Este texto foi retirado do livro comentário bíblico BEACON.
Deus sujeitou todas as
coisas a seus pés (22).
Estas palavras são do Salmo 8.6, que fala da glória do homem como a coroa da
criação, possuindo domínio sobre todas as criaturas. Como em Hebreus 2.6-9,
estas palavras são aplicadas a Cristo, o segundo Adão, que destruiu o poder
mortal da queda. Por sua obra redentora, ele ganhou a soberania que é
legalmente sua como cabeça da nova criação. Nas palavras de Beare, dessa forma,
ele “cumpre o destino para o qual o homem foi criado”.34 Por isso, como afirma
Mackay, “o curso da história e o destino do universo estão nas mãos de Jesus
Cristo”.35 A incomparável passagem cristológica de Paulo em Filipenses 2.9-11
recapitula exclusivamente os pensamentos encontrados nesta passagem.
c)
A supremacia de Cristo (1.22b,23).
Os “direitos de herdeiro” de Cristo estendem-se aos principados e poderes (Cl
2.10), e também à nova comunidade que foi criada por sua vida, morte, ressurreição
e exaltação. Deus, sobre todas as coisas, o
constituiu como cabeça da igreja (22).
A linguagem é complicada aqui, mas a intenção óbvia do apóstolo é dizer que o
Redentor é dado à igreja na qualidade de autoridade suprema e, assim, é o seu
cabeça.36 Como presente de Deus para a igreja, Cristo preside sobre a
comunidade de crentes em todas as coisas (5.23; Cl 1.18). Semelhantemente, a
união entre Cristo e o seu povo confirma que a igreja tem autoridade e poder
mediados. Quando a igreja evangeliza obediente e fielmente em nome do seu
Senhor Jesus, ela possui a supremacia de Cristo no mundo (cf. Mt 28.18-20; Mc
3.14ss.; Jo 20.21-23). A confiança e o triunfo da igreja estão nessa verdade.
Ao lado da função de
governante, a supremacia de Cristo transmite o conceito de unidade vital,
expressa nas palavras singularmente paulinas: seu
corpo (23; 2.16; 4.4,12,16; 5.30; Rm
12.5; 1 Co
10.17; 12.27; Cl
1.24; 2.19). Para
Paulo, o “corpo de Cristo” {soma Christou) não conota mera sociedade
ou comunidade como entendemos estas palavras. Trata-se da comunidade de pessoas
redimidas sob a supremacia de Cristo. J. A. T. Robinson observa: “Mas é de
grande importância perceber que quando Paulo usa o termo grego soma e o aplica à
igreja, o que ele e seus leitores entendiam era [...] algo
não incorporado, mas corporal”.31 O
apóstolo não fala de “corpo de cristãos”, mas simplesmente de “o corpo de
Cristo”.38 A analogia do corpo humano enfatiza o caráter da igreja como
organismo. Os cristãos formam o corpo de Cristo.
Vários aspectos desta definição
profunda da natureza da igreja precisam ser comentados. Primeiro, identificação
com os crentes é mais do que entendemos por “membresia”. Não é tanto nos
unirmos a um grupo quanto sermos enxertados em Cristo (Jo 15). Este ponto de
vista possibilita a longa análise feita por Paulo em 1 Coríntios 12 concernente
ao corpo e seus membros. A união essencial de Cristo com seu povo origina-se da
mesma vida divina que flui por cada membro, e da operação obediente do grupo
todo a serviço de Deus.
O segundo aspecto é que a
fonte desta doutrina da igreja não é grega, gnóstica ou basicamente do Antigo
Testamento, embora haja necessariamente uma relação entre o antigo e o novo
concerto. Para a essência desta doutrina, é provável que Paulo se volte às
palavras de nosso Senhor na Ultima Ceia: “Isto é o meu corpo” (Mc 14.22).39 O pão
sacramental e o corpo do Senhor são um: “Como há somente um pão, nós, que somos
muitos, somos um só corpo, pois todos participamos de um único pão” (1 Co
10.17).40
A frase a plenitude daquele que cumpre tudo em todos (23) é,
indubitavelmente, uma das mais difíceis na epístola. Podemos entendê-la de três
modos. Primeiro, a referência é a Deus. Cristo é a plenitude (pleroma)
de
Deus que cumpre tudo em todos. Wesley
oferece substancialmente esta ideia, quando comenta que o sentido é “fácil e
natural, se o referirmos a Cristo, que
é a plenitude do Pai”.41
Segundo, se considerarmos a palavra pleroma
em
sentido ativo, qual seja, “aquele que enche”, a referência indicaria que a
igreja “completa ou preenche completamente” Cristo.
Orígenes e Crisóstomo apoiavam esta
interpretação. Calvino observa: “Até que se una a nós, o Filho de Deus se
reconhece em certa medida incompleto”. A igreja é, então, “o complemento da
cabeça”.42
O terceiro aspecto é que se considerarmos a
frase em sentido passivo, ou seja, “aquilo que é preenchido”, temos o sentido
de que Cristo é essencial ao total preenchimento da igreja. Ao longo dos seus
escritos, Paulo fala de os cristãos “serem cheios” com a graça de Cristo ou de
Deus (Rm 15.13ss.; Ef 5.18; Fp 1.11; 4.18; Cl 1.9; 4.12). O texto mais crucial
na defesa desta interpretação é Colossenses 2.9,10, que diz: “Porque nele habita
corporalmente toda a plenitude da divindade. E estais perfeitos [completos]
nele, que é a cabeça de todo principado e potestade”.43 Pelo visto, o
pensamento de Paulo é que “a igreja é o corpo de Cristo, tendo a função de
expressá-lo no mundo; mais que isso, a igreja é a plena expressão de Cristo ao
ser cheia por ele, cujo propósito é encher tudo que existe”.44 Talvez devamos
permitir uma reciprocidade aqui: Quando os cristãos estão “sendo cheios” por
Cristo, por outro lado nosso Senhor, em certo sentido, está “sendo cheio”,
quando a igreja vive de maneira santa no mundo e testifica para as pessoas de
todos os lugares e de todas as épocas.45 A igreja é o receptáculo da plenitude
divina e, ao mesmo tempo, a completude de Cristo. Fazendo um comentário sobre plenitude
(pleroma), Lightfoot escreve: “E essa plenitude das graças e virtudes divinas
que é comunicada por Cristo para a igreja na função de seu corpo. [...] Todas
as graças divinas que residem em Cristo são dadas à igreja; ele comunica sua
‘plenitude’ para ela. Assim, podemos dizer que a igreja é Seu pleroma”.46
Nenhum comentário:
Postar um comentário