O enfoque do
presente capítulo é a unicidade do Deus Pai Todo-poderoso e Criador do
universo. A declaração de fé dos ateus é “Deus não existe”, o oposto da
confissão cristã. A Bíblia não é uma apologia à existência de Deus; não há nela
a preocupação em comprovar que Deus existe. A existência de Deus é um fato consumado,
uma verdade primária que não necessita ser provada, pois Ele transcende à
existência. O conhecimento humano sobre a existência do Criador está na própria
intuição e razão no interior das pessoas (Rm 1.20, 21; 2.14, 15). A Bíblia é a
única fonte confiável e confirma a experiência humana.
A PRIMEIRA DECLARAÇÃO DOS CREDOS
Os principais credos ecumênicos
apresentam características especiais existentes em Deus. O Credo dos Apóstolos
declara:
“Creio em Deus
Pai Todo-poderoso, Criador do céu e da terra”; da mesma forma o Credo Niceno
afirma: “Cremos em um só Deus, Pai Onipotente, Criador de todas as coisas
visíveis e invisíveis”; e o Credo Niceno-Constantinopolitano reafirma a fórmula
nicena:
“Cremos em um só
Deus, o Pai Todo-poderoso, Criador do céu e da terra, de todas as coisas,
visíveis e invisíveis”. Alguns dos antigos credos locais dos primeiros cinco
séculos da história da Igreja serviram como a base dessas formulações
ecumênicas.
Todas essas
declarações a respeito de Deus afirmam que Ele é um, exceto o Credo dos
Apóstolos, que é Pai Onipotente ou Todo-Poderoso e Criador de todas as coisas.
Trata-se da revelação bíblica posta de maneira sistemática. Há nas Escrituras
provas abundantes que fundamentam essas declarações dos credos.
Muitos outros
credos regionais dos cinco primeiros séculos dizem a mesma coisa, empregando,
às vezes, fraseologia similar. São informações importantes, pois falam que o
nosso Deus é único, que é Pai, que é o Todo-poderoso e Criador de tudo o que há
no Universo. Tais declarações nada mais são do que interpretações precisas das
Escrituras que serviram para proteger a fé cristã do politeísmo e da idolatria
dos gentios e os cristãos das heresias.
Isso se reveste
de uma importância especial na época, quando os gnósticos ganhavam espaço no
seio da Igreja.
O gnosticismo atingiu o apogeu entre
130 e 170 d.C., mas o movimento já existia antes. O termo “gnosticismo” vem do
grego gnōsis, que
significa “conhecimento”. Trata-se, grosso modo, de um enxerto das filosofias
pagãs nas doutrinas vitais do cristianismo. Sua marca registrada era o
sincretismo. Suas ideias sobre a identidade de Jesus eram estranhas ao Novo
Testamento e as ideais sobre Deus eram ainda mais exóticas. A escola
gnóstica de
Valentino (aproximadamente 130-170 d.C.) ensinava a existência de inúmeros
seres eternos que viviam em perfeita harmonia, sendo o Pai do Universo um
deles. Nesse modelo gnóstico, um dos seres eternos, Sofia, “sabedoria” em
grego, teria destruído essa harmonia ao criar mundos para si, na tentativa de imitar
o pai do Universo, e o resultado foi sua expulsão do reino divino. Essa
tentativa resultou no demiurgo, do grego demiurgos, “artesão”, um deus criador
inferior que aparece no diálogo de Platão intitulado Timeu. Para os gnósticos,
o demiurgo criou o mundo físico. Outra linha de pensamento gnóstica era de Marcião,
falecido em 165 d.C. Ele ensinava que o Deus do Antigo Testamento era inferior
e até mesmo defeituoso; e dizia ainda que não era esse o mesmo Deus do Novo
Testamento. Na sua mensagem, pregava que Jesus revelou um Deus até então
desconhecido, por
isso todos os cristãos deviam rejeitar tanto o Antigo Testamento quanto o seu
Deus. Assim, a declaração “Creio em Deus Pai Todo-poderoso Criador do céu e da
terra” é um ato de adoração a Deus a quem damos crédito. A ideia aqui diz respeito
“àquele que governa tudo, que controla tudo”, para enfatizar o poder e a
soberania de Deus em governar todo o universo. Isso neutralizava o pensamento
marcionita que ensinava
ser o universo
criado e governado por demiurgos, e não pelo grande Deus Javé de Israel,
revelado no Antigo Testamento. Paul Tillich, teólogo luterano e filósofo, diz o
seguinte sobre as palavras iniciais do Credo dos Apóstolos, o que, sem dúvida,
vale também para os outros: “Deveríamos pronunciar essas palavras com grande
reverência, porque, por meio dessa confissão, o cristianismo se separou da
interpretação dualista da realidade presente no paganismo... O primeiro artigo
do Credo é a grande muralha que o cristianismo ergueu contra o paganismo. Sem
essa separação a cristologia seria mais do que um dos poderes cósmicos entre
outros, embora, talvez, o maior deles” (TILLICH, 2004, p. 41).
O DEUS DAS ESCRITURAS
O Deus da Bíblia
é o mesmo Deus dos credos. A diferença está apenas na forma de apresentação,
não na essência divina. A Bíblia é a Palavra de Deus para todos os seres
humanos; o credo é a resposta do homem a Deus. Assim, os credos em sua forma embrionária
estão presentes na Bíblia: “Ouve, Israel, o SENHOR nosso Deus é único SENHOR” (Dt
6.4). Deus é um em essência ou natureza, subsistindo por Si mesmo; só o SENHOR
é Deus: “Eu
sou o SENHOR, e
não há outro; fora de mim não há deus...” (Is 45.5). Nosso Senhor Jesus Cristo
ensinou o monoteísmo como parte do primeiro de todos os mandamentos: “... Ouve,
Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor” (Mc 12.29); “... com verdade
disseste que há um só Deus, e que não há outro além dele” (Mc 12.32); “E a vida
eterna é esta: que conheçam a ti só por único Deus verdadeiro...” (Jo 17.3).
O apóstolo Paulo declara: “Todavia
para nós há um só Deus” (1 Co 8.6); “Ora o medianeiro não é de um só, mas Deus
é um” (Gl 3.20); “Um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos
e em todos” (Ef 4.6). “Porque há um só Deus” (1 Tm 2.5).
Foi o Senhor Jesus
quem revelou Deus aos seres humanos por meio da Bíblia: Mt 11.27; Jo 1.18).
O Deus que Jesus revelou é o Deus de
Israel e isso ele deixou claro ao pronunciar o primeiro e grande mandamento: “E
Jesus respondeu-lhe: O primeiro de todos os mandamentos é: “Ouve, Israel, o
Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás, pois, ao Senhor, teu Deus, de
todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de
todas as tuas forças; este é o primeiro mandamento” (Mc 12.29, 30). Essa é uma
das várias declarações do Novo Testamento que ensina ser o cristianismo monoteísta.
A declaração aqui é reveladora porque não deixa dúvida de que o Deus dos
cristãos é o mesmo Deus de Israel, pois Jesus citou as palavras diretamente do
Antigo Testamento (Dt 6.4-6).
A PATERNIDADE E A ONIPOTÊNCIA DE DEUS
Assim como os antigos credos
sintetizam o ensino bíblico sobre a unidade de Deus e o monoteísmo, da mesma
forma eles o fazem sobre a paternidade de Deus. Há abundantes declarações na
Escrituras sobre a paternidade de Deus.
A figura do pai numa família é
conhecida e compreensível em todas as civilizações desde a Antiguidade.
Aplicada a Deus, tornase um recurso extraordinário. Em primeiro lugar, porque
mostra a doutrina de Deus não é abstrata (Dt 1.31; Ml 1.6). E não somente isso,
pois são os pais que geram os filhos e são responsáveis por seu bem-estar,
sustento, alimentação, vestimentas, saúde, educação e segurança. Essa
manifestação de afeto e carinho
acontece de
maneira natural e ao mesmo tempo misteriosa. É a melhor e a mais perfeita
maneira de ilustrar e explicar o grande amor de Deus pelo ser humano.
A quem se refere à expressão “Deus
Pai Todo-poderoso” ou fraseologia similar nos antigos credos? Os antigos
intérpretes e exegetas tomaram essas palavras desde muito cedo em relação especial
à santíssima Trindade: “o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Pe 1.3);
“porque a este o Pai, Deus, o selou” (Jo 6.27). Mas Deus como Pai na Bíblia tem
significado mais abrangente. O título “Pai” no Antigo Testamento se refere aos
filhos de Israel,
denota relação mediante aliança, concerto (Jr 31.9; Ml 2.10), de maneira
coletiva, a Israel no todo (Êx 4.22; Os 11.1), às pessoas como seus filhos (Is
1.2; 30.1; 45.11; Jr 3.22) e ao Ungido Rei, o Messias (2 Sm 7.14; Sl 2.7;
89.27). No Novo Testamento, é frequente a frase “o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo” (Rm 15.6; 2 Co 1.3; 11.31; Ef 1.3) e fraseologia similar (Cl 1.3), e
também “nosso Deus e Pai” ou “Pai nosso” (1 Co 8.6; 1 Ts 3.11, 13; 2 Ts 2.16),
principalmente nas introduções das epístolas paulinas (1 Co 1.3; Gl 1.4; Ef
1.2; Fp 1.2; Cl 1.2).
Jesus nos tornou filhos de Deus por
adoção, razão pela qual temos a liberdade e o direito de chamá-lo de Pai (Mt
6.13; Jo 1.12). A palavra aramaica abba, “aba”, ou, literalmente, “papai”, demonstra
uma relação de intimidade dos crentes em Jesus com Deus (Rm 8.15; Gl 4.6). A
ideia de que Deus é o Pai de todos os seres humanos é biblicamente válida por
causa da criação (At 17.28, 29; Ef 4.6), mas isso não implica relação pessoal
ou
espiritual. No
evangelho de João, o termo grego patēr, “pai”, aparece 136 vezes, e 120 delas
se referem a Deus. Nos evangelhos sinópticos, essa referência a Deus é bem
menor, mas permanece a mesma ideia.
O título de “Pai” se diferencia dos
demais títulos e funções de Deus porque nunca se aplica a Jesus nem ao Espírito
Santo. Há uma vasta lista de atributos, títulos, funções e obras de Deus Pai presentes
no Filho e no Espírito Santo, mas o título de Pai é exclusivo ao Deus Pai.
Alguém pode argumentar sobre a profecia messiânica que emprega as palavras “Pai
da Eternidade” (Is 9.6).
O bispo Sabélio
costumava citar palavra profética para fundamentar a crença unicista de que Pai
é Filho e Filho é Pai. Mas o que a Bíblia ensina aqui é que o Messias, como
rei, “o principado está sobre os seus ombros”, é pai do seu povo (Is 22.21), e
não o Deus-Pai. O Filho é Deus igual ao Pai (Jo 5.17, 18; 10.30), mas não é o
Pai, senão “o Filho do Pai” (2 Jo 3).
Ser todo-poderoso é o mesmo que ser
onipotente (Sl 91.1). Esse atributo é exclusividade divina, no Deus trino e
uno. Os credos começam reconhecendo esse atributo no Deus Pai: “Creio em Deus
Pai Todo-poderoso”. A expressão “Todo-poderoso” é um dos nomes de Deus no
Antigo Testamento (Gn 17.1; Êx 6.3), e a ideia nos antigos credos é de poder
fazer todas as coisas, tudo o que deseja (Is 46.10). A onipotência ad extra
está limitada somente pela natureza ou essência do próprio Deus e por nada externo
a ele; por exemplo, “Deus não pode mentir” (Tt 1.2). Isso não deve ser
interpretado como limite de seu poder; antes, trata-se da sua essência, pois
ele mesmo é a Verdade. Os cristãos reconhecem que Deus pode todas as coisas:
“Porque para Deus nada é impossível” (Lc 1.37).
BÍBLIA X CIÊNCIA
Não é verdade que a ciência contradiz
a Bíblia e vice-versa. É necessário saber o que realmente é ciência e se os
pressupostos científicos são realmente científicos. Se o resultado dessa investigação
for positivo, resta ainda saber se o pensamento teológico é realmente bíblico
ou se não está fundamentado numa falsa interpretação das Escrituras. Um exemplo
clássico disso são as descobertas científicas de Galileu Galilei, que
contrariavam a interpretação da Igreja Católica, e não a Bíblia, pois o papa
achava que apenas o Sol e a Lua se moviam, e não a terra, com base na
interpretação
dada à passagem do dia longo de Josué (Js 10.12- 14).
Os cientistas já investigaram
diversas áreas do saber humano: astronomia e cosmologia, biologia e genética,
paleontologia e geologia, métodos de datação geofísica e hidrodinâmica. Por que
um número considerável deles rejeita completamente o evolucionismo? Muitas
coisas no currículo escolar na área de ciências naturais precisam ser revistas,
segundo um número considerável de cientistas.
Toda a criação louva a Deus – seres
espirituais, racionais e irracionais e toda a natureza (Sl 148.2-12). Os ateus
não adoram nem louvam a Deus; acham que não precisam dele e não participam da
adoração a Deus. A existência de Deus é um fato;
trata-se de uma
verdade primária que não precisa ser provada. Seria insulto à inteligência
humana dizer a alguém que um relógio simplesmente apareceu do nada, como
resultado do acaso. O Salmo 19 mostra que o Universo, por si só, comprova a
existência de Deus (Sl 19.1-6). As coisas visíveis de Deus são claramente vistas
como recursos que Deus deixou para que o ser humano reconheça a existência do
Criador: “para que eles fiquem
inescusáveis” (Rm
1.20). Será que eles pensam que, negando a existência do Criador, escaparão da
condenação eterna? Se for isso, estão enganados. A única salvação é o Senhor
Jesus Cristo (Jo 14.6; At 16.31).
Fonte
: livro A razão de nossa fé: assim cremos,
assim vivemos / Esequias Soares.
Casa Publicadora das Assembleias de
Deus.
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