Depois dessa análise exegética, duas coisas
ficam em relevo. Em primeiro lugar, a teoria que tentou converter o texto de
Hebreus 6.4-6 em um caso meramente "hipotético" não se sustenta. Para
firmar-se, essa teoria passou a depender de uma obra de engenharia teológica
muito grande, edificando-se sobre fundamentos léxicos e gramaticais
inexistentes no texto. Sua principal coluna de sustentação, uma suposta
condicionalidade do texto, foi demolida pela redação original do Novo
Testamento. Por outro lado, aqueles que defendem que o texto refere-se a
"réprobos" não conseguem explicar por que esse "não-salvo",
que nunca foi regenerado e que permanece nos seus delitos e pecados tenha tido
os mesmos privilégios que são reservados exclusivamente aos salvos. Por que
Deus permitiria a esse "não-salvo" receber da parte dEle
"iluminação", "provar do dom celestial", "participar
do Espírito Santo" e "experimentar a Palavra de Deus e os poderes do
mundo vindouro" para, logo em seguida, ter que jogá-lo no Inferno? Da
mesma forma, a tese que tenta "retirar" a apostasia do texto de
Hebreus 6,4 6 enfrenta problemas contextuais e
semânticos insuperáveis. A própria carta aos Hebreus usa esse termo apostasia em Hebreus 3.12, e os
eruditos destacam que o termo grego parapipto
usado em Hebreus 6.4- 6 deve ser visto como sinônimo de apostasia que ocorre em Hebreus 3.12 (veja Bruce). Da mesma forma, não
há como negar que Hebreus 10.26-29 é uma referência clara àquilo que o autor
descreveu em He breus 3.12 e 6.4-6, isto é, a queda da fé. De fato, Richard C.
Trench, em seu clássico Synonyms of
the New Testament, destaca que Hebreus 6.6 "é equivalente ao ekousioshamartánein de 10.26, ao apostenai apo Theouzantos de
3.12".
Em segundo lugar, convém destacar que a
linguagem sobre a segurança do crente encontrada em Hebreus não destoa daquela
encontrada em outras Escrituras do Novo Testamento. A salvação é pela graça,
mas não é compulsória. Somos eleitos no Filho de Deus, mas cabe a nós
respondermos à obra santificadora do Espírito Santo (Ef 4.30). Nossa salvação
está condicionada a nossa obediência e permanência em Cristo (Cl 2.6). Quem
está em Cristo está seguro da vida eterna (1 Jo 1.7; 2.24,28), mas não há segurança
alguma para quem se afasta dEle. Esse é o testemunho do autor de Hebreus e dos
apóstolos em Gálatas 5.4 e também em 2 Pedro 2.20-22.
Esses fatos estão sintetizados na Declaração de Fé das Assembleias de
Deus no Brasil, que diz:
"Rejeitamos a afirmação segundo a
qual 'uma vez salvo, salvo para sempre', pois entendemos à luz das
Sagradas Escrituras que, depois de experimentar o milagre do novo nascimento, o
crente tem a responsabilidade de zelar pela manutenção da salvação a ele
oferecida gratuitamente: 'Vede, irmãos, que nunca haja em qualquer de vós um coração
mau e infiel, para se apartar do Deus vivo' (Hb 3.12). Não há dúvidas quanto à possibilidade
do salvo perder a salvação, seja temporariamente ou eternamente. Mediante o mau
uso do livre arbítrio, o crente pode apostatar da fé, perdendo, então, a sua
salvação: 'Mas, desviando-se o justo da sua justiça, e cometendo a iniquidade,
fazendo conforme todas as abominações que faz o ímpio, porventura viverá? De
todas as justiças que tiver feito não se fará memória; na sua transgressão com
que transgrediu, e no seu pecado com que pecou, neles morrerá' (Ez 18.24).
Finalmente, temos a advertência de Paulo aos coríntios: 'Aquele, pois, que
cuida estar em pé, olhe não caia' (1 Co 10, 12). Aqui, temos mencionada a real
possibilidade de uma queda da graça. Assim, cremos que, embora a salvação seja
oferecida gratuitamente a todos os homens, uma vez adquirida, deve ser
zelada e confirmada" .
Extraído do
livro: A supremacia de Cristo , Fé, esperança e ânimo na
carta aos Hebreus.
José
Gonçalves.
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