Comentário
de Hebreus 11.1-40
Extraído do
livro: A supremacia de Cristo , Fé, esperança e ânimo na
carta aos Hebreus.
José
Gonçalves.
A
leitura do capítulo 11 de Hebreus deve
ser feita à luz do que foi dito no capítulo 10. Ali, o autor completou o seu
longo argumento sobre o sacerdócio de Cristo (Hb 10.18) e, parenteticamente, como
de costume, usou um tom exortativo para alertar seus leitores sobre o perigo de
voltar atrás. O capítulo 11 traz a galeria dos heróis da fé, como uma forma de
exemplificar como viveram e agiram os grandes homens e mulheres de Deus do
passado. O objetivo é que seus exemplos sejam seguidos pelos cristãos hebreus
que davam sinais de desesperança e falta de fé.
“Ora,
a f é é o firme fundamento das coisas que se esperam e a prova das coisas que
se não veem" (v. 1). Mais do que um conceito, o autor
faz aqui uma afirmação sobre a fé que é oposta àquela que estava sendo demonstrada
por seus leitores. Os Hebreus davam sinal de fraqueza espiritual justamente
porque estava faltando-lhes a fé. O substantivo grego pistis, traduzido aqui como "fé”, ocorre 243 vezes no Novo Testamento; 30
vezes somente em Hebreus, sendo que, somente no capítulo 11, há o registro
dessa palavra 24 vezes.1 A palavra grega hypostasis, traduzida aqui como "fundamento", tem, no texto grego, o
sentido de certeza,
garantia, segurança} Nesse sentido, era usada como atestação
ou garantia de uma propriedade. Para o autor, a fé era como ter em mãos um
documento que atestava a posse de determinado objeto. E mais: a fé é a convicção
das coisas que não se viam. O termo grego elenkos, traduzido aqui como "prova”, mantém o sentido de "evidência”.
“Porque,
por ela, os antigos alcançaram testemunho” (v. 2).
Nesse versículo, a construção en tauté gar emartyrethesan presbyteroi ("pois nela, isto é, na fé, os antigos obtiveram testemunho").
Aqui, é o próprio Deus quem dá testemunho dos feitos que a fé realizou na vida
dos antigos.
“Pela
fé, entendemos que os mundos, pela palavra de Deus, foram criados; de maneira
que aquilo que se vê não foi feito do que é aparente" (v. 3). Aqui, a fé é usada no sentido instrumental. É por meio da fé que temos
a percepção das coisas espirituais. Mediante a fé, sabemos que o universo foi
criado pela palavra de Deus. Os expositores veem aqui um contraste entre a
percepção mental e sensitiva, quando o autor usa o termo grego noeo (aquilo que está relacionado ao conhecimento intelectual). A fé vai além
do conhecimento sensorial e empírico para acreditar que o mundo visível não
tenha existido a partir das coisas que são visíveis.
"Pela fé, Abel ofereceu a Deus maior
sacrifício do que Caim, pelo qual alcançou testemunho de que era justo, dando
Deus testemunho dos seus dons, e, por ela, depois de morto, ainda fala" (v. 4). Abel
abre a galeria dos heróis da fé. O texto de Gênesis 4.2-16 silencia sobre o que
teria distinguido o sacrifício de Abel daquele oferecido por Caim. Todavia, o
autor de Hebreus diz que a oferta (gr. prophero) de Abel foi melhor (gr.
pleion). Donald Hegner observa que "a entrega sem reservas à
realidade de Deus e ao caráter absoluto das vindicações de Deus sobre nós - fez
uma diferença decisiva. De certa forma, Caim retraiu-se em relação a Deus, quer
na própria oferta, quer em seu coração".
"Pela
fé, Enoque
foi trasladado para não ver a morte e não foi achado, porque Deus o trasladara,
visto como, antes da sua trasladação, alcançou testemunho de que agradara a
Deus" (v. S). A palavra grega metatithemi, usada três
vezes em Hebreus e outras três vezes no Novo Testamento, significa
"mudar", "transpor", "transferir",
"remover" e "trasladar".6 Na interpretação do autor,
Enoque, tendo obtido o testemunho de haver agradado a Deus, foi trasladado ao
céu e não passou pela morte.
"Ora,
sem fé é impossível agradar-lhe, porque é necessário que aquele que se aproxima
de Deus creia que ele existe e que é galardoador dos que o buscam" (v.
6). De forma parentética, como costumeiramente vinha fazendo, o autor aproveita
o espaço para fazer uma exortação sobre a necessidade de se exercer a fé na
caminhada cristã. Aqueles que creem precisam saber que Deus existe e está
pronto a premiar aqueles que o buscam, não os que desistem pelo caminho. Quem
não tem fé não segue avante.
"Pela
fé, Noé, divinamente avisado das coisas que ainda não se viam, temeu, e, para
salvação da sua família, preparou a arca, pela qual condenou o mundo, e foi
feito herdeiro da justiça que é segundo a fé" (v. 7).
Nessa passagem, o autor tem em mente o relato de Gênesis 6.8,9, 13-22; 7.1.
Aqui, o particípio aoristo krematistheis (avisar, advertir, instruir)
antecede a ação do verbo principal. Primeiramente, o Senhor avisou a Noé sobre o
Dilúvio que viria, e, a partir daí, Noé começou a trabalhar no projeto da Arca.
Não havia nada além da palavra de Deus, nenhuma prova material ou física, para
Noé saber que aquilo que lhe fora dito iria cumprir-se. Noé, porém, ousou crer
naquilo que o Senhor dissera a ele. O texto destaca que a iniciativa para
livrar Noé e sua família teve início em Deus.
"Pela
fé, Abraão, sendo chamado, obedeceu, indo para um lugar que havia de receber
por herança; e saiu, sem saber para onde ia" (v. 8).
Agora, o autor entra no universo dos patriarcas. O particípio presente kaloumenos
(gr. kaléô, chamar) tem o sentido temporal aqui. Quando Deus chamou
a Abraão, este não vacilou, mas obedeceu sem fazer perguntas. À semelhança de
Noé, Abraão não tinha nenhuma prova, além da palavra de Deus, que, de fato,
chegaria a essa terra que a ele foi prometida. Ele não sabia onde era essa
terra, muito menos seu caminho.
O texto diz que o patriarca saiu "sem saber para onde ia". Somente a
palavra de Deus serviu-lhe de bússola e guia naquela longa jornada.
"Pela
fé, habitou na terra da promessa, como em terra alheia, morando em cabanas com
/saque e Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa" (v. 9). A fé
fez Abraão sair do seu mundo conhecido, e a mesma fé fê-lo chegar ao mundo até
então desconhecido para ele. A fé leva-nos a fazer coisas incríveis. Todavia,
essa terra ainda não era dele, mas apenas uma promessa. Na verdade, Abraão
morava nas promessas de Deus e vivia em Canaã. Ali, ele não passava de
um estrangeiro. A fé dizia que
essa terra, embora não lhe pertencesse fisicamente, era dele por herança
divina. A fé era o único documento que ele tinha de propriedade daquela terra.
"Porque
esperava a cidade que tem fundamentos, da qual o artífice e construtor é
Deus" (v. 10). Abraão descansava na fé, mesmo habitando em tendas. O
autor põe em relevo a fé de Abraão, que, mesmo sabendo que aquela terra era sua
pela promessa de Deus, continuou morando em tendas. E assim o fazia porque
sabia que era um nômade e que a sua verdadeira morada era a celeste. A fé
tirava seus olhos da terra e colocava-os no céu. Quando a fé não está presente,
facilmente miramos para baixo ou para os lados, mas nunca para cima.
"Pela
fé, também a mesma Sara recebeu a virtude de conceber e deu à luz já fora da
idade; porquanto teve por fiel aquele que lho tinha prome tido" (v. 11). O
autor sagrado põe Sara na lista da fé, embora o relato de Gênesis 18.12 mostre
Sara rindo quando recebeu a promessa de gerar um filho. Ela sabia que já havia
passado da idade de tê-lo. Que rendo retirar essa aparente dificuldade do
texto, alguns comentaristas entendem que o sujeito da frase é Abraão, e não
Sara. Dessa forma, o autor estaria se referindo primeiramente ao patriarca, e
não a sua esposa, Sara. A Nova Versão Internacional traduziu desta
forma: "Pela fé Abraão - e também a própria Sara, apesar de estéril e
avançada em idade - recebeu poder para gerar um filho". Fritz Laubach
destaca que o autor, com seus olhos espirituais, "tem
capacidade para constatar fé no lugar em que outras pessoas não notam nada.
Além disso, temos de considerar ainda outro aspecto: as dificuldades do texto
se dissolvem quando entendemos o matrimônio de Abraão com Sara no sentido
original conforme a criação, como a união total de duas pessoas segundo corpo, alma
e espírito. O que é afirmado sobre Sara vale de modo idêntico para Abraão. Na
fé, Abraão e Sara obtiveram a força para gerar descendência, apesar de que isso
era humanamente impossível (cf. Rm 4.18-21). Sua fé se atém exclusivamente à
promessa e à fidelidade de Deus, não às possibilidades imanentes".
"Pelo
que também de um, e esse já amortecido, descenderam tantos, em multidão, como as estrelas do céu, e como
a areia inumerável que está na praia do mar" (v. 12). A
palavra "amortecido" traduz o grego "nekrów e tem o
sentido de "considerado como morto". Paulo usa essa palavra em
Colossenses 3.5 no sentido de mortificação da natureza adâmica. Abraão, mesmo
amortecido pela idade avançada, foi, pela fé, capaz de gerar descendência. Essa
descendência não era apenas física, mas, sobretudo, espiritual (Gl. 3.7-9).
"Todos
estes morreram na fé, sem terem recebido as promessas, mas, vendo-as de longe,
e crendo nelas, e abraçando-as, confessaram que eram estrangeiros e peregrinos
na terra" (v. 13). Um fato descrito aqui pelo autor e que vai contra a
crença popular é que quem tem promessas morre! Abraão, por exemplo, viu o
nascimento de lsaque, mas não viu a promessa da posse da terra de Canaã
concretizada. As pessoas as quais o autor acabou de referir-se morreram na fé,
sem, contudo, obterem a plenitude das promessas. Deve ser sublinhado que o
texto está falando de promessas não apenas no sentido físico, mas, sobretudo,
espiritual.
"Porque
os que isso dizem claramente mostram que buscam uma pátria" (v. 14).
Aqui, o autor demonstra que não estava se referindo apenas às promessas
materiais no versículo 13. Ao aceitar serem peregrinos e estrangeiros em terra
alheia, os patriarcas comportaram-se como quem de fato acredita em outra
pátria, a Canaã celestial.
"E se, na verdade, se lembrassem daquela
de onde haviam saído, teriam oportunidade de tornar" (v. 15) O
expositor Richard Taylor traduziu esse versículo assim: "E se eles
realmente tivessem lembrado daquela (terra) de onde tinham saído, eles teriam
tido continuamente a oportunidade de voltar".
"Mas,
agora, desejam uma melhor, isto é, a celestial. Pelo que também Deus não se
envergonha deles, de se chamar seu Deus, porque já lhes preparou uma
cidade" (v. 16). Abraão teve a oportunidade de voltar atrás, mas não voltou.
O contraste com a geração do êxodo a qual se refere o autor fica evidente. Os
israelitas que peregrinaram no deserto tentaram voltar para o Egito por
inúmeras vezes. O autor mostra que, da mesma forma que os patriarcas agiram,
indo sempre para frente em direção às promessas de Deus, os seus leitores
deveriam fazer o mesmo. Eles deveriam também ansiar a pátria melhor, a Canaã
celeste, e nunca pensar em voltar atrás.
"Pela
fé, ofereceu Abraão a /saque, quando foi provado, sim, aquele que recebera as promessas
ofereceu o seu unigênito" (v. 17). O verbo grego prosphero, "oferecer",
é um dos termos preferidos do autor de hebreus, ocorrendo 20 vezes no texto. O
seu sentido é o de"sacrificar", "oferecer sacrifícios". A
palavra "testou" (ARA) em vez de "tentou (ARC) traduz
melhor o termo grego peirasmos. Aqui, o seu sentido é determinado pelo
contexto, que é claramente de uma prova. A fé de Abraão é demonstrada no fato
de que o cumprimento das promessas de Deus feitas a ele dependia de um Isaque
vivo, e não morto. Muitas vezes, é preciso matar, mesmo simbolicamente, o
"Isaque" para que as promessas de Deus sejam cumpridas. Isaque não
era filho único de Abraão (havia também Ismael). Todavia, a palavra monogenes,
traduzida aqui como "unigênito", quer dizer "único do
gênero". Isaque era o filho da promessa, Ismael não.
"Sendo-lhe dito: Em Isaque será chamada
a tua descendência, considerou que Deus em poderoso para até dos mortos o
ressuscitar" (v. 18). Todas as promessas de Deus a Abraão estavam em lsaque:
"Em Isaque será chamada a tua descendência[...]". A fé de Abraão
acreditava que Deus era poderoso para ressuscitar uma promessa, mesmo que esta
tivesse morrido.
"E
daí também, em -figura, ele o recobrou" (v. 19). Abraão não chegou a
sacrificar !saque, mas, figuradamente, isso aconteceu! Na mente de Abraão,
quando Deus pediu Isaque, ele considerou a possibilidade de perdê-lo, mesmo que
momentaneamente. Abraão acreditava que, de alguma forma, as promessas de Deus
relativas a Isaque seriam cumpri das, mesmo que o Senhor tivesse que o
ressuscitar dentre os mortos.
"Pela
fé, /saque abençoou Jacó e Esaú, no tocante às coisas futuras" (v. 20). O autor tem o olhar sempre no
horizonte quando descreve a fé. Aqui, Isaque - e não Abraão - é o personagem
principal. A fé conduziu-o a abençoar seus filhos, Jacó e Esaú, com relação a
coisas que só o tempo poderia comprovar sua veracidade. Como abençoou, assim
aconteceu. A fé não é míope; ela enxerga longe.
"Pela
fé, Jacó, próximo da morte, abençoou cada um dos filhos de José e adorou
encostado à ponta do seu bordão" (v. 21). O autor sublinha o fato de Jacó
estar para morrer quando abençoou os filhos de José. Mesmo acamado, o velho
patriarca, em adoração a Deus, proferia uma benção profética. Sem dúvidas,
muitas profecias modernas não se cumprem porque são dadas por quem não adora.
"Pela
fé, José, próximo da morte, fez menção da saída dos -filhos de Israel e deu
ordem acerca de seus ossos" (v. 22). José não é conhecido apenas por sua
fidelidade, mas também por sua fé. Pela fé, ele faz menção do êxodo quando deu
instruções sobre os seus ossos. O que José viu pela fé foi cumprido à risca (Êx
13.19; Js 24.32). A fé enxerga longe e ,costuma honrar aquele que a exercita.
"Pela
fé, Moisés, já nascido, foi escondido três meses por seus pais, porque viram
que era um menino formoso; e não temeram o mandamento do rei" (v. 23). Uma
análise simples do relato de Êxodo não permite enxergar mais do que o cuidado de pais zelosos pelo
filho que tinham gerado (Êx 2.2). O autor usa a palavra asteios, traduzido
aqui como "formoso", para justificar esse instinto de proteção materno
e paterno. Essa mesma construção grega é usada por Estevão e Atos 7.20, onde significa
"agradável a Deus". F. F. Bruce destaca que "formoso"
"significa algo mais que sua condição de beleza. Havia algo na aparência
do menino que indicava que não era um menino comum, senão alguém destinado por
Deus para fazer grandes coisas".
"Pela
fé, Moisés, sendo já grande, recusou ser chamado filho da filha de Faraó" (v. 24). A Bíblia
não identifica quem era essa princesa que era filha de Faraó. Muitas
conjecturas são levantadas, mas não há certeza em nenhuma delas. O fato
relevante aqui é apontado para a fé de Moisés, que escolheu sofrer como um
peregrino do que viver na luxuosa vida dos faraós. A fé tirou-o do
palácio para colocá-lo no deserto. Todavia, essa mesma fé não o deixou lá. Ela
levou Moisés para o centro da vontade de Deus, que era livrar o seu povo da
escravidão do Egito.
"Escolhendo,
antes, ser maltratado com o povo de Deus do que por, um pouco de tempo, ter o
goza do pecado" (v. 25). O autor sublinha o fato da escolha feita por
Moisés. Nesse texto, o termo helomenos tem o sentido de "tendo
escolhido". Esse mesmo' vocábulo é usado por Paulo para retratar seu
dilema de escolher entre partir para estar com Cristo na eternidade ou ficar na
igreja (Fp 1.22). O autor quer sublinhar o dilema que Moisés tinha diante de si
- duas opções, mas ele teria somente uma para escolher. Aparentemente, a mais
vantajosa seria aquela que o faria permanecer no palácio em vez da outra, que o
expulsava de lá. A fé fez Moisés escolher a que contemplava a eternidade.
"Tendo,
por maiores riquezas, o vitupério de Cristo do que os tesouros do Egito; porque
tinha em vista a recompensa" (v. 26). Nessa passagem, o contraste é entre
"riquezas" e "vitupério". Moisés fez uma escolha entre
viver "honrado" ou "desonrado". Viver no palácio era viver
no luxo, no glamour. Em contrapartida, ficar do lado dos cativos era ser
exposto ao desprezo. Mas a fé não vê o que é imediato; ela vê o longe. Aqui,
Moisés não viu os luxuosos palácios faraônicos, mas, sim, o rude monte
Calvário.
"Pela
fé, deixou o Egito, não temendo a ira do rei; porque ficou firme, como vendo o
invisível" (v. 27). Viver pela fé envolve desafios. Muitas vezes, significa
remar contra a correnteza. Outras vezes, significa conquistar muitos inimigos.
No entanto, nada disso abalou Moisés - ele lançou-se nos braços da fé porque
conseguia ver o que ninguém via. Ele via a Cristo.
"Pela
fé, celebrou a Páscoa e a aspersão do sangue, para que o destruidor dos
primogênitos lhes não tocasse" (v. 28). O ritual da Páscoa está registrado
em Exodo 12. A Páscoa apontava para Cristo. O cordeiro deveria
ser sem defeito ( x 12.S); o sangue deveria ser posto do lado de fora, nas
umbreiras, para proteger quem estivesse dentro, só há segurança para quem está
na Igreja, em Cristo C x 12.7). A Páscoa deveria ser realizada com pães ázimos,
isto é, sem fermento C x 12.8), pois o fermento incha! A vida cristã não
pode ter inchaços. Fazia parte do ritual da Páscoa a presença de ervas amargas
(:Êx 12.8). A vida cristã não é só prosperidade, mas também adversidades. Em
muitos momentos da vida, para manter-se o testemunho cristão, é necessário
comer ervas amargas. O cordeiro deveria ser comido assado (Êx 12.9-10). A vida
do cristão não pode ser "cozinhada", nem tampouco "crua",
mas queimada com fogo (Mt 3.11; At 2.3). Nada da Páscoa podia ser usado para
outros fins (Êx 12.10). A vida do crente é consagrada a Cristo e não deve ser
usada para fins profanos.
Pela
fé, passaram o mar Vermelho, como por terra seca; o que intentando os egípcios,
se afogaram" (v. 29). A fé cria desertos dentro d'água. Às vezes, constrói
pontes onde não há nenhuma (Mt 14.29).
"Pela
fé, caíram os muros de Jericó, sendo rodeados durante sete dias" (v.30).
Aqui, o autor põe em destaque a fé de Josué. Os capítulos 1 a 7 do livro de
Josué revelam essa grande façanha conquistada pela fé. Primeiramente, vemos que
os homens passam, mas Deus continua o mesmo (Js 1.1,2); conquistas futuras são
determinadas por decisões tomadas no passado (Js 1.2-7); mais importante do que
manusear uma espada é o manuseio da Palavra (Js 1.7-9); conflitos e guerras não
são para amadores, mas para pessoas treinadas, habilitadas (Js 1.14); nenhuma
fortaleza é conquistada sem antes ser conhecida (Js 2.1); se Deus estiver
atrás, não importa quem está na frente (Js 3.1-3); antes da bênção, deve vir a
consagração (Js 3.5, 15,16); devemos levar sobre os ombros somente
"pedras" de gratidão (Js 5.5-7); se não cortarmos a própria carne,
não há livramento completo (Js 5.1-9); devemos manter nossos olhos no céu, mas
sem esquecer que temos nossa missão aqui na terra (Js 5.11-12); quando Deus
está no comando, ganha-se até no "grito" (Js 6.1-6); devemos aprender
que não há explicação para o inexplicável (Js 6.14-16); quem se cobre com o
manto do pecado ficará descoberto depois (Js 6.17; 7.21).
"Pela
fé, Raabe, a meretriz, não pereceu com os incrédulos, acolhendo em paz os
espias" (v. 31). A fé transformou Raabe, a meretriz, em uma filha de Deus.
E mais: de Raabe, vem a linhagem do Messias. Ela casou-se com Salmom e deu à
luz Boaz, bisavô de Davi. Dessa forma, Raabe tornou-se da linhagem de Jesus.
"E
que mais direi? Faltar-me-ia o tempo contando de Gideão, e de Baraque, e de
Sansão, e de Jefté, e de Davi, e de Samuel, e dos profetas" (v. 32). O
autor coloca outros homens do Antigo Testamento na galeria da fé: Gideão, que,
com seus 300 homens, derrotou os midianitas; Baraque, que, juntamente com Débora,
deu grande livramento a Israel; Sansão, que, com sua força extraordinária,
proveu grandes livramentos a seu povo; Jefté, que, mesmo tendo feito um voto
precipitado, transformou -se num hábil guerreiro; Davi, o estrategista militar
por excelência e o homem segundo o coração de Deus; Samuel, o último dos juízes
e um profeta respeitado entre seu povo. Por fim, o autor cita os profetas nessa
galeria que fizeram coisas estrondosas por meio da fé.
"Os
quais, pela fé, venceram reinos, praticaram a justiça, alcançaram promessas,
fecharam as bocas dos leões" (v. 33). Aqui, o autor não é específico em
sua citação. A vitória sobre reinos pode ser a conquista da terra de
Canaã sob a liderança de Josué ou as muitas vitórias de Davi. A prática da
justiça é muito comum nos profetas que exigiam dos reis uma maior atenção ao
desamparado. Alguém observou que 60% das profecias do Antigo Testamento estão
relacionadas com a justiça social. Eles também alcançaram as promessas.
"Apagaram
a força do fogo, escaparam do fio da espada, da fraqueza tiraram forças, na
batalha se esforçaram, puseram em fugida os exér citos dos estranhos" (v. 34). A
citação sobre o fogo é, provavelmente, extraída de Daniel 3.1-30. A referência
à espada não é tão especifica. Pode ser uma referência ao profeta Elias, que
escapou da espada de Jezabel (1 Rs 19.2-8), ou ao profeta Jeremias (Jr
36,19,26). As vitórias nas batalhas não são fáceis de precisar. Há muitos
eventos no Antigo Testamento que podem ser identificados dentro da descrição do
autor.
"As
mulheres receberam, pela ressurreição, os seus mortos; uns foram torturados,
não aceitando o seu livramento, para alcançarem uma melhor ressurreição" (v.
35). A referência à ressurreição é perfeitamente identificada com a viúva de
Sarepta (1 Rs 17.17-24) e a Sunamita (2Rs 4.25-37). Outros foram torturados por
sua fé.
"E
outros experimentaram escárnios e açoites, e até cadeias e prisões" (v. 36).
Bruce vê aqui uma referência ao profeta Jeremias (Jr 20.2; 20.7; 37.15). O
homem que viu a promessa da chegada da Nova Aliança (Jr 31) deve servir de
exemplo àqueles que agora viviam esse novo pacto.
"Foram
apedrejados, serrados, tentados, mortos a fio da espada; andaram vestidos de
peles de ovelhas e de cabras, desamparados, aflitos e maltratados" (v.
37). As citações são genéricas, mas é possível identificar aqui o apedrejamento
de Zacarias (2 Cr 24.20,22; Mt 23.35). C. S. Keener entende que o autor está
aludindo aqui a tradição na qual se afirma que o profeta Isaías fora cerrado ao
meio. É possível associar os vestidos de
pelo de cabra ao profeta Elias. O expositor Richard Taylor observou que:
"a
fé em tempos prósperos logo desaparece diante do assalto violento das
tempestades que abalam a alma. Se a fé é relevante somente para ser feliz e
próspera neste mundo, ela não passa de uma muleta débil e inútil de um
mundanismo egoísta. A verdadeira fé cristã, por outro lado, encontra seu
maior triunfo, não nos feitos visíveis, mas numa confiança e equilíbrio
interior quando não existem circunstâncias encorajadoras. A fé mais brilhante é
uma fé que é brilhante quando o certo é derrotado e o errado está no trono,
quando a vida parece completamente irracional".
"(homens dos quais o mundo não era
digno), errantes pelos desertos, e montes, e pelas covas e cavernas da
terra" (v. 38). Esses heróis, dos quais o mundo não era merecedor, que
deveriam ser honrados, reconhecidos, viveram como errantes no mundo. Todavia,
aceitaram viver uma vida à margem da sociedade do que perder as promessas de
Deus. "E todos estes, tendo tido testemunho pela fé, não alcançaram a
promessa" (v. 39). A promessa não alcançada aqui é a mesma que os
crentes judeus deveriam aguardar. Os crentes da Antiga Aliança morreram por
ela, e os da Nova devem fazer o mesmo.
"Provendo
Deus alguma coisa melhor a nosso respeito, para que eles, sem nós, não fossem
aperfeiçoadas" (v. 40). Eles viveram na fé, porém na sombra das promessas. Os
crentes da Nova Aliança vivem já a realidade dessa promessa com a morte,
ressurreição, glorificação de Cristo e o consequente derramamento do Espírito
Santo. O termo grego teleioô, traduzido aqui como aperfeiçoar, tem o
sentido de alcançar o alvo ou objetivo. Para o autor, só existe um povo
de Deus ou igreja, constituída pelos santos da Antiga e Nova aliança. Quando
todo o povo de Deus estiver junto, então o alvo foi alcançado. Adam Clarke
comenta: "Posto que o evangelho é a última dispensação, os fiéis das
dispensações anteriores não podem ser concluídos (aperfeiçoados), mesmo na glória, senão até que a igreja chegue aos céus dos
céus".
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