Certo
comerciante, ao visitar a abadia de Westminster, em Londres, onde se acham
sepultados os reis e vultos eminentes da Inglaterra, inquiriu qual o túmulo,
excluindo o do "soldado desconhecido", que é mais visitado. O
porteiro respondeu que era o de Davi Livingstone. São poucos os
humildes e fiéis servos de Deus que o mundo distingue e honra assim.
Conta-se que, em Glasgow, depois
de passar dezesseis anos na África, Livingstone foi convidado a fazer um
discurso perante o corpo discente da universidade. Os alunos resolveram vaiar
esse "camarada missionário'', fazendo o maior barulho possível. Certa
testemunha do acontecimento disse: "Contudo, desde o momento em que
Livingstone compareceu perante eles, magro e delgado, depois de cair trinta e
uma vezes de febre nas matas da África, e com um braço descansando numa tipóia,
depois do encontro com um leão, os alunos guardaram grande silêncio. Ouviram,
com o maior respeito, tudo que o orador relatou e amaneira como Jesus cumprira
a sua promessa: "Eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação
dos séculos".
Davi Livingstone nasceu na
Escócia. Seu pai, Neil Livingstone, contava aos filhos as proezas de seus
antepassados, por oito gerações. Um dos bisavôs de Davi, com a família, fugira
dos cruéis pactuários, para os pantanais e montes escabrosos, onde podia adorar
a Deus em espírito e em verdade. Mas mesmo esses cultos, que se realizavam entre
os espinhos e, às vezes, no gelo, eram interrompidos, de vez em quando, pela
cavalaria que chegava galopando para matar ou levar presos, tanto homens como
mulheres.
Os pais de Davi criaram seus
filhos no temor do Senhor. O lar era sempre alegre e servia como notável modelo
de todas as virtudes domésticas. Não se perdia uma hora durante os sete dias da
semana e o domingo era esperado e honrado como o dia de descanso. Com a idade
de nove anos, Davi ganhou um Novo Testamento, prêmio oferecido ao repetir de cor
o capítulo mais comprido da Bíblia, o Salmo 119.
"Entre as recordações mais
sagradas da minha infância", escreveu Livingstone, "estão as da
economia da minha mãe para que os poucos recursos fossem suficientes para todos
os membros da família. Quando completei dez anos de idade, meus pais me
colocaram em uma tecelagem para que eu ajudasse a sustentar a família. Com
parte do salário da primeira semana, comprei uma gramática de latim".
Davi iniciava o dia na tecelagem,
às seis horas da manhã e, com intervalos para o café e o almoço, trabalhava até
oito da noite. Segurava a sua gramática aberta na máquina de fiar algodão e,
enquanto trabalhava, estudava-a linha por linha. Às oito horas da noite,
dirigia-se, sem perder tempo, à escola noturna. Depois das aulas, estudava as
lições para o dia seguinte, às vezes, até a meia-noite, quando a mãe tinha de
obrigá-lo a apagar a luz e dormir.
A inscrição no túmulo dos pais de
Davi Livingstone indica as privações no lar paterno:
Para marcar o lugar onde descansa
:
Neil Livingstone, e Agnes Hunter,
sua esposa,
e para exprimir a gratidão a Deus
dos seus filhos:
João, Davi, Janet, Carlos e
Agnes, por pais pobres e piedosos.
Os
amigos insistiam em que ele mudasse as últimas palavras para "pais pobres,
mas piedosos".
Contudo, Davi recusou porque, para ele, tanto a pobreza, como a piedade eram
motivos de gratidão. Sempre considerou o fato de aprender a trabalhar longos
dias, mês após mês, ano atrás ano, na fábrica de algodão, uma das maiores
felicidades da sua vida.
Nos dias feriados, Davi gostava
de pescar e fazer longas excursões pelos campos e às margens dos rios. Esses
passeios extensos lhe serviam tanto de instrução como de recreio; saía para
verificar na própria natureza o que estudara nos livros sobre botânica e geologia.
Sem o saber, ele assim se preparava em corpo e mente para as explorações
científicas e para o que escreveria com exatidão acerca da natureza na África.
Aos vinte anos, houve grande
mudança espiritual em Davi Livingstone, que determinou o rumo de todo o resto
da sua vida. "A bênção divina inundou-lhe o ser como inundara o coração do
apóstolo Paulo ou de Agostinho, e outros do mesmo tipo, dominando os desejos
carnais... Atos de abnegação, muito difíceis de executar sob a lei férrea da
consciência, tornaram-se em serviços de vontade livre sob o brilho do amor
divino... É evidente que fora movido por uma força calma, mas tremenda, dentro
do próprio coração, até o fim da vida. O amor que começou a comovê-lo, na casa
paterna, continuou a inspirá-lo durante todas as longas e enfadonhas viagens
pela África, e o levou a ajoelhar-se, à meia-noite, no rancho em Ilala, de onde
seu espírito, enquanto ainda orava, voltou ao seu Deus e Salvador.
Davi, desde a infância, ouvia
falar de um missionário valente na China, cujo nome era Gutzlaff. Nas suas
orações, à noite, ao lado de sua mãe, orava por ele. Com a idade de dezesseis
anos, Davi começou a sentir desejo profundo de fazer conhecido o amor e a graça
de Cristo àqueles que jaziam em densas trevas, e resolveu firmemente no coração
dar, também sua vida, como médico e missionário, ao mesmo país, a China.
Ao mesmo tempo, o professor da
sua classe na Escola Dominical, Davi Hogg, o aconselhava: "Ora, moço, faça
da religião o motivo principal da sua vida cotidiana e não uma coisa
inconstante, se quer vencer as tentações e outras coisas que o querem
derribar". E Davi assentou no seu coração dirigir sua vida por essa norma.
Ao completar nove anos de
serviços na fábrica, foi promovido a um trabalho mais lucrativo. Conseguiu
completar seus estudos, recebendo o diploma de licenciado da Faculdade de
Médicos e Cirurgiões de Glasgow, sem ter recebido um tostão de auxílio de
alguém.
Se os crentes não o tivessem
aconselhado a que falasse à Sociedade Missionária de Londres acerca de enviá-lo
como missionário, ele depois declarou que teria ido por seus próprios esforços.
Durante todos os anos de estudos
para ser médico e missionário, sentia-se dirigido para ir a China. Certa vez,
numa reunião, ouviu o discurso de um homem, de barba comprida e branca, alto,
robusto e de olhos bondosos e penetrantes, chamado Roberto Moffat. Esse
missionário voltara da África, um país misterioso, cujo interior era então
desconhecido. Os mapas desse continente tinham no centro enormes espaços em
branco, sem rios e sem serras. Falando da África, Moffat disse a Davi
Livingstone: "Há uma vasta planície ao norte, onde tenho visto, nas manhãs
ensolaradas, a fumaça de milhares de aldeias, onde nenhum missionário ainda
chegou".
Comovido, ao ouvir falar em
tantas aldeias sem o Evangelho e sabendo que não podia mais ir à China por
causa de guerra que havia naquele país, Livingstone respondeu: "Irei
imediatamente para a África".
Com isso os irmãos da missão
concordaram e Davi voltou ao humilde lar em Blantire para se despedir dos pais
e irmãos. Às cinco horas da manhã, do dia 17 de novembro de 1840, a família se
levantou. Davi leu os salmos 121 e 135com eles. As seguintes palavras ficaram
gravadas no seu coração, para o fortalecerem no calor e perigos durante os
longos anos que passou depois, na África: "O sol não te molestará de dia e
nem a lua de noite... O Senhor guardará a tua entrada e a tua saída, desde
agora e para sempre". Depois de orarem, despediu-se da sua mãe e irmãs e
andou a pé, com seu pai que o acompanhou até Glasgow. Depois de se despedirem
um do outro, Davi embarcou no navio para não mais ver, aqui na terra, o rosto
nobre de Neil Livingstone.
A viagem de Glasgow ao Rio de
Janeiro e, por fim, à cidade do Cabo, na África, durou três meses. Mas Davi não
desperdiçou o tempo. O comandante se tornou seu amigo íntimo e ajudou-o a
preparar os cultos, nos quais Davi pregava aos tripulantes do navio. O novo
missionário aproveitou, também, a oportunidade a bordo para aprender a usar o sextante
e saber exatamente a posição do navio, observando a lua e as estrelas. Essa
ciência lhe foi mais tarde de incalculável valor para orientar-se nas viagens
de evangelização e exploração no imenso interior desconhecido do qual
"subia a fumaça de mil vilas sem missionário".
Da cidade do Cabo, a viagem de
190 léguas foi feita aos solavancos, num carro de boi, através de campos
incultos. A viagem durou dois meses, até chegar em Curumã, onde devia esperar o
regresso de Roberto Moffatt. Desejava estabelecer-se em um lugar cinqüenta a
sessenta léguas mais para o norte de qualquer outro em que houvesse obra
missionária.
Para aprender a língua e os
costumes do povo, nosso pioneiro passava o tempo viajando e vivendo entre os
indígenas. O seu boi de sela passava a noite amarrado, enquanto ele
assentava-se com os africanos ao redor do fogo, ouvindo as lendas dos seus
heróis. Livingstone, por sua vez, contava-lhes as preciosas e verdadeiras
histórias de Belém, da Galiléia e da Cruz. Continuou sempre os seus estudos
enquanto viajava, fazendo mapas dos rios e serras do território percorrido. Em
uma carta a um amigo escreveu que descobrira trinta e duas qualidades de raízes
comestíveis e quarenta e três espécies de fruteiras que davam no deserto sem
serem cultivadas. De um ponto que alcançou, faltavam-lhe apenas dez dias de
viagem para chegar ao grande lago Ngami, que descobriu sete anos depois.
De Curumã, o missionário,
licenciado da Faculdade de Médicos e Cirurgiões de Glasgow, escreveu a seu pai:
"Tenho uma clientela grande. Há pacientes aqui que andaram mais de
sessenta léguas para receberem tratamento médico. Esses, ao regressarem,
enviarão outros para o mesmo fim".
Estabeleceu a sua primeira missão
no lindo vale de Mabotsa, na terra de Bacarla. Em uma carta, escrita de Curumã,
Livingstone assim descreveu o local que escolhera para centro de evangelização:
"Está situado em um anfiteatro de serras que se intitula 'Mabotsa', isto
é, 'Ceia de Bodas'. Que Deus nos ilumine com a sua presença, para que, por intermédio
de servos tão fracos, muito povo ache entrada para a Ceia das Bodas do
Cordeiro!"
Foi em Mabotsa que teve o
histórico encontro com um leão. Acerca disso escreveu Davi: "Ele saltou e
me alcançou o ombro; ambos fomos ao chão. Rosnando horrivelmente perto do meu
ouvido, sacudiu-me como um cão faz a um gato. Os abalos que me deu o animal produziram-me
um entorpecimento igual ao que deve sentir um rato, depois da primeira
sacudidela que lhe dá o gato. Atacou-me uma espécie de adormecimento, em que
não senti dor nem sensação de temor".
Contudo, antes de a fera ter
tempo de o matar, deixou-o para atacar outro homem que, de lança na mão,
entrara na luta. O ombro dilacerado de Livingstone nunca sarou completamente:
ele nunca mais pôde apontar um rifle ou levar a mão à cabeça sem sentir dores.
Foi na casa de Roberto Moffatt,
em Curumã, que chegou a conhecer Maria, a filha mais velha desse missionário.
Depois de abrir a missão em Mabotsa os dois se casaram. Seis filhos foram o
fruto desse enlace.
Depois de Livingstone se casar, a
Escola Dominical em Mabotsa transformou-se em escola diária, tendo sua esposa
como professora. Schele, o chefe da tribo, tornou-se grande estudante da
Bíblia, mas queria "converter" todo o seu povo à força de
"litupa", isto é, chicote de couro de rinoceronte. Schele iniciou
culto doméstico em casa e o próprio Livingstone se admirou da sua maneira,
simples e nata, de orar. Era o costume de Livingstone começar o dia com culto
doméstico e não é de admirar que o chefe o adotasse também.
Livingstone foi obrigado a
mudar-se para Chonuane, dez léguas distante e, mais tarde, por falta de água,
ele e todo o povo mudaram-se para Colobeng. Foi nesse último lugar que o chefe
da tribo construiu uma casa para os cultos e Livingstone construiu com grande
sacrifício de dinheiro e labor, a sua terceira casa de residência. Nessa casa
morou cinco anos para nunca mais conseguir fixar residência em qualquer lugar
na terra.
Acerca do trabalho nesse lugar,
assim se expressou: "Aqui temos um campo muitíssimo difícil de cultivar...
Se não confiássemos que o Espírito Santo opera em nós, desistiríamos em
desespero".
Através do deserto de Calari,
chegavam boatos de um grande lago
e de um lugar chamado ''Fumaça
Barulhenta", o que ele julgava ser uma grande cachoeira. As secas o
oprimiam tanto em Colobeng que Livingstone resolveu fazer uma viagem de
exploração e achar um lugar mais ideal para estabelecer a sua missão. Assim, em
1º de junho de 1849, com o chefe da tribo, seus "guerreiros", três
brancos e sua família, saíram para atravessar o grande deserto de Calari. O
guia do grupo, Romotobi, conhecia o segredo de subsistir no deserto, cavando
com as mãos e chupando a água debaixo da areia por meio dum canudo.
Depois de viajarem muitos dias,
chegaram ao rio Zouga. Ao inquirir os indígenas, estes o informaram de que o
rio tinha nascente em uma terra de rios e florestas. Livingstone ficou convicto
de que o interior da África não era um grande deserto como o mundo de então
supunha, e o seu coração ardia com o desejo de achar uma via fluvial, para
outros missionários irem para o interior do continente, com a mensagem de
Cristo.
"A perspectiva",
escreveu ele, "de achar um rio que dê entrada a uma vasta, populosa e
desconhecida região, aumentou constantemente desde então; aumentou tanto que,
quando, por fim chegamos ao grande lago, esse importante descobrimento, em si
mesmo, parecia de pouca monta".
Foi em 1º de agosto de 1849 que o
grupo atingiu o lago Ngami, tão grande é esse lago que, de uma margem, não se
avista a margem oposta. Sofreram longos dias de cruciante sede sem obter uma
gota dágua, mas venceram todas as dificuldades e descobriram esse lago enquanto
outros exploradores mais bem equipados, mas menos persistentes, falharam.
As notícias do descobrimento
foram comunicadas à Royal Geographical Society, o que lhe votou uma bela
recompensa de vinte e cinco guinéus, "por ter descoberto uma importante
terra, um importante rio e um grande lago".
O grupo teve de voltar a
Colobeng. Depois de alguns meses, porém, iniciou novamente viagem para o lago
Ngami. Não queria separar-se da sua família e levou-a em um carro de boi. Mas,
ao alcançar o rio Zouga, os filhos foram atacados pela febre e ele teve de
voltar com a família. Nasceu-lhe uma filha, que morreu logo de febre.
Livingstone, contudo, ficou mais firme do que nunca, na sua resolução de achar
um caminho para levar o Evangelho ao interior da África.
Depois de descansar alguns meses
com a família, na casa de seu sogro, em Curumã, saíram com o propósito de achar
um lugar saudável onde pudesse estabelecer uma missão mais para o interior. Foi
nessa viagem, em junho de 1851, que descobriu o maior rio da África Oriental, o
Zambeze, rio do qual o mundo de então nunca ouvira falar.
No seguinte trecho que
Livingstone escreveu, descobre-se algo do que tinham de sofrer nessas viagens:
"Um dos assistentes desperdiçou a água que levávamos no carro e, à tarde,
tínhamos apenas um restinho para as crianças. Passamos a noite angustiados e na
manhã seguinte, quanto menos havia de água, tanto mais aumentava a sede das
crianças. O pensamento de elas perecerem diante de nossos olhos, nos
perturbava. Na tarde do quinto dia, sentimos grande alívio, quando um dos
homens voltou trazendo tanto desse líquido como jamais antes havíamos
pensado."
Livingstone, convicto de que era
a vontade de Deus que saísse para estabelecer outro centro de evangelização, e com
indômita fé de que o Senhor supriria todo o necessário para cumprir a sua
vontade, avançava sem vacilar.
Depois de descobrir o rio
Zambeze, Livingstone veio a saber que os lugares saudáveis eram sujeitos a
serem saqueados em qualquer tempo por outras tribos. Só nos lugares infestados
de doença e febre é que se achavam tribos específicas.
Resolveu, portanto, enviar a
esposa para descansar na Inglaterra enquanto ele continuava as suas explorações
a fim de estabelecer um centro para a obra de evangelização. Via-se forçado a
estabelecer tal centro, porque os boêres holandeses invadiam o território,
roubando as terras e o gado dos indígenas, pondo em prática um regime da mais
vil escravatura. Livingstone enviou crentes fiéis para evangelizar os povos em
redor, mas os boêres acabaram com essa obra, matando muitos dos indígenas e
destruindo todos os bens que o missionário possuía em Colobeng.
Livingstone levou sua família
para a cidade do Cabo, de onde seus queridos embarcaram em um navio para a
Inglaterra.
Foi nesse tempo, quando Deus
suprira todo o necessário para a família voltar à Inglaterra, que disse:
"Oh! Amor divino, eu não te amo com a força, a profundidade e o ardor que
convém!"
A separação da família causou-lhe
profunda mágoa, mas dirigiu o rosto heroicamente de novo para socorrer as
infelizes tribos do interior da África.
Havia três motivos que o
aconselhavam a fazer uma viagem de exploração: Primeiro, queria achar um lugar
para residir com a família entre os "barotses" e evangelizá-los.
Segundo, a comunicação entre o território dos "barotses" e a cidade
do Cabo era muito demorada e difícil e queria descobrir um caminho para um
porto mais próximo. Terceiro, queria fazer todo o possível para influenciar as
autoridades contra o horrendo tráfico de escravos.
Foi nessa época da sua vida que
Livingstone, por suas proezas, tornou-se conhecido no mundo inteiro.
No seu ardor, desejando que Deus
lhe poupasse a vida e o usasse em abrir o continente para a entrada do Evangelho,
orou assim: "Ó Jesus, rogo que me enchas agora com oteu amor e me aceites
e me uses um pouco para a tua glória. Até agora não fiz nada para ti, mas quero
fazer algo. Oh! eu te imploro que me aceites e me uses e que seja tua toda a
glória". Escreveu mais ainda: "Não valeria coisa alguma o que possuo
ou o que possuirei, a não ser em relação ao reino de Cristo. Se alguma coisa
que tenho pode servir para o seu reino, dar-lhe-ei a Ele, a quem devo tudo
neste inundo e durante a eternidade".
Livingstone atravessou, ida e
volta, o continente africano, desde a foz do Zambeze a São Paulo de Luanda,
façanha essa realizada pela primeira vez por um branco. Nas suas memórias que
escrevia diariamente, nota-se como admirava as lindas paisagens de um continente
que o mundo julgava ser um vasto deserto.
Chegou a Luanda, magro e doente.
Apesar da insistência do cônsul britânico para que regressasse à Inglaterra, a
fim de recuperar a saúde abalada, ele voltou novamente, por outro caminho, para
levar seus fiéis companheiros até em casa, conforme lhes prometera antes de
iniciarem a viagem.
Nessa viagem, Livingstone
descobriu as magníficas cataratas de Vitória, nome que ele deu às grandes
quedas em honra da rainha da Inglaterra. Nesse lugar, o rio Zambeze tem a
largura de mais de um quilômetro; ali as águas desse grande rio se precipitam
espetacularmente de uma altura de cem metros.
Levingstone continuou a pregar o
Evangelho constantemente, às vezes ha auditórios de mais de mil indígenas.
Antes de tudo, esforçava-se para ganhar a estima das tribos hostis, por onde
passava, por sua conduta cristã, em grande contraste com a dos mercadores de
escravos.
Sozinho, com os seus fiéis
macololos, caiu trinta e uma vezes de febre nos matagais, durante um período de
sete meses. Mas não era tanto o sofrimento físico. Suas cartas revelam a sua
angústia de espírito ao ver os horrores do povo africano massacrado e
arrebatado dos seus lares, conduzido como gado para ser vendido no mercado. De
um lugar alto onde subiu, contou dezessete aldeias em chamas, incendiadas por
esses nefandos mercadores de seres humanos. Prometera à sua esposa reunir-se
com a família depois de dois anos, mas passaram-se quatro anos e meio antes que
ela recebesse qualquer notícia dele!
Por fim, após uma ausência de
dezessete anos da pátria, regressou à Inglaterra. Voltou à civilização e à sua
família como quem volta da morte. Antes de desembarcar, soube que seu querido
pai falecera. Em toda a história de Livingstone, não se conta um acontecimento
mais comovente do que o seu encontro com a esposa e filhos. Na Inglaterra, foi
aclamado e honrado como heroico descobridor e grande benfeitor da humanidade.
Os diários publicavam os seus atos de bravura. As multidões afluíam para
ouvi-lo contar a sua história. "O doutor Livingstone era muito humilde...
Temia passear nas ruas, receando ser atropelado pelas massas. Certo dia, na
Regent Street, em Londres, foi apertado por tão grande multidão, que só com
grande dificuldade conseguiu refugiar-se num táxi. Pela mesma razão evitava ir
aos cultos. Certa vez, desejoso de assistir ao culto, meu pai persuadiu-o a
ocupar um assento debaixo da galeria, em um lugar não visível ao auditório. Mas
foi descoberto e o povo passou por cima dos bancos para cercá-lo e apertar-lhe
a mão".
Uma das muitas coisas que levou a
efeito, enquanto na Inglaterra, foi a de escrever seu livro: Viagens Missionárias, obra que alcançou enorme
circulação e produziu mais interesse na questão africana do que qualquer
movimento anterior.
Em março de 1858, com a idade de
46 anos, Livingstone, acompanhado de sua esposa e filho mais novo, Osvaldo,
embarcou novamente para a África. Deixando os dois na casa do sogro, o
missionário Moffatt, Livingstone continuou as suas viagens. No ano seguinte,
descobriu o lago Niassa. Recebeu, também, uma carta da esposa, da casa de seus
pais em Curumã, informando-o do nascimento de mais uma filha. A menina já
estava há quase um ano no mundo quando o pai soube do seu nascimento.
As explorações dos rios Zambeze,
Tete e Shire e do lago Niassa, foram feitas com o propósito de saber quais os
pontos mais estratégicos para a evangelização, e missionários foram enviados da
Inglaterra para ocuparem esses lugares.Em 1862 a esposa reuniu-se a ele
novamente, e acompanhava-o nas viagens, mas três meses depois faleceu, vítima
da febre e foi enterrada em uma encosta verdejante na margem do rio Zambeze. Np
seu diário, Livingstone assim escreveu: "Chorei-a porque merece as minhas
lágrimas. Amei-a ao nos casarmos, e quanto mais tempo vivíamos juntos, tanto
mais a amava. Que Deus tenha piedade dos filhos..."
Um dos maiores obstáculos que
Livingstone enfrentou na obra missionária foi o terror dos indígenas ao verem
um rosto de homem branco. Aldeias inteiras em ruínas; fugitivos escondendo-se
nos campos de alto capim, sem nada terem para comer; centenas de esqueletos e
cadáveres insepultos; comboios de homens e mulheres algemados aos troncos,
seguros pelo pescoço, eram conduzidos aos portos - É difícil concebermos a
magnitude da desolação criada por homens cruéis que participavam do tráfico de
escravos.
Esses homens tentavam, também,
com ódio cruel e arte diabólica, terminar com a obra de Livingstone. Finalmente
conseguiram, por meio da política do seu país, induzir a Inglaterra a chamá-lo
de volta à sua terra. Foi assim que Livingstone chegou de novo à sua pátria
depois de uma ausência de cerca de oito anos.
Os crentes e amigos na
Inglaterra, animados pela visão de Livingstone, começaram a orar e enviar-lhe
dinheiro para continuar sua obra no continente negro. O nosso herói desembarcou
pela terceira e última vez na África, em Zanzibar.
Na expedição que iniciou em
Zanzibar, descobriu os lagos Tanganyka (1867), Moero (1867) e Bangueolo (1868).
Passou cinco longos anos explorando as bacias desses lagos. A oração e a
Palavra de Deus foram o seu sustento espiritual durante esses anos de
provações, que sofria por parte dos negociantes de escravos.
Resolveu, então, fazer o possível
para descobrir as nascentes do rio Nilo e solver um problema que durante
milhares de anos havia zombado dos geógrafos. Sabia que se descobrisse as
nascentes do famoso Nilo, o mundo todo lhe daria ouvidos acerca da chaga aberta
da África, com o comércio de escravos. É interessante conhecer o que ele
escreveu: "O mundo acha que busco fama, porém eu tenho uma regra, isto é,
não leio coisa alguma sobre os elogios que me fazem". Ele sabia que, ao
findar a escravatura, o continente se abriria para deixar entrar o Evangelho.
Durante os longos intervalos
entre os períodos em que suas cartas eram recebidas na Inglaterra, vindas do
coração da África, circularam boatos de que Livingstone morrera. Não só os
homens que traficavam com escravos queriam matá-lo, mas também muitos dos próprios
indígenas, por não acreditarem existir um homem branco que fosse amigo de
coração. Ele mesmo contou muitos fatos relacionados com as ciladas na terra do
Maniuema para o matarem. Nesse lugar, ele escreveu no seu diário: "Li toda
a Bíblia quatro vezes, enquanto estive em Maniuema". Na solidão achou
grande conforto nas Escrituras.
Reconhecia sempre a possibilidade
de perecer nas mãos dos inimigos, mas sempre respondia à insistência dos amigos
com esta pergunta: - "Não pode o amor de Cristo constranger o missionário
a ir onde a traficância leva o mercador de escravos?"
Pela primeira vez, nos milhares
de léguas que caminhou, os pés do pioneiro falharam. Obrigado a ficar algum
tempo em uma cabana, todos os seus companheiros o abandonaram, à exceção de três
que ficaram com ele.
Por fim, chegou a Ujiji, reduzido
a pele e ossos, por causa da grave doença que sofrera em Maniuema. Não tinha
recebido cartas havia dois anos e esperava receber também as provisões que
enviara para lá. Contudo, as cartas não haviam chegado. Com o corpo
enfraquecido, e destituído de roupas e alimentos, veio a saber que lhe tinham
roubado tudo. Nessa situação, ele escreveu: "Na minha pobreza senti-me
como o homem que, descendo de Jerusalém a Jericó, caiu nas mãos de ladrões. Não
tinha esperança de que sacerdotes, levitas ou o bom samaritano viesse em meu
socorro. Entretanto, quando minha alma se achava mais abatida, o bom samaritano
já estava bem perto de mim!"
O "bom samaritano" era
Henrique Stanley, enviado pelo New York Herald, à insistência de muitos
milhares de leitores desse jornal, para saber ao certo se Livingstone ainda
vivia, ou, no caso de ter morrido, para razer seu corpo.
Stanley passou o inverno com
Livingstone. Mas este se recusou a ceder à insistência daquele de voltar à
Inglaterra. Livingstone podia voltar e descansar entre amigos, com todo o
conforto, mas preferiu ficar e realizar seu anelo de abrir o continente
africano ao Evangelho.
A sua última viagem foi feita
para explorar o Luapula, a fim de verificar se esse rio era a nascente do Nilo
ou do Congo. Nessa região chovia incessantemente. Livingstone sofria dores
atrozes; dia após dia tornava-se-lhe mais e mais difícil caminhar. Foi então
carregado, pela primeira vez, pelos fiéis companheiros: Susi, Chuman e Jacó Wainwright,
todos indígenas.
No seu diário, as últimas notas
que escreveu dizem: "Cansadíssimo, fico... Recuperada a saúde... Estamos
nas margens do Mililamo".
Chegaram à aldeia de Chitambo, em
Ilala onde Susi fez uma cabana para ele. Nessa cabana, a 1º de maio de 1873,
fiel Susi achou seu bondoso mestre de joelhos, ao lado da cama - morto. Orou
enquanto viveu e partiu deste mundo orando!
Os dois fiéis companheiros, Susi
e Chuman, enterraram o coração de Livingstone abaixo de uma árvore em Chitambo,
secaram e embalsamaram o corpo, e o levaram até a costa - viagem que durou
alguns meses, pelo território de várias tribos hostis. O sacrifício desses
valentes filhos da África, sem terem qualquer propósito de remuneração, não
será esquecido por Deus, nem pelo mundo.
O corpo, depois de chegar em
Zanzibar, foi transportado para a Inglaterra, onde foi sepultado na Abadia de
Westminster, entre os monumentos dos reis e heróis daquela nação. Não havia
dúvida quanto ao corpo de Livingstone; era fácil de identificar: o osso de cima
do braço esquerdo tinha distintamente as marcas dos dentes do leão que o
atacara.
Entre os que assistiram ao
enterro, estavam seus filhos e o velho missionário Roberto Moffatt, pai da sua
querida esposa. A multidão consistia de povo humilde, que o amava e dos
grandes, que o honravam e respeitavam.Conta-se que havia, entre as multidões
que permaneciam nas calçadas das ruas de Londres no dia em que o cortejo, com o
corpo de Davi Livingstone, passava, um velho chorando amargamente. Ao lhe perguntarem
por que chorava, respondeu: - "É porque Davizinho e eu nascemos na mesma
aldeia, cursamos o mesmo colégio e assistimos a mesma Escola Dominical,
trabalhávamos na mesma máquina de fiar. Mas Davizinho foi por aquele caminho, eu por este.
Agora
ele é honrado pela nação, enquanto eu sou desprezado, desconhecido e desonrado.
O único futuro para mim é o enterro de beberrão".
Não é somente o ambiente, mas a
escolha na mocidade é que determina o destino, não só aqui no mundo, mas para
toda a eternidade.
Quando Livingstone falou aos
alunos da Universidade de Cambridge, em 1857, disse: "Por minha parte,
nunca cesso de me regozijar por Deus ter-me apontado para tal ofício. O povo
fala do sacrifício de eu passar tão grande parte da vida na África. - Será sacrifício
pagar uma pequena parte da dívida, dessa dívida que nunca poderemos liquidar,
do que devemos ao nosso Deus? É sacrifício aquilo que traz a bendita recompensa
de saúde, o conhecimento de praticar o bem, a paz de espírito e a viva
esperança de um glorioso destino? Longe esteja tal idéia! Digo com ênfase: Não
é sacrifício... Nunca fiz sacrifício. Não devemos falar dos nossos sacrifícios,
ao nos lembrarmos do grande sacrifício que fez Aquele que desceu do trono de
seu Pai, nas alturas, para se entregar por nós".
Se Livingstone não tivesse
adoecido, teria descoberto as nascentes do Nilo. Durante os trinta anos que
passou na África, nunca se esqueceu do seu alvo principal que era levar Cristo
aos povos desse escuro continente. Todas as viagens que realizou foram viagens
missionárias.
Gravadas no seu túmulo podem ser
lidas estas palavras: "O coração de Livingstone jaz na África, seu corpo
descansa na Inglaterra, mas sua influência continua".
Gravados para sempre na história
da Igreja de Cristo estão os grandes êxitos na África durante um período demais
de 75 anos depois de sua morte, êxitos inspirados, em grande parte, pelas
orações e persistência desse eminente servo de Deus, que foi fiel até a morte.
Orlando S. Boyer.
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