A
salvação é obra de Deus e é oferecida como presente pela sua graça (Ef 2.8-9),
não podendo ser alcançada por mérito ou esforço humano (Tt 2.11). Ela tornou-se
necessária após a experiência destrutível que o homem experimentou ao pecar no
Jardim do Éden, o que tornou deplorável o estado do homem.
Um
dos maiores tesouros que a raça humana perdeu com a Queda foi a capacidade de
amar plenamente a Deus, a seu semelhante e a si mesmo — essa era a essência da
imagem de Deus; agora, apesar da capacidade de amar, foi incorporada a
desconfiança, a ira, o rancor, o ódio e a vingança, que passaram a fazer parte
dos relacionamentos, alienando (separando) o ser humano do seu semelhante, de
Deus e de si mesmo. Isso é motivo de angústias e desesperos no ser humano.
O
pecado tem como consequência a destruição da comunhão com Deus, provocando
alienação; esta, por sinal, provoca a ira de Deus, bem como a culpa
(expectativa de horror pela alienação) no homem, impedindo-o de chegar-se a
Deus, estabelecendo a parede de separação (Is 59.2; Ef 2.14);
A
santidade de Deus exige uma restituição à altura; o homem, entretanto, não tem
condições de satisfazer essa exigência. Sendo assim, Deus evidencia sua
misericórdia e amor providenciando uma solução, mas a honra de Deus exigiu o sacrifício de um homem
perfeito como único
meio suficiente de reconciliação. O ser humano é incapaz
de satisfazer essa exigência. Assim, Cristo morreu em lugar da humanidade. Essa
incapacidade humana exigiu a morte de cruz para que se compreendesse o
imensurável amor de Deus.
Esse estado de pecado no
homem causou-lhe a culpa pelo pecado e o medo da morte como consequência (Rm
6.23). Antropologicamente, a culpa tenta ser amenizada aplacando o clamor da
alma do homem que lhe grita de forma ensurdecedora: “um preço precisa
ser pago”; a exemplo dos povos mais primitivos que criam formas
e rituais religiosos para amenizar essa culpa,
alguns deles sacrificando animais, fazendo oferendas ou sacrificando ao seu
deus algo que lhe custe caro, muitos crentes também podem estar tentando
aplacar esse grito de forma
errônea, ou sem estarem entendendo todos os benefícios da salvação, ou, ainda, querendo
aprofundar esse tema. Daí a necessidade de estudarmos o significado
da salvação em Cristo Jesus.
Para
livrar-se desses medos anteriormente descritos, o homem procura criar preceitos
morais e éticos5 que limitam sua esfera de ação,
definindo o que é certo e o que é errado. Quando transcende esse limite, ele
sente-se culpado e condenado. Quando se comporta dentro desse limite, pode
sentir-se falsamente bem. Alguns
círculos religiosos têm procurado satisfazer essa ansiedade traçando para si limites mais estreitos, ou
seja, quanto maior seu sentimento de culpa e condenação, mais eles tentam, com
isso, amenizar sua consciência. Tal situação
pode produzir sujeitos
neuróticos e doentes,
que muitas vezes não conseguem viver a plenitude da salvação e nem se contentam
enquanto os outros não se tornarem como eles. Abusados, tornam- se abusadores
da liberdade dos outros e vice-versa, num constante círculo vicioso de
proselitismo doentio.
O
crente precisa transferir esse apelo para Cristo para livrar-se do legalismo e
da culpa. Todos os falsos deuses e legalismos exigem algo do homem para aplacar
a ira desse “deus”, mas o Deus verdadeiro fez o contrário: Ele deu a si mesmo
em resgate da humanidade! (cf. Gl 1.4)
1. O CONCEITO BÍBLICO DE
SALVAÇÃO
A
palavra salvação em latim é composta por salvare (tornar seguro) e por salus
(boa saúde, ajuda). Disso, é oriundo o cumprimento latino “salve” como um
desejo de boa saúde. Portanto, salvação é um termo abrangente cujo significado
evoca bem-estar físico, mental, social e espiritual, justamente o que a Bíblia
diz ser cura, redenção, remédio, completude, inteireza, integridade e
integralidade. “Salvação significa a ação ou resultado de livramento,
preservação de algum perigo ou enfermidade, subentendendo segurança, saúde e
prosperidade.”6 A salvação
não é uma ideia ou um projeto apenas; é uma pessoa.
É o próprio Jesus, o próprio
Deus quem se dá. Em sua presença todos os debates intermináveis que despertam
em nós o sentimento de culpa, todas as diferenças moralistas e nossas defesas
contra os julgamentos de outros, tudo isto se esvai. [...]
O remorso é silenciado pela sua absolvição. Ele substitui o remorso
com uma simples pergunta, aquela
que fez para o apóstolo Pedro:
“Tu me amas?” (Jo 21.15).7
Tanto
os nomes de Deus e de Jesus no hebraico têm semelhanças com a palavra salvação,
que é yeshü‘â (livramento, facilidade). Yahweh é Jeová em Êx 14.13 e combina
esse nome com o anterior
para designar livramento. Yehoshua significa
Josué, que é derivado de Yeshua (Jesus), que significa
“Yahweh é a salvação”. Portanto, há uma semelhança semântica muito
interessante que designa Jesus como o Salvador. “E vimos, e testificamos que o
Pai enviou seu Filho para Salvador do mundo” (1 Jo 4.14). A palavra para “paz”,
em hebraico shãlôm, cujo significado é completude, saúde, bem-estar,
harmonia, paz e algo que não foi violado, tem raiz comum com a palavra
“salvação”.
O sentido original de
salvação (de salvus, “curado”) pode ser interpretado como cura. A
humanidade precisa ser curada do pecado. Nesse sentido, curar significa reunir
Deus e o ser humano, que estão separados um do outro, e superar a divisão e a
inimizade entre as pessoas e Deus. É exatamente por isso que Jesus disse à
mulher que foi curada por tocar na vestimenta dEle: “Filha, a tua fé te salvou”
(Mc 5.34).
“Salvação”
tem origem também na palavra grega sóter. O vocábulo “soteriologia” é um
termo teológico composto por duas palavras gregas: sōtēria que
significa “salvação, cura, recuperação, redenção, remédio, bem- estar”, e do
substantivo logia, cujo significado primário é “estudo, tratado ou
ensino”. Em sentido literal, soteriologia é “o estudo, ensino, ou tratado
acerca da salvação”. O substantivo grego soteria ocorre cerca de
quarenta e cinco vezes nas Escrituras Neotestamentárias, enquanto o verbo “sōzō” (salvar, conservar do mal, socorrer),
ocorre cento e seis vezes.8
Salvação
é a saída do estado de pecado para o estado de graça e perdão. O cristão que
aceita a Jesus como seu Salvador vive sua vida de forma abundante, ou seja, ele
experimenta não apenas a certeza da vida eterna, mas também, já aqui nesta
vida, a antecipação do Reino de Deus, podendo viver em paz, em saúde e em
prosperidade em todas as dimensões da vida; além disso, ele experimenta também
a comunhão com Deus, o perdão e a libertação dos pecados, apazigua sua alma de
temores, desfruta a vida em felicidade; ele é nova criatura e esforça-se para
compartilhar e implantar as realidades do Reino de Deus em sua vida e no mundo.
Salvação significa que Cristo fez a expiação pelo pecador, ocupando seu lugar
na cruz (passado); significa que o crente é regenerado e santificado (presente)
e será glorificado integralmente (futuro).
Existem várias doutrinas
bíblicas relacionadas à salvação; algumas delas serão discorridas neste livro,
dentre as quais citamos:9 do pecado (Rm 3.23);
da graça de Deus (Tt 2.11); da expiação (Lv 17.11); da redenção (Ef 1.7); da
propiciação (Êx 32.30); da fé salvífica (Ef 2.8); do arrependimento (Mc 1.14-
15); da confissão dos pecados
(Rm 10.9-10); do perdão dos pecados (Cl 3.13); da regeneração (1 Pe 1.3); da
adoção (Gl 4.5-6); da santificação (1 Co 6.11); da eleição divina (1 Pe 1.2);
da predestinação dos salvos (Rm 8.29); do livre-arbítrio (Mc 16.16); da
justificação (Rm 8.30) e da glorificação futura (Rm 8.30). Os principais
aspectos da salvação,10 que serão
abordados num capítulo específico, referem-se à regeneração, à justificação e à
santificação.
Essas doutrinas podem ser
divididas em duas partes, que são: (1) as provisões feitas por Deus, que
incluem a morte, ressurreição, ascensão e exaltação de Cristo; e (2) a
aplicação das provisões, que são arrependimento, fé, justificação, regeneração,
adoção, eleição, santificação, confiança e segurança.11
No
Antigo Testamento, a salvação está relacionada a escapar das mãos dos inimigos,
à libertação da escravidão e ao estabelecimento de qualidades morais e
espirituais (Is 33.22ss;). Portanto, diante de ameaças de calamidade física (Êx 15.25), de perseguição (Jz 15.18; 1 Sm 10.19;
2 Sm 22.3), de escravidão, de doenças e da morte, Deus promete
salvação no sentido
de libertação (Êx 14.13; 15.2,13), livramento e cura (Is 38.16; 58.8).
As narrativas do Antigo Testamento têm em vista demonstrar como Deus intervém
na história através do amor e, com isso, fica evidente seu imenso interesse em
salvar a humanidade perdida.
A
salvação no Antigo Testamento envolve o fato de que, quando há transgressão do
povo de Deus e o consequente cativeiro, Deus provê libertação (Ne 9.27; Is
46.13; 52.10). Assim sendo, salvação no AT aponta para várias figuras e tipos de Cristo como o Messias
Salvador. Os personagens de José do Egito, Moisés,
Josué, Davi, Isaías
e vários reis e
profetas apontam para o caráter salvífico que Cristo efetuaria de uma vez
portodas na cruz do Calvário.
O sacrifício de Cristo teve um grande sentido salvífico. Foi
um favor imerecido da parte de Deus para com os pecadores
que deveriam sofrer merecidamente, mas Cristo fez essa
substituição: o santo pelos pecadores, o justo pelos injustos. Os sacrifícios
do Antigo Testamento tinham sua transitoriedade temporal, mas o de Cristo teve
validade eterna, como escreveu o autor de Hebreus: “mas este, havendo oferecido
um único sacrifício pelos pecados, está assentado para sempre à destra de Deus”
(Hb 10.12).
Paulo,
em suas epístolas, é quem mais esclarece os conceitos de salvação, mostrando
que não há salvação por intermédio da Lei, nem por esforços humanos, mas
unicamente pela graça de Deus (Gl 2.16). Cabe ao homem confiar pela fé na
retidão de Cristo que o redimiu por sua morte e que o justificou por sua
ressurreição (Rm 4.25). Através de Cristo, Deus justifica o pecador sem que
este mereça, perdoa o seu pecado, reconcilia-o consigo (Rm 5.11), adota-o em
sua família (Gl 4.5), dando-lhe o selo do seu Espírito, fazendo dele uma nova
criatura. O Espírito Santo capacita o crente a viver em santidade, mortificando
a força do pecado, tornando-o semelhante a Cristo (Rm 8.29), esperando sua
salvação completa e gloriosa (Fp 3.21).
2. A IMPORTÂNCIA DA DOUTRINA
DA SALVAÇÃO
A
importância da doutrina da salvação dá-se porque Jesus é o único mediador entre
Deus e os homens (1 Tm 2.5). Ele é o único Salvador, e sua obra salvadora
abrange todas as dimensões humanas: física, emocional, mental, religiosa,
social, econômica, histórica e escatológica. Portanto, algo tão abrangente é de
suma importância para ser conhecido por todos os crentes. Ela significa que o
crente experimenta uma nova vida em Cristo, onde a salvação é a porta de
entrada no Reino de Deus e da vivência das realidades deste Reino, aqui e
agora, e que receberá a plenitude dEle na vida eterna.
As realidades presentes na
salvação no aqui e agora dizem respeito à indelicada posição que o homem ocupa
diante de Deus por causa do pecado, que é desafiá-lo em arrogância e “desejo de
ser igual a Deus. [Em] asserção de independência humana contra Deus”.12 O homem encontra-se alienado, fracassado, escravo, rebelde, enfermo e condenado à
morte; mas, através da salvação, essa condição é resolvida, dando-lhe condições
satisfatórias de viver em harmonia consigo, com Deus e com o próximo.
Por melhores que sejam, nem a religiosidade e nem mesmo condições sociais e
econômicas favoráveis podem mostrar-se eficazes no combate à angústia do
pecado, à culpa e à condenação ao Inferno. Somente a obra salvadora de Cristo,
aceita em atitude de fé e confiança, pode trazer alívio a essa terrível
condição humana. A salvação de Cristo proporcionou-nos a salvação do Inferno —
a chamada morte eterna — e a salvação em relação àquilo que conduz ao Inferno,
que é o pecado.
Embora
haja na vida do cristão um momento de conversão, de ruptura com uma velha vida
e nascimento para uma nova vida em Cristo, é necessário esta ser acompanhada de
um sempre maior conhecimento de seus benefícios (1 Tm 2.4). Nesse sentido,
deve-se tomar o capacete da salvação e a couraça da justiça (Ef 6.14,17); e
preencher a mente e o coração com as verdades e mudanças processadas através da
salvação para estarmos livres das investidas de Satanás, que coloca dúvidas, e
para compreendermos conceitos e práticas fundamentais da doutrina cristã da
salvação e apropriarmo- nos sempre mais dos benefícios espirituais e materiais
desta tão grande salvação.
A
salvação abrange todas as dimensões da vida; para isso, basta apenas aceitar a
Cristo (Rm 10.10) — muitas vezes, seu processo é lento e requer compreensões
maiores — é o que chamamos de aperfeiçoamento dos santos. Como a salvação pode
ser negligenciada (Hb 2.3), devemos esforçar-nos para conhecer e
apropriarmo-nos de todos os seus benefícios, dentre os quais citamos:
livramento da condenação do Inferno, libertação do poder do pecado e do poder
das trevas (Cl 1.13) para experimentar a redenção em Cristo (1 Pe 1.18,19),
para cuidar da criação (Rm 8.22), para andar segundo o Espírito (Rm 8.1), para
nascer de novo (Jo 3.5) e participar da ressurreição (Cl 3.1).
A
realidade da salvação convoca-nos para um agir no mundo, como uma antecipação
do Reino de Deus, promovendo a paz, o amor e a justiça numa sociedade caótica e
carente de Deus, cujos valores estão cada vez mais deturpados pelos
pecados da ganância, do egoísmo, do individualismo, do capitalismo selvagem e de toda
variedade de situações que o pecado cria e impõe sobre o homem. Dessa forma, o
evangelho torna-se a única solução possível, cabendo àqueles que foram
alcançados por ele propagarem essa tão grande verdade a respeito da bondade e
do interesse de Deus em proporcionar vida plena a todo ser humano.
Embora
a salvação tenha implicações para a eternidade e religue o ser humano a Deus,
ela manifesta-se também no tempo presente, na
reconciliação do relacionamento do ser humano com o outro, “no pão sobre a
mesa, no bem-estar do corpo, numa mente sadia” e num relacionamento saudável
consigo e com a criação. “Esta vida humana reconciliada com Deus anda em
justiça, amor e na prática do bem (At 27.20,31,34; Rm 1.16; Ef 1.1- 14)”.13
A compreensão da doutrina da
salvação nos primórdios era entendida como fuga do mundo, depreciando-se a
criação e desconfiando de todas as coisas da vida nesta terra. Hoje, os
pentecostais já pensam de outra maneira, sentindo sua responsabilidade que
engloba a vida em sua plenitude. O sopro do Espírito, através da educação
teológica, tem aberto os olhos para a estética, as artes e as questões públicas
e políticas; portanto, uma salvação que tem implicações práticas de construir
uma vida melhor.14 Entretanto, os
extremos devem ser salientados, pois uma preocupação com a vida apenas aqui
nesta terra tem indícios de Teologia da Prosperidade, o que novamente é uma
afronta à obra de Cristo na cruz que, além de preparar-nos uma vida plena aqui
na terra, prepara-nos especialmente para a vida além.
3. A SALVAÇÃO PROMETIDA NO
ÉDEN
O pecado é a ruptura da
comunhão do homem com Deus e a ruptura da comunhão dos homens entre si; é o
fechamento do homem sobre si mesmo como multiforme atitude de ruptura com os
demais e também com a natureza, a flora e a fauna, promovendo destruição e
morte. Essa é a realidade do homem desde que ele pecou no Jardim do Éden. Como
consequência natural do pecado, Deus disse que a terra perderia parte de sua
capacidade produtiva; por conseguinte, todos os animais e plantas também
sofreriam as consequências. Deus ainda disse que tanto o homem quanto a mulher
teriam esforços excessivos e dores para organizarem suas vidas fora do Éden e
que seus próprios corpos experimentariam as consequências do pecado até mesmo
nas situações econômicas e sociais e, por fim, a terrível sentença de morte.
Portanto, o pecado foi a pior tragédia para o homem como jamais se presenciou
na história.
Num
sentido ético, as consequências do pecado foram que:15 (1) ocorreu a depravação ou corrupção da natureza humana.
No pentecostalismo, tal depravação não impede que o homem responda
positivamente ao gesto gracioso de Salvação que Deus oferece; (2) originou-se a
culpa como obrigação de reparar pelo pecado cometido diante da santidade
divina; (3) uma pena teria que ser paga, ocasionando sofrimento e perdas para
reparar o dano; outra consequência do pecado foi que, ao se sentirem
culpados, o homem e a mulher
(4) afastaram-se de Deus, alienaram-se dEle — o que é um estado natural do
homem pecador —, mas a salvação em Cristo proporciona o reencontro com Deus
religando a comunhão com o Criador, que é necessária e vital para o ser humano.
A partir do momento
que pecou, a raça humana passou a expressar e vivenciar a maldade; até então, viviam
nus um diante do outro, ou seja, não havia limites para conhecerem um ao outro,
e eles podiam relacionar-se com confiança plena; a partir do pecado, eles
tiveram que encobrir a maldade do coração para conseguirem relacionar-se. A
obra de Cristo permite-nos conviver em verdade e sinceridade, pois a maldade do
coração é substituída pela capacidade de relacionar-se em amor, bondade e
cuidados como uma consequência prática da salvação.
A
resposta que Adão e Eva deram a Deus ao serem questionados por Ele após pecarem
aponta para o fato de que o homem é incapaz de resolver o problema do pecado e
de sua salvação. Ambos transferiram suas culpas para outros, e foi justamente
essa a solução que Deus já havia providenciado: a substituição. Naquele
instante, Deus transferiu a culpa para um animal inocente, cuja pele foi usada
para cobrir a nudez, o qual simbolizava Cristo, que seria o sacrifício perfeito
para salvar a raça humana e cobrir a nudez do pecado.
Deus
anunciou no Éden o que é chamado de protoevangelho, ou seja, a primeira vez na
história humana em que é proclamado que Deus daria um jeito definitivo para a
queda do homem. Deus não abandonou o homem, pois sabia que este não
sobreviveria nesse estado, que lhe rouba toda a alegria e vitalidade. O intento
de Satanás não ultrapassa a tentativa de ferir o calcanhar do homem, mas
Cristo, através de sua salvação outorgada na cruz, esmaga- lhe a cabeça,
significando uma solução definitiva para o estado do homem (Gn 3.15). A peçonha
do pecado, que Satanás tenta passar ao ser humano quando fere seu calcanhar, é
aniquilada pela morte redentora de Cristo. Portanto, Deus promete a salvação ao
ser humano apesar de sua condição de rebelado, de pecador e de inimigo de Deus
por causa do pecado. Ainda mais:
Deus pode realizar o que
promete, pois Ele é fiel.
O
Senhor prometeu salvação ao homem desde que este pecou no Jardim do Éden. A
partir desse momento, Deus moveu-se na história humana a ponto de, em todas as
suas intervenções, manifestar sua intenção de salvar, curar e preservar a raça
humana. Existe a história geral da humanidade como micro- história,
protagonizada pelos homens, e também a história da salvação como
macro-história, protagonizada pelo próprio Deus. A história humana é emoldurada
pela história de Deus e tem a ver com as intervenções que Ele faz de
acontecimentos ligados entre si pelo nexo soteriológico/revelacional. Assim
sendo, Deus revela-se à humanidade através da história da salvação, a
macro-história, cujos eventos são essenciais para que a mensagem do evangelho
seja entendida.
Jesus inseriu-se na história
da salvação como seu executor, proclamador e mediador, criando a redenção com
sua morte. Os apóstolos declararam fé no novo evento divino e interpretaram-no
de forma soteriológica. É feita uma nova revelação da história da salvação a
Paulo, o qual se sente chamado a expô-la aos pagãos. Tal revelação é a
exposição do desígnio divino de redenção (Gl 1.12ss).
O apóstolo João dá uma claríssima base histórico-
soteriológica em que Jesus ocupa posição central ao longo da trajetória da
história da salvação. A Igreja, por sua vez, acolhe o Antigo Testamento no Novo
Testamento significando que a fé cristã é fé numa ação divina para a salvação
ao longo da história.16 Assim, o fio vermelho
(linha central) de toda a Bíblia é Cristo, de onde decorre toda a história
humana. A morte de Cristo na cruz e sua ressurreição são o ápice
da história da salvação que Deus
vivencia com a raça humana. Nessa morte, todo o amor, misericórdia e bondade de
Deus manifestaram-se como um gesto salvífico sem comparações na história.
As
intervenções de Deus na história têm como alvo central a revelação de si mesmo ao homem através
de seu Filho. Assim, a própria Bíblia,
a consciência e natureza
e, finalmente, Cristo,
são a revelação de Deus na
história. As intervenções de Deus na história
da humanidade são sempre
cheias de amor, bondade e justiça, inclusive as intervenções particulares
(histórias individuais de cada um). As suas intervenções vão muito além da fé
pessoal naquilo que Ele é capaz de fazer, ou seja, elas extravasam o limite de
fé. Se nossa fé pessoal fosse limitada, Deus deixaria de ser Deus, pois seu
agir vai muito além de nossa capacidade de crer, e não haveria história da
salvação para contar.
Segundo
Oscar Culmann (1902–1999), toda a história da salvação está virtualmente
contida num único evento: no fato de que todo o passado da história da salvação
tende para essa intervenção; dela brota todo o presente e representa todo o
futuro da redenção, ou seja, para a morte de Cristo na cruz, inaugurando o “já
agora” da redenção, quando estamos na fase intermediária da salvação definitiva
chamada de “ainda não” escatológico. A morte de Cristo na cruz foi a batalha
decisiva da história da salvação, mas a vitória final será dada no fim da
história. Dessa forma, vive-se, na atualidade, na tensão (spannung)
aflitiva e hostil empenhada pela força das trevas e do mundo entre o “já agora”
e o “ainda não”.17 A morte de Cristo,
embora sendo o centro da história, não é o seu fim; porém,
profeticamente, tem caráter final, conclusivo, sendo o início da vitória final.
Em Cristo, a salvação de Deus revela sua integralidade e torna-se visível.18
Deus
faz a macro-história acontecer quando cria todas as coisas e intervém quando
for preciso. A título de exemplificação, ele interviu: quando do sacrifício
temporário para o pecado original; para proteger Caim; no Dilúvio, para refrear
o mal; na Torre de Babel, para evitar o caos; no chamado de Abraão e nascimento
de Isaque; na ascensão de José, para preservar seu povo da fome;
na liberação do Egito com milagres evitando
a opressão de seu
povo; no provimento das necessidades de Israel na travessia do deserto; na
conquista da Terra Prometida; na escolha de Davi e de sua linhagem como rei; no
envio de profetas que avisaram seu povo da destruição e do cativeiro; na ida
para o cativeiro, para eliminar a idolatria de seu povo; na ascensão de Ester a
um trono pagão para proteger seu povo; na libertação do cativeiro babilônico;
tudo isso visando à sua maior intervenção na história humana: o envio de seu Filho ao mundo. O Senhor interveio, ainda, na descida
do Espírito Santo em Pentecostes; na disseminação do evangelho aos gentios
através de Paulo; na capacitação da igreja para a revelação de Jesus Cristo na
terra; no chamamento particular de cada um para a salvação; na escolha e chamado
para o ministério de cada um. Ele, da mesma forma, intervirá na volta de Jesus
para arrebatar seu povo e também quando se fizerem novas todas as coisas e,
enfim, morarmos para sempre com Ele na nova Jerusalém.
Existem três instâncias
humanas que a promessa de salvação opera. Temos a passada e instantânea, que se
refere tanto ao sacrifício efetuado temporalmente na cruz no tempo passado
e a imposição do alcance
dessa morte no pecador agora redimido que confiou em Cristo para o
perdão e que, assim, torna-se filho de Deus e co-herdeiro com Cristo (Cl 1.22).
A segunda instância é a presente e progressiva, cuja ação santificadora do
Espírito demonstra em atitudes, palavras e ações (Fruto do Espírito) o que
aconteceu internamente no passado (Fp 3.12-13; 2 Pe 3.18). A terceira instância
é a futurista e escatológica, que é a finalização definitiva da salvação em que
nem o pecado nem a morte terão qualquer domínio sobre o crente e quando
estaremos para sempre com o Senhor.
Deus
tem poder ilimitado e demonstra sua intervenção na história, apesar de os acontecimentos e catástrofes apontarem, muitas vezes, para o caos. Além disso, o protagonismo humano na história,
na maioria das vezes, é destrutivo, tendo em vista sua situação
de pecado; todavia,
a história da salvação de Deus em Cristo terá um
final feliz e tem força sobre os acontecimentos presentes, pois foi efetuado
com um alto preço na cruz do Calvário. Cabe aos alcançados por essa salvação
utilizar sua capacidade profética de interpretar o tempo presente e denunciar
onde os seres humanos violam a história da salvação divina. Os alcançados
trabalham em favor do evangelho para que a salvação alcance os confins da terra,
os corações mais endurecidos e as situações de miséria humana como, por exemplo, fome, guerras, opressão e destruição, a fim de que os benefícios dessa
salvação sejam acessíveis a todos os que sofrem
pelas condições precárias da vida humana e
também pelas perdas que o pecado causou a toda a humanidade. Ele é antes do
início, foi crucificado (passado), reina agora invisível e voltará no fim dos
séculos para estabelecer seu reinado eterno.
Extraído do livro: A obra da Salvação.
Por: Clainto Ivan Pommerening.
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