O tema sobre a verdadeira identidade
de Jesus de Nazaré é algo palpitante e ao mesmo tempo oportuno. São milhões de
seres humanos que ainda não conhecem o verdadeiro Jesus dos evangelhos. Muitas
pesquisas criteriosas foram realizadas sobre a vida e a obra de Jesus ao longo
dos séculos; no entanto, Ele continua sendo a personagem mais controvertida e
mais importante da História. Jesus é tema de filmes, músicas, livros, poesias,
pinturas e teatros como ninguém. Sua história está traduzida em 2.935 línguas.
Ele revelou seu poder sobre o reino das trevas, sobre Satanás e sobre o inferno
(Mc 5.7-13);
sobre as
enfermidades e sobre a morte (Mt 10.8); sobre o pecado e sobre a natureza (Jo
8.46; Mt 8.26, 27). Seus discípulos chegaram a perguntar: “Que homem é este?”
(Mt 8.27). O próprio Jesus perguntou certa vez: “Quem dizem os homens ser o
Filho do homem?” (Mt 16.13). A resposta certa depende da revelação divina
“porque não foi carne e sangue quem to revelou, mas meu Pai, que está no céu”
(Mt 16.17); “E ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor, senão pelo Espírito
Santo Santo” (1 Co 12.3).
Desde os
primeiros séculos do cristianismo, houve tentativa de resposta para essa
pergunta, mas, sem a revelação divina, ninguém é capaz de acertar. Os grandes
heresiarcas do passado fracassaram como os gnósticos: Simão de Samaria,
Saturnino, Basisides, Cerinto, Marcião e Valentino, entre outros; os
monarquianistas: dinâmicos como Teódoto de Bizâncio, “o Curtido”, e Paulo de
Samosata; modalistas, Noeto, Práxeas e Sabélio; Ário, Apolinário, os
monofisitas Eutique e Jacó Baradeus.
Os discípulos
deles ainda estão por aí. O Espírito Santo já havia falado de antemão por meio
do ministério do apóstolo Paulo a respeito dos pregadores de um Jesus estranho
aos evangelhos (2 Co 11.4).
O JESUS DAS ESCRITURAS
A sua divindade A Bíblia afirma
textualmente e com todas as letras que Jesus é o verdadeiro Deus, o mesmo Deus
Javé de Israel:
O Filho é chamado
“Deus Forte” (Is 9.6); Javé, “Justiça Nossa” ou “O SENHOR, Justiça Nossa” (Jr
23.6); “e o Verbo era Deus” (Jo 1.1); “Tomé respondeu, e disse-lhe: Senhor meu,
e Deus meu!” (Jo 20.28); “e dos quais é Cristo, segundo a carne, o qual é sobre
todos, Deus bendito eternamente. Amém” (Rm 9.5); “Que, sendo em forma de Deus,
não teve por usurpação ser igual a Deus” (Fp 2.6); “enriquecidos da plenitude
da inteligência, para conhecimento do mistério de Deus Cristo” (Cl 2.2);
“Porque nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl 2.9);
“Aguardando a bem-aventurada esperança e o aparecimento da glória do grande
Deus e nosso Senhor Jesus Cristo” (Tt 2.13); “Mas, do Filho diz: Ó Deus, o teu
trono subsiste pelos séculos dos séculos, cetro de equidade é o cetro de teu
reino” (Hb 1.8); “Simão Pedro, servo e apóstolo de Jesus Cristo, aos que
conosco alcançaram fé igualmente preciosa pela justiça do nosso Deus e Salvador
Jesus Cristo” (2 Pe 1.1); “E sabemos que já o Filho de Deus é vindo, e nos deu
entendimento para conhecermos o que é verdadeiro; e no que é verdadeiro
estamos, isto é, em seu Filho Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida
eterna” (1 Jo 5.20); “Eis que vem com as nuvens, e todo o olho o verá, até os
mesmos que transpassaram; e todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele.
Sim. Amém. Eu sou o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim, diz o Senhor, que é, e
que era, e que há de vir, o Todo-poderoso” (Ap 1.7, 8).
As Escrituras
mostram diversas vezes o Senhor Jesus ao lado
do Pai, revelando assim a sua divindade:
“Graça e paz de
Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo” (Rm 1.7); “todavia, para nós há um
só Deus, o Pai, de quem é tudo e para quem nós vivemos; e um só Senhor, Jesus
Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós por ele” (1 Co 8.6); “Mando-te
diante de Deus, que todas as coisas vivifica, e de Cristo Jesus, que diante de
Pôncio Pilatos deu o testemunho de boa confissão” (1 Tm 6.13); “Conjuro-te,
pois, diante de Deus e do Senhor Jesus Cristo, que há de julgar os vivos e os
mortos, na sua vinda e no seu Reino” (2 Tm 4.1).
O Senhor Jesus
possui os mesmos nomes e títulos divinos, como Javé dos Exércitos e Criador.
Jesus é o mesmo Deus Javé dos Exércitos. “Quem é esse Rei da Glória? O SENHOR
dos Exércitos, ele é o Rei da Glória” (Sl 24.10). Este salmo transcende um
marco nacional. É um salmo profético que fala sobre o retorno de Cristo à sua
glória, na sua ascensão. É o cântico dos anjos e a festa de recepção do Filho
de Deus, pois Ele voltou vitorioso ao céu. O Novo Testamento chama Jesus de “o
Senhor da Glória” (1 Co 2.8). As “portas” e “entradas eternas” (Sl 24.7) se
referem às portas do céu que se abriram para receber o Rei dos reis, e isso se
cumpriu em Atos 1.9-11. Isaías 6.3 diz que a terra está cheia da glória de Javé
dos Exércitos; entretanto, o Novo Testamento diz que esse Javé é Jesus. Compare
Isaías 6.3, 10 com João 12.40,41. O v. 40 é uma citação de Isaías 6.10, e o v.
41, de Isaías 6.3. Assim, a Bíblia ensina que Jesus é o Deus-Javé dos
Exércitos.
Jesus é o mesmo Javé. Jesus é chamado
de Javé Justiça Nossa(Jr 23.5, 6). Os profetas Isaías e Malaquias profetizaram
que João Batista seria aquele que viria ante a face de Javé (Is 40.3; Ml 3.1).
Estas palavras
foram citadas por Zacarias por ocasião do nascimento de João: “E tu, ó menino,
serás chamado profeta do Altíssimo, porque hás de ir ante a face do Senhor, a
preparar os seus caminhos” (Lc 1.76). Veja que o nome “Senhor” está no lugar de
Javé, entretanto João Batista foi o precursor de Jesus (Lc
3.28). O profeta
Ezequiel chama o Messias de Javé, Deus de Israel: “E disse-me o SENHOR: Esta
porta estará fechada, não se abrirá; ninguém entrará por ela, porque o SENHOR
Deus de Israel entrou por ela: por isso estará fechada” (Ez 44.2). Esta
profecia começou a se cumprir quando Jesus entrou em Jerusalém.
Montado num
jumento, Ele caminhou no sentido do monte das Oliveiras ao centro da cidade, e
passou pela Porta Oriental (Ne 3.29), atualmente a Porta Dourada, a única que
dá acesso direto ao pátio do templo (Mc 11.11). Esta porta, que fica no lado
oriental de Jerusalém, foi lacrada no ano de 1542 por ordem do sultão Suleiman
II, o Magnífico, e permanece fechada até hoje.
Quem é este Javé
Deus de Israel que entrou por esta porta? É Jesus, o profeta de Nazaré.
A Bíblia revela também a divindade de
Jesus e a sua igualdade com o Pai nos seus atributos incomunicáveis. Jesus é
eterno; Ele existe desde a eternidade “e cujas saídas são desde os tempos
antigos, desde os dias da eternidade” (Mq 5.2); “Pai da Eternidade”(Is 9.6); “Jesus
Cristo é o mesmo ontem, hoje e eternamente” (Hb 13.8). Ele mesmo declarou ser
onipotente: “É-me dado todo o poder no céu e na terra” (Mt 28.18); “Eu sou o
Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim, diz o Senhor, que é, e que era, e que há
de vir, o Todo-poderoso” (Ap 1.8). A Bíblia mostra que Jesus está “acima de
todo o principado, e poder, e potestade, e domínio, e de todo o nome que se
nomeia, não só neste século, mas também no vindouro” (Ef 1.21). Jesus mesmo
afirmou ser onipresente:
“Porque onde
estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles” (Mt
18.20) e mais: “Eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos
séculos. Amém”
(Mt 28.20). Ele é
onisciente, pois sabe todas as coisas: “Agora, conhecemos que sabes tudo e não
precisas de que alguém te interrogue. Por isso, cremos que saíste de Deus” (Jo
16.30);
“Senhor, tu sabes
tudo” (Jo 21.17); em Cristo “estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e
da ciência” (Cl 2.2, 3). Jesus é o Criador do céu e da terra: “Todas as coisas
foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez” (Jo 1.3); “porque
nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e
invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam
potestades; tudo foi criado por ele e para ele” (Cl 1.16).
Além disso, Jesus
transcende a criação; isso significa que ele é um ser à parte da criação, não
participa dela: “E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem
por ele” (Cl 1.17).
A sua humanidade “Porque há um só
Deus, e um só mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem” (1 Tm 2.5).
Jesus Cristo é o eterno e verdadeiro Deus e ao mesmo tempo o verdadeiro homem.
Tornou-se homem para suprir a necessidade humana. O termo Emanuel é traduzido
pelo próprio escritor sagrado por “DEUS CONOSCO” (Mt 1.23). Isso mostra que
Deus assumiu a forma humana e como homem viveu entre nós: “E o Verbo se fez
carne e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do Unigênito do
Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1.14); “E todo o espírito que confessa
que Jesus não veio em carne não é de Deus...” (1 Jo 4.3). O ensino da
humanidade de Cristo, no entanto, não neutraliza a sua divindade, pois Ele
possui duas naturezas – a humana e a divina –, o que está claramente expresso
no seu nome Emanuel.
Jesus foi revestido do corpo humano
porque o pecado entrou no mundo por um homem e pela justiça de Deus tinha de
ser vencido por um homem (Rm 5.12,18,19). Jesus se fez carne, fez se homem
sujeito ao pecado, embora nunca houvesse pecado (Hb 4.15), e venceu o pecado
como homem (Rm 8.3). A Bíblia mostra que todo o gênero humano está condenado;
que o homem está perdido e debaixo da maldição do pecado (Sl 14.2, 3; Rm 3.23).
Todos são
devedores, e por isso ninguém pode pagar a dívida do outro. A Bíblia diz que
somente Deus pode salvar (Is 43.11).
Então, esse mesmo
Deus tornou-se homem, trazendo-nos o perdão de nossos pecados e cumprindo ele
mesmo a lei que promulgara (At 4.12; 1 Tm 3.16; Cl 2.14). Quando Jesus estava
na terra, não se apegou às prerrogativas da divindade para vencer o diabo, mas
aniquilou a Si mesmo, fazendo-se semelhante aos
homens (Fp
2.5-8).
Os evangelhos
revelam atributos característicos do ser humano em Jesus, como por exemplo:
• Ele nasceu de
uma mulher, embora gerado pela ação sobrenatural do Espírito Santo. Seu
nascimento, contudo, ou seja, o parto pelo qual ele veio ao mundo, foi normal e
comum como o de qualquer ser humano (Lc 2.6-7);
• Ele cresceu em
estatura e em sabedoria (Lc 2.52); • Ele sentiu sono, fome, sede e cansaço (Mt
8.24; Jo 19.28; 4.6);
• Ele sofreu,
chorou e sentiu angústia (Hb 13.12; Lc 19.41; Mt 26.37);
• Ele teve mãe
humana, além de irmãos e irmãs (Mt 12.47; 13.55,56).
• Ele morreu,
embora ressuscitasse ao terceiro dia, passando pelo ardor da morte (1 Co
15.3-4);
• Ele deu provas
materiais de ter um corpo humano (1 Jo 1.1; Lc 24.39-41);
• Ele foi feito
semelhante aos homens, mas sem pecado (Hb 2.17; 4.15).
Assim como é pecado negar a humanidade
de Cristo (1 Jo 4.2, 3; 2 Jo 7), da mesma forma é pecado negar a sua divindade
(Rm 10.9), pois Jesus é tanto humano como divino (Rm 1.3, 4; 9.5). Como homem,
sentia as dores do ser humano (Hb 5.18); e, como Deus, hoje supre a necessidade
da humanidade (Hb 2.17, 18).
O Filho de Deus
O conceito de Pai-Filho, na divindade,
não deve ser confundido com o processo de reprodução humana nem com o
relacionamento pai-filho numa família natural. Os muçulmanos consideram ofensa
chamar Jesus de “Filho de Deus”, pois analisam essa relação no plano humano.
Eles creem que pregamos que Deus teve relações sexuais com Maria, pois assim
interpretam o nosso conceito de “Filho de Deus”. Diz a religião islâmica:
“Originador dos céus e da terra! Como poderia ter prole, quando nunca teve
esposa, e foi Ele que criou tudo o que existe, e é Onisciente?” (Alcorão,
6.101). Nenhum cristão no mundo pensa
dessa forma; essa
caricatura é invenção deles. Jesus é chamado de Filho de Deus no Novo
Testamento porque Ele é Deus e veio de Deus. Jesus mesmo disse: “Eu saí e vim
de Deus” (Jo 8.42); “Saí do Pai e vim ao mundo; outra vez, deixo o mundo e vou
para oPai” (Jo 16.28).
Concepção e nascimento virginal
O Senhor Jesus foi concebido por obra
e graça do Espírito Santo no ventre da virgem Maria: “[...] lhe apareceu um
anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber a Maria, tua
mulher, porque o que nela está gerado é do Espírito Santo” (Mt 1.20); “E,
respondendo o anjo, disse-lhe: Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude
do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; pelo que também o Santo, que de ti há
de nascer, será chamado Filho de Deus” (Lc 1.35). A palavra profética anunciava
isso desde o profeta Isaías: “Portanto o mesmo Senhor vos dará um sinal: eis
que uma virgem conceberá, e dará à luz um filho, e será o seu nome Emanuel” (Is
7.14).
O substantivo hebraico para “ virgem”
usado nesta passagem é ‘almâ. Isto tem dado espaço para intermináveis
controvérsias, principalmente por eruditos judeus e por teólogos “cristãos”
modernistas, na tentativa de neutralizar a doutrina do nascimento virginal de
Jesus. Alguns afirmam que a palavra mais apropriada para “ virgem” seria
betûlâ, querendo com isso dissociar Mateus 1.23 de Isaías 7.14.
A palavra betûlâ
aparece 51 vezes no Antigo Testamento hebraico e é traduzida 44 vezes por
parthenos na Septuaginta.
Ela pode se
aplicar a uma mulher casada (Jl 1.8), o que não ocorre com o substantivo ‘almâ,
que só se aplica à mulher solteira. W. E. Vine, com base em Joel 1.8, diz que
betûlâ nos textos aramaicos tardios era aplicada a uma mulher casada. Isso,
portanto, traria muita confusão: “parece que a eleição da palavra ‘almâ foi
deliberada. Parece que é a única palavra hebraica disponível que indicaria com
clareza que aquela a que ele designa não estava casada” (VINE, vol. 4, 1989, p.
248).
O substantivo ‘almâ aparece nove vezes
no Antigo Testamento hebraico (Gn 24.43; Êx 2.8; 1 Cr 15.20; Sl 46 (título,
pois a palavra hebraica ‘alamôth é plural de ‘almâ); 68.25; Pv 30.19; Ct 1.3;
6.8; Is 7.14). Em dois lugares, a Septuaginta traduziu esse termo pelo vocábulo
grego parthenos, que significa “ virgem” (Gn 24.43; Is 7.14). A mesma Rebeca
que é chamada “ virgem [betûlâ, em hebraico] a quem varão não havia conhecido”,
no v. 16 desse mesmo capítulo ela é chamada de ‘almâ. A Septuaginta foi traduzida
por 72 judeus em Alexandria antes do nascimento de Jesus.
Com o surgimento do cristianismo, os
cristãos pregavam que a concepção e o nascimento virginal de Jesus eram o
cumprimento de uma profecia do Antigo Testamento. Assim começaram as disputas
com os judeus: “Contra a Igreja os judeus sustentavam que Isaías 7.14 não fala
de uma ‘virgem’ (parthenos), mas de uma ‘mulher jovem’ (neanis). Os cristãos
respondiam acertadamente que a tradução parthenos provém de tradutores judeus”
(BENTZEN, 1968, p. 92).
Talvez seja essa uma das razões pelas
quais as autoridades judaicas resolveram revisar a Septuaginta. As versões
gregas do Antigo Testamento, que vieram após o cristianismo, substituíram
parthenos por neanis, “jovem”. Áquila era judeu e discípulo do rabino Akiva
(morto em 132 d.C.). A outra versão é a de Teodócio, ou Teodocião, apóstata do
cristianismo, que voltou ao judaísmo (final do segundo século d.C.); e
finalmente a de Símaco, que era ebionita (seita judaica que negava a divindade
de Cristo),
preparada em 170
d.C. (FISCHER, 2013, pp. 105, 106). Até hoje os israelenses, em Israel, usam
‘almâ para designar “senhorita”. Gerard
Van Groningen, em sua obra Revelação messiânica no Velho Testamento, apresenta
a seguinte conclusão: “Um exame dos materiais disponíveis a estudiosos e
peritos, como
indicado acima,
leva-nos à segura conclusão de que, com base no uso do termo tanto em hebraico
quanto em ugarítico, o termo ‘almâ deve ser traduzido por ‘virgem’. A
Septuaginta dá pleno apoio a isto, e o testemunho do Novo Testamento (Mt 1.23)
dá a palavra final. Isaías disse e pretendeu dizer virgem” (GRONINGEN, 1995, p.
484).
O JESUS DOS CREDOS
Os gnósticos e demais heresias e
heresiarcas O monarquianismo foi um movimento que surgiu depois da metade do
segundo século em torno do monoteísmo cristão. Os monarquianistas se dividiam
em dois grupos: os dinâmicos, que ensinavam ser Cristo Filho de Deus, mas por
adoção; e os modalistas, que ensinavam ser Cristo apenas uma forma temporária
da manifestação do único Deus. Tertuliano chamou de monarquianistas, do grego
monarchia, “governo exercido por um único soberano”. Eram os opositores da
doutrina do Logos os alogoi, aqueles que rejeitavam o Evangelho de João.
Teódoto de Bizâncio, “o curtidor”,
discípulo dos alogoi, aceitava o evangelho de João com certa ressalva, e foi o
primeiro monarquianista dinâmico de importância. Chegou a Roma em 190, mas foi
excomungado em 198. Ele ensinava ser Jesus um homem e nada mais, que nasceu de
uma virgem e teve uma vida santa, pois o Espírito Santo sobre ele desceu por
ocasião do seu batismo no rio Jordão. Alguns dos discípulos de Teódoto
rejeitavam qualquer direito divino em Jesus, mas outros afirmavam que Jesus
teria se tornado divino, em certo sentido, por ocasião da sua ressurreição.
O mais famoso monarquianista dinâmico
foi Paulo de Samosata, bispo de Antioquia entre 260 e 272. Ele dizia que o
Logos e o Espírito Santo eram qualidade divinas, e não Pessoas; e mais: “opoder
do Logos habitara em Jesus como num vaso, como nós habitamos nossas casas. A
unidade que Jesus tinha com Deus era da vontade e do amor; não de natureza”
(TILLICH, 2004, p. 82).
Paulo de Samosata
foi considerado herege por negar a natureza divina de Cristo e terminou
excomugado em 269, depois de suas ideias serem examinadas por três sínodos.
Os monarquianistas modalistas não
negavam a divindade do Filho nem a do Espírito Santo, mas, sim, a distinção
destas Pessoas, o que é diametralmente oposto aos ensinos do Novo Testamento, que
ensina a unidade composta de Deus em três Pessoas distintas. Os modalistas
pregavam a unidade absoluta de Deus, coisa que nem mesmo o Antigo Testamento
ensina, e para apoiar tal ensino mutilaram os textos neotestamentários. Seus
principais representantes foram Noeto, Práxeas e Sabélio (ver capítulo
anterior). Hipólito de Roma (170-236) rebateu essas crenças em sua obra
Refutação de todas as heresias.
O Concílio de Niceia
Os credos anteriores ao século 4
tiveram caráter local e estavam relacionados ao batismo na preparação
catequética, cuja autoridade procedia da igreja local de onde o documento se
originava; são os chamados credos sinodais. O embrião do Credo dos Apóstolos
vem do final do século II; contudo, não se tornou universal antes do Concílio
de Niceia.
O Credo Niceno é a primeira fórmula
publicada por um concílio ecumênico e a primeira a possuir status de valor
universal em sentido legal. O documento é resultado da chamada controvérsia
ariana que começou no ano 318 em Alexandria, no Egito. O confronto girava em
torno da consubstancialidade do Filho com o Pai. Ário (256-336), um presbítero
do distrito de Baucale, em Alexandria, Egito, desencadeou a maior controvérsia
do cristianismo a ponto de até a política dos imperadores ter sido envolvida na
questão.
A ideia dominante de Ário era norteada
pelo princípio monoteísta esboçado pelo monarquianismo dinâmico. Existe um só
Deus não-gerado, dizia, um único Ser não-originado, sem nenhum começo de
existência. O Filho tivera começo e teria sido criado do nada antes de o Pai
haver criado o mundo. Assim, Ário se negava a reconhecer a deidade do Filho e a
sua consubstancialidade com o Pai, reduzindo-o à condição de mera criatura. A
palavra de ordem e o refrão cantado por ele e seus partidários era: “Houve
tempo em que o Filho não existia”. É o mesmo ensino das atuais testemunhas de
Jeová.
Ário foi cortado da comunhão da Igreja
por Alexandre, bispo de Alexandria, e isso provocou o protesto de seus
partidários. Ário se apegava a algumas passagens bíblicas que julgava favorecer
sua interpretação, como (Pv 8.22 – LXX; Jo 14.28; 17.3; At 2.36; Cl 1.15; Hb
3.2). Ele pouco se ocupou do Espírito Santo, mas dizia que era também criatura.
Em Contra os arianos, Atanásio refutou os argumentos arianistas depois do Concílio
de Niceia, comentando cada passagem bíblica citada aqui.
Da lavra de Ário é a obra Thalia,
“Banquete”, exposição de sua doutrina escrita em versos e talvez em prosa, da
qual alguns fragmentos foram preservados nas obras de Atanásio. Ário escreveu
ainda uma carta destinada a Eusébio de Nicomédia, na qual afirma: “Somos
perseguidos porque dizemos que o Filho tem um começo, enquanto Deus é sem
começo”; e outra a Alexandre, bispo de Alexandria. Posteriormente ele enviou
uma confissão de fé ao Imperador Constantino. Entre seus partidários, citamos
Eusébio de Nicomédia, e principalmente Astério, o Sofista, que esteve ao lado
de Ário desde o início da controvérsia e escreveu a obra Syntagmation, uma
exposição resumida da doutrina ariana, da qual alguns fragmentos foram
preservados por Atanásio em Contra os arianos I.5, 3; 11, 1.
A fonte da teologia de Ário não é
muito clara. Ele não reivindicou originalidade para suas ideias. Mas sabe-se
que Luciano, falecido em 312 numa perseguição imperial, fundou uma escola
catequética em Antioquia e foi discípulo de Paulo de Samosata.
Eusébio de
Nicomédia é descrito como discípulo de Luciano.
Segundo J. N. D.
Kelly, Ário e Eusébio de Nicomédia eram “lucianistas” (KELLY, 2009, p. 174).
Luciano era monarquianista dinâmico e esteve fora da comunhão da Igreja por
três bispos sucessivos porque adotava a teologia de Paulo de Samosata. Os
principais líderes do arianismo foram todos discípulos de Luciano.
Assim, o
pensamento teológico de Ário provavelmente teria vindo de Paulo de Samosata por
meio de Luciano.
Essa controvérsia chamou a atenção do
povo e também ganhou conotação política, considerada hoje a maior controvérsia
da história da Igreja Cristã. O imperador Constantino considerava que uma
igreja dividida era uma ameaça, pois esperava ser o cristianismo “o cimento do
império”. Ele enviou mensageiros liderados por Ósio, bispo de Córdoba e seu
conselheiro espiritual, com o propósito de uma conciliação, mas não houve
resultado.
Ósio explicou ao
imperador a profundidade do problema, e assim Constantino convocou um concílio
na cidade de Niceia, na Bitínia, região que é citada no Novo Testamento (At
16.7; 1 Pe 1.1), na Ásia Menor, hoje Isnik, Turquia. A reunião começou em 19 de
junho de 325, com a participação de 318 bispos provenientes do Oriente e do
Ocidente.
Entre os participantes do Concílio,
estava presente um pequeno grupo de arianistas convictos, liderados por Eusébio
de Nicomédia, pois Ário não era bispo e não tinha direito de participar das
deliberações. De outro lado, estava presente um pequeno grupo, liderado por
Alexandre, bispo de Alexandria, acompanhado do diácono Atanásio, vindo a
tornar-se, posteriormente, notável pela vigorosa defesa da ortodoxia cristã.
O concílio
contava ainda com uns três bispos patripassianistas e, fora essas minorias, a
maior parte era formada por bispos procedentes do Ocidente, de fala latina, sem
interesse no que eles chamavam de especulações teológicas, pois se davam por
satisfeitos com a formulação trinitária de Tertuliano.
As fontes primárias são de testemunhas
oculares: alguns fragmentos de Eustáquio de Antioquia, alguns capítulos das
obras de Atanásio e a famosa carta de Eusébio de Cesareia (KELLY, 2012, p.
255). Eusébio de Nicomédia expôs na assembleia a doutrina ariana, pois tinha convicção
absoluta de que, após sua apresentação, todo o concílio o apoiaria, aceitando
como correto o pensamento de Ário; porém, grande foi a sua decepção quando o
plenário se manifestou com indignação ao ouvir a ideia arianista de considerar
o Filho de Deus como criatura. Alguns chegaram a arrebatar e rasgar o seu
discurso em pedaços em meio a gritos de “Blasfêmia! Mentira! Heresia!”. Eusébio
de Cesareia, autor da proposta de formular um credo, sugeriu o Credo de
Cesareia,
alegando ter
recebido o texto de seus predecessores. Era um credo local usado para o
discipulado dos candidatos ao batismo.
A esse credo, com a aprovação do
imperador e talvez por sua sugestão, acrescentaram-se as palavras ousía e
homooúsios, “substância” e “consubstancial”, aplicadas a Cristo. Assim o Credo
de Cesareia foi modificado, tornando-se o conhecido Credo de Niceno, depois de
ampliado em 381 no I Concílio de Constantinopla.
Credo de Cesareia
Cremos em um só Deus, Pai Onipotente,
Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis; Em um só Senhor Jesus Cristo,
Verbo de Deus, Deus de Deus, Luz de Luz, Vida de Vida, Filho Unigênito,
Primogênito de toda a criação, por quem foram feitas todas as coisas; o qual
foi feito carne para nossa salvação e viveu entre os homens, e sofreu, e
ressuscitou ao terceiro dia, e subiu ao Pai e novamente virá em glória para
julgar os vivos e os mortos.
Cremos também em
um só Espírito Santo.
Credo de Niceia
Cremos em um só Deus, Pai Onipotente,
Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis.
E em um só Senhor Jesus Cristo [Filho
de Deus, o Unigênito do Pai, que é da substância do Pai], Deus de Deus, Luz de
Luz [verdadeiro Deus de verdadeiro Deus], gerado, não feito [consubstancial com
o Pai], por meio de quem todas as coisas vieram a existir, as coisas que estão
no céu e as coisas que
estão na terra,
que por nós homens e por nossa salvação [desceu e foi feito carne, e se fez
homem], sofreu, e ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus, e virá para
julgar os vivos e os mortos.
E [cremos] também no Espírito Santo.
Mas aqueles que
dizem: “Houve um tempo quando ele não era”; e “Ele não era antes de ter
nascido”; e “Ele foi feito do que não existe”, ou “Ele é de outra substância”
ou “essência”, ou “O Filho de Deus é criado”, ou “mutável”, ou “alternável” –
eles são condenados pela Igreja cristã e apostólica”.
As expressões em
itálico entre colchetes [ ] foram acrescidas ao Credo.
O credo aprovado
em Niceia era decisivamente antiarianista. Só havia duas opções, assinar o
documento ou ir para o exílio.
Somente dois
bispos não assinaram: Segundo de Ptolemaida e Teonas de Marmarica. Até Eusébio
da Nicomédia, arianista, assinou o credo elaborado nesse concílio, alegando ter
subscrito o texto com o termo homoioúsios “de substância semelhante”, e não homooúsios,9
“da mesma substância”.
O propósito fundamental dos autores do
texto do Credo Niceno foi rechaçar definitivamente a heresia arianista. Isso é
evidente no uso do termo “da substância do Pai”, em grego, ousías tou patrós,
ou seja, da mesma essência, do mesmo tipo do Pai, que é uma clara resposta ao
pensamento central de Ário; e também no emprego da frase: “consubstancial com o
Pai”, em grego, homooúsion tō
patrí, que significa “da
mesma substância com o Pai”,
qualificando a unidade de essência do Pai e do
Filho. Outra evidência inconfundível é o anátema da última cláusula. A inserção
desses termos no Credo somada à inclusão do anátema foram um golpe mortal
contra os arianistas, mas as controvérsias não terminaram aí.
O período pós-Niceia
O documento aprovado em Niceia
tornou-se ponto de partida ao invés de ponto de chegada. A controvérsia
prosseguiu por três razões principais: a inclusão do termo homooúsios no texto,
a indefinição sobre a identidade do Espírito Santo (assunto do capítulo seguinte)
e a volta do arianismo.
Em Niceia ficou
dito que o Filho é homooúsios, do grego, significando “da mesma essência,
substância”, consubstancial com o Pai. Os opositores da fé nicena faziam duras
críticas: uns acusavam o Credo de sabelianismo; outros, alegavam que o termo
não é bíblico, pois não aparece nas Escrituras. Eusébio de
Cesareia não
esconde a sua decepção pela inclusão de homooúsios no documento na sua longa
carta enviada aos seus subordinados da região de Cesareia que se aproveitaram
do vasto significado do termo, querendo convencê-los de que não se tratava da
consubstancialidade.
Muitos movimentos controvertidos
surgiram nos 60 anos que se seguiram ao Concílio de Niceia, como os anomoeanos,
os homoeanos e os homoiousianos, entre outros. Os anomianos, do grego anómoios,
“diferente”, eram os arianos radicais, pois diziam que “o Filho é diferente do
Pai em todos os aspectos”. Os homoeanos, do grego hómoios, “similar”, diziam
que o relacionamento entre o Pai e o Filho era de similaridade. Seus expoentes
eram arianos convictos.
Outro grupo expressivo eram os
homoiousianos, do grego homoioúsios, “de substância semelhante”, pois diziam
que o Filho era de substância semelhante ao Pai. Eram um meio-termo entre Ário
e a Declaração de Niceia. Em 358, liderado por Basílio de Ancira, um sínodo
reunido nessa cidade aprovou a primeira fórmula homoiousiana. O texto afirma
que o Filho está muito próximo do Pai, e não entre as criaturas, mas não é da
mesma substância, mas sim são duas substâncias, ousíai. Em Niceia ficou dito
que o Filho é homooúsios, “da mesma essência, substância”, consubstancial com o
Pai. A letra “i” no termo homoioúsios fazia a grande diferença. Em homooúsios,
o Filho é consubstancial com o Pai; no entanto, em homoioúsios o Filho é de substância
semelhante ao Pai.
I Concílio de Constantinopla
O imperador Teodósio I tomou posse em
379 e no ano seguinte estabeleceu só a confissão nicena. Em novembro do ano
380, o imperador substituiu o patriarca ariano de Constantinopla, Demófilo, por
Gregório de Nazianzo. Mas nenhum imperador ou bispo poderia sozinho, por
autoridade própria, estabelecer normas de fé que tivessem validade para toda a
Igreja. Era necessário um concílio universal, ou seja, ecumênico. A defesa da
fé nicena apresentada por Atanásio e pelos pais capadócios foi estudada no
capítulo anterior. O pensamento desses teólogos foi considerado no Concílio de
Constantinopla, realizado a pedido do imperador Teodósio I com a participação
de 150 bispos, entre eles Gregório de Nazianzo, Gregório de Nissa e Cirilo de
Jerusalém. Esse é
considerado pelo Concílio de Calcedônia, 451, o segundo grande concílio
ecumênico da Igreja.
Credo de Niceia
Cremos em um só Deus, Pai Onipotente,
Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis.
E em um só Senhor
Jesus Cristo, Filho de Deus, o Unigênito do Pai, que é da substância do Pai,
Deus de Deus, Luz de Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado, não
feito, consubstancial com o Pai, por meio de quem todas as coisas vieram a
existir, as coisas que estão no céu e as coisas que estão na terra, que por nós
homens e por nossa salvação desceu e foi feito carne, e se fez homem, sofreu, e
ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus, e virá para julgar os vivos e os
mortos.
E [cremos] também
no Espírito Santo.
Mas aqueles que dizem: “Houve um tempo
quando ele não era”; e “Ele não era antes de ter nascido”; e “Ele foi feito do
que não existe”, ou “Ele é de outra substância” ou “essência”, ou “O Filho de
Deus é criado”, ou “mutável”, ou “alternável” – eles são condenados pela Igreja
cristã e apostólica”.
Credo Niceno-Constantinopolitano
Cremos em um só Deus, Pai
Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra, de todas as coisas, visíveis e
invisíveis.
E em um só Senhor
Jesus Cristo, o Filho Unigênito de Deus, gerado do Pai antes de todos os
séculos, luz de luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado não feito, da
mesma substância do Pai, por meio do qual todas as coisas vieram a ser; o qual,
por nós, os homens e pela nossa salvação desceu dos céus e se encarnou do
Espírito Santo e da Virgem Maria e se fez homem e foi por nós crucificado sob
Pôncio Pilatos e padeceu e foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo
as Escrituras, e subiu aos céus e está sentado à direita do Pai e virá de novo,
com glória a julgar vivos e mortos; e o seu reino não terá fim.
E no Espírito Santo, o Senhor e Doador
da vida, que procede do Pai e do Filho, que juntamente com o Pai e o Filho é
adorado e glorificado, que falou por meio dos profetas.
E em uma só Igreja santa, cristã e
apostólica.
Confessamos um só
batismo para perdão dos pecados. Esperamos a ressurreição dos mortos e a vida
do século vindouro. Amém.
Esse documento é o reconhecimento da
fórmula teológica aprovada em Niceia em 325, com algumas modificações,
acréscimos e cortes. A comissão revisora retirou o termo homooúsios, que trouxe
mais problema do que solução, sem, contudo, eliminar a consubstancialidade do
Filho com o Pai.
Procurou seguir
uma linguagem próxima da Bíblia. Introduziu no texto parte do Credo dos
Apóstolos. Definiu a identidade e a obra do Espírito Santo com Deus igual ao
Pai e ao Filho, além de informações
eclesiológicas e dos anátemas do Credo Niceno, que foram cortados do texto. Os
debates teológicos que sacudiam a Igreja precisavam de um fim. De fato, o
Concílio pôs fim a quase meio século de domínio político e teológico ariano no
Ocidente. A causa ariana estava agora irremediavelmente perdida.
O Credo Niceno-Constantinopolitano é
um dos mais importantes da igreja cristã. De todos os credos ecumênicos, esse é
apresentado como universalmente aceito. O Credo dos Apóstolos é puramente
ocidental; no entanto, o Constantinopolitano foi admitido como obrigatório no
Oriente e
no Ocidente a
partir de 451 até a atualidade.
O Concílio de Calcedônia
Um monge de Constantinopla chamado
Êutico ou Eutique expôs a doutrina monofisita e foi condenado numa reunião do
Sínodo Permanente de Constantinopla em 448. “Em termos históricos, ele é
considerado fundador de uma forma extremada e praticamente docética de
monofisismo, ensinando que a humanidade do Senhor havia sido totalmente
absorvida por sua divindade” (KELLY, 2009, p. 250). O termo “monofisismo” vem
de duas palavras gregas: monos, “único”,
e physis, “natureza”. É a doutrina que defende uma única natureza de Cristo, só
a divina ou a divina e a humana amalgamada. Esse era o pensamento radical
ensinado pela escola alexandrina. Mas Roma e Antioquia discordavam dessa ideia.
A questão no momento girava em torno
das duas naturezas de Cristo. Hilário de Poitiers (316-367) escreveu: “Em
virtude das duas naturezas unidas em Um, é um sujeito que tem duas naturezas,
de tal sorte que de nada carece em nenhuma das duas. Ao nascer como Homem, não
deixa de ser Deus e, porque
continua a
existir como Deus, não deixa de ser Homem” (Tratado sobre a Santíssima
Trindade, 9.3). Mais adiante, ele declara: “No Senhor Jesus Cristo, deve
considerar uma Pessoa que tem duas naturezas” (Tratado sobre a Santíssima
Trindade, 9.14). Esse pensamento Tertuliano havia precocemente ensinado com
mais de 200 anos de antecedência, no ano 213 para ser mais preciso: “Nós vemos
claramente o duplo estado, que não nos confunde, mas é unido em uma
Pessoa, Jesus,
Deus e homem” (Contra Práxeas, XXVII). Assim, é correto afirmar que a ideia
contida no Tomo de Leão, o Bispo de Roma, Leão I, nada tinha de original e foi
decisiva para a realização do Concílio de Calcedônia, hoje um bairro de Istambul,
Turquia, chamado Kadikoy.
Videmus duplicem
statum, non confusum se coniunctum in una persona, Deum et hominem Iesum
(Adversus Praxean, XXVII).
As reuniões da Calcedônia se iniciaram
em 8 de outubro de 451, com mais de 500 representantes, e Roma foi representada
por legados. A maioria era contra a elaboração de um novo credo e se dava por
satisfeita em reafirmar a fé nicena. Mas os comissários imperiais sabiam que,
para que o concílio tivesse resultados, era necessário elaborar uma fórmula
assinada por todos. Ficou definido o seguinte: o Credo Niceno é solenemente
aceito como padrão de ortodoxia, ao seu lado o Credo
Niceno-Constantinopolitano, o reconhecimento de duas cartas de Cirilo e o Tomo
de Leão e por fim a confissão formal, conhecido como o Credo de Calcedônia.
Assim ficou definida de uma vez para sempre a doutrina das duas naturezas de
Cristo, plenamente humana e perfeitamente divina, e ambas as naturezas
permanecem intactas.
Credo de Calcedônia
Fiéis aos santos pais, todos nós,
perfeitamente unânimes, ensinamos que se deve confessar que nosso Senhor Jesus
Cristo é o mesmo e único Filho, perfeito quanto à divindade e perfeito quanto à
humanidade, verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, constando de alma
racional e de corpo consubstancial ao Pai, segundo a divindade, e
consubstancial a nós, segundo a humanidade; em todas as coisas semelhante a
nós, exceto no pecado, gerado, segundo a divindade, antes dos séculos pelo Pai
e, segundo a humanidade, por nós e para nossa salvação, gerado da Virgem Maria,
a portadora de Deus [Theotókos]. Um só e mesmo Cristo, Filho,
Senhor,
Unigênito, que se deve confessar, em duas naturezas, inconfundíveis e
imutáveis, inseparáveis e indivisíveis. A distinção de naturezas de modo algum
é anulada pela união, mas, pelo contrário, as propriedades de cada natureza
permanecem intactas, concorrendo para formar uma só Pessoa e subsistência; não
dividido ou separado em duas Pessoas, mas um só e mesmo Filho Unigênito, Deus
Verbo, Jesus Cristo Senhor, conforme os profetas outrora a seu respeito
testemunharam, e o mesmo Jesus Cristo ensinou-nos e o credo dos pais
transmitiu-nos.
O pensamento de Roma saiu vencedor, e
o Oriente ficou desapontado com a decisão. Os delegados de Alexandria não
assinaram a declaração final. A reação oriental contra a Calcedônia contribuiu
para a divisão entre Oriente e Ocidente.
Jacó Baradeus e
seus seguidores rejeitaram a decisão desse Concílio. A igreja nacional da Síria
é conhecida como jacobita.
Ainda hoje o
monofisismo é mantido nas igrejas cóptica, armênia, abissínia e jacobitas.
composto por homós, “igual, comum, idêntico, o mesmo”, e ousía, “ser,
realidade, essência, substância”. Homooúsios aparece com frequência nos
escritos de Atanásio e dos pais capadócios para se referir à mesma essência ou
substância da deidade das três Pessoas da Trindade.
Fonte
: livro A razão de nossa fé: assim cremos,
assim vivemos / Esequias Soares.
Casa Publicadora das Assembleias de
Deus.
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