Classe Jovens – L 05 - Vivendo uma Vida Santa

Retirado do livro : A Igreja do Arrebatamento
O Padrão dos Tessalonicenses para estes Últimos Dias
Thiago Brazil.

O capítulo 4 de 1 Tessalonicenses, vemos o início do esforço de  Paulo para responder algumas demandas doutrinárias e procedimentais daquela comunidade. Neste momento específico   da carta, temos uma profunda reflexão sobre a necessidade de uma vida santa. O contexto  politeísta  do  mundo  antigo  no  qual  aquela  igreja estabeleceu-se exigia muito mais do que uma simples “troca” de deuses, ou seja, a conversão ao cristianismo implicava uma série de mudanças comportamentais na vida pública e privada.
Ser cristão em Tessalônica acarretava não apenas mudanças litúrgicas, mas também o abandono de todo um repertório sociocultural que tinha a religiosidade como pano de fundo, e, nesse caso, com grande destaque, o orfismo — principal religião mistérica do mundo helênico.
Reflitamos, então, sobre as orientações acerca da vida privada — centradas, aqui, na questão da sexualidade —, assim como naquelas destinadas à vida pública — pautadas na exigência de uma vida proba, desvencilhada das corrupções e abusos aos mais fracos; práticas tão comuns naquele contexto histórico.

O Cristão e a Cultura
Existe um modelo de procedimento social a ser adotado por um cristão? O modelo de vida proposto por Paulo aos tessalonicenses para uma comunidade há 2 mil anos ainda tem caráter aplicável na sociedade atual? Ao discutirmos questões relativas à vida em sociedade dos cristãos, devemos pautar-nos em regras ou princípios, atitudes ou conceitos?
Ora, as respostas a essas questões envolvem uma série de comprometimentos conceituais, os quais, por se organizarem como uma cadeia argumentativa, não podem ser assumidos sem levar em consideração aqueles que estão conectados a eles.
Talvez, a questão central em toda essa discussão seja compreender a relação entre cristianismo e cultura, mais especificamente sobre a necessidade de apresentação dos princípios norteadores da cultura cristã e a aplicabilidade dos mesmos à realidade comunitária de cada igreja local.
Se assumirmos o caráter estrutural dessa questão, a necessidade de resposta a algumas das seguintes questões impõe-se: o que é cultura? Existe uma cultura  cristã  ou  apenas  pressupostos  cristãos  que,  aplicados  a   qualquer cultura, ressignificam as práticas culturais vigentes de qualquer sociedade? Diante do multiculturalismo contemporâneo, a defesa de pressupostos supraculturais ainda faz sentido?
Partamos da definição de cultura como tudo aquilo que é realizado pelo homem e não está condicionado pelo biológico. De tal concepção, deriva-se uma inevitável conclusão: apenas o homem produz cultura, uma vez que todos os demais seres vivos estão subordinados as suas determinações genético-biológicas, restritos, assim, aos seus instintos animalescos, a uma determinada região geográfica e modo de vida, por exemplo; o homem, por sua vez, é criador de seus costumes, produtor de seu modo de vida e colonizador de todo o planeta.
Para que se esclareça mais ainda tal definição de cultura, lembremo-nos de que o homem é o único ser capaz de transformar a natureza, enquanto os demais seres apenas se apropriam da mesma do modo como esta lhes é apresentada. Criamos objetos para superar nossas limitações biológicas. Com o avanço da tecnologia, somos capazes de, inclusive, por meio de substâncias que produzimos ou transformações que realizamos em nós mesmos, alterar condicionamentos naturais — pensemos em cirurgias para implantes de córneas, utilização de próteses para substituição ou melhoramento de membros ou órgãos, etc.
Sobre essa concepção de cultura como elemento constitutivo e construtivo do homem, afirma-nos Laraia:
O homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é um herdeiro  de um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência adquiridos pelas numerosas gerações que o antecederam. A manipulação adequada     e criativa desse patrimônio cultural permite as inovações e as invenções. Estas não são, pois, o produto da ação isolada de um gênio, mas o resultado do esforço de    toda uma comunidade. (LARAIA, 2008,  p.48)

Pode-se, no entanto, restringir o conceito de cultura ao conjunto de práticas significantes produzidas por uma determinada coletividade. De acordo com essa definição stricto sensu de cultura, podemos entender que cada comunidade, em períodos de tempo específicos, produziu uma série de conhecimentos, artes, costumes e rituais — em suma, cultura — que só pode ser entendido a partir de uma vivência interna à própria comunidade. Desse modo, um simples observador externo será incapaz de compreender determinadas práticas culturais; no máximo, será capaz de avaliá-las somente a partir de seu prisma cultural particular, deformando, assim, o significado de certo conjunto de ações próprio de uma sociedade.
A pergunta que persiste é: como definir uma cultura cristã? Falando em termos sociológicos, seria mais exato falar sobre a cultura da comunidade cristã em Tessalônica. Ou seja, as práticas culturais da Igreja em Tessalônica provavelmente serão distintas daquelas vivenciadas na comunidade cristã em Corinto, por exemplo, apesar de ambas serem coletividades que se guiam religiosamente de acordo com a orientação cristã.
É por isso que Paulo não criticará, especificamente, a alimentação onívora ou vegetariana dos grupos em conflito na Igreja de Roma, mas, antes,  exortará que, acima das questões gastronômicas — e é simplesmente neste nível que elas são definidas pelo apóstolo —, estejam o amor ao próximo e a misericórdia para com os mais frágeis na fé. A discussão que se concentra na questão da liberdade e tolerância materializa-se por meio de uma celeuma cultural (Rm 14).9
Acerca de uma abordagem bíblico-teológica sobre a cultura, defende Schwambach:
Se lermos o AT e o NT, vamos ver que a realidade do pecado corrompeu os seres humanos e tudo o que eles pensam, falam, fazem, constroem, inventam etc. Isso significa que toda a produção cultural da humanidade está afetada pela realidade do mal, da queda, do pecado. O exercício de qualquer profissão, o ensino em todos os níveis, toda a ciência, toda a tecnologia, toda política, toda a arte, mas também     todos os tipos de pensamento humano — toda a elaboração filosófica, ideológica, cultural e até mesmo religiosa... Nenhuma dessas realidades ficou sem ser atingida pela trágica realidade da queda. (SCHWAMBACH, 2011,  p.32,33)

Segundo esses critérios, parece ser mais coerente falar de princípios supraculturais com relação ao cristianismo. A defesa daquilo que seria o conceito de “cultura cristã” — abstraída de toda materialidade e intersubjetividade social — implicaria na aceitação de que tal produção cultural é fruto da ação humana que, ao longo dos séculos, por tradição, foi transmitida às gerações seguintes. Sem dúvida alguma, o cristianismo e seus pressupostos culturais são muito mais que uma elaboração humana, limitada ao gênio de uma determinada comunidade e seus membros.
Outro argumento que nos auxiliará a rejeitar a ideia de uma “cultura cristã” entendida como elemento produzido pontualmente em certo ponto da história é o de que a produção cultural é algo extremamente dinâmico, movido pelas transformações políticas, econômicas e sociais, atualizando-se continuamente conforme as interações internas e externas de cada povo. Ora, se as verdades cristãs que seguimos são eternas, logo estas não podem ser um produto exclusivo da dinâmica social de uma comunidade.
Infelizmente, o que se percebe é que, ao longo dos séculos, práticas  culturais pertencentes a comunidades específicas foram impostas a outras coletividades humanas sob o pretexto de serem parte de um conceito abstrato de “cultura cristã”. Esse tipo de processo de violência simbólica é que se denomina de etnocentrismo — a defesa da imposição de aspectos culturais de um povo sobre outro de modo coercitivo e cruel.
É necessário, entretanto, reconhecermos que algumas práticas culturais adotadas por certos povos colidem frontalmente com os princípios cristãos, de tal forma que o papel da evangelização cristã nessas comunidades será o de promover não apenas redenção individual, mas também a    transformação coletiva; não apenas salvação pessoal,mas também a restauração sociocultural.
Sobre essa delicada questão, os elaboradores do relatório sobre a questão da cultura do movimento de Lausanne afirmam:

A conversão não deve “desculturalizar” o convertido. Na verdade,  como  temos visto, sua lealdade agora pertence ao Senhor Jesus, e todas as coisas do seu contexto cultural devem submeter-se ao escrutínio do Senhor. Isso se aplica a toda a cultura, não somente às culturas hindu, budista, islâmica ou animista, mas também à cultura cada vez mais materialista do Ocidente. A crítica pode produzir uma colisão,  à medida que elementos da cultura forem submetidos ao juízo de Cristo e tiverem de  ser rejeitados. Nesse ponto, como reação, o convertido pode tentar adotar a cultura   do evangelista em lugar da sua. Deve-se resistir firme, mas carinhosamente a essa tentativa. Dever-se-ia estimular o convertido para que visse suas relações com o passado como uma combinação de ruptura e continuidade. Por mais que os novos convertidos sintam que precisam renunciar por amor de Cristo, ainda são as mesmas pessoas, com a mesma herança e a mesma família. “A conversão não desfaz; ela refaz.” É sempre trágico, embora seja às vezes inevitável, quando a conversão da pessoa a Cristo é interpretada por outros como traição às suas origens culturais. Se possível, a despeito do conflito com sua cultura, os novos convertidos deveriam procurar identificar-se com as alegrias, esperanças, dores e lutas de sua cultura própria. (LUZBETAK, 1985, p.34)

Percebe-se, assim, que a busca incessante de cada comunidade cristã local deve ser alinhar suas tradições e costumes ao crivo dos pressupostos da cruz, os quais são eternos, supraculturais e constitutivamente promotores da bondade e da justiça. Somente uma abordagem nesse nível poderá ajudar-nos a fugir do falso dilema do relativismo cultural de um mundo multiculturalista. As múltiplas culturas podem e devem coexistir pacificamente entre si. O que é inaceitável é o fato de que atos de violência — seja esta simbólica ou física — sejam defendidos como tradições culturais respeitáveis. Tudo aquilo que  subjuga  o  outro  sem  conceder-lhe  qualquer  oportunidade  de escolha diferente, expropriando-lhe a humanidade e condicionando sua existência à reificação deve ser totalmente rejeitado e combatido.
Violência, seja ela de qualquer tipo, não é cultura!
O cristianismo não pode ser utilizado como instrumento de justificação de qualquer tipo de preconceito, discriminação ou violação pessoal. A tônica do discurso de Cristo é o amor e a liberdade. A denúncia que se deve fazer cotidianamente ao pecado deve ter a transgressão como foco exclusivo, possibilitando, assim, a restauração pessoal, a qual inicialmente passa por um processo de reconhecimento do outro como pessoa, nunca como pecado em si; como filho de Deus, e não como personificação da perversão; como objeto do amor de Cristo, jamais a uma redução do ser ao erro que cometeu.
Desse modo, no que concerne à questão do cristianismo e da cultura, cabe- nos o exercício diário e constante de diferenciar costumes e tradições do judaísmo e das comunidades cristãs primitivas dos pressupostos que devem fundamentar nossas práticas culturais.
Paulo, os Tessalonicenses e o Padrão de Vida Cristão  Uma vez tendo sido realizado tal esclarecimento sobre o papel da cultura e sua relação com o cristianismo, ficam mais claras as orientações paulinas à comunidade tessalonicense. A preocupação de Paulo repousava na necessidade de esclarecer àqueles novos cristãos que alguns elementos de suas práticas culturais não eram próprios de execução para alguém que experimentou um novo nascimento, uma vez que tais atitudes estavam inteiramente ligadas a práticas idolátricas.
Um dos possíveis exemplos a serem apresentados sobre essa relação das práticas socialmente regulares entre os tessalonicenses, porém reprováveis segundo o padrão do cristianismo, é àquele que remete ao uso do vinho nas celebrações antigas. Segundo Almeida (2014, p.27): “As orgias em torno do vinho na Ásia Menor e na Palestina — os tabernáculos, solenidades dos cananeus,  eram,  originalmente,  orgias  ao  estilo  dos  bacanais       foram marcadas por estados idênticos de êxtase aos das orgias em torno da cerveja na Trácia e na Frígia.”
Rituais  celebrativos  do  culto  dionisíaco10     os  quais  possuíam       um calendário anual de, pelo menos, três grandes festejos públicos anualmente —         estavam intrinsecamente associados a práticas sexuais.
Cultos centrados no conceito de fertilidade da terra que estavam  interligados ao uso do corpo como oferenda às divindades, por meio de danças, orgias e possessões, era algo muito comum naquele contexto histórico.
Dessa maneira, o que temos na fala de Paulo no início do capítulo 4 de 1 Tessalonicenses é a determinação de um sintoma que caracterizava a sociedade em Tessalônica: a violência. Em virtude da forte tradição do dionisismo que se desenvolveu naquela comunidade, os indivíduos não conseguiam perceber que a objetivação de seres humanos — especialmente de mulheres, com relação à sexualidade — é um dos mais degradantes atos  de subjugação. Por isso, o que Paulo faz nesse momento de seu ministério é denunciar elementos de injustiça e dominação que operavam em Tessalônica sob o pretexto de piedade religiosa.
Sobre os cultos orgiásticos a Dioniso, Frontisi-Ducroux afirma:
Que Dioniso seja um deus complexo é uma das afirmações unanimemente reconhecida pelos estudiosos da religião. Complexo pela variedade  de  representações e epifanias, oscilante entre antropomorfismo completo ou parcial (face, falo), teriomorfismo (touro, leão, serpente, bode), mas,  sobretudo,  por  motivos dos diversos componentes do seu culto; vinho e embriaguez; transes e possessões femininas; festivais dramáticos; procissões fálicas; incursões no mundo dos mortos; iniciações nos mistérios. (FRONTISI-DUCROUX, 1997, p.  275)

Como se pode perceber, a exortação paulina à santidade na sua epístola aos tessalonicenses,    quando    devidamente    contextualizada,    ganha     outras conotações que vão além de um mero ascetismo cristão. As preocupações de Paulo com aquela jovem comunidade estavam diretamente ligadas à urgente necessidade de cada indivíduo perceber a completa incompatibilidade que havia entre o culto a Cristo Jesus e às celebrações, por exemplo, a Dioniso- Osíris.
A problemática da prostituição — para além de todo o debate estabelecido por Paulo em outros textos — está relacionada em Tessalônica à questão das possessões dionisíacas durante os bacanais.11 A devassidão sexual, sendo prática condenável em si mesma segundo a ótica cristã, estava diretamente associada às potestades que envolviam os cultos dionisíacos. Alertar a cada um possuir seu vaso em santificação e honra (1 Ts 4.4) envolve diretamente a necessidade de manter o corpo em separação exclusiva para Deus.
Perceba, no entanto, que a dedicação religiosa do corpo a Jesus Cristo no culto cristão significa algo completamente diferente daquilo que a possessão dionisíaca produz. Enquanto Dioniso bestializa seus adoradores — conduzindo-os ao completo descontrole, aos seus instintos mais baixos e à perda da consciência de si —, a consagração do corpo ao Senhor  Deus implica domínio próprio, adoração consciente e profundo   autoconhecimento —     produzido pelo entendimento da fragilidade constitutiva de tudo aquilo que é humano.
A santidade de Deus em nossas vidas conduz-nos, muitas vezes, a um padrão de sociabilidade que, de várias maneiras, transcende as convenções sociais convenientemente aceitas, porém moral e espiritualmente reprováveis. Assumir-se cristão em Tessalônica implicava em enfrentar a fúria dos seguidores de César, Baco, Osíris e de tantos outros seres e deuses que dominavam a cena política e religiosa daquela cidade.
É para tal nível de comprometimento que Cristo convida-nos hoje. Numa ambiência tão politeísta quanto aquela — tendo o dinheiro, a luxúria, o corpo e a tecnologia como as principais divindades desse tempo —, declarar-se contrário a determinadas práticas publicamente aceitas e estimuladas era o mesmo que obter ojeriza de grande parte da sociedade. Somos vocacionados para, por meio de um relacionamento verdadeiro com Cristo, apresentarmos outro modelo de comportamento e atitude diante de nossa sociedade.
A finalização da reflexão de Paulo sobre a questão da santificação dos cristãos em Tessalônica desemboca na necessidade de estabelecimento de um padrão relacional que espelhe a salvação que os envolveu. Segundo Paulo, não faz sentido assumir uma fé em Cristo, mas manter os negócios pessoais sob o domínio de Mamon (ver 1 Ts 4.6 – NVI). Ao homem nascido de novo é-lhe exigido não apenas o abandono dos antigos ídolos religiosos, mas também das pervertidas práticas econômico-sociais.
O esforço por uma vida em santidade tem um componente triplo: individualmente, passa pelo respeito à dignidade do próprio corpo e da integridade da vida de cada sujeito; em segundo lugar, em sua correspondente comunitária, a santidade exige de cada um de nós o reconhecimento do outro, ou seja, a capacidade de superar uma mera percepção coisificante dos demais indivíduos ao nosso redor, para, assim, a designação do respeito próprio a cada ser humano; e, por fim, no que se remete à espiritualidade, a santidade é uma condição sine qua non para nosso relacionamento com o Senhor.
Conclusão
Os desafios que os tessalonicenses enfrentavam tornam-se cada vez mais evidentes a partir do momento em que nos debruçamos com mais cuidado — e simultaneamente — sobre o texto sagrado e sobre o contexto histórico que envolvia aquela comunidade.
Com relação a nossa espiritualidade hoje, nada é diferente. Somente nos concentrando em orientar nossas vidas conforme os padrões da Palavra seremos capazes de restabelecer a glória de Deus sobre nossa sociedade, sobre nossa geração. Não somos mais escravos; antes, nossa vocação é para a liberdade, que se manifesta para nós em Cristo Jesus — dentre tantas outras maneiras possíveis — como santidade, isto é, como um padrão de vida que se inspira na graça e no amor de Deus.


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