CLASSE ADULTO- L 9 - Contrastes na Adoração da Antiga e Nova Aliança. Comentário de Hebreus 9.1-28 '

Extraído do livro: A supremacia  de  Cristo , Fé, esperança  e ânimo na carta aos Hebreus.
José Gonçalves.



Neste capítulo, o autor continua sua argumentação acerca da superioridade de Jesus sobre o antigo sistema levítico, pondo aqui em destaque o santuário terrestre em contraste com o celestial. Nesta seção, que tem início aqui e estende-se até Hebreus 10.28, o autor contrastará a adoração levítica com a adoração cristã.
            "Ora, também o primeiro tinha ordenanças de culto divino e um santuário terrestre" (v. 1). Visto o autor já ter discorrido sobre o antigo pacto na seção anterior, o termo “aliança” ou "pacto” está subentendido nesse versículo, embora não conste no texto grego. O seu argumento põe em relevo a superioridade de Cristo, ministro da Nova Aliança, com o antigo sistema levítico, pertencente à Antiga Aliança. Tanto na Antiga como na Nova, o alvo do culto é a adoração. Isso é percebido na expressão dikaiomata latreias (culto divino), onde o termo latreo é frequentemente usado nas Escrituras com referência à adoração. A intenção do autor é chamar a atenção para a natureza dessas duas alianças — uma com seu sistema de adoração terrena, e a outra com uma adoração espiritual. A palavra grega kosmikon, traduzida como “deste mundo" ou “terrestre”, não tem conotação moral aqui, mantendo o sentido daquilo que pertence a esta esfera física.1 O antigo Tabernáculo, mesmo com toda a sua estrutura, pertencia a essa dimensão.            "Porque um tabernáculo estava preparado, o primeiro, em que havia o candeeiro, e a mesa, e os pães da proposição; ao que se chama o Santuário" (v. 2). A Antiga Aliança possuía seu santuário terrestre e seu ritual litúrgico com os elementos formadores do culto e da adoração. Aqui, o autor usa o termo grego skené {tenda) para referir-se aos dois compartimentos do Tabernáculo — o santo lugar e o Santo dos Santos. O expositor Neil R. Lightfoot observa que "desde que os dois compartimentos eram separados por uma cortina, o autor fala deles como de duas tendas distintas”.2 Na descrição do autor, no primeiro compartimento, estava o candeeiro, também conhecido como menorah, e a mesa, onde ficavam os pães da proposição (Êx 25-26). O candeeiro era feito de ouro, possuía sete braços e era posto junto à parede do lado sul. O candeeiro era a única fonte de iluminação do santuário e devia permanecer sempre com suas lâmpadas acesas, o que é visto como um símbolo da iluminação do Espírito Santo. Do lado oposto, ficava a mesa com os 12 pães da proposição, que era uma alusão às 12 tribos de Israel e representava a divina provisão de Deus. Esses pães eram trocados aos sábados, sendo os antigos comidos pelos sacerdotes, e, em seu lugar, recebiam a reposição dos novos pães. Esses pães são tidos pelos estudiosos como um tipo de Cristo e a provisão que Ele trouxe para seu povo.
"Mas, depois do segundo véu, estava o tabernáculo que se chama o Santo dos Santos" (v. 3). O autor prossegue com sua descrição do Tabernáculo. Vimos que ele usa a palavra "tabernáculo" para referir-se tanto ao "santo lugar", como sendo o primeiro Tabernáculo, e ao "Santo dos Santos", como sendo o segundo Tabernáculo. Na sua descrição, o "Santo dos Santos", ou o segundo Tabernáculo, estava depois do segundo véu. O Santo dos Santos era o local mais sagrado do Tabernáculo. Aqui, ele fala do "segundo véu" porque havia um "primeiro véu" na entrada do Tabernáculo. É esse segundo véu, um símbolo da separação entre o homem e Deus, que se rasgou quando Jesus morreu na cruz do Calvário.
"Que tinha o incensário de ouro e a arca do concerto, coberta de ouro toda em redor, em que estava um vaso de ouro, que continha o maná, e a vara de Arão, que tinha florescido, e as tábuas do concerto" (v. 4). Na descrição dos utensílios que faziam parte do segundo Tabernáculo (ou Santo dos Santos), o autor põe o incensário de ouro e a arca do concerto. Uma das coisas de fácil percepção para um leitor atento é que o autor parece não seguir a descrição veterotestamentária quando descreve os utensílios que faziam parte do Santo dos Santos. Por exemplo, ele põe o altar do incenso como sendo um dos utensílios do Santo dos Santos. A meu ver, uma das melhores explicações desse texto foi dada pelo erudito Neil R. Lightfoot.
Primeiramente, a confusão existe por causa de uma má interpretação da palavra grega thymiaterion, que passou a ser traduzida como "incensário", em vez de "altar do incenso".3 Desde que a vulgata latina e a peshitta, antiga tradução siríaca, traduziram thymiaterion como sendo uma referência ao incensário, muitas outras traduções fizeram o mesmo. Alguns intérpretes tentam justificar essa aparente discrepância argumentando que o autor referia-se ao incensário usado por Arão no dia da Expiação (Lv 16.12-13). Todavia, esse incensário não fazia parte dos utensílios do Santo dos Santos e nem era guardado lá, visto que o sumo sacerdote precisava usá-lo para levar brasas do altar para o Santo dos Santos.
Em segundo lugar, o equívoco ocorre por causa da localização imprecisa desse altar dentro do Tabernáculo. Como vimos, na descrição do autor, o altar do incenso parece ser posto como sendo utensílio do Santo dos Santos. Entretanto, segundo o relato de Êxodo 30.6, o altar do incenso estava posto "diante do véu que está diante da arca do Testemunho". Dessa forma, a descrição do Êxodo põe o altar do incenso no "santo lugar" em vez de no "Santo dos Santos", como faz o autor de Hebreus. É improvável e até mesmo impossível o autor não ter consciência desse fato, pois ele sabia que, se o altar do incenso es­ tivesse dentro do Santo dos Santos, os sacerdotes comuns teriam que entrar repetidamente nesse recinto para oferecer sacrifícios, o que não era permitido (Lv 16.2). De acordo com o livro de .Êxodo, o altar do incenso ficava estrategicamente diante do véu para que sua fumaça penetrasse no Santo dos Santos.
A aparente discrepância desaparece quando somos informados pelo relato bíblico de que o sumo sacerdote, no dia da Expiação, fazia uma expiação anual sobre o altar do incenso (.Êx 30.1O).
Esse fato fazia que o altar do incenso e o Santo dos Santos ficassem ligados por esse importante rito. Isso justifica a explicação do autor, que, ao referir-se ao segundo Tabernáculo (ou Santo dos Santos), disse que ao mesmo "pertencia o altar de ouro para incenso", em vez de ter dito "no qual estava o altar de ouro do incenso e a arca do concerto". Noutras palavras, devido à sua proximidade com o Santo dos Santos, separado deste apenas por uma cortina, o altar do incenso, que não estava no interior do mesmo, passava a pertencer ao santuário mais interior pelo vínculo estabelecido pelo ritual da expiação anual. Os expositores A. B. Bruce, A. B. Davidson, Wescoot, dentre muitos outros, veem apoio léxico para essa explicação. A expressão "tinha", usada no versículo 4, traduz o termo grego echousa e é melhor traduzida como "pertencia". Por outro lado, no versículo 2, a expressão "em que havia", que traduz os termos gregos em he, é melhor traduzida como "onde estavam". Em palavras mais simples, o autor afirma categoricamente no versículo 2 que determinados utensílios fazem parte do primeiro compartimento do Tabernáculo, isto é, o santo lugar. Por outro lado, quando se refere ao altar do incenso, o autor não afirma isso, mas, sim, que o mesmo passava a pertencer, devido à importância do ritual da expiação ao segundo Tabernáculo, isto é, o Santo dos Santos.4
"E sobre a arca, os querubins da glória, que faziam sombra no propiciatório; das quais coisas não falaremos agora particularmente" (v. 5). Esse versículo é uma continuação da exposição que o autor fez no versículo 4. Esse termo é frequentemente usado no contexto da Bíblia para fazer referência à expiação em prol do pecado. O propiciatório era a tampa da Arca da Aliança. A palavra "propiciatório" é a tradução da palavra grega hilasterion, que ocorre aqui e em Romanos 3.25. Essa palavra (que também ocorre em Hebreus 2.17) é derivada do verbo grego hilaskomai, que, em Lucas 18.13, é usada pelo publicano para pedir "misericórdia" (hilaskomai) a Deus. Devido a esse fato, as antigas versões em inglês traduziram hilasterion como "assento da misericórdia". Sobre o propiciatório, eram colocados os querubins, seres que, na sua representatividade, apareciam de forma composta, tendo a face humana, corpo e animal e asas de pássaro ( x 25.18-20). Esses querubins eram uma representação da glória de Deus.
"Ora, estando essas coisas assim preparadas, a todo o tempo entravam os sacerdotes no primeiro tabernáculo, cumprindo os serviços" (v. 6). Tendo descrito os utensílios do Tabernáculo, o autor volta-se para os oficiantes do culto. Muitas vezes, pensa-se que esses sacerdotes estavam presos apenas a uma infinidade de práticas rituais. Todavia, para o autor, eles estavam prestando adoração a Deus no culto do qual participavam, mesmo que essa adoração fosse imperfeita, limitada e temporal. Isso é mostrado pelo uso do vocábulo grego latreia (adoração), traduzida aqui como "serviços".
"Mas, no segundo, só o sumo sacerdote, uma vez no ano, não sem sangue, que oferecia por si mesmo e pelas culpas do povo" (v. 7). Nesse contexto, a palavra "segundo" é uma referência ao segundo compartimento do Tabernáculo, denominado de "Santo dos Santos". Nessa parte do santuário, os sacerdotes comuns não podiam entrar. Somente o sumo sacerdote, uma vez no ano, no Dia da Expiação, entrava no Santo dos Santos com o sangue de um animal inocente para oferecer sacrifícios por ele mesmo e pelo povo. O autor usa a palavra grega agnoema, que ocorre somente aqui no Novo Testamento para referir-se aos pecados cometidos por ignorância. São faltas cometidas devido à fragilidade humana, e não aos erros que são praticados intencionalmente.
"Dando nisso a entender o Espírito Santo que ainda o caminho do Santuário não estava descoberto, enquanto se conservava em pé o primeiro tabernáculo" (v. 8). O expositor Donald Hegner entende que o autor referia-se às duas partes principais do Tabernáculo - o santo lugar e o Santo dos Santos, como vinha fazendo até aqui. Dessa forma, a expressão "santuário", do grego tôn hagion, seria uma referência à parte mais interior, isto é, o Santo dos Santos, enquanto a expressão "primeiro tabernáculo" seria uma referência ao lugar mais externo, isto é, o santo lugar. Esse fato ficaria demonstrado quando o autor, no versículo 12, afirma que Cristo entrou no "santuário", o que é uma referência clara ao "Santo dos Santos".5 Hegner não está errado. De fato, esse é o argumento exposto pelo autor até aqui. Todavia, especificamente nesse versículo, o contexto favorece uma referência a todo o santuário da Antiga Aliança, como acertadamente expõe F. F. Bruce. O fato é que, enquanto o sistema sacerdotal levítico fosse mantido de pé, o acesso à presença de Deus, representada aqui pelo "Santo dos Santos", não estaria ainda disponível.6
"Que é uma alegoria para o tempo presente, em que se oferecem dons e sacrifícios que, quanto à consciência, não podem aperfeiçoar aquele que faz o serviço" (v. 9). Para o autor, toda a estrutura do Tabernáculo, bem como todo o sistema sacerdotal levítico, funcionavam como uma figura ou parábola de uma realidade muito maior - o sacrifício de Cristo. Ambas eram uma sombra de uma realidade superior que agora havia chegado. O verbo grego prospherontai, que aqui está no presente do indicativo passivo, também ocorre no versículo 7. Esse verbo, que é traduzido como "trazer", "oferecer", "apresentar" e "sacrificar", tem o sentido de "aquele que presta culto", um adorador. Na antiga aliança, a adoração era imperfeita e incompleta, visto que todo o sistema levítico também o era.
"Consistindo somente em manjares, e bebidas, e várias abluções e justificações da carne, impostas até ao tempo da correção" (v. 10). Esses elementos do antigo culto, juntamente com sua simbologia, eram ineficazes porque não tratavam do interior do homem, mas somente do seu aspecto externo. É nesse aspecto que o autor refere­
-se aos mesmos como sendo uma "parábola", isto é, uma figura que tratava com a "carne", mas que nada podiam fazer para resolver o problema espiritual das pessoas. Cleon Rogers observa que os dons e sacrifícios oferecidos no antigo culto só podiam purgar a carne, não a consciência.7
"Mas, vindo Cristo, o sumo sacerdote dos bens futuros, por um maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, isto é, não desta criação" (v. 11). A expressão grega tôn genomenôn agathon foi traduzida como "bens já realizados" na Almeida Revista e Atualizada (ARA); é preferível "bens futuros", da Almeida Revista e Corrigida (ARC). A intenção do autor é mostrar que Cristo é a realização daquilo que o sistema levítico simbolizava, ou era apenas uma sombra. Longe de ser apenas uma figura, o santuário celeste é mais perfeito (gr. meizon teleioteros) do que o terreno. "No típico pensamento do primeiro século, os céus eram puros, perfeitos e imutáveis; o tabernáculo celestial, então, seria o protótipo perfeito para o terreno e o único que finalmente era necessário.''8 "Nem por sangue de bodes e bezerros, mas por seu próprio sangue, entrou uma vez no santuário, havendo efetuado uma eterna redenção" (v. 12). Esse versículo mostra a radical diferença entre o sistema levítico de sacrifício e aquele realizado por Cristo. Os sacerdotes na Antiga Aliança ofereciam sacrifícios com sangue de animais; Cristo, porém, entrou no santuário com seu próprio sangue. Ele foi a oferta. Em vez de entrar repetidas vezes, como fazia os antigos oficiantes, Cristo entrou
no Tabernáculo celeste uma vez para sempre.
"Porque, se o sangue dos touros e bodes e a cinza de uma novilha, esparzida sobre os imundos, os santificam, quanto à purificação da carne" (v. 13). O autor tem em mente os textos de Levítico 16.15-16 e Números 19.9 e 17.9 quando descreve os rituais envolvendo animais na Antiga Aliança. Esses rituais visavam qualificar as pessoas que se
tornaram cerimonialmente impuras pelas práticas descritas nesses textos a terem um relacionamento entre elas e Deus. Era, todavia, apenas uma purificação externa. Em vez de "purificação da carne", a Nova Versão Internacional traduz como "se tornam exteriormente puros". O altar e o livro aqui mencionados são símbolos do pacto divino que Deus estabeleceu com os homens. O expositor Júlio Montalvo faz uma importante distinção entre o sacrifício de Cristo e aqueles realizados na Antiga Aliança.

1. O sangue de Cristo tem muito mais poder para limpar o pecado que o sangue de sacrifícios de animais. 2. O sangue de Cristo restaura a aliança entre Deus e os homens. 3. Por­ que Ele veio diante de Deus para interceder uma vez por nossos pecados (vv. 23-28). Cristo veio à presença de Deus no santuário do céu para representar-nos. 4. O sacrifício de Cristo não é repetido como o levítico; Cristo ofereceu um único sacrifício, perfeito e espiritual, que previa o perdão completo e purificação. 5. A morte de Cristo não se repete, porque Cristo tomou a natureza humana para morrer, e é estabelecido que os homens devem morrer uma só vez. 6. A aparição de Cristo pela segunda vez neste mundo confirmará a salvação que Ele nos comprou com o seu sangue. 9

"Quanto mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus, purificará a vossa consciência das obras mortas, para servirdes ao Deus vivo?" (v. 14). O ritual levítico tratava com o aspecto externo; o sacrifício de Cristo trata com o interior do homem. A expressão "Espírito eterno" é uma clara alusão ao Espírito Santo e sua relação com o ministério de Cristo (Is 42.1). O ministério de Cristo foi autenticado pelo Espírito Santo (At 10.38). Aqui, ele é associado à redenção (Ef 4.30). O sangue de Cristo purifica o mais interior da alma, limpando a consciência daquilo que é pecaminoso.
"E, por isso, é Mediador de um novo testamento, para que, intervindo a morte para remissão das transgressões que havia debaixo do primeiro testamento, os chamados recebam a promessa da herança eterna" (v. 15). O expositor F. F. Bruce observou que Cristo é, ao mesmo tempo, mediador e fiador dessa Nova Aliança. 10 A eficácia do sacrifício de Cristo está no fato de que sua morte remiu não somente os crentes da Nova Aliança, mas também todos os que estavam debaixo da Antiga.
A. T. Robertson comenta:

"Aqui, há uma declaração definitiva de que o valor real dos sacrifícios típicos, debaixo do sistema do AT, estava na sua realização na morte de Cristo. É a morte de Cristo que' da valor aos tipos que apontavam para Ele. Assim, o sacrifício expiatório de Cristo é a base da salvação de todos que são salvos antes da cruz e desde então".11

"Porque, onde há testamento, necessário é que intervenha a morte do testador" (v. 16). O Testamento era um documento selado, aberto e que entrava em vigor com a morte do testador. C. S. Keener destaca que os antigos pactos eram selados com sangue. 12
"Porque um testamento tem força onde houve morte; ou terá ele algum valor enquanto o testador vive?" (v. 17). A pergunta retórica do autor requer um "não" como resposta. Tanto na lei romana como nos preceitos estabelecidos na Antiga Aliança, estipulava-se que um testa­ mento entrava em vigor somente após a morte do testador. A ideia do autor é reforçar o argumento da necessidade da morte de Cristo para que a Nova Aliança tivesse valor legal.
"Pelo que também o primeiro não foi consagrado sem sangue" (v. 18). Até mesmo a Antiga Aliança necessitou ser selada com sangue para ter valor. Esse versículo mostra que o sangue derramado de animais deu legalidade ao Antigo Testamento. Esse fato é corroborado no versículo 19. "Porque, havendo Moisés anunciado a todo o povo todos os mandamentos segundo a lei, tomou o sangue dos bezerros e dos bodes, com água, lã purpúrea e hissopo, e aspergiu tanto o mesmo livro como todo o povo" (v. 19). Esse versículo aponta para :Êxodo 24.3-8, mesmo que alguns elementos citados pelo autor não se encontrem na passagem do segundo livro de Moisés. É possível que, além do texto bíblico, o autor seguisse uma antiga tradição judaica a qual não conhecemos. O autor detalha que não somente o livro da aliança, mas também "todo o povo" foram aspergidos também. Donald Guthrie destaca que "o fato de que não só o próprio livro, como também todo o povo foram aspergidos demonstra que a aliança envolvia a cooperação dos parceiros humanos, que precisavam de uma purificação especial para serem tomados dignos de participar".13

"Dizendo: Este é o sangue do testamento que Deus vos tem mandado" (v. 20). É possível que esse versículo faça um paralelo com o ritual da Ceia do Senhor, conforme descrita em 1 Coríntios 11.25 e também com as palavras do apóstolo Pedro (1 Pe 1.2). Tanto o antigo pacto como o novo foram ratificados com sangue.
"E semelhantemente aspergiu com sangue o tabernáculo e todos os vasos do ministério" (v. 21). O terceiro livro de Moisés, Levítico, mostra que o Tabernáculo foi ungido com óleo, porém omite qualquer referência ao sangue. Todavia, Flávio Josefo (37 d.C.-100 d.C.), em seu livro Antiguidades Judaicas, diz que o Tabernáculo foi aspergido tanto com sangue como com óleo. Josefo, inclusive, afirma que até mesmo as vestimentas dos sacerdotes, os utensílios sagrados e as demais coisas eram purificados com sangue. A intenção do autor é mostrar a importância que o sangue possuía dentro do ritual da antiga aliança e como ele apontava para o sangue de Cristo. 14
"E quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue; e sem derramamento de sangue não há remissão" (v. 22). Esse é um versículo chave em Hebreus. Na Antiga Aliança, o sangue era necessário para fazer expiação (Lv 17.11), e o autor extrai dessa verdade a necessidade da expiação dos pecados pelo sangue de Cristo. Na Antiga Aliança, o autor fala de "coisas" que eram purificadas; todavia, na Nova Aliança, essa purificação não acontece com coisas, mas, sim, com pessoas. São as pessoas, que estão debaixo do jugo do pecado e da condenação, que necessitam do perdão de Deus. Cristo veio purificar o pecador por seu próprio sangue. A palavra "purificar", do grego katharizetai, ocorre 31 vezes no Novo Testamento grego. No Novo Testamento, ela aparece com os sentidos de ritual, cerimonial, ético-moral e espiritual (Mt 8.2; Lc 11.39; At 10.15; 15.9). Nesse texto, o seu sentido é espiritual, mostrando a eficácia do sangue de Cristo na purificação e perdão dos pecados (2 Co 7.1; Tt 2.14; Hb 9.14; 1 Jo 1.7).
"De sorte que era bem necessário que as figuras das coisas que estão no céu assim se purificassem; mas as próprias coisas celestiais, com sacrifícios melhores do que estes" (v. 23). Em sua Homilia Sobre el Levítico, Orígenes (185 d.C.-254 d.C.) observa que aquilo que é "descrito na Lei não é mais do que 'cópia' e 'tipo' de uma realidade viva e verdadeira".15 É exatamente isso o que o autor está afirmando aqui. Todo o sistema sacrificial do antigo pacto não passava de uma sombra da qual Cristo é a realidade. Os sacrifícios de animais tinham valor cerimonial, transitório e externo; todavia, o sacrifício de Cristo possui valor eterno e espiritual. Ele era em tudo superior ao sistema levítico. O expositor Fritz Laubach entende que, aqui, as "coisas celestes" são usadas no sentido literal:

"A queda pelo pecado humano, a rebelião do ser humano contra Deus, não somente teve efeito sobre a criatura na criação visível (Rm 8.20-22), mas também turbou a ordem do mundo celestial. O santuário celestial carece igualmente da força purificadora do sangue. Para isso, sacrifícios de animais da terra são insuficientes".16

Todavia, é melhor entendermos esse texto não no mesmo sentido que Laubach, que afirma haver uma suposta imperfeição no céu, mas, sim, como uma metáfora das coisas espirituais. F. F. Bruce expôs desta forma:

"O que necessitava de limpeza era a consciência contaminada de homens e mulheres. Essa é a purificação que corresponde à esfera espiritual. O argumento do v. 23 pode ser parafraseado

dizendo que, enquanto o ritual de purificação é adequado para a ordem material, que não é senão uma figura terrena da ordem espiritual, necessita-se de uma classe melhor de sacrifício para realizar uma purificação na ordem espiritual".17

No contexto da Nova Aliança, são os homens e mulheres, agora templos do Espírito Santo, que necessitam de purificação.
"Porque Cristo não entrou num santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo céu, para agora comparecer, por nós, perante a face de Deus" (v. 24). O santuário terrestre foi feito conforme o modelo que Moisés recebera no monte; todavia, ele fora confeccionado por mãos humanas. Cristo, ao contrário, entrou no santuário celeste, do qual o terrestre era apenas uma figura. Nesse santuário celeste, Ele oficia como Sumo Sacerdote em favor da Igreja (Rm 8.34).
"Nem também para a si mesmo se oferecer muitas vezes, como o sumo sacerdote cada ano entra no Santuário com sangue alheio" (v. 25). O sistema sacerdotal da Antiga Aliança exigia que, ano após ano, o sumo sacerdote entrasse no santuário para apresentar o sacrifício da expiação. O sacerdócio de Cristo, visto ser de natureza eterna e definitiva, não apresenta essa imperfeição.
"Doutra maneira, necessário lhe fora padecer muitas vezes desde a fundação do mundo; mas, agora, na consumação dos séculos, uma vez se manifestou, para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo" (v. 26). O problema do pecado, que entrou no mundo através de Adão, nunca havia sido tratado de forma definitiva até à vinda de Cristo. Desde a instituição do sistema sacerdotal levítico, os sacerdotes no santo lugar e o sumo sacerdote no Santo dos Santos necessitavam oferecer seus sacrifícios ano após ano. Tudo isso terminou quando Cristo entrou no santuário celeste.
"E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo, depois disso, o juíza" (v. 27). Há uma analogia entre a morte dos homens e a morte de Cristo; todavia, há uma diferença abissal entre ambas. A morte dos homens foi "ordenada", ou seja, não tem como escapar e fugir dela! Entretanto, a morte de Cristo foi voluntária, uma entrega a favor dos homens.

"Ninguém está isento desta experiência. A diferença entre a morte de Cristo e todas as demais é que a dEle foi voluntária, ao passo que para todos os demais é ordenada (apokeitai), isto é, armazenada para eles. A expectativa de que alguns escaparão à morte (cf. 1 Ts 4.lSss.) é uma exceção à regra geral declarada, ocasionada pelo evento especial da vinda de Cristo. Não está, portanto, em conflito com esta declaração em Hebreus".18



"Assim também Cristo, oferecendo-se uma vez, para tirar os pecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o esperam para a salvação" (v. 28). O autor ressalta o caráter voluntário do sacrifício de Cristo, colocando-o, porém, dentro da esfera escatológica. A figura é tirada da redação da Septuaginta, Isaías 53.12. Quando Cristo veio pela primeira vez, veio para fazer expiação pelo pecado. Mas, agora, o autor diz que Ele voltará uma segunda vez, não mais para tratar do problema do pecado, mas, sim, para aqueles que o esperam para a salvação. Donald Guthrie comentou oportunamente que

"as palavras sem pecado (chàris hamartias - "não para tratar dos pecados" - RSV) rapidamente colocam um aspecto diferente na analogia. O pecado não precisa de mais expiação. Tudo quanto é necessário é a apropriação da salvação que a oferta que Cristo fez de si mesmo obteve por nós. O verbo traduzido "aguardam" (apekdechomenois) ocorre em 1 Coríntios 1.7, Filipenses 3.20 e Romanos 8.19,23,25 e em cada caso a respeito da grande expectativa dos crentes que aguardam as glórias do porvir". 19


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