidelidade dos
textos hebraicos do Antigo Testamento. Com exceção do livro de Ester, todos os
outros livros do Antigo Testamento estão representados nesses 800 manuscritos.
As 11 cavernas de Uaid Qumran trouxeram à tona cerca 200
manuscritos bíblicos, descobertos entre 1947 e
1964, sem contar outros manuscritos não bíblicos. O primeiro grupo desses manuscritos
é datado entre 250 a.C. e 68 d.C., com manuscritos escritos ainda na grafia
paleo-hebraica, ou seja, o hebraico arcaico. Julio Trebolle Barrera faz menção
de alguns deles: quatro de Levítico, dois de Gênesis, Êxodo e Deuteronômio, um de
Números e um de Jó (BARRERA, 1999, p. 263). O segundo grupo é datado entre 70 e
132 d.C., período entre a destruição de Jerusalém e a Revolta de Bar-Cochbar,
em Yavne, ou Jâmnia.
Muitos
desses manuscritos não foram produzidos pelos essênios; muitos deles vieram da
Babilônia e do Egito. Trata-se, portanto, de textos procedentes de várias
épocas e de vários lugares. Quando o alfabeto paleo-hebraico foi substituído
pelo alfabeto quadrático, os escribas tiveram de fazer adaptações. O rolo do
profeta Isaías, por exemplo, é datado do ano 100 a.C. É exatamente o mesmo
texto da Bíblia Hebraica, exceto por uma diferença de apenas 17 letras no
capítulo 53.
As
inúmeras profecias são exclusividade das Escrituras Sagradas e provas visíveis
de sua inspiração e autenticidade. Muitas delas já se cumpriram em relação a
muitos povos, tanto na Antiguidade como
na atualidade. Um exemplo é a queda de Babilônia: “E Babilônia, o ornamento dos
reinos, a glória e a soberba dos
caldeus, será como Sodoma e Gomorra quando Deus
as transtornou. Nunca mais será habitada, nem
reedificada de geração em geração” (Is 13.19, 20). Essa profecia foi proferida quando
a Babilônia estava no apogeu de sua glória. Hoje, no entanto, essa Palavra se
cumpre diante de nossos olhos.
A
Bíblia anunciou de antemão a dispersão dos judeus, mas profetizou seu retorno à
terra de seus antepassados. Depois de cerca de 1.800 anos na diáspora, os
filhos de Israel retornam para sua terra, e em um só dia nasceu uma nação (Is
66.8). Essa Palavra diz respeito à fundação do Estado de Israel logo após a
derrocada do nazismo.
Não
é possível enumerar todas as profecias aqui. Mas destacamos as profecias sobre
reis, como Ciro, rei da Pérsia, e Alexandre, o Grande, em Isaías 44.28; 45.1 e
Daniel 8.21, 22, além das profecias messiânicas cumpridas em Jesus, desde o seu
nascimento de uma virgem, em Belém, conforme Isaías 7.14 e Miqueias 5.2, até a
sua ascensão, registrada em Salmos 24.7-10.
Tudo isso faz da Bíblia um livro sui generis, que não se assemelha a nenhum
outro e está acima de qualquer outro já produzido no mundo. A Bíblia declara a
si mesma como a infalível Palavra de Deus: “a palavra de nosso Deus subsiste
eternamente” (Is 40.8) e em fraseologia similar: “mas a palavra do Senhor
permanece para sempre” (1 Pe 1.25). É o único livro que se apresenta como a revelação
escrita do verdadeiro Deus e com um propósito definido: a redenção humana.
A VERSÃO DOS SETENTA
A
Septuaginta é a primeira tradução do Antigo Testamento hebraico para o grego. O
termo “Septuaginta” vem do latim e significa literalmente “septuagésimo”, tendo
sido usado pela primeira vez por Eusébio de Cesareia em História Eclesiástica.
Agostinho de Hipona foi o primeiro a chamá-la
de a “Versão dos Setenta”, em A
Cidade de Deus. O termo “Septuaginta” é
uma forma abreviada da expressão latina interpretatio
Septuaginta virorum, “a tradução pelos
setenta homens”, similar à forma grega katá
tou hebdomēkonta, “conforme os setenta”, ou hoi hebdomēkonta,
“os setenta”, todos usados por escritores cristãos do segundo século para
referir-se ao Antigo Testamento Grego. Hoje é conhecido também pelo nome de
“Versão dos Setenta, Versão de Alexandria” e identificado pelos algarismos romanos
“LXX”.
A
tradução do Pentateuco do hebraico para o grego aconteceu na metade do século
III a.C., por 72 eruditos judeus enviados de Jerusalém para Alexandria; nos
séculos seguintes, os outros livros do Antigo Testamento foram traduzidos. Foi
um empreendimento cultural sem precedentes na história da civilização
ocidental, pois a revelação divina saía do confinamento judaico para se tornar universal.
Era o pensamento religioso semita à disposição do Ocidente numa língua
indo-europeia.
Sua
influência nos escritores do Novo Testamento foi determinante, servindo de
ponte linguística e teológica entre o hebraico do Antigo Testamento e o grego
do Novo. Tanto os apóstolos como os antigos escritores cristãos encontraram na Septuaginta uma fonte de conceitos e termos teológicos para
expressar o conteúdo e o pensamento cristão. Ela foi usada pelas gerações de
judeus helenistas em todas as partes do mundo antigo. Foi a Bíblia adotada
pelos cristãos de língua grega, como disse Agostinho no século V: “A Igreja
recebeu a versão dos Setenta como se fora única e dela se servem os gregos
cristãos, cuja maioria ignora se há alguma outra. Dessa versão dos Setenta fez-se
a versão para o latim; é a usada nas igrejas latinas. Serve,
ainda, como fonte importante para o
estudo da história da Bíblia Hebraica” (A Cidade de Deus, livro 18.43).
A TRADUÇÃO PARA OUTRAS LÍNGUAS
TEM A APROVAÇÃO DIVINA
O
projeto de tradução das Escrituras dos judeus para a língua grega num período
em que nem mesmo o cânon estava fixado mostra ser a Bíblia um livro traduzível
por natureza, sendo ao mesmo tempo o prenúncio de milhares de línguas para as
quais a Palavra de Deus seria traduzida – as primícias de uma grande ceifa de
versões em todo o mundo. A Bíblia completa está traduzida em 563 idiomas, o
Novo Testamento em 1.334 línguas, e as porções bíblicas em 1.038 línguas. O
total é de 2.935 línguas.
São dados publicados pela revista A Bíblia no Brasil citada acima. É a vontade de Deus que a sua Palavra seja
conhecida por todos os povos e nações na sua própria língua. Essa aprovação
divina é reconhecida pelo uso do grego na redação do Novo Testamento e pelas
inúmeras citações diretas da Septuaginta. Isso mostra que não importa a língua, mas o conteúdo da
mensagem. A Septuaginta “no transcorrer dos anos veio a ser o Antigo Testamento
por excelência dos cristãos no vasto império romano.
Quando a LXX foi acrescentada à coleção de
livros do Novo Testamento era o surgimento de um novo livro, a Bíblia Cristã” (SOARES,
2009, p. 56).
Fonte : livro A razão de nossa fé: assim cremos, assim vivemos / Esequias Soares.
Casa Publicadora das Assembleias de Deus.