O Deus
de Jacó era o Deus de seu avô, Abraão. A piedade tem a virtude de passar de
uma geração para outra. Também o pecado. A queda
de Adão e Eva (cf. Gn 3), por exemplo, reflete-se nas sucessivas gerações,
quase como uma lei espiritual
da gravidade. Jacó pôde evidenciar ambos os fatos, pois não obstante a sólida constatação de que herdara a fé de Abraão, também deixou claro, nas vezes
que
optou pelo engano, seu estado decaído. Nele se percebe um
exagerado conflito entre o andar no Espírito
(pela fé) e o andar segundo a carne. Jacó foi uma curiosa combinação. Nele vemos o predomínio da natureza adâmica, com sua inclinação para a busca pelos próprios interesses, pelo ludíbrio,
pelas
sutilezas e pela falta de oração. Ao
mesmo tempo, como se estivesse sempre presente e pronta a explo dir através da crosta
de depravação, havia aquela fé não fingida no verdadeiro Deus e a crença em sua promessa. Ao que parece, Jacó
achava muito fácil e natural avançar baseado na
sua própria força, dependendo de suas
artimanhas, em lugar de submeter-se a Deus. Mas quando a pressão aumentava
muito, e este é um crédito dele, sua fé entrava em ação como se fora um gerador auxiliar, suprindo-o de poder. De fato,
Jacó
tinha o coração voltado para Deus, tendo evidenciado
sua tenacidade em apegar-se a Ele, pela oração, sempre que as circunstâncias
requeriam. Não era homem de desistir antes de obter a recompensa
da fé. E, embora existam boas razões
para crer que o silêncio de Jacó quanto à oração
abria caminho para as sutis e destrutivas manifestações da carne (que não foram
poucas), há igualmente evidências concretas
de que, quando ele finalmente
apelava para a oração, era
capacitado para escapar das armadilhas da carne e atingir uma
cobiçada estatura espiritual.
Uma evidência de que Jacó
realmente comungava com Deus é vista no capítulo 28 de Génesis. A essa altura,
ele já se envolvera num tremendo sortilégio. Não apenas enganara seu pai, mas
roubara de seu irmão mais velho o direito à primogenitura. Vemo-lo agora
fugindo para Harã no ensejo de evitar a ira de Esaú, descansando num lugar
chamado Betei. Mas Deus via além dessas picuinhas carnais, contemplando não só
o coração de Jacó, mas o cumprimento de um propósito divino superior. Foi
quando o visitou num sonho e disse que ele, Jacó, estaria diretamente envolvido
no abraâmico. Como consequência, Jacó orou e expressou
sua gratidão a Deus na forma de um voto:
E Jacó fez um voto, dizendo: Se Deus for comigo, e me guardar
nesta viagem que faço, e me der pão para comer e vestes para vestir, e eu em
paz tornar à casa de meu pai, o Senhor será o meu Deus; e esta pedra que tenho
posto por coluna, será Casa de Deus; e, de tudo quanto me deres, certamente te
darei o dízimo (Gn 28.20-22).
Fazer um voto a Deus é, com frequência,
parte de uma oração, e implica num sério compromisso: “Tu orarás a ele, e ele
te ouvirá; e pagarás os teus votos” 0 ó 22.27; cf. Nm 30.2; Ec 5.4,5).
A maior oração de Jacó ocorreu no momento
de sua maior tensão, quando temia por sua vida. Embora tivesse recebido ordens
divinas de retornar ao seu país e à sua parentela, após ter passado muitos anos
longe de casa, ele se viu dominado de modo intenso pelo medo. Esaú lhe pouparia
a vida? Quase vencido pelo medo e pela aflição, Jacó dividiu sua gente, seus
rebanhos e seus camelos em dois grupos, a fim de que um deles pudesse escapar
caso Esaú viesse contra o outro:
Disse mais Jacó: Deus de meu pai Abraão e
Deus de meu pai Isaque, ó Senhor, que me disseste: Torna à tua terra e à tua
parentela, e far-te-ei bem; menor sou eu que todas as beneficências e que toda
a fidelidade que tiveste com teu servo; porque com meu cajado passei este
Jordão e, agora, me tornei em dois bandos. Livra-me, peço-te, da mão de meu
irmão, da mão de Esaú, porque o temo, para que porventura não venha e me fira e
a mãe com os filhos (Gn 32.9-11).
Seu
medo, porém, era legítimo. Seu irmão vinha na direção dele à frente de
quatrocentos homens armados. Era o mesmo irmão de quem, por ludíbrio, ele
furtara tanto o direito de primogenitura quanto a bênção paterna. O medo é algo
terrível. Corrói a fundo uma pessoa. Espanta o sono e inflama o cérebro. O amado
João assim escreveu acerca dele: “Ora, o medo produz tormento” (1 Jo 4.18 -
ARA). E poderíamos acrescentar que seu único mérito é aumentar o problema. Que
fazer diante de nossos temores? Façamos com o Jacó — ele orou! E sua oração foi
extremamente exemplar. Primeiramente, ele identificou seu Deus: “Deus de meu
pai Abraão e Deus de meu pai Isaque”. Em seguida, ele identificou a promessa de
Deus a ele: “Torna à tua terra e à tua parentela, e far-te-ei bem ”. Ato
contínuo, ele identificou sua própria indignidade da bondade e das bênçãos ou
eu que todas as beneficências e que toda a fidelidade que tiveste com teu
servo”. Finalmente, ele identificou sua petição e o motivo de seu temor:
“Livra-me da mão de meu irmão, da mão de Esaú, porque o tem o”.
Jacó,
porém, não se contentou apenas em orar. Ele fez tudo isso com o propósito de
tapar a brecha existente entre ele e seu irmão. Mas, tendo feito tudo quanto
podia para estabelecer a paz com Esaú, ainda assim sentia uma profunda
incerteza e uma crescente consciência de que seu maior problema não era o
irmão, mas ele próprio. Que agonizante experiência, quando temos de admitir a
nossa própria condição! Tal percepção e a agonia só podem ser consertadas por
Deus: “Jacó, porém, ficou só; e lutou com ele um varão, até que a alva subia”
(Gn 32.24).
Quem era o homem contra
quem Jacó lutou? Jacó em breve o reconheceu: “E chamou Jacó
o nome daquele lugar Peniel,
porque dizia: Tenho visto a Deus face
a face, e a minha alma foi salva” (Gn
32.30). Relembrando a experiência de Jacó, anos
mais tarde, Oséias chega à mesma
conclusão: “Como príncipe lutou com o anjo e prevaleceu; chorou, e lhe
suplicou; em Betei o achou, e ali falou
conosco; sim, com o Senhor, o Deus dos Exércitos; o
Senhor é o seu memorial” (Os 12.4,5).
O fato simples foi que Jacó lutou
com
Deus. Não é difícil determinar a razão dessa luta.
Jacó queria a bênção de
Deus,
mas ao mesmo tempo Jacó era
a razão pela qual Deus não podia honrar seus apelos desesperados.
A luta perdurou a noite inteira. A noite toda Ja c ó clamou: “Abençoa-me!” E durante todo esse
tempo Deus respondeu:
“Qual é o teu nome?” A carne é,
ao mesmo
tempo, fraca e forte. É fraca porque
não pode prostrar-se diante de Deus e
morrer, e forte porque insiste em viver. Nunca é fácil
morrer,
mormente
para o próprio “eu” pecaminoso e carnal.
“Qual
é o teu nome?” Por que Deus seria tão insistente? Por que a luta se prolongou
pela noite inteira? Porventura Deus não sabia o nome dele? De fato, sabia. Mas
admitir o nome era expor o problema inteiro; significava desnudar o próprio
Jacó: o mentiroso, o suplantador, o enganador — era este o significado do seu
nome. Jacó podia admitir indignidade e necessidade (cf. Gn 32.10), mas quão
humilhante era aparecer despido diante do Deus Todo-pode- roso, sem qualquer cobertura
autofabricada, como as folhas de figueira do primeiro Adão.
Somente
depois que Deus tocou na resistência da carne (cf. Gn 32.25) é que ela se
rendeu, e surgiu a confissão. Finalmente, o teimoso lutador admitiu: “Eu sou Ja
c ó ”. Isso era tudo quanto Deus requeria, e escancarou a porta da bênção
divina. A confissão final de Jacó era a chave para ele tornar-se a pessoa que
Deus desejava que fosse. Por isso, Deus disse: “Não se chamará mais o teu nome
Jacó, mas
Israel, pois, como príncipe, lutaste com Deus e com os homens e prevaleceste”
(Gn 32.28).
Mediante sua oração e luta, Jacó
prevaleceu e se tornou Israel, vencedor e príncipe com Deus. Quando ele entrou
em luta com sua própria natureza humana e permitiu que Deus a regenerasse, o problema
de Jacó com seu irmão também foi resolvido. O principio continua valendo: os
problemas externos que trazemos diante de Deus em oração algumas vezes são
respondidos por um milagre de transformação interior.
Jacó jamais esqueceu aquela experiência em
Peniel. E também nunca mais foi o mesmo homem. Anos mais tarde, ele expressa
sua gratidão pela fidelidade de Deus, retornando ao local de outra experiência
sobrenatural — Betei — onde também edificou um altar em honra ao Deus que lhe
mudara o nome (cf. Gn 35.3).
Extraído do
livro Teologia bíblica da oração.
Robert L. Brandt e Zenas
J. Bicket
Todos os direitos
reservados. Copyright © 2007 para a língua portuguesa da Casa
Publicadora das
Assembléias de Deus. Aprovado pelo Conselho de Doutrina.
Título do original em inglês: The Spirit Help Us
Pray
Logion Press, Springfield, Missouri
Primeira edição em
inglês: 1993
Tradução: João
Marques Bentes
Revisão: Gleyce
Duque
Editoração: Flamir
Ambrósio
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